AVESSA

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verão 2023 | R$35,00
2 AVESSA

Sabe por que a gente incentiva tanto a cultura?

Porque ela incentiva as transformações na sua vida ;-)

Viemos aqui para reforçar o compromisso da avessa: trazer conteúdos em busca de desconstrução e livres de preconceitos, que sirvam como uma companheira para nossas leitoras. Nosso objetivo é mostrar caminhos para viver uma vida mais livre, sem barreiras e limitações, quebrando tabus e abrindo novas possibilidades de pensamento e ação.

Acreditamos que é fundamental indicar novos lugares para conhecer e mostrar realidades diferentes, pois assim é possível ampliar nossa visão de mundo e quebrar estereótipos. Queremos mostrar para nossas leitoras que o mundo de hoje ainda se aplica muito a elas, e que é possível viver uma vida plena, realizada e feliz em qualquer idade.

Nós entendemos que a idade não é um limite para o conhecimento, a inovação e a descoberta de novas experiências. Ao contrário, é uma fase da vida em que se tem muita sabedoria acumulada e a oportunidade de explorar novos horizontes. Por isso, trazemos conteúdos que abordam temas diversos e que são relevantes para todas as nossas leitoras.

Esperamos que a AVESSA possa ser uma fonte de inspiração e aprendizado para todas vocês, e que possamos juntas construir um mundo mais justo, livre e igualitário. Acreditamos que a informação é uma ferramenta poderosa para a mudança, e estamos comprometidos em trazer sempre conteúdos de qualidade que ajudem a desafiar o status quo e a buscar novas formas de viver e de se relacionar com o mundo.

Estamos sempre abertos ao feedback e sugestões de pautas, pois nosso objetivo é construir uma relação de confiança e cumplicidade com nossas leitoras. A AVESSA é uma revista para todas nós, que queremos viver uma vida mais livre e feliz.

Escola Superior De Propaganda e Marketing

Turma DSG 3B 2023

Projeto 3

Marise de Chirico

Cor, Percepção e Tendência

Paula Csillag

Produção Gráfica|Materiais e Processos

Mara Martha Roberto

Finanças Aplicadas ao Mercado

Alexandre Ripamonte

Marketing Estratégico

Ana Estrada

Ergonomia

Matheus Alves Passáro

Auresnede Pires Stephan

Projeto Editorial e Gráfico

Alícia Fornari

Luiza Firetti

Gabriela Chuang

Maria Manuela Matos

MANU BLUE ALI GABI

COLABORADORAS

ZHONG LIN

Começou sua carreira em produções cinematográficas. Seus trabalhos já foram exibidos na Vogue britânica, Harper’s Bazaar, elle, w Korea e L’Officiel, quando não está no set de filmagens de editoriais ou campanhas de moda, Lin viaja para tirar retratos pessoais e imagens sobre estilos de vida de diversas pessoas.

MILLY

LACOMBE

É escritora, roteirista, corintiana e feminista. Nasceu no Rio, fez Rádio e TV na FAAP, trabalhou como comentarista esportivo na Globo e na Record, como colaboradora da Folha de S.Paulo em Los Angeles, foi diretora de redação da Revista Tpm e roteirista do programa Amor&Sexo na Globo.

GIOVANA MADALOSO

Escritora e autora de Suíte Tóquio, Tudo pode ser roubado e A teta racional, é colunista do Jornal Rascunho e da plataforma de mudanças climáticas Fervura. Graduada em Jornalismo pela UFPR, trabalhou como redatora publicitária, enfrentou a resistência das editoras para estreia de seu livro.

MARIA RIBEIRO

É atriz, escritora e diretora de cinema brasileira, já ganhou vários prêmios, incluindo um Grande Otelo, um Prêmio Guarani, um Prêmio Qualidade Brasil e um Kikito do Festival de Gramado. Antes de ser atriz, cursava jornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

ELISA LUCINDA

É atriz, poetisa, escritora e cantora brasileira. Reconhecida no meio musical e de atuação por seus trabalhos em cinema, televisão e teatro, ela foi a vencedora de um Kikito do Festival de Gramado por Por que Você Não Chora?, e tambem recebeu um Troféu Raça Negra, na categoria Teatro.

É artista visual e jovem ilustradora. Nascida em Curitiba, Anna ainda pequena se mudou pra Belém do Pará onde cresceu sempre amando e apreciando arte. Atualmente ela mora em São Paulo e está no início de sua carreira, adora escutar musica ,visitar exposições e apoiar artistas independentes.

ANNA PAULA XERFAN

SUMÁRIO

DÊ UM ROLÊ

Bares e música em SP 12

ARTE Funk e feminismo 22

Assiste aí 24

INDECÊNCIA

O amor depois da menopausa 34 Orgasmo é revolucionário 36

Como a retirada de ovários pode afetar a sexualidade 38

ATENTA E FORTE

Como é o aborto no Brasil 48

PAPO FURADO

Cabelos brancos, moda e essência 56

Dona onete: vivendo sonhos 58

14
26 40
feliz de qualquer jeito Projeto 365 de Zhong Lin isso não é coisa da sua idade

pedir desculpas por ser você?

50

viver em corpo de mulher

autoestima aos 50

PÁGINA VIRADA

Paola Carosella conta processo 72

CHEGA MAIS

Tô velha demais ou está tudo adolescentizado 84

Ser livre é o grande prazer 86

Por que sou a favor do tratamento precoce 88

Conheça a história da luta das lésbicas brasileiras 90

92 POETIZANDO

76
62

Bares e música ao vivo em SP

Vila 567

O Vila 567 é um dos bares balada mais agitados da Vila Madalena e também por seu rooftop com vista panorâmica privilegiada para a região mais badalada da capital. O bar aposta na programação musical variada, recheada de diferentes estilos e sucessos para todos, contando com atrações do gênero sertanejo, pop, samba raiz e até música eletrônica.

Insta: @vila567bar

O pasquim bar & prosa

O bar proporciona música ao vivo para os clientes de segunda a segunda nos espaços da Vila Madalena e Zona Norte, além de música aos sábados em sua unidade no Mercado Municipal, um dos maiores pontos turísticos da cidade. O cardápio não deixa a desejar, com bebidas clássicas para todos os paladares. Nos finais de semana, a feijoada se torna prato principal do bar, que define a cultura do povo brasileiro.

Insta: @opasquimbar

Boteco todos os santos

O Boteco Todos os Santos é um dos mais tradicionais, que oferece muita música ao vivo e happy hour,. O lugar possui uma estrutura completa de bar, ambientes climatizados e decoração brasileira. A programação musical é bem variada que pode ser apreciada com bons drinks que a casa oferece para todos.

Insta: @botecotos

Café hotel

De quarta a sábado, o Café Hotel oferece um estilo variado de música ao vivo para todos os gostos, tambem contando com DJs que mudam todos os dias, se tornando uma programação bem variada. Além da agitação e animação, a casa também é famosa por sua carta de drinks bem completa, sendo uma boa parte repleta de coquetéis com café – durante o dia, a casa torra e vende via delivery cafés especiais cunhados pelo expert Caio Tucunduva.

Insta: @cafehotelbar

Vila seu justino

O Seu Justino é um bar aconchegante, referência de agito, drinks e ótimos petiscos. O estabelecimento possui área interna com palco e pista para receber DJs e shows ao vivo dos mais variados estilos musicais. Para quem quer mais tranquilidade, a parte externa tem um quintal arborizado e plaquinhas com mensagens positivas espalhadas pelas árvores frutíferas para alegrar o lugar e o tornar aconcjegante, além de televisões para acompanhar eventos com os amigos como por exemplo o futebol que todos gostam de assistir e comemorar.

A casa é perfeita para qualquer tipo de confraternização e eventos, possuindo um espaço grande e agradavel para todos se divertirem, principalmente aniversários que possui benefícios especiais para essas comemorações se tornarem ainda melhor fora de casa juntos de seus amigos e familia se tornando um dia especial.

Insta: @seujustino

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DÊ UM ROLE

Vero! Coquetelaria e Cozinha

O Vero! Coquetelaria e Cozinha conta com um ambiente com as principais características da Casa de Julieta construída em Verona, na Itália, cidade que inspirou o nome do restaurante. O badalado espaço possui uma varanda com vista para a charmosa Praça dos Omaguás, onde é possível curtir uma boa música ao vivo enquanto experimenta deliciosos drinks diferentes e ótimos petiscos e pratos. Com ambiente aberto, moderno acoe totalmente instagramável, o Vero! é o lugar perfeito para aquela baladinha com os amigos. Além de discotecagem de quinta a domingo, o espaço proporciona samba ao vivo aos domingos, com a cantora Carol Olivieri, com o melhor do samba.

Insta: @verocoquetelaria

Garagem 55 mooca

Os amantes do Pop Rock e Rock’n Rooll não podem deixar de conhecer o bar temático, um ambiente rústico com shows de músicos e bandas, cardápio com lanches, porções e drinks diferenciados que proporcionam momentos de descontração para jovens e adultos. São mais de 12.000m² de ambiente coberto com atrações que podem ser conferidas aos finais de semana ensolarados ou chuvosos. O lugar conta com exposição de carros de coleção própria com mais de 80 veículos, modelos únicos e totalmente fora do convencional, mais de 50 motos das mais variadas épocas e estilos, espaço kids, salão de jogos. Insta: @garagem55mooca

13 verão 2023
Foto tirada do bar Seu Justino localizado na Vila Madalena Leo Feltran

ISSO NÃO É COISA DA SUA IDADE!

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Se aceitar é o primeiro passo para ter boa autoestima. É importante entender que a idade não precisa ser uma limitação para as mulheres.

15 verão 2023

passada passei na casa da minha mãe como de costume, e logo me surpreendi.

Estava ouvindo Justin Bieber e cantando com meu inglês “maravilhoso”, enquanto esperava alguém abrir o portão para mim. Eis que chega o meu irmão e ao ouvir o som me fala de uma forma muito simpática e irônica: “Lud, você não acha que já passou do tempo de você ouvir Justin Bieber?”. Só consegui cair na risada.

Alguém me ajuda e explicar para ele que não existe idade para nada? Que estamos aqui nesta dimensão onde podemos experimentar todas as deliciosas experiências que nos interessa e sermos felizes? Que certo ou errado é questão de ponto de vista e que Deus deu uma vida para cada um e sabe por quê? Para cada um cuidar da sua!

Logicamente, meu irmão falou brincando, porque ele não perderia a oportunidade de dar uma alfinetada. Ele adora, desde sempre, fazer isso. Mas quantas vezes não ouvimos ou até falamos coisas do tipo? Eu mesma falava que aproveitaria meus cabelos compridos até chegar nos 30 e depois cortaria porque já não combinaria mais! E hoje, com 40, ainda “me acho” de “cabelão”.

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Estudos revelam que cerca de 60% das mulheres com mais de 50 anos já enfrentaram algum tipo de discriminação baseada em sua idade.
17 verão 2023

A pergunta é: como você se sente bem? Pessoas têm uma luz própria tão forte que acabam ficando muito mais bonitas do que já são? Elas estão felizes consigo mesmas e, assim, emanam energia boa por onde passam. Aquele tipo de pessoa que queremos sempre ter por perto e ficar junto.

Uma outra vez meu irmão brincou comigo: “Lud, você vai ser aquela mulher que engana todos. De costa vai ser um arraso com esse cabelo loiro e quando vira, aquele maracujá de gaveta”. Rimos muito e falei: “vou mesmo!”.Ainda existem diversas barreiras.

Se aceitar é o primeiro passo para elevar a sua autoestima. Faça por si mesmo(a), afinal de contas, quem convive com você a maior parte do tempo é você mesmo(a)!

Ser mulher é ouvir, desde cedo, uma lista inacabável do que devemos ou não fazer. Não faltam pessoas (grande parte delas, mulheres), comentários e matérias dizendo, literal ou indiretamente: “você não tem mais idade para isso”, e tudo isso não passa de uma imensa besteira!

70% das mulheres com mais de 60 anos afirmam que o envelhecimento é uma fase de suas vidas em que se sentem menos socialmente e proficionalmente valorizadas

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O tempo não para só porque somos mulheres e envelhecemos

Empoderamento Feminino

Empoderamento feminino é uma forma de pensar e de viver que considera que as mulheres devem ocupar diferentes espaços na sociedade, e que elas são livres para se expressarem como se sentirem à vontade. Uma mulher empoderada, então, é aquela que aplica esse conceito no cotidiano, vivendo de acordo com os próprios desejos e motivando outras mulheres a viverem assim também.

O maior desafio para incorporar o empoderamento feminino é enfrentar a pressão que a sociedade exerce sobre as mulheres. Não é fácil simplesmente agir com autonomia, vestir o que queremos e fazer o que queremos quando temos consciência de que a sociedade irá nos julgar e nos excluir por isso.

Confesso que me assustei quando, sem planejar, percebi que esse poderia se tornar “o meu tema”. O que (ainda) me incomoda não é falar sobre isso, e sim colocar o envelhecimento como minha atividade principal. Ora, faço inúmeras coisas enquanto envelheço – viver é uma delas. Já imaginou perguntar a um adolescente o que ele tem a dizer sobre a puberdade? duvido muito que exista uma resposta.

19 verão 2023

Ainda me impressiona, por mais corriqueiro que seja, ler uma manchete sobre alguma personalidade onde o envelhecimento está no centro da pauta. Se o entrevistado é homem, o tempo deixa de ser uma questão. Parece que os homens vivem, enquanto as mulheres envelhecem. Não bastassem as transformações pelas quais passa o nosso corpo, a mídia também não nos deixa esquecer: o tempo não para, e eu faço muito bom proveito e sou mais feliz assim.

Tão indigesto quanto fazer da idade o único assunto são manchetes de moda do tipo: “Provocante aos 20, sensual aos 30, clássica aos 40, charmosa aos 50, elegante aos 60”. Já faz tempo que caíram esses muros entre as faixas etárias, sabemos bem que a idade está longe de determinar o nosso jeito de vestir e de ser. Mas a sociedade insiste em tentar nos ditar regras, trazendo à tona o machismo e o idadismo estruturais, além de uma tremenda desatualização sobre a longevidade como ela acontece hoje.

Esse fenômeno pode ser observado em mulheres que estão envelhecendo e não perderam as vontades da juventude, são cheias de vida e donas de si, e merecem validação como qualquer outra pessoa.

