elis

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NOV. 2022 | R$60,0 0

A elis é para aqueles que se sentem um pouco alheios às mudanças rápidas e intensas que a sociedade sofre to dos os dias com o avanço constante da tecnologia e das formas de comunicação. A revista cria, em especial, uma ponte entre pais e filhos por meio do diálogo e reflexão, que facilita a construção de relacionamentos saudáveis e dinâmicos, e de maneira simples buscamos reacender o calor das relações humanas.

Diferente da promoção de um manual do mundo mo derno, sabemos que o conectar-se com o contemporâ neo, e até então desconhecido, pode parecer um cami nho complexo e assustador. Contudo, com um passo de cada vez, é possível se reinventar e descobrir que dentro do novo ainda somos semelhantes.

A revista é dividida em três eixos: sinal fechado, vindo no vento e somos os mesmos; seguindo uma ordem de integração e descomplicação sobre o tema da edição. Nessa primeira edição, será abordado diferentes visões do impacto da tecnologia no nosso comportamento e a riqueza de relações intergeracionais.

Estamos aqui para aproximar e integrar diferentes pes soas nascidas em diferentes épocas que, tendo relações sanguíneas ou não, coexistem e interagem no mesmo meio, possuindo em sua essência a similaridade de se rem humanas.

Escola Superior de Propaganda e Marketing Graduação em Design Turma DSG3A 2022-2 Projeto III Marise de Chirico Cor, Percepção e Tendências Paula Csillag Ergonomia

Matheus Alves Passaro Auresnede Pires Stephan Finanças Aplicadas ao Mercado Alexandre Ripamonti Marketing Estratégico

Leonardo Aureliano da Silva Produção Gráfica | Materiais e Processos Mara Martha Projeto Editorial e Gráfico Catharina Trabasso Débora Imai Horrocks Eloísa Vieira Della Nina Jessica Hradec Fernandes dos Santos Julia de Melo Claro Lucas Lee

CATHARINA DÉBORA ELOÍSA JESSICA JULIA LUCAS

COLABORADORES

MARIA LUCIA HOMEM

Psicanalista, pesquisadora do Núcleo Diver sitas fflch/usp e professora da faap. Tem ex periência em Psicanálise, Cultura e Estética, atuando nos temas: psicanálise, literatura, cinema, subjetividade, contemporâneo.

MARIA RIBEIRO

Atriz, escritora e diretora de cinema brasileira. Iniciou sua carreira na tv em 1994, com uma participação na minissérie Memorial de Ma ria Moura, já ganhou vários prêmios em sua carreira, incluindo um Grande Otelo.

PATRICK SANTOS

Jornalista, escritor e palestrante. Com forma ção em mentoring humanizado, participa no desenvolvimento, visão de vida e no propó sito de pessoas em transição de carreira ou em busca de mais sentido para o trabalho.

THAIS BASILE

Psicanalista, escritora, especialista em Psi copedagogia Institucional, em Marketing, Educadora parental, Consultora em Análise Comportamental e Especialista em Inteligên cia Emocional.

KAKÁ WERÁ

Escritor, ambientalista, tradutor e descenden te do povo tapuia e acolhido pela comunida de guarani. Envolvido em processos educa tivos, atua na valorização, registro e difusão dos saberes ancestrais de povos indígenas.

MARCOS MELLO

Professor, artista gráfico e designer. Formado pela escola Waldorf de São Paulo, gradua do em Artes Plásticas pela faap, mestre em Educação, Arte e História da Cultura pelo Ma ckenzie e doutor em História Social pela usp

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10 te vi na rua

SINAL FECHADO parede da memória 12 Moringa aconteceu comigo 16 Entrevista: Maria Homem 20 Sair do armário parece diferente para a geração dos meus filhos perigo na esquina 24 Amnésia Geracional

VINDO

NO VENTO

ta por fora 38 Sorria, você não está sendo filmado 42 Por que a gente fala assim no zap? nova estação 46 Como a tecnologia está mudando os relacionamentos como nossos pais 50 Maioria dos jovens não conversa com os pais sobre sexo 54 Intimidade em construção cabelo ao vento 58 O que é genêro não binário e como usar a linguagem neutra

SOMOS OS MESMOS aprendi nos discos 84 Séries e filmes para sermos os mesmos 86 Livros e podcasts para sermos os mesmos 100 nova consciência 112 seu lábio sua voz

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INSTITUTO MOREIRA SALLES

MODERNA PELO AVESSO: FOTOGRAFIA E CIDADE, BRASIL, 1890-1930

A exposição mostra sofisticação estética e pés descalços, construção e destruição, avanço e paralisia. É um ensaio visual sobre a produção fotográfica no Brasil durante a Primeira República, com foco no processo de urbanização de algumas das principais cidades à época: Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Be lém. A disseminação da fotografia por meio de revistas ilustradas, lanternas mágicas, cartões postais, das práticas amadoras e do cinema fez com que as cidades passassem a ser consumidas como imagem.

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13/9 A 26/02/2023

SESC POMPEIA

A PARÁBOLA DO PROGRESSO

Exposição reflete sobre os ideários de mo dernidade e independência do país, bus cando projetos inclusivos e diversos. Com cinco territórios dialógicos, apresenta a vocação de reunir forças sociais em am bientes acolhedores para suas comunidades. Um conjunto que marca o 40º aniversário desta unidade, inaugurada em 1982, palco para a cultura, o lazer, o bem-estar social e a saúde, qualidades e valores a serem res gatados nesse momento de distopia global.

TE VI NA RUA
26/10 A
02/04/2023

MORINGA

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PARA MANTER A ÁGUA FRESCA A MORINGA VIRA OBJETO DE DECORAÇÃO E CONTAR HISTÓRIAS SOBRE LUGARES, POVOS E GERAÇÕES, GANHANDO ATÉ DESIGN MINIMALISTA por ANA MOSQUEIRA ARTESOL

Artesanato em moringas são tendências em cidades do interior e vendidas em massa

O QUE É

Um jarro de barro para armazenar e refres car a água, muito presente nas culturas afri canas e indígenas. De forma arredondada, com ou sem alça, a versão mais tradicional tem um prolongamento afunilado na parte de cima, no formato ideal para derramar a bebida. “A moringa parece ter nascido para a água, que é sua razão de existir”, disse o artista Bruno Brito, em texto para o Insti tuto Arado. Pode vir destampada, ter uma tampa ou trazer um copo encaixado em seu “pescoço” – algumas vêm com um conjunto deles, e tudo sobre um prato do mesmo material. Originalmente de cerâmica, hoje

é possível encontrar versões de porcelana, vidro, alumínio e plástico. A capacidade varia de 600 ml a quatro litros, o diâmetro vai de dez a 20 cm, e sua altura pode chegar a mais de 25 cm. Nas casas mais antigas, o objeto ocupa do cômodo de entrada, para estar ao alcance de quem chega. Também é comum no quarto, para os que sentem sede no meio da noite.

