Adoráveis e Dissimuladas

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“ADORÁVEIS E DISSIMULADAS”: as relações amorosas e sexuais de mulheres pobres na Belém do final do século XIX e início do XX

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remonta ao tempo em que saíram de seus estados e vieram para a capital da borracha, onde mantiveram os laços de compadrio e vizinhança, mantendo uma rede de solidariedade, acionada no momento em que são chamados a depor para falarem o que sabiam acerca do defloramento de uma menor que alguns conheciam “desde criança” – o que implicava expor em público o seu caráter e comportamento. O namoro com “a menina do lado”, expressão usada aqui como metáfora para se referir uma menor vizinha ou mesmo àquela pertencente a mesma naturalidade do ofensor, está portanto presente em boa parte dos processos por nós consultados.

2.4 A família e o namoro Aparentemente, a existência do relacionamento e a realização não apenas de uma, mas de várias cópulas carnais entre o casal de namorados, era de total desconhecimento da família da menor. Em parte dos processos, os parentes só ficavam sabendo de seu namoro com o ofensor após algum tempo passado desde o início dos primeiros encontros, ou ainda quando começava-se a perceber mudanças no contorno do corpo da menina, revelando a sua gravidez. Em algumas situações, os pais recebiam bilhetes/cartas anônimas denunciando o namoro da filha, ou liam pelos jornais revelações de seu defloramento. Em outras, a mãe simplesmente se deparava com a ausência da filha durante uma madrugada e, então, a partir daí, descobria os passeios noturnos que essa realizava com seu namorado quando todos estavam “agasalhados”. Na maior parte das vezes, as meninas só contavam pessoalmente aos pais ou tutores acerca do namoro quando os seus namorados fugiam e/ou descobriam que estavam grávidas. Todavia, Leocádia, de 13 anos de idade, contou logo depois de três dias ao pai e à madrasta que tinha sido deflorada, pois “achando-se vechada por não querer chegar junto aos mesmos, sua mãe de criação perguntou-lhe qual a razão e pondo-a em confissão, a respondente declarou que achava-se deflorada desde quinta-feira”84. Os pais de Mirandolina, uma paraense de 16 anos, não sabiam do namoro da filha com Nogueira, nem tão pouco que esses se encontravam no quintal 84

Auto crime de defloramento, Leocádia Edivirges. Outubro, 1886. s/doc.


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