A sociedade dissemina a ideia de que a partir dos 50 anos uma mulher não tem mais o que oferecer. Ela não terá a beleza de quando era jovem, não será atraente para os homens e não poderá ter filhos. Todas essas características são entendidas como a essência de uma mulher, mas isso não condiz com a realidade.

Em todas as fases da vida as mulheres têm algo a oferecer, porque elas são muito mais do que os padrões de beleza e de comportamento, são pessoas que merecem validação.assim como qualquer outro.

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80% das mulheres mais velhas relatam que se sentem menos incluídas na sociedade e na mídia

Luta e Feminismo

Com o empoderamento feminino, as mulheres são capazes de entender que elas não existem para agradar outras pessoas ou para seguir as regras criadas pelo patriarcado, e devemos lutar contra.

Elas são donas de si, sujeitas de suas histórias e livres para fazerem aquilo que tiverem vontade, independentemente dos julgamentos alheios, que sempre irão existir.

Sendo assim, o envelhecimento da mulher pode ser um fator desencadeante para crises de autoestima. “No envelhecimento, a mulher começa a ir na contramão do que se espera socialmente dela, uma tríade cruel de jovialidade, beleza e saúde. Há mudanças corporais e a experimentação dos efeitos da passagem do tempo perante o espelho.”

Acontece que amadurecer tem suas vantagens, e uma delas é aprender a adaptar esses mandamentos ao nosso bel-prazer – com bom-humor e bom português. Uma coisa é alguém me dizer que não tenho mais idade para isso ou aquilo. Outra bem diferente é eu mesma dizer “Não tenho mais idade pra isso”.

Muito provavelmente continuarão existindo os estereótipos, preconceitos e discriminação em relação às pessoas por conta da idade que têm. Continuarão existindo também os próprios preconceitos com relação à idade e o desejo de parecer jovem para ter aprovação social. O ser humano é um ser social, gostamos de ser admirados e bem-vistos aos olhos dos outros.

As rugas, as cicatrizes e as manchas contam histórias, e traduzem o privilégio de envelhecer com saúde e vencer a morte. Além disso, tudo que aprendem ao longo da vida são conhecimentos a serem compartilhados, e a cada ano sabem mais sobre a vida, sobre a sociedade e sobre si.

Por mais que seja difícil ignorar a opinião alheia e as pressões que a sociedade impõe, é importante que as mulheres entendam que elas têm o direito de existir.

Isso inclui envelhecer fisicamente e amadurecer mentalmente, mas não significa que elas devem cumprir aquilo que esperam delas em cada faixa etária. Nunca se deixe influenciar pelo que os outros pensam que você deveria fazer com a sua vida, afinal, ela é só sua! E eu sigo assim, cabelos longos, bem-humorada e ouvindo Justin. E você? Me conta!

21 verão 2023
Elas são donas de si, sujeitas de suas próprias histórias

Funk e feminismo

Ao lançar sua carreira solo,a funkeira chaamda Valesca Popozuda disse numa entrevista: “A bunda é uma parte importante da minha carreira, não nego, mas não me considero só isso”.

A bunda feminina talvez seja um dos símbolos mais lembrados quando o assunto é funk. Com letras que chamam mulheres de “cachorras” e as convidam a “remexer o popozão” para deleite dos homens, parece impossível estabelecer ligações entre funk e feminismo. Porém, tanto a cultura como os movimentos sociais não são estáticos e refletem as mudanças de nosso tempo.

O funk pode ser feminista? Valesca Popozuda é feminista? São perguntas que vemos nos debates atuais. Valesca pode se dizer feminista, assim como pode se autoafirmar o que quiser. O feminismo não tem dona e nem cartilha a ser seguida, está aí para ser desmitificado, remixado e reelaborado como tantos outros pensamentos e ta tudo bem..

O funk ainda tem um longo caminho para ser reconhecido como um produto cultural brasileiro. As letras obscenas ainda são vistas como uma afronta a moral e aos bons costumes da sociedade, além de serem questionadas sobre seu incentivo a violência.

É fato que o funk reflete um cotidiano de uma determinada parcela da população, que vive um cotidiano violento, repressor, socialmente vulnerável e onde há muito interesse pelo sexo como diversão e prazer. Estes, não são os mesmos valores da elite cultural que faz cara feia para as rimas explicitamente pornográficas, os figurinos provocantes e para os movimentos de dança sensuais e movimentos ousados

.Mas e aí, o funk é feminista? Como tudo nessa vida, pode ser e pode não ser. Na minha opinião, depende do contexto, afinal ofeminismo é um movimento político e social que defende a igualdade entre os sexos. Porém, o objetivo é garantir a au-

tonomia das mulheres, em suas decisões . Quando uma mulher sobe ao palco e pode dizer o que quiser no microfone, muito empoderamento pode sair daí. Especialmente quando ela canta sua realidade, seja reivindicando seu direito ao prazer sexual, denunciando a opressão machista ou rompendo com padrões de beleza que foram impostos.

O funk é o que fazemos dele é aquilo que mostramos pro mundo. Assim como o feminismo também é o que construímos a partir dele e o que queremos dele.

A liberdade sexual feminina é uma das grandes temáticas do funk feito por mulheres. E, me espanta, que ouvir uma mulher dizer com todas as vogais e consoantes que gosta de sexo ainda seja visto como algo chocante, pertubador e horrorizante. A revolução sexual começou nos anos 70, mas parece não ter alcançado sua plenitude ainda na prática, especialmentepara pa as mulheres. Então, as funkeiras acabam sendo uma boa

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novidade, já que trazem muita liberdade de expressão para elas.

No funk é possível encontrar mulheres negras, gordas, loiras e de diversos outros tipos físicos cantando e reivindicando seu prazer sexual. Isso pode ser visto como uma entrada do feminismo na sociedade, por meio do questionamento e da autorreferência de termos como “cachorra”, “piriguete” e “puta”.

A ressignificação dos termos, por meio de sua apropriação é uma tática que vem crescendo dentro do feminismo, especialmente em ações públicas recentes como a Marcha das Vadias, que tem como objetivo principal lutar contra a culpabilização das vítimas de violência sexual e tem seus direitos violados.

É claro que o machismo não foi excluído das letras cantadas pelas funkeiras. Há ataques a outras mulheres, muita disputa por machos, pouco espaço para relações que não sejam heteronormativas.

Porém tudo isso são mais elementos que compõe essa mistura que forja o nosso funk afinal.

O importante não é definir se o funk é feminista, mas investigar como esse movimento empodera mulheres, especialmente as que vivem à margem da sociedade, nas periferias. As letras obscenas ainda são vistas como uma afronta a moral e aos bons costumes, além de serem questionadas sobre seu incentivo a violência que deve ser interrompida.

É fato que o funk reflete um cotidiano de uma determinada parcela da população, que vive um cotidiano violento, repressor, socialmente vulnerável e onde há muito interesse pelo sexo como diversão e praze, mas isso não deve ser tudo.

Deize Tigrona, Tati Quebra Barraco, Vanessinha Pikachu, Valesca e a Gaiola das Popozudas, entre outras funkeiras, cantam seus orgasmos, reclamam de homens que falam demais e fazem de menos, dizem explicitamente o que querem fazer na cama, quais suas táticas de conquista, apresentam coreografias e ficam na madruga boladonas esculacham qualquer um.

No final dos anos 90, início dos anos 2000, não era tão comum encontrar mulheres funkeiras cantando. A maioria dos bondes que faziam sucesso nas rádios, bailes e festas eram formados por homens, e nunca por mulheres.

As “preparadas”, “tchutchucas” e “cachorras” eram, na maioria das vezes, dançarinas. popozudas”, continuam dançando, mas agora dizem em alto e bom som: “pode me chamar de puta, eu sou absoluta”. Baita conquita!

23 verão 2023
O direito das mulheres de participarem do funk é importante para liberdade de expressão e igualdade. Amanda Vaz

Assiste aí

séries e filmes que estão dando o que falar

MEU NOME É GAL

de Dandara Ferreira, Lô Politi

É um filme brasileiro de drama que conta sobre a fase de vida da cantora brasileira Gal Costa, com seus 20 anos vai para o Rio de Janeiro, onde inicia sua vida de artista.

lançamento: 21/setembro/2023

A PIOR PESSOA DO MUNDO NOMADLAND

de Joachim Trier

Uma jovem tem dificuldades para escolher um caminho na carreira e começa a achar sua vida amorosa incerta depois de conhecer um charmoso homem em uma festa.

lançamento: 24/março/2022

de Chloé Zhao

Mulher na casa dos 60 anos que, depois de perder tudo na Grande Recessão, embarca em uma viagem pelo Oeste americano, vivendo como uma nômade moderna.

lançamento: 15/abril/2021

TUDO EM TODO O LUGAR AO MESMO TEMPO

de Daniel Kwan, Daniel Scheinert

Uma ruptura interdimensional bagunça a realidade e uma inesperada heroína precisa usar seus novos poderes para lutar contra os perigos bizarros do multiverso.

lançamento: 23/junho/2022

de Todd Field

O filme examina a natureza mutável do poder, seu impacto e durabilidade em nosso mundo moderno.

lançamento: 26/janeiro/2023

BELA VINGANÇA

de Emerald Fennell

Nada na vida de Cassie é o que parece ser. Ela é perversamente inteligente, tentadoramente astuta e ainda vive uma vida dupla secreta à noite. Agora, um encontro inesperado está prestes a dar a Cassie a chance de corrigir os erros do passado.

lançamento: 8/abril/2021

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TÁR

BABILÔNIA MEU PAI TRIÂNGULO DA TRISTEZA

Decadência, depravação e excessos escandalosos levam à ascensão e queda de vários sonhadores ambiciosos na Hollywood dos anos 1920.

lançamento: 19/janeiro/2023

Um homem recusa a ajuda de sua filha à medida que envelhece. Começa a duvidar dos entes queridos, de sua mente e de sua realidade ao tentar compreender as mudanças que estão acontecendo em sua vida.

lançamento: 8/abril/2021

Um cruzeiro para os super-ricos afunda, deixando os sobreviventes, incluindo um casal de celebridades, presos em uma ilha.

lançamento: 16/fevereiro/2023

A história da cantora Elis Regina, que deixa o Rio Grande do Sul para espalhar seu talento pelo Brasil. Com personalidade intensa e a maior voz do Brasil, sua carreira é marcada por altos e baixos.

lançamento: 24/novembro/ 2016

FLEABAG

de Harry Bradbeer, Tim Kirkby

Uma jovem busca se adaptar à vida moderna em Londres enquanto tenta lidar com uma tragédia recente.

lançamento: 2016

Nesta série documental, pensadores negros do Brasil contam suas trajetórias e discutem sobre representatividade, empreendedorismo e comunidade.

lançamento: 2017

25 verão 2023
de Florian Zeller de Damien Chazelle de Ruben Östlund ELIS de Emerald Fennell AFRONTA de Juliana Vicente

FELIZ DE QUALQUER JEITO

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Autoestima ou pressão estética? Investigar a relação com nosso corpo e conversar com um especialista são imprescindíveis na decisão de colocar próteses de silicone

27 verão 2023

e Estados Unidos disputam o topo do ranking dos países que mais realizam cirurgias plásticas por ano. Segundo o último censo bianual da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), o país faz, anualmente, 1,7 milhão de procedimentos, sendo que 60% deles são para fins estéticos. De acordo com o levantamento, o aumento de mama segue sendo o procedimento mais procurado pelos brasileiros, seguido de lipoaspiração e a abdominoplastia. Embora a associação tenha registrado uma queda na procura por essa cirurgia entre 2016 e 2018, são realizados 350 mil procedimentos por ano.

André Cervantes, cirurgião plástico, membro titular da SBCP e diretor médico do Instituto Thuler & Cervantes, afirma que a colocação de prótese de silicone pode mudar a vida da paciente que procura o procedimento e ser determinante para sua autoestima, mas ressalta o papel fundamental do médico no processo: “A paciente tem o direito de escolher o que faz com o corpo, mas o profissional tem que elucidar, conversar. A prótese não é inócua. Apesar de raro, podem haver complicações, e a paciente tem de estar a par delas”, afirma. A medicina não é uma ciência exata, ele explica, e, apesar de cada paciente reagir de uma forma aos tratamentos e procedimentos, a segurança é inegociável. “Uma cirurgia não pode ser feita em qualquer lugar. A falta de regulação associada a um grande desejo faz com que as pessoas acabem buscando algo que não é seguro. Jamais podemos transformar a cirurgia plástica em algo simplista”, atesta.

Grandes mudanças

Camila Cacovich, 37, decidiu que colocaria próteses de silicone depois de uma cirurgia bariátrica que a fez emagrecer 50 kg, mas o profissional que a recebeu dois anos depois do procedimento se recusou a operá-la, pois era muito cedo para que ela se submetesse a outro procedimento.

“Voltei, então, dois anos mais tarde e já era possível realizar a intervenção”, conta a bancária, que após um emagrecimento massivo sentiu que passou a ter uma nova preocupação. “Me olhava no espelho e percebia que havia mudado de problema: estava muito feliz por estar magra, mas

28 AVESSA
legenda legenda legenda legenda legenda legenda.
29 verão 2023

meus seios estavam caídos”, relata. “No pós-plástica, quando comecei a perceber a cicatrização, aquilo despertou outra mulher em mim. Me sentia valorizada, com liberdade de mostrar que eu podia me sentir feliz e satisfeita novamente.”

A servidora pública municipal Roberta Pavan Malagoli, 48, compartilha da mesma sensação de upgrade na autoestima. “Eu tinha pavor dos meus seios”, diz ela, que antes de colocar as próteses passou pela colocação de uma banda gástrica, uma cirurgia bariátrica e duas amamentações. “Eu não sentia prazer no toque, estava sempre de sutiã, me envergonhava até do meu marido.” Tudo mudou quando ela decidiu procurar um cirurgião plástico na rede municipal de São Paulo. “Fui chamada em 2017, depois de apenas quatro meses de espera. Daí em diante, minha vida foi outra”, conta. “Antes, não via metade da minha barriga, depois, comecei a tirar a roupa e passei a ter sensibilidade novamente. Até lingerie comecei a comprar. Me sinto muito mais bonita, segura, foi um ganho espetacular.” Ela chama atenção para o apoio que recebeu do profissional, que deixou claro o passo a passo de todo o processo.