QUEM FAZ

A mais tradicional, de barro, é feita por marcas como a Cerâmica Stéfani, que tam bém fabrica o famoso filtro de barro São João. Em cidades como Porto Ferreira (SP)

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LEVANTOU NUVENS DE PÓ, INVADIU CASAS E QUEBROU MORINGAS

e Cunha (sp), referências no assunto, é pos sível encontrar ceramistas que produzem peças das mais originais às inovadoras. No Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Mi nas Gerais, conhecido pelo artesanato, as peças personalizadas variam: podem ter pés, contar com imagens de animais e de pessoas em sua tampa e ser pintadas à mão com flores, arte típica da região em que a tradição é passada por gerações.

POR QUE É TÃO DESEJADO

Nos tempos pré-geladeira, era usada para refrescar a água, já que a porosidade da cerâmica permite a evaporação e mantém o líquido cinco graus abaixo da temperatura externa. A praticidade do eletrodoméstico pode ter posto à prova a função da garrafa rústica, mas ao lado da cama – a não ser que você tenha um frigobar dentro do quarto –manter o jarro abastecido com água fresca pode ser uma mão na roda. Com a moda da cerâmica, da volta às raízes.

VALE?

A venda de moringas feitas em casas são uma ascensão para a decoração

Vale o investimento. Basta tomar cuidado para não quebrar como num romance de Jorge Amado: “Levantou nuvens de pó (o vento), invadiu casas e quebrou moringas”, diz o trecho de “Jubiabá” (Companhia das Letras, 2008). Além de manter a água fresca o tempo todo, a moringa de cerâmica garan te que você tenha a bebida vital sempre por perto. Assim, não corre o risco de bater a preguiça de se hidratar e ainda pode garantir um objeto de decoração bonito para o seu home office. Do contato com a natureza e do cuidado com a casa, a moringa voltou a ser objeto de desejo.

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ELO7

COMPRAR

Assim como a clássica frigideira de um ovo só de ferro fundido, a moringa de cerâmica é o melhor investimento, se comparada ao objeto de outros materiais. Além de mos trar a que veio – guardar a água fresca – o trabalho artesanal permite variações úni cas na peça. Os preços também oscilam e, entre os locais para compra, estão lojas de utensílios para casa e decoração, empórios à beira de rodovias, feiras livres e cerâmi cas locais – vale programar uma visita aos artesãos do Vale mineiro! Na internet, a moringa São João é encontrada por pouco mais de R$ 100, mas é possível garimpar versões de barro a partir de R$ 31,50. Uma peça de vidro vai de R$ 17,90 a R$ 259,90, enquanto a de porcelana custa em média R$ 27,50. Os adeptos de um design mais estilizado vão achar opções por R$ 209 (barro negro) ou R$ 249. Em cidades como Porto Ferreira (sp) e Cunha (sp), referências no assunto, é possível encontrar ceramistas que produzem peças das mais originais às inovadoras. No Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais, conhecido pelo artesanato, as peças personalizadas variam. hoje é possível encontrar versões de porcelana, vidro, alumínio e plástico. A capacidade varia de 600 ml a quatro litros, o diâmetro vai de dez a 20 cm.

Moringa ganha destaque no mercado para decoração e muitas vezes feitas com vendas online

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16 elis.com.br QUASE NUNCA A GENTE É TOTALMENTE HARMÔNICO COM QUEM NOS SOMOS A PSICANALISTA MARIA HOMEM FALA SOBRE DIFICULDADES DE CHEGAR EM UMA FASE DA VIDA NA QUAL O PASSADO DÁ SAUDADE E O FUTURO ASSUSTA por LUARA CALVI ANIC INSTITUTO CLARO

é psicanalista,

Se a vida fosse uma montanha a ser escalada, os 40 anos seriam o pico. Não necessaria mente representando o auge profissional, pessoal, muito menos a felicidade plena. Mas uma fase em que é possível olhar para o passado e para as escolhas feitas até aqui com alguma maturidade. Pensar se elas ainda fazem sentido e, então, imaginar o futuro que se almeja.

A psicanalista Maria Homem faz essa analogia com uma montanha para expli car o ponto de vista de quem, a partir dos 40, tem o privilégio de fazer essa revisão. Acontece que, às vezes, a paisagem não é agradável. Não à toa, pesquisas mostram

que, nessa fase da vida, há uma alta inci dência de depressão, ansiedade e insônia.

As causas são diversas e incluem, além da responsabilidade com pais, filhos, com nós mesmos e com o trabalho, a consciência da finitude. “A vida não é infinita. Não é que eu posso fazer tudo. Você vai enrolando até hoje tal assunto, até que não dá mais”, diz a Gama.

Na conversa a seguir, ela fala dos desafios de uma fase que se inicia aos 40 e do poder da conversa – com nós mesmos e com nos sos pares – para encarar desafios, medos e crises. A gente nostalgiza, romantiza a primeira parte.

17 ACONTECEU COMIGO
Maria Homem pesquisadora do Núcleo Diversitas e professora na faap

A CHAMADA CRISE DA MEIA-IDADE, QUE NO GERAL PARECE CHEGAR A PARTIR DOS 40 ANOS, EXISTE?

A crise da meia vida existe certamente. Tem que existir. Como eu ando, falo, o que o outro vai achar do que eu sou, como vou usar essa roupa, o que é o meu corpo, como vou encostar no corpo do outro, como eu vou existir, o que é reprodução da vida, com quem eu vou me aliar para fazer essa reprodução da vida, etc.

É POSSÍVEL SE RECONSTRUIR CASO O QUE SE VÊ NÃO SEJA SATISFATÓRIO?

