A INFLUÊNCIA DA MACONHA NO FOLCLORE MARANHENSE ERASMO DIAS
Aprecie este texto do escritor Erasmo Dia publicado em 1974, na Revista Maranhense de Cultura sobre a maconha e a lenda do Rei Dom Sebastião. O que há de mais impressionante nas sagas que constituem o riquíssimo folclore da zona litorânea do noroeste do Maranhão, não é a perfeição histórica e fabulosa com que elas são repetidas, mas, sim, o depoimento, com guizos de veracidade, de trabalhadores, alguns alfabetizados, que, além de garantir, juram as ter visionado. Figuremos o lendário dos Lençóis: há, sem dúvida alguma, muito de histórico na repetição da saga, por certo transmitida de geração em geração, pelos meios de comunicação mais verazes, se bem primários; o narrar e o estudar para depois transmitir. Vejamos a facilidade com que essa legenda se formou e é mantida, há séculos. Cururupu foi povoada por lusônios e por negros escravos. Alguns desses portugueses vieram das ilhas açorianas, de onde se explica a lavoura canavieira que predominou, numa terra pontilhada de praias, que vão receber, a todo momento, o banho verdejante do Atlântico. Mais lógico seria ser – não fossem as origens do colonizador – terra de pescadores, como de fato o é, nas regiões praianas. Ora, aportada nestas, plagas pelos Seiscentos e pelos Setecentos, a gente portuguesa vinha para ali, no mais derramado misticismo, daquilo que se chamou sebastianismo, ou a ânsia de regresso de quem Camões nomeou na sua epopéia, “a maravilha fatal da nossa idade”. A ilha dos Lençóis, pela sua solidão e pela configuração de suas dunas, que, para a visão de quem vem do mar, semelha lençóis, arrumados para serem guardados numa arca, ofereceria, por certo, ao colonizador, de alma sedenta de esperança do Retorno, a visão e a remembrança das areias marroquinas, de AlcácerQuibir. Para espanto, porém, do pesquisador contemporâneo, foram guardadas palavras tais como: donzel, açafata, terém, quartilho, ouropel, uxaria, etc. essas palavras repontariam não só nos repetidores da saga de origem branca, como invadiriam os cantares dos cultos afro-brasileiros, em toda a região do noroeste. O príncipe, designação dada a El-Rei D. Sebastião e só usada naquele remoto 500, haveria de encantar nas ardências da areia dos Lençóis, como tombara, aguerrido e destemeroso, em Alcácer-Quibir, e, pelo equinócio de verão, na noite de fogos dedicada pelos cristãos a São João, repontaria, no seu encantamento, na figura mística de um touro negro a resfolegar chamas azuladas, que, para os entendidos do seu mistério, estava esperando a chegada do homem, jovem e viril, que lhe ferisse a estrela branca da testa, para desencantá-lo, e, dos Lençóis subir das águas à Corte de Queluz, com o conseqüente afundamento da cidadecapital, fundada por fidalgo estrangeiro e de nome de Santo e Rei, taumaturgo e soberano em terras estrangeiras, nunca na de Portugal.