A jornalista Verônica Guimarães conta que sempre teve peito pequeno

Estava sempre de sutiã, tinha vergonha até do meu marido

30 AVESSA
De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia em 2020 foram feitos 1.306.962 procedimentos estéticos

e sofreu com isso durante a adolescência. “Comecei a pensar em colocar prótese já adulta, quando amigas estavam passando pelo procedimento. Mas, com a correria do dia a dia, acabei deixando para lá. Passei, então, a me aceitar e gostar mais de mim”, diz. “Desisti completamente da ideia quando, depois de dar à luz meu primeiro filho, vi meus seios ficarem enormes no princípio da amamentação. Me achava horrível. Acabei experimentando, por um curto período, a sensação de ter um peitão e aquilo não me satisfez de forma alguma”.

Rubia Raia, que trabalha com serviço social em Londres, também desistiu depois de ouvir conselhos de um profissional. “Eu sempre fui muito magra e tinha pouco peito. Tinha muita vontade de colocar silicone e acabei tomando a decisão de visitar um médico depois de provar vestidos abertos nas costas para um casamento e achar que nenhum modelo caía bem, pois teria de usá-lo sem o sutiã de bojo que eu estava habituada”, conta ela, que na época morava em Campinas.

Ela relata que a consulta foi muito elucidativa. “O cirurgião me explicou tudo, em detalhes, e, quando me examinou disse que eu deveria pensar melhor, pois tinha seios bonitos. À época, pedi para o meu namorado, que embora apoiasse minha decisão também achava que eu deveria repensar, me dar um exemplo de uma mulher bonita que tivesse seio pequeno. Ele me mandou uma foto da Isis Valverde, linda. E desisti. Parei até mesmo de usar bojo”, afirma. E o casamento? Rubia foi. Com um vestido aberto nas costas e sem sutiã com bojo.

31 verão 2023

Pressão social

A mulher sofre com uma demanda cultural da beleza, diz a psicanalista Joana Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio e professora da Universidade Veiga de Almeida. “A colocação de próteses de silicone pode aliviar um trato estigmatizante, afinal, o seio é o ‘falo’ feminino e representa não somente um corpo erotizado, mas também ostentação financeira, já que só faz uma cirurgia do tipo quem pode pagar”, diz. “Um procedimento como o de aumento de mamas pode, claro, diminuir o sofrimento da paciente, mas há que se considerar os riscos e é importante não fazer nada de maneira afobada”. Para a psicanalista, diminui-se o risco quando a paciente busca apoio psicológico e realiza um trâmite sem afobação. “É fundamental pensar por que você quer fazer a cirurgia. Para casar, salvar um relacionamento ou suprir outro problema?”. O médico André Cervantes completa: “Às vezes, a pessoa busca na cirurgia a solução de um problema que o procedimento não consegue resolver”. Ou seja, quanto mais informações a paciente tiver, mais preparada estará para se submeter ao procedimento ou para optar por não realizá-lo.

Joana Novaes chama atenção para outro aspecto: a expectativa que a paciente acaba colocando na figura do médico. “Além do pensamento ‘vai mudar a minha vida’, aventa-se a ideia de que o profissional será capaz de colocar a paciente em um lugar de poder e sedução”, diz. “As pessoas não tiram do nada que uma cirurgia estética irá mudar ou salvar a sua

32 AVESSA
Cuidar de sí mesma é muito impotante para a saúde física e tambem para a saúde mental

vida, isso faz parte de uma cultura ampla e irrestrita de valorização do corpo.” Ela explica que o corpo atua como capital, uma moeda de troca que faz a pessoa se sentir bem em todas as áreas da vida, facilitando até mesmo o trabalho. Nessa seara, André Cervantes comenta que muitas pacientes relatam ter sentido mudanças significativas de atitude depois de colocar próteses, inclusive em produtividade no campo profissional. A psicanalista lembra que há muitos exemplos na mídia de mulheres bem-sucedidas que investem fortemente na aparência. Em determinados grupos sociais, essa influência das famosas faz muita diferença. “Os adolescentes, por exemplo, estão mais vulneráveis, já que grupos exercem um poder maior entre os jovens”, explica. O Brasil lidera o ranking mundial de procedimentos entre jovens de 13 a 18 anos: segundo o último censo da SBCP, nos últimos dez anos houve um aumento de 141% no número de cirurgias plásticas nessa faixa etária, ou 6,6% das intervenções realizadas no país. “Para muita gente, o valor das pessoas está na aparência, mas há que se pensar que a vida vale a pena ser vivida de toda e qualquer forma”, pondera Joana.

Uma importante questão que essa discussão levanta é que a paciente tem de se sentir segura com a decisão de realizar qualquer tipo de procedimento e que essa segurança se alcança tanto com informações precisas fornecidas pelo médico quanto pelo apoio de familiares e amigos – e talvez até uma consulta com um profissional de psicologia possa ajudar a candidata à colocação de próteses a se sentir mais confiante para seguir em frente em sua decisão.

33 verão 2023
O Brasil lidera o ranking mundial de procedimentos entre jovens de 13 a 18 anos

O amor depois da menopausa

Depois da menopausa, quando acabam as ovulações mensais e os teores de hormônios femininos caem bastante, a qualidade da vida sexual de mais de um terço das mulheres infelismente piora muito. Elas passam a evitar relações sexuais, em grande parte por sentir desconforto e dor que tornam o sexo quase um suplício doloroso. Essas constatações vêm de um levantamento coordenado pelo ginecologista Aarão Mendes Pinto-Neto, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e detalhado em três artigos publicados em 2008 na revista Menopause.

No trabalho, parte da tese de doutorado da ginecologista Ana Lúcia Valadares, os pesquisadores avaliaram a qualidade da vida sexual de 378 mulheres com idades entre 40 e 65 anos que haviam completado o ensino médio e superior, uma população ainda muito pouco estudada no Brasil. Todas as entrevistadas eram moradoras de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais.

Elas responderam a um questionário –desenvolvido na Austrália e traduzido para o português pelo grupo da Unicamp – que investiga a vida sexual por meio de perguntas sobre a frequência das relações sexuais (solitárias ou a dois, com ou sem penetração vaginal), a intensidade do prazer alcançado com o sexo e a frequência e a intensidade de pensamentos sobre sexo e do desejo sexual.

Um dos resultados que chamaram a atenção foi a grande frequência de dor durante a penetração – distúrbio chamado pelos médicos de dispareunia –, mencionada por quase 40% das entrevistadas. “Entre dois e três anos depois da menopausa, quase todas as mulheres sentem algum nível de desconforto devido à secura vaginal”, conta Aarão. Em muitos casos, nada que informação e um pouco de gel lubrificante não resolvam, é claro.

Curiosamente, companhia de um parceiro carinhoso e saudável também se mostrou indispensável para uma boa

sexualidade. Ana também verificou que as mulheres cujos parceiros tinham problemas como disfunção erétil ou ejaculação precoce apresentavam maior tendência a sentir dor durante o sexo. Uma explicação provável, é que essas mulheres, para atingir um nível de lubrificação confortável, precisavam receber mais carícias, o que nem sempre um parceiro mais apressado consegue dar. Assim, as mulheres não são as únicas que precisam cuidar dos seus orgãos reprodutórios ao envelhercer.

Como o questionário estabelece a correlação, mas não permite saber se a dor causa o problema emocional ou se é consequência dele, os pesquisadores se valem da experiência clínica para entender melhor os resultados. Com base nos casos que viu em mais de 20 anos de estudo, o ginecologista da Unicamp acredita que o desconforto físico surge antes do problema emocional. E, quando a mulher antecipa a dor que sentirá, começa a evitar a atividade sexual.

34 AVESSA INDECÊNCIA

Medida pessoal

Uma boa vida sexual, Aarão frisa, é a que satisfaz a própria pessoa. Há quem fique feliz com sexo uma vez ao mês e quem ache três vezes por semana pouco. E, ele acrescenta, o desejo sexual naturalmente diminui com a idade – não com a menopausa. “Um homem de 50 anos tem menos desejo do que tinha aos 20 anos; e o mesmo acontece com as mulheres.” Por essa razão, o pesquisador não fala em sexualidade boa ou normal, mas sim uma adequada para cada mulher.

A satisfação, porém, não depende apenas da saúde física. Para uma vida sexual plena, a saúde emocional do relacionamento deve estar em dia. “Para ter uma sexualidade adequada, a mulher precisa sentir atração pelo parceiro”, conta o pesquisador da Unicamp. O questionário incluiu perguntas sobre quão satisfeita a participante estava com seu parceiro como amante, se estava apaixonada e, de maneira geral, como se sentia em relação a ele – ou ela, no caso de relações homossexuais. Uma proporção maior (de 71% a 86%) de mulheres que deram nota máxima em uma escala de 0 a 6 para cada um desses três itens – ou seja, estavam apaixonadas, os parceiros as satisfaziam e elas os viam como bons companheiros – afirmou ter uma boa vida sexual. Entre as menos satisfeitas com seus parceiros, mais da metade (entre 53% e 56%) tinha a sexualidade prejudicada.

Entre as mulheres da capital mineira, ficou claro que ter um parceiro sexual saudável é importante para uma boa vida sexual, mas morar com esse parceiro atrapalha. Alguns sexólogos defendem que a cura para a disfunção sexual feminina é um parceiro jovem e atraente. A partir desse levantamento, os ginecologistas podem ajudar as mulheres a resgatarem sua sexualidade depois da idade reprodutiva. Para isso é preciso avaliar o caso de cada paciente e buscar soluções mais adequadas para elas. A terapia de reposição hormonal, por exemplo, pode reduzir a falta de lubrificação e os calores, e determinadas posições sexuais podem ser mais confortáveis e prazerosas para a mulher. “Nossa função”, resume Aarão, “é oferecer bem-estar geral às mulheres e preservar a saúde delas para a velhice”.

35 verão 2023
Jade Oliver

Orgasmo érevolucionário

Pela primeira vez na história, estamos vivendo num mundo onde pessoas com vagina e clitóris gozam fartamente. Esse mundo nunca existiu antes e eu estou a cada dia mais convencida de que, a cada gozo clitoriano, mais perto chegamos da revolução e do entendimento dos corpos.

Durante séculos, o prazer feminino não importou. A anatomia do clitóris só foi devidamente estudada há poucos anos. O gozo de uma mulher cis era assunto descartado e, na cama, território que não estava em disputa. Sexo era penetração, e gozo era penian, e apenas isso.

O cinema tratava de nos convencer de que mulheres cis poderiam gozar ao serem penetradas. A estética do sexo reduzida a duas posições que, hoje sabemos, não fazem muito por nossos orgasmos.

Apenas uma minoria de mulheres cis e de homens trans com vagina gozam ao serem penetradas e penetrados desses jeito, portanto precisamos entender e aprender o poder do sexo.

Mulher não gosta de sexo ruim e foi isso o que tivemos durante muito tempo. Está justamente aí a vantagem competitiva da sapatão. Mas já não aceitamos mais que sexo seja reduzido a essas cenas de cinema e nossas exigências estão derrubando muros bastante altos.

A revolução que vem com o gozo clitoriano está deixando alguns homens perturbados. Não pode ser por acaso que recentemente ficamos sabendo do escândalo do Brocholão (nome maravilhoso dado pelo jornalista Fernando Barros e Silva): dinheiro público financiando a compra de 35 mil comprimidos de Viagra e de R$ 3,5 milhões em próteses penianas infláveis – cujos tamanhos variavam de 10 a 25 centímetros – para as Forças Armadas.

Se pelo menos esse gasto de dinheiro público fosse fazer mais mulheres gozarem, poderíamos até tentar argumentar. Mas ele nada fará por nossos orgasmos, é apenas mais do mesmo: homens cis em sua sanha por poder.

Só que o feminismo nos deu novas ferramentas e episódios como o do Brocholão servem apenas para aumentar o ridículo de algumas formas de masculinidades.

Estamos nos apropriando de nossos gozos clitorianos e nunca antes o mundo passou por isso. Já não aceitamos mais associar sexo ao “não gozar”. Penso nisso e imagino a absurda quantidade de mulheres de gerações passadas que nunca souberam o que era um orgasmo.

Por isso mesmo, o cliché “mulher não gosta de sexo” carrega uma verdade parcial. Mulher não gosta de sexo ruim – e foi isso o que tivemos durante muito tempo. Está justamente aí a vantagem competitiva da sapatão. Mas já não aceitamos mais que sexo seja reduzido a essas cenas de cinema – e nossas exigências estão derrubando muros bastante altos e quebrando padrões da sociedde em relação as mulheres, agora podemos nos expressar livremente, e sinceramente mandar todos aqueles que nos enchem o saco. a merda!

36 AVESSA INDECÊNCIA

Hoje, uma nova geração de vibradores nos aproxima do orgasmo diário e rápido sem que sequer haja a necessidade de alguém na cama ao nosso lado – ou sobre a gente, ou embaixo da gente. Todas as mulheres que eu conheço têm um vibrador perto da cama. O mercado erótico, percebendo o potencial de crescimento, investe no gozo clitoriano.

Dados do portal Mercado Erótico informam que, num período de três meses em 2020, aproximadamente um milhão de vibradores foram vendidos no Brasil. E o produto mais vendido em 2020 foi o Satisfyer Pro 2, um estimulador clitoriano recarregável, com 11 níveis de sucção. Como será um mundo no qual mulheres cis e homens trans com vagina gozam fartamente? Nossas mães não tinham acesso a esse direito. Nossas avós menos ainda. Chegamos até aqui, nessa sociedade dominada por homens cis, sem direito ao gozo. O que podemos conquistar a partir de agora? eis a grande questão.

Quando a gente se apropria do orgasmo a gente se apropria de direitos básicos, e, ainda mais potentemente, se apropria dos nossos desejos.

Se pelo menos esse gasto de dinheiro público fosse fazer mais mulheres gozarem, poderíamos até tentar argumentar. Mas ele nada fará por nossos orgasmos. É apenas mais do mesmo: homens cis em sua sanha por poder que, para eles, se traduz em membros rígidos e inflados.

Eis aí a verdadeira liberdade: reconhecer nossos desejos. O caminho da emancipação passa pelo gozo. Um mundo assim desenhado tem enorme potencialidade de transformação. Quando finalmente pensarmos livremente em nosso pensarmos em nosso prazer.