Aos 40, 50 você pode se reinventar, se repensar, cada vez mais a gente tem esse direito. Isso é uma especificidade da crise da meia-idade no contemporâneo. A gente vive hoje uma era que tem um lado angustiante porque você pode se construir. Era muito mais fácil obedecer, seguir a tradição.

COMO COSTUMA FICAR A RELAÇÃO COM PAIS E FAMILIARES?

Aos 40 você tem que fazer uma dupla jornada, começa a enten der que é um arrimo senão econômico, mas tem algum lugar de responsabilidade com três gerações. Se a gente não sacaneia no jogo, essa crise da meia-idade é porque estamos no ápice em relação a todas as idades sociais.

E COMO LIDAR COM ESSA CRISE?

É claro que você pode fazer o que quiser da vida. Temos per cursos e dúvidas, não precisamos apenas de tristeza e depressão. Mas também se a gente se defende muito do envelhecimento e da morte. Aí tem depressão, ansiedade porque você vê que não produz tanto quanto produzia, não corre tanto quanto corria. E se a gente puder fazer isso juntos, é a graça do laço social.

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FAAP
COMO EU ANDO, COMO EU FALO, O QUE O OUTRO VAI ACHAR DO QUE EU SOU, O QUE É O MEU CORPO
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20 elis.com.br SAIR DO ÁRMARIO PARECE DIFERENTE PARA A GERAÇÃO DOS MEUS FILHOS UMA VIVÊNCIA E DISCUSSÃO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE JOVENS E SUA PRÓPRIA SEXUALIDADE. ENTENDER COMO A EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE AFETA PARA SUA MUDANÇAS por LISA A. PHILLIPS ALLURE

Paradas a orgulho lgbtqiap+ tendem a acontecer em junho, mês do orgulho, juntando multidições pelo mundo

Nos meus vinte e poucos anos – quase meia vida atrás – eu me apaixonei por ou tra mulher. Eu desajeitadamente apresentei a possibilidade de que ela e eu pudéssemos ser um casal, dizendo a ela que eu poderia ser um “bissexual identificado como hete rossexual”. O que eu estava tentando dizer: eu só tinha namorado homens e me achava heterossexual, mas agora algo mais estava acontecendo. Depois que começamos a na morar, rimos do rótulo complicado. Estar com ela era a prova. Eu era bi.

A minha era uma história típica da Gera ção X saindo do armário: orientação sexu al era algo que você descobria agindo em

uma atração poderosa demais para negar. Alimentada pelo ativismo, aids, feminismo e outras forças sociais, a comunidade lgb tq estava se tornando mais visível, mas o padrão ainda era hetero até que se prove o contrário. Mesmo se você soubesse que não era hétero desde jovem, provavelmen te passou muito tempo esperando que de alguma forma mudasse, evitando uma vida que não era tradicional e, na pior das hipó teses, era vítima da violência homofóbica. Então, como pai, vi a geração da minha filha sair do armário, fiquei surpresa. Co meçou cedo, na pré-adolescência, no Insta gram. O roteiro típico era uma explicação

21 ACONTECEU COMIGO

COMO ELAS REALMENTE SABIAM SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL MESMO DE TEREM SEU PRIMEIRO

BEIJO?

“gente, tenho pensado muito nisso…”, pon tuado por um emoji da bandeira do orgu lho e provocando uma longa sequência de comentários de felicitações. As transições de gênero eram notícias maiores, com no vos nomes e pronomes, mas mesmo isso era cada vez mais fato. Eu provoquei minha filha por ser a última garota cis-hétero.

Meus amigos pais e eu descaradamente apoiamos as crianças. Mas confessamos que nos sentimos perplexos. Como eles realmente sabiam sua orientação sexual antes mesmo de terem seu primeiro beijo?

Particularmente, esses anúncios de lan çamento atingiram um nervo. A prova que eu tinha da minha própria bissexualidade sempre pareceu tênue. Quando estávamos juntas, suas amigas lésbicas me acolheram calorosamente. Mas eu sabia que algumas se alertavam para não namorar bi, já que uma mulher bi certamente deixaria você por um homem, refugiando-se no abrigo do privilégio heterossexual. De fato, de

A aceitação entre um relacionamento homosexual cresce diante as mudanças da sociedade

pois que me mudei para outro estado para trabalhar, o relacionamento vacilou e eu a troquei por um homem. O abrigo do pri vilégio heterossexual, no entanto, acabou sendo frio. Minha bissexualidade foi perce bida como um experimento sexy, ou uma ameaça. O homem com quem me casei não tinha esses problemas, principalmen te depois que minha filha nasceu, eu não sabia o que fazer.

A perspectiva veio de uma fonte inespe rada: meu sobrinho, que se assumiu bi no primeiro ano do ensino médio, e minha sobrinha, que começou o processo de se assumir trans. Eles sabiam que eu era bi e

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CLAUDIA

não se importavam com quantos relacio namentos do mesmo sexo eu tinha. Em reuniões de família, eles me enchiam de perguntas sobre como eram as marchas do Orgulho lgbtq e os bares gays nos anos 1990. Eles me chamavam de “tia Queer”, um rótulo carinhoso.

Passei o ano passado conversando com jovens na adolescência e no início dos 20 anos sobre namoro e relacionamentos para um livro sobre o primeiro amor. Percebi que vários dos meus entrevistados des creveram sua orientação sexual como “bi”, “queer” ou “questionamento”.

De acordo com um relatório da Gallup de 2021, uma em cada seis pessoas de 18 a 23 anos se considera algo diferente de hete rossexual. Para a Geração Z, aparentemente, queer é o novo hetero. Embora muitas co munidades ainda não sejam seguras para adolescentes lgbtq, os jovens veem cada vez mais a heterossexualidade como ape nas uma maneira de ser, e limitada.

Para eles, orientação sexual é sobre possi bilidade, não prova. Trata-se de reconhecer todos os vetores potenciais de sua atração, não importa se você atua neles. É uma vi são que até mesmo uma mãe de longa data como eu pode abraçar. Eu só tinha namo rado homens e me achava heterossexual, mas agora algo mais estava acontecendo. prova. Eu era bi.

