Adoráveis e Dissimuladas

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“ADORÁVEIS E DISSIMULADAS”: as relações amorosas e sexuais de mulheres pobres na Belém do final do século XIX e início do XX

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As meninas destes processos-crimes viviam em casas simples, cortiços, ou na casa “opulenta, conforme sua mãe foi criada de alguém ou não (ou ela própria)”, como descrevera Veríssimo. O retrato traçado por este autor acerca da história de vida dessas meninas, seus amores e seu trabalho, não dá conta da multiplicidade das trajetórias narradas e atualizadas nos processos de defloramento e, conforme buscaremos demonstrar, a fatalidade da “queda” a que elas estariam predestinadas, como é apontada no conto, não corresponde à totalidade das representações que estas meninas pobres faziam de seus dramas de amor. A “queda” ou perda da virgindade, a geração de uma gravidez, a vivência de um romance, ganham uma outra dimensão em suas falas, que passaremos a conhecer a partir da segunda parte deste trabalho.

1.2 Montando o cenário Ao seu lado aquele malcreado, encostando as coxas nas suas; muito chegado a si, comunicando-lhe o calor sensual da carne que, atravessando as roupas, lhe pertubava os sentidos naquela mórbida sensação recebida através dos sentidos pelos nervos sensitivos do tacto. (...) Existem typos dessa ordem, de costumes depravados, (...) e fazem dos bonds o seu campo de acção, aproveitando as ocasiões de apertos para seu disfarce26.

Nesse pequeno trecho do conto de Alfredo Ladislau, publicado em 1904, o autor narra uma viagem de bonde feita pela menina Júlia indo à casa

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pela goma elástica no período convencionalmente denominado como a bélle époque paraense, fez circular nos portos de Belém juntamente com bens de consumo, hábitos e costumes presentes nas práticas de uma elite que enviava seus filhos para estudarem em Paris, realizava viagens nos vapores para a Europa, valorizava o uso de palavras e expressões francesas, e mandava buscar tecidos, roupas, vestidos, chapéus e perfumes de Paris como símbolo de riqueza, sofisticação e civilidade, desfilados nos principais clubes, bailes e teatros da cidade. Dentre os trabalhos voltados para estudos que têm como referência a bélle époque paraense, ver: Salles, Vicente. Épocas do Teatro na Grão-Pará ou Apresentação do Teatro de Época, Tomo I, UFPA Belém, 1994, p. 8889. Bassalo, Célia Coelho. O “Art Nouveau” em Belém. UFPA, 1984. Alvarez, Luzia Miranda. Retratos de Mulher In: Saia. Lacos e Ligas: Construindo Imagens e Lutas (Um Estudo Sobre as Formas de Participação Política e Partidária das Mulheres Paraenses 1910-1937). Tese de Mestrado, UFPA 1990. p314-428. Coelho, Gerraldo Mártires. O Brilho da Supernova; A Morte Bela de Carlos Gomes. AGIR, UFPA Belém, 1995. 109-111. Sarges, Maria de Nazaré. Riquezas Produzindo a Bélle Époque. Belém do Pará (1870-1910), Tese de Mestrado, Recife, 1990, p. 92-165. Ladislau, Alfredo. Conunentarios. In: Scenas da Vida Paraense (ligeiros contos). Typografía da Imprensa Oficial, 1904, Belém, Pará.


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