“A classe dominante (masculina e heterossexual) não abandonará seus privilégios por que enviamos muitos tweets ou demos alguns gritos”, escreve em um de seus textos o filósofo e ativista Paul Preciado, um homem trans. Para ele, a batalha para destruir o sistema atual de sexo-gênero é a verdadeira Guerra dos Mil Anos. Uma guerra que “afeta políticas e processos reprodutivos através dos quais um corpo humano constitui-se como sujeito soberano. De fato, será a mais importante das guerras, porque o que está em jogo não é nem o território nem a cidade, mas o corpo, o prazer e a vida”.

O gozo clitoriano é farto, amplo e irrestrito, ele vai ajudar a gente a tecer um mundo mais justo e inclusivo.

37 verão 2023
Raquel Rosetti 30% das mulheres enfrentam dificuldades em alcançar o orgasmo, ressaltando a necessidade de educação sexual inclusiva

Como a retirada de ovários pode afetar a sexualidade

A histerectomia (retirada dos ovários), por ser um procedimento invasivo, causa uma alteração brusca no equilíbrio hormonal do nosso corpo, podendo trazer diversas reações no nosso organismo.

1 de 10 tem problemas com a lubrificação e dor durante o sexo

8 de 10 tem pouco ou nenhum interesse em sexo por não sentir prazer

2 de 10 sentem a vagina menor

50% de aumento com problemas para atingir o orgasmo, sendo quando comparadas com mulheres que não fizeram a cirurgia

38 AVESSA

cuidados pós procedimento

A boa notícia é que a maioria dos problemas relatados ocorreram por aproximadamente 6 meses após a cirurgia! No entanto, é importante notar que as mulheres podem ter uma vida sexual satisfatória após a remoção dos ovários, se forem capazes de encontrar formas de compensar essas mudanças hormonais.

os cuidados básicos indicados que podem contribuir para a manutenção da libido e da energia sexual são os mesmos para uma vida saudável:

quais são os tipos de cirurgia?

quando realizar o procedimento?

Câncer de ovário: No mundo, no ano de 2022, foram diagnosticados quase 314 mil casos de câncer de ovário, com mais de 207 mil mortes por esta enfemeridade.

Prolápso genital: A doença também possui uma taxa alta, podendo aparecer em todas as faixas de idade, porém mulheres que já pariram ou a partir dos 60 anos correm risco de maior desenvolvê-lo.

Parcial: retirada do corpo do útero Total: retirada do útero e do colo do útero

sintomas do pós-operatório

- dificuldade para urinar

- gordura concentrada no abdomen

- inflamação na cicatriz

- cólicas abdominais intensas

- sangramento vaginal

- constipação intestinal

- diminuição de libido

- febre

Radical: retirada do útero por completo

107 mil é a média anual de histerectomias no Brasil

Cerca de 20 a 30% das mulheres fazem essa cirurgia entre 35 a 50 anos

39 verão 2023
fumar e beber em exesso
níveis de estresse seguir uma alimentação balanceada praticar atividade física com regularidade
evitar
previnir altos

Projeto 365 de Zhong Lin

A pandemia criou uma pausa na agenda da fotógrafa, lhe dando tempo para começar um projeto pessoal e criativo para fotografar, editar e compartilhar todos os dias. No Projeto 365, as imagens criadas são ricas, vívidas e expressam a profundidade do seu talento, criatividade e conhecimento. Sem poder viajar, Lin adaptou seus planos para fotografar e colaborar com pessoas em Taiwan

Como é o aborto no Brasil?

Aborto é o processo de interrupção da gestação antes que o feto seja capaz de sobreviver fora do corpo da mãe. Ele pode ser espontâneo (natural) ou induzido (provocado). Nos casos previstos em lei pela legislação brasileira, o aborto é conhecido por aborto legal.

No Brasil o aborto deixa de ser crime em 3 situações: quando a gestação põe em risco à vida da gestante; em caso de anencefalia fetal, que é uma malformação; e quando a gravidez é fruto de um estupro. Nessas circunstâncias a mulher tem direito ao aborto legal e seguro através do SUS. Mas na prática, nem sempre as mulheres conseguem acessar o procedimento. É sobre isso que nós falamos no vídeo do “Mas vocês veem gênero em tudo?” desta semana.

Um dos principais entraves que impede as mulheres de abortar, mesmo quando se enquadram nas situações em que o aborto é descriminalizado é a desinformação. Em caso de estupro, mulheres chegam a ser

erroneamente informadas que para fazer a interrupção de gravidez devem fazer denúncia contra o agressor, ou mesmo ter laudos que comprovem a violência física, quando na verdade a mulher que busca o serviço de aborto legal deve se relacionar apenas com profissionais de saúde: médicas, enfermeiras e psicólogas.

Mas a recusa de médicos de fazerem o aborto e a ausência do serviço em hospitais, que faz com que 40% das mulheres que realizam o aborto pelo SUS tenham que viajar para realizar o procedimento, se somam às razões que impedem que mulheres acessem o aborto legal no Brasil.

Para ajudar que mulheres acessem o aborto legal e seguro, ativistas como Juliana Reis, fundadora do Milhas pela Vida, uma rede que oferece ajuda à mulheres que buscam o aborto seguro. A organização oferece apoio tanto com informações de quais são os direitos garantidos, a indicação de que hospitais o atendimento é realizado, e se necessário custeiam

despesas de deslocamento para essas unidades de saúde, que podem estar em outra cidade ou mesmo estado da vítima. “A gente sabe onde é ratoeira fundamentalista, e onde a mulher vai ter verdadeiro acolhimento respeitoso.”

Dificultar que mulheres façam aborto de forma segura não impede que que o aborto aconteça no Brasil. Na verdade ao dificultar o acesso ao aborto legal, o que acontece é que mais mulheres acabam buscando alternativas, o que inclusive pode colocar suas vidas em risco. Só no primeiro semestre de 2020, para cada mulheres que fez um aborto legal no SUS, foram atendidas 79 mulheres que tiveram abortos malsucedidos, tanto espontâneos quanto induzidos.

“Aborto no Brasil é tomar chá, é ir numa clínica clandestina, é uma clínica luxuosa, que você entra pela porta dos fundos, cobrindo o rosto. A gente precisa tirar o aborto dessa sombra, porque ele é um fato da vida das mulheres”, completa Juliana.

48 AVESSA ATENTA E FORTE

O médico pode se negar a realizar um aborto legal?

Se alegar objeção de consciência, sim. De acordo com o Código de Ética Médica, o profissional pode “recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários a de sua consciência”.

Em alguns casos, porém, não cabe a objeção de consciência: quando há risco de vida para a mulher; quando não há outro médico que possa fazer o procedimento garantido por lei; e no atendimento de complicações derivadas de aborto inseguro, por se tratar de caso de urgência.

Como é o procedimento?

Segundo a norma técnica do Ministério da Saúde, a escolha entre os diferentes métodos disponíveis depende de avaliação da equipe médica a respeito dos riscos e benefícios de cada opção e preferência da mulher, bem como suas condições clínicas e psicológicas.

A interrupção da gravidez pode ser feita, por abortamento farmacológico, ou seja, induzido por medicamentos. Outra opção seria por procedimentos de aspiração manual intrauterina. A última seria por dilatação seguida de curetagem.

Hospital pode informar a polícia sobre o aborto por estupro?

Embora o Código Penal não estabeleça necessidade de aviso, uma portaria publicada em 2020 pelo Ministério da Saúde orienta que médicos informem a polícia caso atendam mulheres que buscam interromper a gestação decorrente de estupro.

A portaria, que não tem força de lei, foi muito criticada por especialistas, que argumentam que a medida viola a previsão de sigilo em atendimentos de saúde e aumenta as chances de a mulher recorrer ao aborto ilegal.

“O Ministério da Saúde sob o governo Bolsonaro abandonou a ciência em várias áreas, não só na Covid. Tenta fazer o mesmo desorganizando os protocolos de atendimento à mulher e os programas de saúde sexual e reprodutiva. Tenta criar empecilhos para o aborto legal, contaminando a área técnica com ideologia fundamentalista que ignora a lei”, afirma a professora Eloísa Machado de Almeida.

49 verão 2023
Rodrigo Garcia

VIVER EM CORPO DE MULHER

50 AVESSA

O corpo de uma mulher pertence ao ao Estado e aos homens infelizmente.

O Estado regula, os homens oprimem.

51 verão 2023
Fotos Anna Shvets

Eque tinha um corpo de mulher no dia em que fiquei menstruada pela primeira vez em casa e não pela menstruação em si, mas porque meu pai e minha mãe me presentearam com um sutiã. Ainda não tinha peitos desenvolvidos, amava ficar sem camisa por variados motivos, mas especialmente por dois: jogar bola e ir à praia. E agora eu tinha em mãos uma peça chamada sutiã, e tudo era muito desconfortável.

Perguntei aos dois que me olhavam com expressões estranhas se eu tinha que usar aquilo, e se era obrigatório. Minha mãe só disse sim.E foi assim que, mesmo sem seios, eu passei a usar um sutiã e, logo depois, a parte de cima do biquini, e então tudo desmoronou!

Entendi que meu corpo não era tão livre quanto o dos meus amigos. Agora eu fazia sempre parte do “time com camisa” nas partidas de futebol. Houve vezes em que meus colegas, percebendo meu desconforto, optavam por camisas claras contra camisas escuras.

A princípio, detestei meus seios, que pareciam ter decidido crescer com a chegada do sutiã, e em pouco tempo, eles preencheram todo o volume do tecido. As coisas começaram a melhorar quando aprendi a matar uma bola no peito sem sentir dor (basta matá-la entre o pescoço e os seios, tomando cuidado para não machucar nem um, nem outro. É um campo limitado para absorver o impacto da bola sem se ferir, mas, com treino, tudo se encaixa e passa a ser automático acolher a esfera no lugar certo). Meus seios e eu aprendemos a conviver e eu, um dia, esqueci deles, ou talvez eu só tenha entendido que eles faziam parte de mim.

Violação e Abuso

Voltei a percebê-los quando fui visitar uma amiga e o pai dela me levou para o quarto da televisão, me colocou em seu colo e começou a apalpá-los. Aquilo não me pareceu certo, mas eu não tinha para onde ir. Ele me segurava com força e era um homem bastante grande. O pai de minha amiga fez isso algumas vezes, até eu decidir que não iria mais à casa dela, afinal a casa de minhas amigas passou a ser local perigoso.

52 AVESSA
Estudos apontam que uma parcela significativa das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de abuso sexual na infância.
53 verão 2023

Foi assim que eu fiquei outra vez ultraconsciente a respeito de meus seios e passei a notar como, na rua, eles eram motivo de olhares de homens mais velhos, eu não tinha ainda 13 anos e já havia entendido que meu corpo era alvo de coisas que não me deixavam feliz, muito menos livre.

Comecei a cruzar os braços para esconder meus peitos e a usar sutiãs cada vez mais apertados para tentar achatá-los numa tentativa de ser tão livre quanto meus colegas do futebol. Não funcionou.

Viver em corpo de mulher é ser lembrada a todo o instante de que esse corpo não é exatamente seu. Ele pode ser tocado na rua, pode ser abusado no trabalho, pode ser violentado na festa, pode ser avalizado em obituários, nos sentimos como mercadorias em vitrines.

O corpo de uma mulher pertence ao estado e aos homens, no qual eles abusam disso. O estado oprime, os homens ocupam. O estado diz quando podemos abrir nossas pernas, os homens dizem quando somos obrigadas a abri-las. A hierarquia dos corpos é então assimilada por todas nós seja para sobreviver, seja para pertencer. A ideia de que um feto tem mais direitos do que uma mulher é absorvida cedo na vida.

Dentro de um corpo de mulher, a gente entende rapidamente que não pode andar na rua sozinha à noite, que entrar em transporte público lotado é encarar uma mão ou uma coxa te invadindo, que entrar em vagão vazio de metrô é arriscado, que entrar em elevador onde só haja homens não é recomendável, que, em ambientes de trabalho, ficar sozinha numa sala com outro homem, especialmente se ele for mais poderoso do que você, vai exigir que você passe o tempo inteiro atenta a movimentos suspeitos e pensando em rotas de fuga.

Talvez por isso a gente dê a impressão de que é capaz de fazer muitas coisas de uma vez: porque fomos construídas com a consciência de que

A educação sobre o consentimento é extremamente fundamental para prevenir os abusos e respeitar a integridade física e emocional de todas mulheres

54 AVESSA
A hierarquia dos corpos é então assimilada por todas nós

nossos corpos são alvos e é preciso ficar o tempo inteiro em estado de alerta. Não existe mulher no mundo para quem esses conceitos sejam alheios. Pobres, ricas, gordas, magras, pretas, brancas, cis, trans: vivemos em constante modo de atenção sabendo que, mais cedo do que tarde, estaremos numa situação de correr ou lutar – e que, provavelmente, perderemos de qualquer jeito, pois o mundo é assim.

A noção de que não estamos a salvo nem nas ruas e nem dentro de nossas casas instala em todas nós um sentimento de urgência, e os efeitos nocivos são os mesmos impostos a corpos que vivem em guerra.

Os números, aliás, são os de uma guerra: O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo, uma mulher é estuprada a cada dez minutos (levando em conta os casos relatados e a consciência de que a vasta maioria das mulheres não relata o abuso), três são assassinadas por dia, e o país continua sem dar amparo para vítimas. Até Quando?

Foi com algumas mulheres trans que entendi que aquilo que eu tentava esconder – meu corpo – elas se orgulhavam de exibir; um aprendizado que vem com riscos, mas também com potências. Para a mulher cis, é na menopausa que, livre da opressão do olhar e da invasão masculina, a a gente se sente mais livre. Com a desobrigação de viver em permanente estado de alerta, vem o descanso da alma, do espírito e da mente, talvez essa seja a mlehor parte de viver nesse corpo.

Termino com um trecho de uma carta que o filósofo Paul Preciado, um homem trans: “o que está em jogo não é nem o território nem a cidade, mas o corpo, o prazer e a vida.”