A diversidade do dia de visibilidade lésbico ou sáphico, relacionamento entre duas mulheres

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24 elis.com.br AMNÉSIA GERACIONAL: A PERDA DE MEMÓRIA QUE PREJUDICA O PLANETA UMA GERAÇÃO PODE SER ESQUECIDA? SEM DÚVIDA, É VERDADE QUE AS GERAÇÕES MAIS VELHAS PODEM NÃO SE LEMBRAR COMO ERA SER JOVEM
EY
por RICHARD FISHER

A geração Z engloba pessoas nascidas em 1990 até 2010, envolvendo a ascensão e decolagem da tecnologia

Com a idade, surge um deboche previsível em relação à juventude que parece atingir quase todos os grupos demográficos com mais de 35 anos.

“O desprezo geracional é, na verdade, um eterno comportamento humano”, escreveu o romancista Douglas Coupland em um artigo para o jornal britânico The Guardian no início de junho. Foi ele que cunhou o termo “geração X”.

Os baby boomers, antes desdenhavam dos integrantes da geração X, como ele, que cresceram, falando mal da torrada coberta de abacate e de outros hábitos alimentares dos suscetíveis millennials.

E agora é a vez de a geração Z, com seus TikToks e políticas de identidade, ser jul gada pelos mais velhos. Na verdade, existe um termo científico para isso: o efeito “dos jovens de hoje”, que pode ser identifica do desde os escritos dos Gregos Antigos. “Desde pelo menos 624 a.C., as pessoas lamentam o declínio da atual geração de jovens em relação às gerações anteriores”, segundo os psicólogos que nomearam o fe nômeno. “A difusão das reclamações sobre os ‘jovens de hoje’ ao longo dos milênios sugere que essas críticas não são precisas nem devido às idiossincrasias de uma cul tura ou época em particular.”

25 PERIGO NA ESQUINA

À MEDIDA QUE A GERAÇÃO ENVELHECE, PODE SER TENTADOR LAMENTAR A FALTA DE CONSCIÊNCIA

Uma razão, dizem os pesquisadores, é que as pessoas tendem a esquecer que elas mesmas mudaram com o tempo e, por tanto, presumem que a maturidade, as atitudes e os comportamentos dos jovens também são fixos.

No entanto, esse não é o único tipo de es quecimento que acontece com o passar das gerações. Há um outro tipo menos óbvio, chamado de “amnésia geracional”, que tem efeitos profundos na maneira como vemos o mundo. E, infelizmente, todos nós sofre mos disso. Cada geração recebe um mundo que foi moldado por seus predecessores –e depois aparentemente esquece esse fato. Considere como pensamos sobre a tecno logia. A ideia de tecnologia da geração atual significa smartphones, criptomoedas ou a internet, mas nem sempre foi assim.

Um cientista da computação certa vez ironizou que a tecnologia deveria ser de finida como “qualquer coisa que foi inven tada depois que você nasceu”.

Bitcoin é uma moeda digital, muito visto como o futuro da economia mundial

Como o escritor Douglas Adams uma vez observou: “Não pensamos mais em cadei ras como tecnologia; apenas pensamos ne las como cadeiras. Mas houve um tempo em que não sabíamos quantas pernas as cadeiras deveriam ter, qual a altura que deveriam ter, e muitas vezes elas ‘quebra vam’ quando tentávamos usar. “

Como resultado, uma pessoa comum hoje vive uma vida com avanços e luxos com os quais até mesmo as gerações mais privilegiadas do passado só podiam sonhar. Se Cleópatra ou Elizabeth 1ª viajassem no tempo até os dias atuais, elas ficariam ma ravilhadas com um mundo que considera

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B7 INVESTMENT

mos natural, com suas vacinas e antibióti cos, um banheiro com descarga e geladeira em cada casa. As novas gerações também têm o hábito de esquecer coletivamente como a mudança social positiva ocorre por meio do ativismo obstinado de mino rias outrora desprezadas, como Emmeline Pankhurst e a campanha das sufragistas pelo direito das mulheres ao voto.

Nem sempre o sufrágio universal foi visto como incontroversamente correto, embora esse fato raramente seja lembrado.

À medida que cada geração envelhece, pode ser tentador lamentar a falta de cons ciência entre os “jovens de hoje”, assim como fazia a geração anterior quando éra mos jovens.

Mas quando se trata de garantir que nos sas melhores lembranças do mundo não sejam esquecidas, parece que pelo menos parte dessa energia pode ser mais bem gasta transmitindo experiências, em vez de fazer julgamentos. E agora é a vez de a geração Z, com seus TikToks e políticas de identidade, ser julgada pelos mais velhos. Na verdade, existe um termo científico para isso: o efei to “dos jovens de hoje”, que pode ser iden tificado desde os escritos dos Gregos Anti gos. “Desde pelo menos 624 a.C., as pessoas lamentam o declínio da atual geração de jovens em relação às gerações anteriores”.

Crianças e adolescentes são alienadas em videogames e mídias sociais, causando problemas com psicológico e familiar

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DE PERTO NINGUÉM É NORMAL

EM PERÍODOS DE CRISES POLÍTICAS, MILITARES, ECONÔMICAS OU SANITÁRIAS, SOCIEDADES MOSTRAM-SE APTAS PARA ALTERAR SUA CAPACIDADE

por LILIA MORITZ SCHWARCZ fotos SILVIO BRITTO

Sempre desconfio das expressões que fazem sucesso rápido e aca bam servindo para qualquer ocasião. Afinal, o que explica tudo também explica nada.

A expressão “novo normal” tem sido muito utilizada nos últimos meses, quan do se percebeu que o coronavírus há de acarretar mudanças para todo o planeta. Isto é, que os efeitos da Covid-19 não se limitarão ao dia em que a pandemia for dada por terminada. E é certo: a história mostra que não se sai de crises como essa da mesma maneira que se entrou.

“Novo normal” não é, porém, um termo recente; tampouco se sabe a origem dele. No entanto, tem sido crescentemente asso ciado a momentos da história em que toda a sociedade é obrigada a se reinventar dian te de períodos de crises de ordem política, militar, econômica ou sanitária.

Crise quer dizer “decisão” e, portanto, parece “normal” que diante de grandes aci dentes como esses, as sociedades mostrem sua capacidade para se alterar, mas para se “conservar” também. Durante muito tem po as ciências sociais, prioritariamente, se dedicaram a entender não como as socie dades mudam, mas sobretudo como elas têm essa incrível capacidade de se manter. Como dizia Lampedusa: “É preciso que algo mude para que tudo fique absoluta mente igual”.

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E esse me parece ser o “novo normal”: ele representa, no meu entender, um esforço contínuo no sentido da preservação da so ciedade (e de um determinado status quo), nem que, para que isso ocorra, ela seja le vemente alterada. Isso porque a humanida de, em seu longo curso, sempre lutou pela manutenção. As pessoas também preferem estados de equilíbrio, de “normalidade”, do que viver no “caos” da novidade. Por isso, se é preciso que alguma coisa se altere, o melhor é que seja bem pouco.

Considero, assim, o “novo normal” um movimento bastante conservador; no sen tido primeiro da palavra: conservar. Afinal, esse seria um “novo normal” para quem? Qual seria o nosso coeficiente de “normali dade”? E qual a régua que mede e distingue o que é “normal” do que é “anormal”, ou, ainda, um “novo normal”?

Toda sociedade carrega seus próprios parâmetros e princípios, que serão mais eficientes quanto mais forem vividos como “naturais”, “normais”. A lógica da sociedade, dizia o sociólogo Émile Durkheim, no fi nal do século 19, não corresponde à “soma dos indivíduos”. Por isso, o silêncio que

carregamos conosco é uma ba rulhenta algazarra social, pois procura esconder os critérios que regem essas métricas e não mostra como são obrigatórios esses traços sociais, que nos pa recem apenas facultativos.

Arrisco, portanto, dizer que “normal” é acreditar numa his tória feita apenas por homens, brancos, de classe alta, e cele brados por seus atos célebres. No jogo do “diz que não diz”, chamamos de “história uni versal”, uma narrativa que diz respeito aos Estados Unidos e à Europa, e em especial à Europa Central. Ela é a “normal”. Tudo o que escapar da “norma” fica jogado na lata de lixo da exce ção e do que “não é normal”. Foi assim com a Revolução Haiti (1791-1804), que cometeu o “pe cado” de mostrar ao mundo que escravizados podem (e devem) se rebelar e ganhar o comando de seus próprios países. Mas

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COMPORTAMENTO

O ‘NOVO NORMAL’ REPRESENTA

UM ESFORÇO CONTÍNUO DA PRESERVAÇÃO DA SOCIEDADE, PARA QUE ISSO OCORRA, SEJA LEVEMENTE ALTERADA

eles romperam com a “norma” e com o “normal”, e sofrem até os dias de hoje, com as severas consequências. Como dizia o etnólogo Claude Lévi-Strauss, “bárbaro é aquele que acredita na barbárie”. Somos nós.

Também agimos com “natu ralidade”, quando dividimos as produções visuais de maneira cartesiana: arte ou artesanato; arte X artesanato. O que não dizemos quando deixamos de explicitar esses conceitos? Resposta: que arte (europeia, masculina, de classe alta) é a “norma”, já o artesanato é (com sorte) o “novo normal”. Mes mo assim, não existe termo de comparação entre eles.

Os exemplos são muitos. Mas vira e mexe um “acidente” de proporções globais tem a capa cidade de escancarar essas di ferenças, que preferimos, em geral, jogar debaixo do tapete. Períodos de guerra fazem isso

com as pessoas, que passam a reconsiderar suas verdades. Grandes acidentes naturais – terremotos, maremotos, furacões – tam bém têm a potencialidade de fazer com que nos movamos um pouco do terreno seguro das nossas confortáveis certezas. Mas só um pouco, pois a história mostra como, passado o perigo e a insegurança, lá esta mos nós de novo habitando nossas velhas e boas verdades. Algo pode mudar, mas tudo deve permanecer basicamente como está. E esse é o terreno fértil onde se move o “novo normal”. O parâmetro é dado pelo “normal” – que continua lá, resistindo. O “novo do normal” é a cereja do bolo, a fita que envolve o presente.

Foi assim com a gripe espanhola que em dois meses assaltou a imprensa, a imagi nação e a realidade das pessoas. Calcula-se que a pandemia tenha atingido, direta ou indiretamente, cerca de 50% da população mundial e levado à morte de 20 milhões a 50 milhões de pessoas: 8% ou 10% dela na faixa dos jovens. Os números eram maiores do que os da Primeira Guerra Mundial, que acabou mais ou menos na mesma época, no dia 11 de novembro de 1918, vitimando

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entre 20 milhões a 30 milhões de pesso as, entre soldados e população civil. No entanto, quando o “incidente” foi embora, tudo voltou ao “normal”, ou a um “novo normal”, levemente alterado por alguns hábitos de higiene, que também se perde ram pelo caminho.

E eis que 2020 começou e há de terminar com a chegada desse micro-organismo que não é nem ao menos visível a olho nu. E o impossível aconteceu: as rotinas foram suspensas pelo planeta afora e até segundo aviso. Nessas horas em que o medo e a agonia falam mais forte, tendemos mesmo a sonhar melhor e a desenhar o futuro de forma mais solidária. Isso é o que a pesquisadora Rebecca Solnit chamou de “banalidade do bem”. Em momentos de crise, nossa consciência cívica aumenta e o sentimento de pertencimento social

também. Passamos a achar que somos uma nação só, irmanada pela mesma realidade.

E é nessas horas que ao ima ginarmos o nosso “normal”, o projetamos para os demais, re paginando-o como um “novo normal”. Somos, porém, um país em que mais de 20% das pessoas vivem em moradias de um cômodo, onde residem qua tro ou mais habitantes. No Bra sil, 50% das casas não têm aces so ao esgoto sanitário. Trinta e três milhões de brasileiros não contam em seus lares com abas tecimento de água confiável. E, mesmo assim, definimos que no “novo normal” – que não tem tempo ou espaço – não via

As mudanças da pandemia afetaram a sociedade para se acostumarem ao “novo normal”

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COMPORTAMENTO

jaremos tanto, não comprare mos tantas roupas, não seremos tão consumistas, cozinharemos (quando der) e até arrumare mos a casa. A pergunta, mais uma vez, é a seguinte: “novo normal” para quem?

Há quem diga também que “novo normal” tem a ver com conectividade. Com a maneira como acionamos a energia e nos comunicamos e nos liber tamos a partir da tecnologia; grande quimera do século 20. A pnad Contínua de tic de 2018 mostrou, todavia, que uma em cada quatro pessoas no Bra sil não tem acesso à internet. Portanto, essa opção ao “novo normal – “não vou mais estar online o dia todo” – correspon de a que realidade?