55 verão 2023

Cabelos brancos, moda e essência

A escritora, publicitária, mãe, palestrante, influenciadora digital, tatuada Cris Guerra é múltipla, como ela mesma se define. Autora do livro “Moda Intuitiva”, entre outros, e criadora do primeiro blog de look do dia do Brasil, nos primórdios das redes sociais, falou um pouco com a gente sobre como pensa ser o caminho da moda no pós-pandemia, e como foi a decisão de deixar os cabelos grisalhos. Também falou que envelhecer é deixar os pensamentos rígidos da juventude para traz, mas trazer junto os ensinamentos de todas as idades. Contou sobre seu novo projeto, o podcast “50 Crises”, em que pretende mostrar todas as mulheres que estão dentro dela.

Mudança

“Tenho no DNA uma coisa de mudança. Gosto de experimentar coisas novas. Isso me faz bem, mas isso é coisa minha. Não significa também que vou ficar com o cabelo branco eternamente. Mas nesse momento eu quero. Eu achei que não fosse aguentar

ficar muito tempo. Com três meses estava difícil, mas fui me acostumando e hoje eu estou amando. Já sei como lidar, como cuidar, como tratar com a textura.”

Moda x pandemia

“Tenho pensado muito nisso. A quantidade de roupa que eu tenho para esse momento é absolutamente tranquilo. Não preciso de mais, estou bem satisfeita mesmo. Está sendo um grande aprendizado rever nossas necessidades e ficar com o que só realmente preciso. Será que faz sentido tudo isso? A moda vai ter que se reinventar e se conectar com um propósito e com necessidades. Não dá para ficar lançando só porque é novidade e está na moda. Será que a gente precisa tanto de novidade? Umas das coisas que aconteceram nesse período é que percebemos que o nosso passo, depois desse novo normal, não deve ser para a frente, mas para trás. Acho que a moda vai se conectar com mais sentido e menos quantidade.”

Essência

“A palavra essência que significa aquilo que é o mais básico, o mais central, a mais importante característica de um ser, está permeando a vida de todos nós como um todo. Não dá mais para querer alguma coisa só porque tem uma nova coleção em uma loja que gosta ou porque tem dinheiro disponível para gastar. Ficou sem sentido esse exagero todo. Mas também não sei como a conta vai fechar. Como uma loja vai sobreviver, como vai manter os funcionários. Me dá um pouco de angústia isso, mas é preciso haver uma redução, um reestudo, uma revisão. As pessoas olharem e perguntarem: faz sentido continuar produzindo uma coleção tão grande, trocando de coleção com tanta frequência? Faz sentido continuar produzindo com tanta frequência? A gente sabe que a pandemia foi causada por um desequilíbrio ecológico e social. Temos a responsabilidade com o material que a gente fabrica e utilizaw no mundo, com o que a gente consome.”

56 AVESSA PAPO FURADO

Cabelos brancos

“Nunca achei que eu ia fazer isso na minha vida. Mas aí comecei a falar sobre essa questão do envelhecimento. E meu namorado, o Ale (Alexandre Braga), começou a reparar nas mulheres, comentava sobre os cabelos grisalhos delas. Achei muito legal. A minha cabeleireira também começou a me incentivar. Quando eu levei a ideia para ela, disse que ia ficar lindo. Isso foi em agosto do ano passado, achei que ia ficar tipo gambá, branco no meio e preto no resto. Na verdade, sempre que começava a crescer sem tingir, olhava a cor e achava que estava tão bonito o prateado. Fiquei igual adolescente, juro, esperando o cabelo branco vir. Não deu dois meses, cheguel lá na cabeleireira e já tinha uns 2 cm de branco. Ela sugeriu raspar deixando os branco no comprimento que estava. Perguntou se eu tinha coragem. Cortou então bem curtinho, sem máquina, com a tesoura. Foi muito interessante. Primeiro, a experiência de ficar careca foi muito legal. Nunca tinha tido o cabelo tão curtinho. Fui encontrar com meu namorado e já tinha avisado que tinha raspado a cabeça. Ele me disse que parecia que eu tinha vindo de Londres e disse que tinha se apaixonado de novo. Curti e me reconheci.”

Idades

“Tenho todas as características das idades em mim. às vezes, eu sou uma velhinha, às vezes, eu sou uma criança. Outro dia ouvi um termo, acho que do psicanalista Christian Dunker, que o termo melhor não é ‘ageless’, mas ‘agefull’ (cheias de idade), porque nós não somos sem idade, mas temos muitas idades. Isso significa que a gente tem 40, 50, 12, 2. Todas essas pessoas estão em nós. Tenho às vezes a impressão, quando lembro de determinadas coisas, que parece qu aconteceu em outra vida. Mas o que eu falo dos jovens, como quando fiz a frase “ a juventude é uma coisa que o tempo cura”, é que em uma determinada idade da vida, a gente tem muitas certezas imutáveis. Isso tem a ver com a adolescência, com a juventude, em que existe uma rigidez de pensamento e opiniões, que faz mal. Um jeito ranzinza de encarar as coisas. Com o tempo a gente percebe que não vale a pena comprar essa briga. Envelhecer é ligar o foda-se. Quando a gente pode ligar o foda-se, é muito bom.”

57 verão 2023
Cris Guerra aos 50, ainda mais bonita, confiante e autêntica com o seu cabelo grisalho Mário Pereira

Dona onete: vivendo sonhos

“Quem é essa mulher? Me diga, garçom / Que aparece e desaparece / Nas noites de luar / Seduz e vai embora / Deixando no ar o seu perfume / Aquela boca vermelha, melancia era o batom”, cantarola Dona Onete, 83, após sacar um batom vermelho de sua bolsa e contornar a boca, amparada por um espelhinho redondo de mão, antes de começar a entrevista para a avessa.

De unhas igualmente vermelhas, coberta de anéis nos dedos, vestido azul de estampa africana e uma tiara de pérolas na cabeça, uma verdadeira “pavoa”, como ela mesmo diz, Dona Onete é a grande responsável por não só difundir a cultura e a música paraense mundo afora, como por contrariar toda a ordem hegemônica.

A rainha do carimbó chamegado desbravou um universo até então predominantemente masculino com suas canções de empoderamento feminino, resgatou heranças negras e indígenas da cultura brasileira, como o boto cor de rosa e a lua Jaci, em um percurso decolonial, e ainda

lançou seu primeiro disco aos 73 anos, em uma sociedade que nega diariamente às mulheres o direito de envelhecer. Dona Onete resiste e promete não parar tão cedo.

“O tempo só termina dentro da catacumba. Os sonhos são para viver, não têm idade”, exaltou a paraense de sorriso farto que começou cantar ainda criança para os botos em noites de cheias de rio, em sua breve passagem por São Paulo, para a inauguração da Ocupação Dona Onete, no Itaú Cultural. A exposição traz uma retrospectiva da representante dos encantos e sincretismo paraenses com fotos de família, vídeos, manuscritos com letras originais e inéditas e até uma simulação de um palco de carimbó de chão vibratório.

Com o auxílio de uma cadeira de rodas por conta de dificuldades de locomoção por um problema no quadril gerado pela idade, Dona Onete falou ainda sobre o período em que ficou entre a vida e a morte, em uma Unidade de Terapia Intensiva, após contrair uma pneumonia, no final do

ano passado: “Não foi tão grave porque já fiz de tudo: já cantei e já divulguei o nome do Pará. Claro que ainda tenho muita história para contar, mas outras pessoas virão e contarão”, acredita. Sindicalista e professora de história por uma vida, a cantora nascida em Cachoeira do Arari, na Ilha de Marajó, no Pará, considera seu primeiro palco a sala de aula e aprendeu desde cedo a arte da oratória, nos palanques de militância. Integrante do Partido dos Trabalhadores (PT), Dona Onete foi ainda uma das fundadoras do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Educação Pública do Pará e da Central Única dos Trabalhadores.

Estou firme e forte e quero que vocês continuem assim, firmes e fortes”. Dedicada à rainha do carimbó, a mostra conta um pouco da história desta mulher que abriu caminhos para muitas vozes femininas no Norte do país, apresentando sua música e, também, a cultura paraense. Confira a entrevista da Dona Onete a seguir:

58 AVESSA PAPO FURADO

Quais são as memórias de sua infância? Dona Onete. Eu morava com a minha vó. Era uma casa de pau a pique e lembro da gente alisando o barro na parede. Essa minha avó era mãe do meu padrasto, do Maranhão, descendente de escravos. Morava lá com minhas primas, que já tinham perdido as mães, e uma tia com mais quatro filhos. Essa tia que mantinha a casa, porque minha avó não tinha aposentadoria. Tinha uma vida feliz. Meu guarda-roupa eu mesma fazia e forrava tudo para poder botar minhas anáguas e rendas.

Você já era vaidosa?

Muito. Eu já era uma pavoa. Usava muito batom. Um vermelho ciclame, uma cor que diziam que era de mulher da vida. Ele durava 24 horas e vinha de fora, dos Estados Unidos, ou França, não sei. Minha avó detestava que eu usasse aquele batom. Eu falava para ela: “Vovó, deixa eu usar, não sei se eu vou morrer logo”. Ela dizia: “Minha filha, tem tempo pra tudo. Meu Deus, estou apavorada, a Nete é diferente de todo mundo”.

E seu pai?

Meu pai morreu quando eu tinha uns oito meses. Dizem que ele foi pescar com febre, o anzol engatou no fundo e ele caiu na água. Quando voltou de lá ficou mal. Depois minha mãe arrumou esse meu padrasto, que eu chamo de pai, e eu fui morar com a minha avó. Minha felicidade toda estava lá. Perguntei esses dias em uma entrevista se alguém já teve um lençol coberto de lua em casa. Eu tinha. O teto da minha casa era forrado por uma palha. Quando chovia, a gente tinha que se encostar nas paredes para poder dormir. Quando a lua estava no céu, eu podia ouvir São Pedro. Até hoje a lua é predominante na minha vida. Eu falo muito dela, eu canto ela em versos e prosas. Ela faz parte da minha infância, seguiu toda a minha vida.

E você foi namoradeira? Engraçado. Tenho amigos que depois que deixei meu marido falaram: “Eu não casei contigo porque pensava que você ia me colocar muito chifre”. Porque eles diziam que eu era muito doida. Eu era dama da festa, dançava muito, era aquela mulher antenada. Mas eu não era a bonita, era a inteligente, sabia de tudo, de futebol, lia livros de bolso, esses de faroeste, e discutia com os homens. Eu namorei muito, mas não durava porque sempre queria outra coisa. Depois escolhi casar e fui para o interior, com 19 pra 20 anos. Foi pouca a solteirice, mas aproveitei.

O que a senhora carrega do Pará na sua música?

Eu carrego muita coisa de lá. Principalmente um urubu e uma garça que eu nunca pensei que fossem fazer tanto sucesso. Eu misturo muita literatura, história, o empoderamento da mulher nas músicas. A Daniela Mercury esteve lá na

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Setti / Itaú Cultural
André A cantora, compositora e professora paranaense de 83 anos, Dona Onete

minha casa, em Belém, quando eu estava doente. Ela foi cantar num show por lá e estava falando da minha música sobre a comunidade LGBTQIA+: Eu não matei / Eu não roubei / Falso ao testemunho eu não jurei. Dane-se o preconceito/ A burra discriminação / Eu luto pelos meus direitos / Doa a quem doer. Eu não pedi pra nascer. Com a minha música, vou dando o meu recado.

Você já ficou internada em uma UTI, sentiu medo de morrer?

Tive um pouco de receio, estava fazendo shows e eram dias muito quentes. Nessas de entrar em carro e ônibus com ar-condicionado muito gelado, peguei uma pneumonia. Fiquei internada quase um mês e por pouco não fui entubada. Teve uma hora que a minha pressão foi para quatro, estava assistindo televisão, ouvia o som, mas eu não via o que estava passando. Já era hora quase hora de me entubar. Mas não tive medo, eu pensei: “Já fiz tudo,

meus filhos têm onde morar”. Tenho dois filhos, cinco netos e cinco bisnetos. Minha bisneta vai fazer 15 agora. já fiz muita coisa, já cantei, já lecionei, já fiz cinco filmes, já fiz o que tinha que fazer.

Lançar o primeiro disco aos 73 anos, inspira muita s mulheres?

Eu quis primeiro garantir o meu sustento, para depois ir para a música. Se desse certo, tudo bem, se não, já tinha minha aposentadoria. Quem me deu essa coisa do palco foi o movimento da CUT, do sindicalismo aqui no ABC Paulista. A noite sempre terminava no bar Brahma. Eu subia nas mesas e cantava. E no dia seguinte ia pra luta.

Por estar na faculdade com mais de 40 anos, como foi isso?

Todo tempo é tempo, meu amor. O tempo só termina na hora que entra numa catacumba. Enquanto tiver vida, não tenha medo do ridículo. Hoje se alguém diz al-

guma coisa, é porque tem vontade e não tem coragem. E beleza não é só um corpo bonito nem um rosto bonito.

O etarismo ainda é muito presente na sociedade. Ocupar espaços sendo mais velha é quase um ato subversivo? A gente já passou por tudo. A escada que você vai subir, eu já subi. No palco que você vai cantar, eu já cantei. Os aplausos já foram pra mim. E hoje está esperando você. Tu está entendendo? Os sonhos são para viver, não têm idade.

Por que o que uma mulher mais velha faz ou deixa de fazer incomoda tanto? Claro que incomoda. Se você não tem coragem para fazer e a outra tem, incomoda. A nossa felicidade incomoda. A mulher andar e não tropeçar incomoda. O empoderamento é você saber se expressar: “O meu lugar é este”.

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AUTOESTIMA AOS 50

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O autocuidado e a autoestima feminina: tanto se fala nesse assunto, e pouco o colocamos em prática.

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adulta da mulher é apertada. Estudos, hobbies, crianças, relacionamentos, amigos, fa-

mília, trabalho: muitos fatores podem tirar o autocuidado da nossa lista de prioridades. Por consequência, negligenciamos nossa saúde física e mental e também nos desconectamos de nós mesmas. Aqui, estabelecer uma rotina é a melhor forma de fomentar o autocuidado. E não precisa empreender, agora mesmo, uma mudança radical na sua vida: comece aos pouquinhos, um passo de cada vez. Fundamental mesmo, nesse momento, é criar um compromisso com você mesma. É tão fácil fazer promessas aos demais, não é? Como eu disse lá no começo desse artigo, é muito fácil deixar nosso próprio bem-estar de lado, porém, isso também deteriora nossa energia, saúde, bom-humor e até a nossa beleza estética.