Muitos têm defendido a ideia de que esses tempos de pande mia romperam com o precon ceito contra a educação remota. Ou seja, que a pandemia nos ensinou a aprender de dentro de casa e no recanto do lar. No entanto, é essa mesma crise na saúde pública que tem acentu ado e ampliado as iniquidades na área da educação. Existem alunos que têm seu próprio computador, estudam na cal ma do seu quarto, e dispõem de toda uma família estrutura da pronta para dar amparo nes se momento de “novo normal”

que, atrapalhou (e muito) a rotina dos pais e mães. Para eles, o “novo normal” é um estado quiçá passageiro. Mas o que dizer de famílias que receberam o material impres so e organizado bravamente pelas escolas públicas, mas não têm lápis e borracha em casa? Muito menos acesso à internet? Nes se caso vive-se mais do mesmo “normal”. O conceito de “novo normal” também parte e tem como patamar silencioso, o conceito romântico e idealizado de lar, que faz todo sentido para um determinado gru po social. Não para todos. É por isso que durante a pandemia, o “novo normal” foi também o aumento do feminicídio e do infanticídio, mesmo que com uma imensa subnotificação. E o mais estarrecedor nesse “novo normal” é, justamente, “o velho nor mal”. Quando existe a denúncia, ela recai sempre por sobre parentes, pais, tios, mães e amigos próximos. O lar e a casa podem ser, portanto, lugares tão perigosos. Afinal, e como diz Caetano Veloso num dos versos de “Vaca Profana”, “de perto nin guém é normal”. Quem sabe o “novo nor mal” faça sentido apenas de longe. Numa distância que acomoda; não incomoda.

Bem-vindos ao velho/novo normal. É hora de reconhecer, como poetou Carlos Drummond de Andrade, que “toda história é remorso”.

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38 elis.com.br SORRIA, VOCÊ NÃO ESTÁ SENDO FILMADO QUANTO MAIS EXCLUSIVA, MAIS CARA ELA É: PORQUE A PRIVACIDADE SE TORNOU UM DOS MAIORES LUXOS DA ATUALIDADE por JULIANA SAYURI LARISSA PURCHIO

Manter a privacidade é uma tarefa difícil com a grande exposição na internet e nas mídias sociais

Isolar-se em uma ilha paradisíaca, com areia branca e água azul cristalina do Oceano Índico, as melhores iguarias servidas por chefs estrelados, atendidos por concierges habilidosos como gênios da lâmpada de Aladim – e sorrir, pois, você não está sendo filmado. Se instalar num lugar assim já é exclusivo a poucos, poder fazer tudo isso sem precisar se expor é a cereja dos privi légios. Isso porque a privacidade se tornou um valor agregado ao mercado de alto luxo. Há pessoas e situações que primam pela pre servação da privacidade, preferem manter na esfera privada e tentam se proteger de invasões externas de “espíritos vigilantes”

ESTRATÉGIA EMOJI

Para Jayme Drummond, a pandemia dividiu os clientes em dois tipos: os hedonistas, que agora querem curtir a vida ao máximo pois ficaram muito tempo dentro de casa; e os minimalistas, que passaram a priorizar um estilo de vida reservado. “Privacidade faz parte do universo de alto luxo”, diz Drummond, o carioca do canal no YouTube Carioca NoMundo.

“Há quem prefira privacidade total e nem sequer têm contas em redes sociais; são extremamente bem-sucedidos, fazem viagens incríveis e não têm perfil no Ins tagram, por exemplo”, conta Drummond.

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PRIVACIDADE SE TORNOU UM TIPO DE MOEDA DE TROCA

“Outros querem compartilhar suas expe riências em redes sociais e transformam sua vida quase num reality. Outros ain da as usam como ferramenta de trabalho. Mesmo quem trabalha com isso quer uma privacidade em certos momentos”, avalia.

A busca por essa privacidade às vezes se manifesta em emojis. Mais precisamente, em emojis cobrindo rostos das pessoas: há perfis abertos de pessoas públicas, como influenciadores digitais e artistas, que vêm utilizando essa estratégia para preservar a identidade dos fotografados.

A autora  Olivia Harrison destacou num artigo na revista Refinery29 celebridades que estão cobrindo o rosto de seus filhos ao postar fotos. “O que torna esse fenôme no tão interessante”, ela escreveu, “é que muitas das celebridades que usam emojis para talvez pôr uma barreira de privaci dade em torno de seus filhos são as que compartilham todos os outros aspectos de suas vidas pessoais com seus seguidores”.

EXCLUSIVO A 1%

Pessoas procuram estratégias para manter suas vidas privadas

A pandemia expôs desigualdades nas mais diversas áreas e na privacidade não foi di ferente. Afinal, a quem é possível isolar-se com acesso ilimitado a serviços, produtos e lazer, com segurança digital e integridade física, um teto sob a cabeça e três refeições quentes por dia, sem necessidade de se des locar para trabalhar – aliás, sem necessidade de sequer trabalhar? Ter tudo isso com uma pitada extra de luxo, a privacidade, talvez seja imaginável apenas para os mais ricos dentre os mais ricos, o 1%.

“A vida dos 99% hoje é forçadamente me diada pelas mídias digitais ligadas ao capi

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LARISSA PURCHIO

talismo de vigilância”, diz o pesquisador e antropólogo Rafael Evangelista.

Assimetrias que se notam nos mínimos detalhes do dia a dia na internet e nas ruas: depender do Wi-Fi grátis de um parque público ou ter o próprio 5G; alugar um AirBnb ou arremeter uma ilha; ou, acres centa Evangelista, pedir um Uber ou ter um motorista particular e não deixar ras tros de deslocamento, nem digitais.

No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Da dos Pessoais inclui todas as dimensões da vida, lembra Mariana Gomes. “Isso porque a privacidade se tornou um tipo de moeda de troca. Os dados acabam sendo usados no mercado, extrapolando a esfera digi tal”. E, como os algoritmos não são neutros, sempre há quem está mais exposto que outros: corpos negros são mais visados do que brancos, por exemplo;  corpos femini nos, mais que masculinos.