Lembre-se que o autocuidado é amplo e não é feito apenas de questões estéticas e superficiais – apesar de estas serem essenciais também. É preciso se alimentar melhor, tomar mais água, se exercitar, separar um tempo para o lazer, passar menos tempo nas redes sociais e se conectar com mais frequência com aqueles que você ama – na vida real! Dormir bem, evitar o desenvolvimento de vícios e investir em relacionamentos saudáveis também podem mudar a nossa vida para melhor. Como eu disse, à primeira vista, todos esses aspectos podem parecer tarefas impossíveis. E isso é compreensível: às vezes, estamos tão desconectadas da nossa vida pessoal e de nós mesmas que qualquer mudança parece demandar tempo demais.

Contudo, eu reforço novamente: um pequeno esforço por dia já pode mudar muito a sua saúde e a sua autoestima. Logo, esses novos hábitos não serão nem sequer considerados esforços. Serão apenas mais uma pequena parte do seu dia.

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Algumas vezes, podemos olhar a foto de uma mulher ou até conhecê-la pessoalmente e apostar que está na faixa dos 40 anos ou até menos. Quando na realidade ela tem mais de 50 anos de idade. Isso nos dias atuais tem sido muito frequente. A todo instante chegam informações de mulheres de meia-idade que se cuidam esteticamente, não apenas da face, mas também do corpo. Para quebrar os preconceitos de quem diz que depois dos 40 as mulheres ficam mais descuidadas e perdem sua beleza, basta conversar com mulheres frequentadoras de academia, adeptas de corrida de rua e de bike, mulheres que estão no auge da sua forma física e com mais de 50 anos. E, acredite, mulheres com mais de 60 anos, que daquele estereótipo de “mulher idosa” não têm nada.

Mas para tudo existe uma certa dedicação, um belo corpo requer determinação, foco, boa vontade e muita disciplina. Essas mulheres com um shape definido certamente estão incentivando outras mulheres a adotarem o lifestyle e que deve estar incorporado à rotina delas. E que depois de um tempo vão colher os benefícios. O exercício físico tem fatores positivos para a saúde, como prevenir osteoporose, diabetes e câncer, além de ajudar na mobilidade quando a idade avançada chegar.

Se manter um corpo sarado, um bumbum perfeito e um abdômen definido aos 20 anos é tranquilo, imagine para uma mulher de 50 anos, quando os fatores hormonais não contribuem muito. Mas seria um sacrifício? Nem tanto. Porque há mulheres que curtem verdadeiramente adotarem um estilo de vida mais saudável, com muita atividade física, alimentação regrada, abrindo mão de petiscos, regulando doces, evitando bebida alcoólica, dormindo o suficiente, acordando cedo para malhar, controlando o peso, sem vícios e felizes. A Avessa conversou com três mulheres que têm esse objetivo: cuidarem do corpo com disciplina. Uma delas venceu a anorexia e dá um testemunho emocionante de superação. Vamos acompanhar seus depoimentos?

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Uma ótima opção, se você não curte a academia, é o pilates, que além do físico, exercita o mental

Ser feliz é a meta

A professora de história Marina Pires Barbosa, 58 anos, divorciada, tem uma filha com 37 anos e uma neta com 18 anos. Sempre gostou de estar bonita, cuidar da alimentação e fazer atividades físicas. “Quando mais jovem fazia musculação, participava de corridas, mas por conta de uma cirurgia de menisco, minhas atividades hoje são mais leves, como caminhar todos os dias e fazer dança de salão, que amo. Como me aposentei recentemente, estou ainda vivendo um ócio, tenho horários flexíveis para me exercitar, mas a dança de salão faço todas as sextas-feiras e sábados. Além de estar sempre em movimento, também é importante a mulher se amar e sentir-se amada, gosto de estar sempre com amigos, sair aos finais de semana, ou até mesmo ficar em casa assistindo a um bom filme na companhia de um pote de pipoca”, comenta a professora, que incluiu na sua rotina um novo desafio: aprender inglês com aulas semanais. Ressalta que o cuidado com o corpo é uma questão pessoal e que desde mocinha aprendeu com a mãe a estar sempre arrumada, mesmo estando em casa ou dando um pulo no mercado. “Não saio sem batom jamais. Acredito que o bonito da maturidade é saber se adaptar às fases da vida e vivê-las intensamente, pois são únicas. As rugas em nosso rosto são registros da nossa história e devemos respeitá-las. Afinal estamos vivas e atuantes, o segredo é ser feliz sempre”, finaliza.

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Altos e baixos

Rita de Cassia Souza Braz nasceu em 20 de fevereiro de 1970, “ainda em tempo de comemorar o tricampeonato mundial do Brasil”, como ela própria brinca. Completa 50 anos em breve, é advogada, mas atualmente dedica-se à família. Casou-se duas vezes, tem dois filhos, atualmente com 15 e 16 anos. Chegou a ter uma depressão que durou dois anos. “Naquela época tive sérios problemas em relação ao modo como me via, o que me empurrou para a anorexia. Quando entrei em tratamento, passei a me preocupar com minha aparência. E aprendi a me gostar mais. Então parti para atividades físicas regulares como musculação, ginástica localizada, cuidados com pele e cabelo. Mantive o peso de 58/60 quilos até 2015. Na época não eram mais fabricados e vendidos tão facilmente esses medicamentos para emagrecer, então eu sempre me policiava na alimentação. Meus filhos nasceram com diferença de 1 ano e 1 mês, então acabei abandonando essas atividades para cuidar dos meninos”, ela recorda.

A experiência amarga ela teve ao mergulhar nos anorexígenos, quando tomava remédios para emagrecer em vez de voltar às atividades físicas. “Eu trabalhava durante a tarde e dedicava as manhãs e noites às crianças. Então não queria ir pra academia. Queria ficar com os meninos. Há poucos anos tive outra depressão, resultado de uma doença grave. Fui curada, mas a depressão me derrubou e engordei 20 quilos. Com o apoio dos filhos, passei a fazer caminhadas, perdi peso e voltei à academia depois de uma avaliação, pronta para fazer atividade física, aeróbica e musculação a fim de tonificar a musculatura e recuperar a forma antiga”, recorda a dona de casa.

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É preciso se conhecer e libertar-se de rótulos, isso nos torna mais interessantes

Como venceu a anorexia

Depois de viver e sentir na pele os efeitos de uma anorexia, Rita de Cássia faz questão de dar o seu testemunho às mulheres que anseiam a qualquer custo por um corpo “perfeito”. Em 2017, mudou-se para Uberaba (MG), estava renovada e com vontade de ficar mais jovem e bonita. “Foi aí que acordei mais para a forma física. Com 1.70 de altura, não bastava pesar 70 quilos, eu estava acima do peso e queria emagrecer para ter uma aparência melhor. Durante essa fase eu estava em um turbilhão de sentimentos negativos a meu respeito, sentia-me péssima, feia e gorda. Mas eu não era. Por minha conta, comecei a tomar remédios para emagrecer e a perder peso, passei a tomar laxantes junto com os anorexígenos para acentuar a perda. Eu me pesava em média duas vezes por hora, era compulsivo. O tempo passou e em poucos meses eu tomava seis comprimidos por dia para emagrecer. Às vezes trocava isso por duas bolachas água e sal por dia. Chegou uma época que eu tinha dores horríveis de estômago após tomar os remédios. Era como se meu estômago estivesse queimando. Então eu deitava de barriga no piso frio e chorava. Jurava que não ia mais fazer aquilo. Mas, assim que a dor passava, eu voltava aos remédios. Fiquei pele e osso, mas sempre que me olhava no espelho encontrava algo no meu corpo que ainda era possível emagrecer. Um dia resolvi mudar e voltar a ser quem eu era, rompi com tudo e busquei a minha saúde.”

Bonita e saudável

Rita começou a treinar diariamente e com disciplina, auxiliada por um instrutor, toma vitaminas, ingere proteínas, alimenta-se de maneira saudável. “Passei a caminhar diariamente e comer deixou de ser um medo. Recuperei e encontrei uma nova chance de vida, venci a anorexia.” Rita de Cássia alerta a todas as mulheres para esse problema sério que é a depressão, que pode desencadear uma anorexia. Para ela, ser bela não precisa estar dentro dos padrões estabelecidos pela mídia, não é necessariamente pesar 50 quilos, mas saber aceitar as imperfeições e acima de tudo ser saudável. “Não existe envelhecer, nós mudamos de fase. Aos 50 anos, temos a vantagem de poder olhar a caminhada que já fizemos, os sonhos que realizamos, a família que criamos. E ainda podemos olhar pra frente e viver novos sonhos, fazer planos. A mulher que chega aos 50 e vive sob a ditadura do espelho vai ser sempre refém do bisturi e eternamente infeliz. Aceitar-se é o primeiro passo pra felicidade. O segredo de se ser feliz aos 50 anos é não se comparar com mulheres de 20 anos.

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Fotos tiradas da Rita com o intuito de deixá-la mais confortável para compartilhar a sua história e estimular a sua autoestima

Madrugando para dar conta

A advogada Renata S. Cassiano tem 50 anos, é casada e tem uma filha. Herdou da mãe o cuidado com a aparência, cuida da pele, do cabelo e do corpo. Faz musculação e corrida de rua e no momento está treinando para uma meia-maratona. Acorda de madrugada para dar conta dos afazeres da casa, malhar e trabalhar no escritório. A rotina é puxada, mas, disciplinada com os horários, ela dá conta do recado. “Sempre gostei de esportes. Comecei na ‘escolinha’ de vôlei na AREL aos 12 anos. Quando entrei na faculdade de Matemática era obrigatória a disciplina de Educação Física, então também entrei para o time de vôlei. Levanto-me diariamente às 5 horas, deixo algumas coisas adiantadas e vou para a academia do clube. Faço musculação logo cedinho e também corro. Durante a semana completo 10 km e no sábado faço um ‘longão’ de 18 a 20 km. Da academia vou direto para o escritório, onde tomo banho e trabalho das 8 às 11h40. Almoço em casa e volto ao escritório às 13h30. Volto para casa perto das 18 horas, lavo roupas, vejo a tarefa da minha filha e preparo o almoço do dia seguinte. Vou dormir no máximo às 22 horas”, conta a advogada, que revela ainda ter compromissos com a igreja. “A minha filha é coroinha e serve na missa durante a semana e aos domingos”, completa.

Para ela, atividade física é essencial para a vida, já que dá ânimo, energia e nos mantém literalmente vivas. “Sou bastante suspeita em falar porque não vivo sem atividade física. Cada um deve procurar uma atividade que lhe dê prazer, como correr, dançar, fazer ioga, pilates. A preguiça faz a pessoa envelhecer antes do tempo. Os benefícios da atividade física são inquestionáveis e tem sempre algo que a pessoa possa fazer, independente de suas limitações.” A advogada também afirma que a alegria faz a pessoa fica mais bonita, atrai amigos. “Meu conselho é que toda mulher deve se cuidar e investir nela mesma. Olhar-se no espelho e gostar do que se vê é salutar”, explica.

Em uma época da vida, Renata admite que relaxou nos cuidados, engordou. “Mas fiz uma dieta que, aliada à atividade física, ajudou-me a emagrecer 21 quilos. Nunca mais engordei e sou disciplinada com a alimentação porque com a idade o metabolismo é lento. Sou a favor de procedimentos estéticos que suavizem as marcas do tempo, mas tudo tem um limite. Não posso mais fazer o que fazia aos 20 anos, mas posso ser feliz com a minha idade. A mulher pode sentir-se plena aos 50, 60 e 70 anos.”

Renata reitera que se cuidar é um ato de amor, isso muda o jeito que ela se enxerga e relaciona com os outros

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Envelhecer bem é envelhecer com a saúde física, mental e emocional

PÁGINA VIRADA

Paola Carosella conta sua hist ó ria

Há 4 anos, a chef Paola Carosella teve “pânico” de tomar uma decisão que mudaria sua vida: “tinha 40 anos, estava no Brasil há 12 anos, tinha uma filha de dois, um restaurante quase falindo, um restaurante absolutamente falido e estava morando no cheque especial”, conta no evento Day1, organizado pela Endeavor na segunda-feira (5). do Povo. Todos os direitos reservados.

Foi quando definiu, após um processo longo, que deixaria a vida que tinha para ser feliz. Para iniciar o processo ela dividiu sua vida em dois papeis, “hoje” e “em dois anos”. A partir desses papeis, entendeu o momento em que estava na vida. “Levantei com quatro certezas: eu vou morrer algum dia; eu não sou feliz na vida que eu tenho; preciso fazer alguma coisa para mudar essa vida, porque ninguém vai mudar por mim; e sou cozinheira”. Definiu, então, que tomaria um empréstimo de R$ 2 milhões para comprar de seus sócios o Arturito, restaurante que mantém até hoje

na Rua Artur de Azevedo, em São Paulo. Isso a deixou ainda mais endividada no primeiro momento, mas foi a guinada de que precisava para mudar de vida. E foi um processo.

História com a cozinha

“Me encantei com a cozinha quando ainda pequena. Adorava a forma como minha avó colocava a comida na mesa, me parecia um ato muito poderoso”, descreve, concluindo: “me apaixonei por essa coisa meio erótica da fartura”. Os finais de semana e férias de Paola eram assim. “Mas a semana era diferente”, relembra diante da plateia. dos os direitos reservados. “Meus pais eram separados. Morava com a minha mãe em um apartamento, onde sentia muita solidão. Tive uma mãe muito forte, super empreendedora, que trabalhou muito a vida inteira, linda, mas sempre muito triste. Quando estava em casa, e não trabalhando ou estudando, passava o tempo trancada no quarto ficando triste”,

emociona-se ao lembrar. Para fugir da solidão que vinha dessa situação, Paola cozinhava, copiando a avó ou as culinaristas da televisão.

“Os ingredientes que eu tinha eram limitados, não tinha a fartura da casa da minha vó. Tinha atum de lata, pão de forma, salsicha, maionese, ovo e manteiga. Mas com esses ingredientes eu fazia de tudo”. Ela preparava o jantar para a mãe e encontrava dentro desse espaço o resgate de uma vida infeliz. “Obviamente, quando terminei a escola aos 18 anos, escolhi ser cozinheira”.

Primeiro restaurante

Após viagens, estágios, um emprego como sub-chef e dez anos de experiência em outras cozinhas, Paola decidiu que deveria abrir um restaurante usando a herança de seus pais, que perdeu aos vinte e poucos anos. “Era 2001, eu estava no Brasil, já tinha trabalhado no Figueira Rubayiat, sabia o que tinha que saber sobre a cozinha e decidi

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foto Breno Valto

investir aqui: eu não falava português, não tinha documentos e não conhecia ninguém. Vendi tudo o que eu tinha, peguei o dinheiro e tinha meio milhão de reais, que era o necessário para tirar um visto de investidor. Virei uma empresária, e como empresária, fui uma excelente cozinheira”. Chamado Júlia, o primeiro restaurante foi bem-sucedido em termos de cardápio, mas a sociedade não funcionou. “A confiança na sociedade quebrou-se”, explica Paola. O pai do sócio comprou a parte de Paola no restaurante, devolvendo o mesmo valor que ela tinha investido.

Arturito

“Entrei no embalo, e no lugar de escolher um sócio errado, eu escolhi sete, argentinos. Ótimas pessoas, mas com ideias diferentes”. Esse é o início do Arturito. “Eu queria um lugar branco, aberto, que pudesse se expandir, com pessoas felizes. Mas acabei tendo uma espécie de boate. Era caríssimo e cafona, mas por alguns anos, ele deu certo”. O problema era que não acreditava na proposta que tinha naquele momento. Sem chegar a um acordo com os sócios, cuja maior preocupação era o faturamento, Paola teve sua filha. “Soltei todas as minhas unhas e falei para os meus sócios: a gente precisa mudar. Não sei se eu estava sentindo uma tendência de mercado, porque não sou empresária, mas tinha certeza que o Brasil ia mudar e que a alta gastronomia não ia funcionar”.

Para ela, o restaurante não era gentil e amável, como deveria. Isso foi em 2012. Passaram-se mais alguns meses quando chegou a noite da decisão. “Queria muito mais, não grana, não ambição, mas me espalhar de alguma forma nesse mundo. Então nesse momento quando estava sentada no chão olhando para os dois papeis, eu analisei as opções: eu podia continuar miserável; abandonar o barco; escolher um sócio em meia hora, mas não queria um sócio por necessidade, eu precisava escolher por afinidade”, explica.

Virada

“O mais valioso dessa empresa era eu. Isso pode parecer arrogante, mas eu era que estava cozinhando e dando valor àquele espaço. No dia seguinte, fui ao escritório e peguei o empréstimo de R$ 2 milhões, que é muito para quem não tem nada. Eu era a minha garantia, eu tinha uma grande garantia, porque eu sei que se eu preciso eu posso trabalhar 700 mil horas por dia”.

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Peixe do dia com brocolis e ovo do restaurante Arturito da chefe Paola Carosella Leo Feltran

PÁGINA VIRADA

Após longa negociação, eles aceitaram o preço “e eu voltei a um restaurante que tinha muito menos clientes e um ponto de faturamento muito arriscado”.

La Guapa

Começou a servir em outros momentos, no jantar, por encomenda. “Aparentemente isso se chama teste de mercado, e eu estava fazendo um teste de mercado”. Foi com as empanadas que Paola virou empresária, acredita. “Um dia, apareceu alguém que me completou, e que com certeza sem essa pessoa eu não estaria

aqui”. Benny Goldemberg foi o sócio que Paola teve certeza que precisaria ter: em 2014, o La Guapa saiu do papel. Hoje, vale 40 vezes mais que naquela época e todos os empréstimos já foram pagos.

“Eu sou muito mais feliz do que antes, tenho um sócio que é íntegro, honesto, inteligente, muito divertido. Eu não faço ideia do que está escrito no meu contrato social com ele, porque o que eu tenho com ele é um projeto de vida”, complementa Paola. “O Benny fez a minha arte ser um negócio”. “Em um momento em que ‘empresário’ parece uma má palavra,

eu tenho muito orgulho de ser empresária”, conclui Paola. “Cada um de nós, em qualquer coisa que faça, tem que ser absolutamente responsável pelo que faz, sabendo estar impactando as pessoas”.

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PEDIR DESCULPAS POR SER VOCÊ?

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Ter uma boa base emocional pode ajudar a resgatar nossa essência

por JULIA DE MIRANDA fotos SHAKTI STUDIOS

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Continuamos sendo acusadas, presas, perseguidas e brutalmente mortas diariamente

desses, rolando o feed do Instagram, vi a postagem de uma figura pública pedindo desculpas para a audiência por estar falando sobre cinema. Era domingo de

Oscar e ela estava contando o porquê de ter gostado de determinado filme da competição, uma mulher que comumente produz críticas interessantes. Achei algo tão habitual, escrever o que se pensa numa rede social, que não entendi o motivo dela se desculpar antes mesmo de emitir a opinião. Fiquei tão espantada por ser uma mulher com mais de 60 anos, reconhecida nacionalmente pelo trabalho intelectual etc., que imediatamente percebi como isso tomou um aspecto natural, em especial, para nós mulheres: pedir desculpas por sermos nós mesmas.

Não só natural como extremamente prejudicial para o nosso emocional, psicológico e físico. E desde quando o patriarcado misógino, racista e homofóbico quer nos ver seguras e insubmissas? A historiadora Silvia Federici há anos pesquisa e se debruça sobre a temática da violência contra as mulheres, suas origens e de que maneira somam-se novas e perversas formas de exploração. Continuamos sendo acusadas, presas, perseguidas e brutalmente mortas diariamente.

Se para nós foi imposto o papel da bruxa (termo pejorativo criado no século 16 por quem as perseguia e não pelas próprias mulheres), pois a caça à essa figura simbolizava o medo do poder das mulheres, ainda hoje queimamos nas fogueiras através da demonização da sexualidade feminina, a repressão dos nossos corpos e desejos (colocados a serviço da satisfação sexual e social masculina), das dúvidas acerca de nossas potencialidades e na desvalorização do sentir, algo vinculado unicamente a energia feminina (Yin, na filosofia chinesa que é indissociável do Yang).

“A caça às bruxas instituiu um regime de terror contra todas as mulheres, do qual emergiu um novo modelo de feminilidade a que as mulheres tiveram de se conformar para serem socialmente aceitas durante o

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desenvolvimento da sociedade capitalista: a feminilidade assexuada, obediente, submissa, resignada à subordinação ao mundo masculino, aceitando como natural o confinamento a uma esfera de atividades que foram completamente depreciadas no capitalismo”, escreveu Federici.

Trazendo à baila esse breve resgate histórico, sem esquecer que o período da escravidão marcou mulheres negras e indígenas como corpos desprezíveis de cuidado, afeto e direitos, fica evidente que é preciso uma forte mobilização para que a gente tenha consciência do nosso próprio valor como ser humano. Nas palavras de Audre Lorde, “Em um mundo de possibilidades para todas nós, nossas visões pessoais ajudam a estabelecer as bases para a ação política”.

O movimento feminista atual dá conta disso? Para onde somos direcionadas quando nos unimos politicamente? Um feminismo munido de arrogância acadêmica, que utiliza palavras difíceis e não envolve as particularidades de mulheres não brancas, trans, lésbicas, orientais, deficientes, gordas, pobres, mulçumanas… Esse feminismo estimula nossa autenticidade ou escolhe desviar da pluralidade que nos torna únicas e, de certa maneira, reverbera a opressão que nos faz pedir desculpas todas as vezes que não cumprimos o que a sociedade espera da gente?

Olhando para as gerações anteriores na própria família, quantas mulheres foram silenciadas e tratadas como invisíveis dentro de casa, às vezes por uma questão de sobrevivência, enquanto criavam os filhos e cuidavam da rotina domiciliar para que os parceiros seguissem com a função de provedores? Sem falar das muitas famílias de mães solo que se viravam como podiam para conciliar as demandas. Alguns aspectos mudaram sim, porém seguimos com dificuldades para romper as amarras socias, familiares, econômicas e psicológicas que nos impossibilitam de assumir a mulher fenomenal (benção Maya Angelou), humana e possível, que existe em cada uma de nós.

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Quantas vezes nos sentimos inadequadas, infelizes e culpadas?

Vai lá e shonda rhimes!

As séries norte-americanas Grey´s Anatomy, Scandal e How to Get Away With Murder têm em comum o nome Shonda Rhimes por trás da criação e produção executiva. Shonda é uma mulher negra, roteirista, dona da produtora ShondaLand, milionária e como a própria se intitula, PUD: primeira, única e diferente. Recentemente li “O ano em que disse sim”, seu bestseller que revela um pouco do processo criativo e algumas de suas vulnerabilidades. Com aparência de autoajuda, o livro é mais um franco relato, muito bem escrito, do que uma receita de bolo para o sucesso pessoal; não acredito em fórmulas prontas e rígidas, recomendo qualquer leitura sempre com interpretação e pensamento crítico.

Shonda passou mais de um ano dizendo sim para tudo, convites e situações que anteriormente a intimidavam. Ao relatar as experiências, ela narra como percebeu o quanto a autossabotagem prejudicava e o processo turbulento de mergulhar dentro si para se salvar e aplaudir seu verdadeiro eu. Se Grey’s Anatomy não tivesse tantas temporadas, eu toparia conhecer a personagem Cristina Yang, criada por Shonda e que revela muito do que ela gostaria de fazer na própria vida, mas não dava conta até então.

Quantas vezes nos sentimos inadequadas, infelizes e culpadas em variadas situações do cotidiano? Nos distanciamos, às vezes nem mesmo sabemos quem realmente somos, da nossa essência através das máscaras sociais (boazinha/salvadora/fodona) tentando nos encaixar em estereótipos, relações e espaços que nada tem a ver com a gente, e no

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Rita aos 53 anos, após trabalhar sua autoestima, notou que pedir desculpas por ser você mesma é desvalorizar quem você é

fundo até sabemos que aquilo não faz sentido. Sufocamos nossas emoções e como consequência, a ginecologia emocional está aí para explicar, o corpo sente e podemos desencadear sérias questões psicológicas (depressão/fadiga crônica/síndrome do pânico/crises de ansiedade) e físicas. Ao terminar a leitura, criei a expressão “Vai lá e Shonda Rhimes”, uso comigo e com amigas quando quero dizer: vai lá e arrasa, vai lá e enfrenta com coragem (dá para adaptar com nossos próprios nomes).

Desculpas para quem?

O peso das instituições família & religião ainda moldam o comportamento, e até direcionam (ou impõem) caminhos específicos, de muitas pessoas. Estamos longe do que seria uma sociedade equilibrada emocionalmente e que aceita a escolha do próximo como algo intrínseco ao seu direito de existir e viver da forma que bem entender. Sem precisar dar satisfação ou ser submetido ao jugo moralista e repressor que tais núcleos costumeiramente se pautam. Construir uma boa base emocional na vida adulta para que a gente tenha mínimas condições de lidar saudavelmente com nossas emoções, amores e adversidades é, na minha compreensão, o básico necessário para acessar o amadurecimento e, talvez, as condições para bancar nossas escolhas reais.

Aprendemos ainda na infância a anular a nossa subjetividade, desenvolvendo apego e controle, a fim de caber numa ideia atrapalhada de perfeição ou mesmo -o mundo ideal (nascer, crescer, casar, procriar, morrer)’ para que o outro nos aceite. Anos depois, algumas conseguem arregaçar as mangas e com muito trabalho, e terapia, nos (re)descobrimos como protagonistas de nossas histórias.

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Vai lá e Shonda Rhimes! vai lá e arrasa, vai lá e enfrenta com coragem

Fácil? Não. Dá pra tentar? Sim. Por mais solitário que seja o caminho do autoconhecimento, e precisamos dessa solitude, lembre-se que não estamos sozinhas. Rede de apoio, profissionais especializados e bons (seletos) amigos podem auxiliar.

Para teórica bell hooks amor significa ação, então, nada melhor do que calibrar o nosso amor interior com práticas que possibilitem estar em paz e cada vez mais alimentadas de nós mesmas. Não precisamos pedir desculpas por nada. Não peço desculpas por me amar e saber o meu valor, por fazer o que intuo ser melhor para mim, pelos meus gostos pessoais, por não tolerar abusos, pelas minhas opiniões e crenças, pela forma como me visto, por quem eu escolho me relacionar, pelas minhas particularidades que me tornam completa, por buscar a minha verdade (por mais que desagrade quem quer seja), por tomar iniciativas que me conectem com o que eu busco, por me afastar, por mudar, por estar aberta, por ir embora, por me escolher e por seu eu.

Normalizem suas vidas, pessoal, escreveu Shonda Rhimes. Normalizem também aceitar o que dão ou não conta de fazer, a Mulher Maravilha é uma fantasia.

Temos tanto pavor da morte, e da tristeza de conviver com a saudade, porém nos anestesiamos por diferentes razões. Celebrar a vida em vida, com presença, é algo que nunca deveríamos esquecer.

Ter orgulho, paciência e carinho, primeiro, com a gente, requer um preço a se pagar. A gente nunca vai estar só se nos encararmos como uma boa, fiel e segura companhia. Ser leal à nossa intuição, sem pressa, sempre dançando ao sol.

83 verão 2023
A expressão “vai lá e Shonda Rhimes” é trazer piadas que rendem risadas gostosas.

TÔ VELHA DEMAIS OU ESTÁ TUDO ADOLESCENTIZADO

Entre driblar o sentimento de não pertencer e a infantilizaçãoinevitável de topar tudo que é tendência, quem já passou da era teen sente que o que resta é fazer crochê e ver novela

Adolescentizar, inventamos um novo verbo. Adolescentizaram tudo. Na internet, então, a adolescentização tomou conta. As séries, as músicas, os vídeos, as campanhas publicitárias, as passarelas: está tudo adolescentizado.

Basta duas, três rolagens na página inicial da rede social e a gente se pergunta “tô velha demais pra isso aqui?”. Mas como é que alguém de 30 e poucos pode estar se sentindo velha? Acontece que apenas não somos mais adolescentes, mas isso vira muito quando quase ninguém mais quer falar com a gente. Adele diz que não quer fazer música pro TikTok, não quer estar lá, quer fazer música pras mães de quem está, mas marcas e pessoas como a Adele estão em falta por aí.