“’Poesia não é um luxo‘, dizia a autora Audre Lorde, ativista negra e referência da teoria feminista contemporânea. Pois é, muitos elementos da nossa vida são tra tados como privilégios, como algo além e para poucos. Mas, tal como a poesia, a privacidade não é um privilégio, um luxo. Ou, ao menos, não deveria ser.”

A privacidade se tornou um aspecto valioso em virtude da pandemia

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42 elis.com.br POR QUE A GENTE FALA ASSIM NO ZAP? NA VIDA REAL OU VIRTUAL, AS PESSOAS BUSCAM DEMARCAR SEU GRUPO E O VOCABULÁRIO QUE NASCE E CRESCE ONLINE AJUDA NESSA TAREFA por LAURA CAPELHUCHNIK GIZMODO

Plataformas como o WhatsApp solicitam uma linguagem diferente

Sem o auxílio das expressões do rosto, dos gestos ou da oscilação no tom de voz, cria mos novas regras de linguagem para nos fazer entender no WhatsApp, em fóruns da internet, nas redes sociais. Uma reação natural diante da necessidade de se co municar em uma nova plataforma. Basta lembrar de “alô”, a saudação que nasceu dedicada ao atender o telefone.

Modificar (às vezes abolir) a pontuação e criar novas grafias e expressões para es tabelecer um diálogo online faz parte da tentativa de “restaurar nossos corpos na escrita“, como define a linguista america na Gretchen McCulloch, autora do livro

Because Internet, sobre as novas regras de linguagem. É como se a linguagem formal tivesse “menos alma” do que a informal: quando falamos com um amigo pessoal mente, por exemplo, movemos as mãos, franzimos as sobrancelhas, sorrimos. No telefone, sem o apoio dos movimentos do corpo, temos a ajuda do tom e do volume da voz, das risadas e dos ruídos para passar os recados como achamos que eles devem ser passados. Já na troca de mensagens es critas, não há um sinal do corpo sequer. São mais escassos, portanto, os recursos para contextualizar a fala, deixá-la mais ou menos intensa, mais feliz ou mais irônica.

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AS GÍRIAS SEMPRE ESTIVERAM POR AÍ PARA DAR IDENTIDADE

AOS GRUPOS SOCIAIS

E é nessa busca por contextualizações que uma nova linguagem repleta de memes entra em cena na internet.

“Memes são conteúdos informacionais, jargões passados adiante sem que a gen te consiga em grande medida rastrear sua origem. Essa é a definição basilar do que se conhece por meme“, explica Viktor Cha gas, professor de comunicação e fundador do Museu de Memes, projeto responsável por reunir em um acervo online a pro dução nacional de memes e as pesquisas relacionadas aos temas.

“Tá serto” e “só que não”, por exemplo, têm sido as expressões favoritas na inter net para demarcar ironia e sarcasmo. Elas também entram na categoria meme.

Segundo Viktor Chagas, o primeiro as pecto importante para entender como al gumas palavras ganham popularidade de uma hora para outra é a ideia de reconhe cimento e pertencimento a determinadas comunidades, dentro e fora da internet.

Muitas dessas gírias surgem na versão legendas de imagens, como o “ata” e “Sem tempo, irmão”. A expressão “Grande dia!”, que viralizou em grupos políticos de direi ta, por exemplo, é derivada de um jargão do presidente Jair Bolsonaro para comemo rar suas vitórias políticas e as dificuldades da oposição. A mensagem, acompanhada de um emoji de joinha, foi adotada pelos seguidores do presidente, em contextos descolados dos tuítes que a originaram, para denotar entusiasmo. São usadas em figurinhas, em comentários de fóruns, em mensagens do WhatsApp. “Grande dia!” ganhou ainda mais projeção ao ser apro

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Meme “ata” legenda capa de edição do Almanaque da Mônica e se torna um meme viral na internet CATRACA LIVRE

priada por opositores políticos do governo, desta vez de maneira irônica, para ridi cularizar seguidores da família Bolsonaro.

Gramáticas particulares também ascen dem quando queremos nos diferenciar dos outros. É o caso do dialeto pajubá, falado pela comunidade lgbtq+ no Brasil. Come çou a ser usado entre os anos 1960 e 1970, como uma espécie de língua cifrada, para proteger seus falantes. Era um jeito de des pistar a repressão durante o regime militar brasileiro, segundo Keyla Simpson.

Expressões furam suas bolhas porque as comunidades se conversam e se reconhe cem pelas relações sociais. Na medida em que pessoas se inserem em grupos, levam adiante suas expressões culturais, carre gando parte do repertório para outros cír culos dentro da sociedade.

Na vida real, isso não é lá muito novo. As gírias sempre estiveram por aí para dar identidade aos grupos sociais. A diferen ça é que WhatsApp, Facebook, Instagram, Twitter e outros pontos de encontro online oferecem o que talvez sejam as melhores condições de temperatura e pressão já vis tas para a sua proliferação: são inéditas a velocidade e a escala dos encontros entre as múltiplas comunidades e suas bagagens de memes. A internet não perdoa.

Cantora Gretchen que viralizou como meme pela comunidade lgbtq+ nas redes sociais

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COMO A TECNOLOGIA MUDA OS RELACIONAMENTOS? COMO A TECNOLOGIA ESTÁ MUDANDO A MANEIRA COMO NAMORAMOS, NOS APAIXONAMOS E EDUCAMOS? TODA ESSA MUDANÇA É BOA OU RUIM? por CHRISTINA CARON
LEON NEOL

Aplicativos de relacionamento ou que permitem que conheça pessoas novas são um grande sucesso atualmente

É difícil acreditar que apenas algumas dé cadas atrás, as pessoas tinham que se co nhecer pessoalmente se quisessem iniciar um relacionamento. Eles tinham que sair em encontros, conversar cara a cara e se conhecer no mundo real. E se eles queriam ter filhos, eles estavam presos a métodos tradicionais como relações sexuais ou in seminação artificial e fertilização in vitro. Mas aqueles dias já se foram faz tempo. Hoje em dia, as pessoas podem encontrar suas almas gêmeas sem sair do conforto de suas casas. Eles podem namorar online, conversar com parceiros em potencial por meio de videochamadas e até engravidar

sem nunca se tocarem. Na verdade, alguns casais estão optando por criar seus filhos inteiramente por meio da tecnologia – sem necessidade de interação cara a cara!