Siga rolando a página inicial e você verá dezenas, talvez centenas de vídeos. Vai se identificar com 2 ou 3. Aliás, a maioria você não vai nem entender, que dirá se identificar. Acho a adolescência fascinante, é um tal de tudo ou nada, pra sempre ou nunca mais, amor ou ódio, total desinteresse ou obsessão completa, tudo é extremo: as dores e as delícias. Intensidade pura! É fascinante, mas é exaustivo

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MEINKE foto PEXELS

ser adolescente, não toparia voltar pra esse universo, mas ele está o tempo todo nos rondando.

A adolescência é a época em que a gente mais segue as tendências porque é a época que a gente mais quer e precisa ser aceito, porque a gente não tem a mínima ideia de quem se é, está tudo em construção. O córtex pré-frontal, área do cérebro que é responsável por várias funções, entre elas a expressão da nossa personalidade, só chega a sua plena maturidade aos 25 anos, então é só a partir daí que as certezas começam dar as caras e a gente passa a buscar identificação dentro das nossas certezas, sem querer mudá-las de lugar pra caber no que está sendo comunicado e estimulado massivamente por aí.

Procuro uma música pra ouvir, playlist “as melhores da semana”, fico na dúvida se dei play ou abri sem querer a rede social, todas as mesmas músicas sendo tocadas incansavelmente e a gente já inconscientemente vai lembrando dos mesmos 10 passos das danças adolescentes. Não dá pra sentar na mesa do bar sem ouvir as mesmas músicas de 2 minutos e meio e até que fique impossível você não decorar.

Experimente tentar comprar uma blusa nova sem ser soterrada por croppeds nas cores violeta e laranja com frufrus e amarrações e falharás. Estampa de margarida por toda parte, bolsas de plástico colorido, chapéus estampados, óculos de Sol duvidosos, camisetas com frases ácidas sem graça... nada que se vê à disposição pra comprar dá pra imaginar sendo usado ano que vem. Tudo tão passageiro e efêmero quanto as paixões e obsessões da adolescência. Adolescentizaram o consumo, ou será que isso sempre aconteceu? Um recurso perverso do capitalismo pra sempre te vender a próxima “trend”, o próximo must have? Nada é feito pra durar.

O colágeno da adolescência, assim como as ressacas leves e a flexibilidade muscular da época realmente deixaram saudade, mas a conta bancária não. Com 30 e poucos nosso poder de compra é consideravelmente maior que o da nossa adolescência, mas é uma pena que quase ninguém esteja querendo vender pra gente. Todas as indústrias estão olhando pra aqueles de menos idade e mais intensidade, pra geração que dita muito mais tendências do que consome, pra geração que hoje te ama e amanhã não te suporta.

Com 30 e poucos a gente agora tenta driblar o sentimento de não pertencimento e a infantilização inevitável se a gente topar tudo que é tendência. A comunicação nunca foi tão democrática como na era das redes sociais, mas intencionalmente todo mundo parece só querer falar uma mesma língua. Dezenas de posts que são apenas variação de uma mesma coisa em busca de cair nas graças do algoritmo e o preço é o sentimento de exclusão, não pertencimento e descaso com todo mundo que já passou da era teen e sente que o que resta é fazer crochê e ver novela. Mas não vamos, combinado?

85 verão 2023

SER LIVRE É O GRANDE PRAZER

Criada num ambiente onde só um prazer era importante: o do homem, a escritora reflete sobre o que deseja ensinar para a sua filha

Fui criada num ambiente em que o prazer feminino não existia: nem no verbo, nem na cama. Meus pais esperavam que eu fizesse sexo só depois de casar. Minhas amigas não falavam de masturbação. Estávamos preocupadas em ficar magras, saradas e alisar os cabelos para atender o único prazer que importava: o dos meninos.

Os mesmos meninos que logo nos chamariam de galinhas e vagabundas, e por quê? Justamente por termos escolhido dar prazer para eles. E no ritmo deles. Um sexo bang bang bang aprendido nos filmes pornôs feitos também para eles.

Nada no sexo era feito para as mulheres. As pílulas mexiam com nosso humor. O DIU dava cólica. As calcinhas fio-dental assavam nossa bunda. Os sutiãs meia-taça espetavam nossas costelas. E claro que eles não queriam usar camisinha. O que muitas vezes nos levava ao mais triste anti-clímax: o aborto, a herpes ou a AIDS.

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por GIOVANA MADALOSSO pintura TRÊS IDADES DA MULHER

Só fui me entender como um elemento não-servidor do outro aos vinte e quatro anos, quando me mudei para Nova Iorque e ganhei um vibrador de um amigo.

Com esse amigo, acabou que também transei sem paixão ou qualquer tipo de compromisso, iniciando um maravilhoso processo de dissociação: amor é uma coisa, sexo outra coisa, e os dois não precisam vir juntos. Aliás, também é uma delícia quando não vêm juntos.

Desde então, sempre tenho algum vibrador. Uma vez, quando já morava sozinha no Brasil, um deles desapareceu. Um mês depois, a faxineira, toda constrangida, disse que havia encontrado atrás do sofá. Eu nunca levo vibradores para o sofá. Perguntei se ela queria seguir emprestando o brinquedo por mais tempo, quem sabe para sempre. Ficou toda vermelha, mas logo apertou o dildo contra o peito e disse que sim, desculpe e obrigada!

Durante a quarentena, fui passar um tempo com meus pais. Observando minha mãe triste, cansada e, obviamente, transando pouco, perguntei se não gostaria de ganhar um brinquedinho vibrante de presente. Iria lhe fazer tão bem quanto o quebra-cabeças que estava montando e encaixaria muito mais fácil. Ela não me deixou nem terminar a frase: que absurdo, nunca vou usar uma coisa dessas. Como se eu tivesse lhe oferecido um fuzil AK-47.

Depois que minha filha nasceu, acompanhei o caso de duas amiguinhas dela. Ambas descobriram a masturbação acidentalmente, aos seis anos. Uma teve o prazer reprimido pelos pais. Se fosse flagrada se tocando, levava bronca. Foi a psicólogos, neurologista. Passou a tomar tarja-preta para ver se baixava a ansiedadew considerada um possível deflagrador. A outra criança só recebeu uma orientação: não fazer na frente dos outros. Uns anos depois, ambas seguiam se tocando com a mesma frequência.

Agora minha filha tem nove anos. Ainda não me perguntou sobre sexo ou de onde vêm os bebês, mas estou pronta para falar disso sem meias-palavras. Vulvas não são pombinhas, pênis não são varinhas mágicas. Não poder nomear nossos órgãos também é um tipo de castração. Precisamos ser donas do nosso corpo e também das palavras que se referem a ele. Ser livre é o grande prazer.

87 verão 2023

POR QUE SOU A FAVOR DO TRATAMENTO PRECOCE

Um tipo de tratamento precoce que podemos fazer enquanto sociedade: um pacto de entendimento de que o capitalismo não vai dar conta de nos tirar dessa situação porque foi ele que nos trouxe até aqui

Eu não tenho muito problema em afirmar que tratamento precoce contra a Covid-19 existe e funciona. Ele envolve, pra início de conversa, comer e dormir bem. Acho, aliás, que todos nós deveríamos estar fazendo esse tratamento e me causa enorme tristeza saber que apenas alguns têm esse privilégio.

Estamos comendo cada vez pior e dormindo cada vez menos. Numa sociedade orientada exclusivamente para o trabalho remunerado, e valoriza enquanto pudermos produzir. Depois disso, estamos prontos para o descarte. Quem tem um trabalho fora de casa normalmente passa o dia inteiro nessa função, chega tarde, precisa seguir trabalhando porque preparar o jantar, cuidar de filho, lavar e pendurar a roupa, arrumar a cozinha e esfregar o banheiro são atos que constituem trabalho. Não remunerado, claro, mas também trabalho.

Mesmo aos que podem pagar alguém que execute as tarefas domésticas, não garante uma boa noite de sono. Contas atrasadas, salário, ser demitido e preocupações com os preços do supermercado que não param de aumentar: tudo colabora para que a gente durma pouco e mal. Já aos que estão se tratando precocemente têm tempo para dormir, não têm dívidas impagáveis, meditam, fazem exercícios físicos, conseguem prestar atenção no que comem

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por MILLY LACOMBE fotos PEXELS

,ingerem em boa parte apenas o que é saudável e visitam médicos regularmente.

São pessoas que têm a possibilidade de estarem no exercício de suas criatividades – um direito que deveria ser de todos porque se houver uma natureza humana ela passa pela capacidade que temos de ser criativos. Todos nós temos talentos, mas nem todos podem se dar ao luxo de buscar saber que talento é esse porque estão preocupados apenas em sobreviver.

Outro tipo de tratamento precoce é um pacto de entendimento de que o atual sistema econômico, chamado capitalismo, não vai dar conta de nos tirar dessa situação, até porque foi ele que nos trouxe até aqui. O desmatamento desenfreado das nossas florestas para que a pecuária se desenvolva e a soja seja plantada, para então virar ração animal são causas de pandemias na medida em que, ao deteriorarem um ecossistema, provocam a migração de espécies que, fora de seu habitat, interagem com o ser humano e fazem nascer novos vírus.

A Covid-19 não é a primeira e não será a última pandemia. Antes dela houve outras mais letais – o Ebola, por exemplo – e outras mais contagiosas, como o sarampo. Da próxima vez talvez a gente não tenha tanta sorte e precise lidar com um vírus que seja tão contagioso quanto o sarampo e tão mortal quando o Ebola.

A gente divide esse planeta com uma infinidade de outros seres vivos e seria importante que entendêssemos que não somos os protagonistas dessa história. Se a gente deixar de existir amanhã, todo o sistema Terra floresce. Se os insetos deixarem de existir amanhã, não duraremos mais 50 anos. Ainda assim, a arrogância humanaW faz com que a gente se sinta a espécie mais inteligente e poderosa. Não somos. E se conseguirmos a façanha de nos auto-extinguir estaremos certamente entre as espécies mais estúpidas que já passaram por esse planeta tão lindo e gentil.

O sistema econômico, as relações de produção, o dinheiro, o capital, o lucro, a propriedade privada, o complexo sistema financeiro que faz com que os ricos fiquem muito mais ricos através de transações complicadíssimas não são leis da natureza. Eles foram criados por alguns homens – portanto, pela raça humana – e podem ser destruídos.

É razoável supor que se tudo o que a gente fez de bom até aqui foi através da solidariedade e da comunidade, da troca de conhecimento e de experiências passando de geração para geração, então o espaço do comum deveria ser mais fértil às nossas imaginações. Nossa espécie se desenvolveu porque é capaz de atuar de forma colaborativa. Essa é a melhor explicação para o nosso – até aqui – sucesso evolutivo. Mas o acúmulo de riqueza, e portanto de poder, está criando a ilusão de que existimos separadamente.

Jeff Bezos não criou a Amazon sozinho. Steve Jobs não criou a Apple sozinho. Bill Gates não criou a Microsoft sozinho. Todas essas criações têm, na origem, investimento público e conhecimento compartilhado. Mas o sistema é perverso e atua de modo a esconder nossa participação no sucesso ilusoriamente individual de alguns.

O fato é que já sabemos que, sozinhos, não vamos sobreviver, ainda que meia dúzia de famílias consigam realizar o sonho já iniciado de, em algumas décadas, colonizar Marte. Nossas chances de sobrevivência reside na nossa capacidade de colaborar; como comunidade ainda temos uma chance. A hora é agora. E nem um minuto depois disso.

89 verão 2023

CONHEÇA A HISTÓRIA DA LUTA DAS LÉSBICAS BRASILEIRAS

O Dia Nacional da Visibilidade Lésbica existe há 21 anos, mas nossa luta existe desde a colonização. São 500 anos de invisibilidade e silenciamento

Foi em um 29 de Agosto, em 1996, que aconteceu o primeiro SENALE (Seminário Nacional de Lésbicas). Desde então, nosso dia de maior orgulho no ano.

Mas a história de uma lésbica brasileira não começa em 1996.

Começa com Filipa de Souza e mais 29 mulheres em 1591, com a primeira visita da Inquisição ao Brasil. Acusada de “práticas nefandas”, Filipa foi açoitada, humilhada em praça pública e expulsa da Capitania da Bahia por seu envolvimento amoroso e sexual com outras mulheres.

Cassandra Rios, aos dezesseis anos e já no século XX, escreve e publica “Volúpia do Pecado”. A Safo de Perdizes não passou pelos tribunais da Santa Inquisição, mas sofreu ameaças, foi detida e perseguida.

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SILVA fotos PAULO PINTO/ PEXELS

Assim como Filipa, humilhações públicas e a letra escarlate da perversão tatuada em sua história.

E as lésbicas feministas que lutaram contra a Ditadura Militar, presas, torturadas e assassinadas? E as que foram exiladas mas voltaram com a anistia de 79, com garra e vontade de lutar? E as histórias dessas mulheres que até a esquerda tenta apagar mas não consegue, como a de Marisa Fernandes, trotskista dos quatro costados, ex-militante da Convergência Socialista e participante do histórico Primeiro de Maio de 1980, quando o Grupo Somos de Afirmação Homossexual se juntou aos trabalhadores em greve no ABC paulista?

Em 19 de agosto de 1983, Rosely Roth e várias integrantes do Grupo Ação Lésbica

Feminista (GALF), realizaram o levante do Ferro’s Bar, em São Paulo, pelo direito de distribuir a publicação lésbica Chana com Chana, de falar sobre lésbicas e lesbianidade, de existir amando mulheres. O levante do Ferro’s Bar é considerado o Stonewall brasileiro. Organizado inteiramente por mulheres, sofreu e ainda sofre tentativas de apagamento e invisibilidade.

Os anos 90 trazem outras lutadoras que chutam a porta e botam nos clubes, nos palcos, nos livros, em colunas de grandes jornais e revistas de circulação nacional, toda a força da mulher sapatona. As Riot Grrrls de São Paulo, as mulheres investidas de raiva santa e criativa, lideradas por Vange Leonel, lésbica orgulhosa e de múltiplos talentos, referência pra toda a geração que arrebentou os armários na caretice neoliberal da década de 1990 pós-AIDS.

A luta pela visibilidade continua. Diariamente. Estamos organizadas em coletivas, em grupos de ação, em asociações. Brigando contra o lesbofeminicídio, contra a lesbofobia, contra o apagamento de nossas histórias e de nossas vidas. E mostrando, de novo e de novo, que Sapatão é Resistência, Sapatão é Revolução!

91 verão 2023

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