NAMORO

Não há dúvida de que a tecnologia mudou o cenário do namoro. No passado, as pessoas tinham que sair fisicamente e conhecer parceiros em potencial pessoalmente. Agora, graças a aplicativos de namoro, as pessoas podem passar por centenas de parceiros em potencial pela internet Isso tem implicações boas e ruins. Por um lado, nunca foi tão fácil encontrar uma

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NÃO EXISTE UMA MANEIRA CERTA DE CRIAR UM FILHO NA ERA DIGITAL

data. Você pode literalmente encontrar al guém que seja uma combinação perfeita para você sem sair de casa. Mas, por outro lado, essa facilidade de acesso a potenciais parceiros também pode gerar problemas.

O namoro online nem sempre é preciso. As pessoas podem mentir sobre sua idade, seu peso, seus interesses e até mesmo seu status de relacionamento. Portanto, é im portante ser cauteloso ao conhecer alguém de um aplicativo de namoro.

SE APAIXONANDO

Hoje em dia, não é incomum que as pes soas se apaixonem por alguém que nunca conheceram na vida real.

Isso se deve ao aumento do namoro online, mas também ao aumento do uso das mídias sociais. As plataformas digitais permitem que as pessoas compartilhem detalhes íntimos sobre suas vidas com um grande público. E à medida que as pessoas continuam a compartilhar cada

vez mais sobre si mesmas online, não é de surpreender que elas também formem laços emocionais com pessoas que nunca conheceram pessoalmente.

Também vale a pena notar que os relacio namentos online podem ser tão intensos e comprometidos quanto os tradicionais. De fato, um estudo descobriu que pessoas que nunca se conheceram relataram sen tir-se tão próximas de seu parceiro quanto pessoas que namoravam há meses ou anos.

Não subestime a profundidade de sua conexão da relação online. Só porque você não conheceu pessoalmente não significa que seu relacionamento seja menos real.

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A internet e os dispositivos móveis transformaram o mundo dos relacionamentos. CAIO ANDRADE

PARENTALIDADE

Hoje em dia, não é incomum que os pais criem seus filhos sem nunca se conhecerem pessoalmente. Graças a aplicativos de bate -papo por vídeo como FaceTime e Skype, os pais podem manter contato com seus filhos mesmo que morem longe.

Essa tendência tem implicações boas e ruins. Por um lado, é mais fácil do que nunca para os pais permanecerem conec tados com seus filhos. Mas, por outro lado, essa conexão constante também pode ser de certo modo um pouco sufocante.

É importante encontrar um equilíbrio entre permanecer conectado e dar algum espaço aos seus filhos. E também é impor tante lembrar que a tecnologia não subs titui a interação humana. Mas cuidadem só porque você pode conversar com seus filhos online não significa que você nunca deve vê-los pessoalmente.

No final, cabe a cada família decidir o que funciona melhor para eles. Não existe uma maneira certa de criar um filho na era digital na contemporaneidade.

As vídeo chamadas aproximam familiares e firmam laços parentais e amorosos

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EM CONSTRUÇÃO DOIS PAIS FALAM SOBRE OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DA PATERNIDADE E DA CRIAÇÃO DE LAÇOS DE INTIMIDADE COM OS FILHOS
INTIMIDADE
por MARINA PAGNO
MARIANA PEKIN

Ismael dos Anjos e Pedro Fonseca, respectivamente, são os pais que compartilharam suas experiências com a paternidade

ISMAEL DOS ANJOS

Pai do Francisco, de 8 anos

“Sou pai socioafetivo do Francisco. Além da mãe, meu filho tem dois pais: eu e o pai biológico. A relação de paternidade so cioafetiva não tem vínculo biológico, mas tem vínculo de afeto e de confiança que se desenvolve. E isso só se desenvolve ao longo do tempo e da relação. Eu não virei pai do dia pra noite, foi uma construção. Justamente por não ter o vínculo bioló gico, eu só sou pai do Francisco porque em algum momento a gente entendeu que tem uma relação de afeto. E não tem nada mais

forte do que ter um vínculo de amor, de confiança e de afeto que ninguém mandou você ter, que não foi obrigado, que não tem uma desculpa biológica ou social. É uma relação que se desenvolveu e pra mim isso é muito bonito. Eu me emociono muito toda vez que ouço um “pai” vindo dele.

Acho que estabelecer o diálogo e a con fiança são as principais maneiras de estabe lecer intimidade. Desde o início eu tenho o hábito de abaixar e olhar no olho dele para entender o que ele estava falando e sentindo. Quero que meu filho me veja como alguém que ele possa se apoiar, tirar dúvidas, chorar, sorrir, brigar, ficar bravo,

51 COMO NOSSOS PAIS

SE A GENTE CRIAR ESSES TABUS AQUI DENTRO, VAI VIR DE FORA

e que ele não vai ter menos amor, carinho e compreensão por isso. A paternidade é uma viagem muito doida. Eu penso: “que sorte eu tive”. Eu respeito muito a decisão de quem decide não ter filhos, não é para todos. Mas eu não trocaria um segundo. Eu não economizo nem um “te amo”.

É diferente do que eu vivi. Meu pai foi um cara presente, mas tivemos uma relação menos afetuosa, mais clássica de masculinidade, pautada pela autoridade, pelo respeito e pelo medo. Não vamos mudar séculos de uma paternidade que se baseia em três “P”, que são procriar, proteger e prover, para magicamente estar centrada no cuidado. Aprendo muito.

Até o último dia da minha vida eu vou estar em uma relação de aprender, ensinar, falar, ouvir, dialogar, trocar, errar e acer tar. E ele vai me desafiar em coisas que eu nunca pensei, vai trazer coisas que eu nunca imaginei, eu vou ter que descobrir como lidar, descobrir se eu sei aconselhar”

PEDRO FONSECA

Pai da Irene, 10, da Teresa, 8 e do Joaquim, 5.

cEu tive que imaginar como ser pai muito cedo. Aos 21 anos, uma namorada engravi dou. Nessa época, minha ideia de paterni dade era uma fantasia imatura, frágil e au tocentrada. Eu achava que ser pai era sobre mim. Acabamos perdendo o filho por uma complicação no terceiro mês da gravidez. Doze anos depois, quando eu finalmente me tornei pai, entendi que a paternidade é tudo, menos sobre mim mesmo.

A chegada dos filhos representou um impacto gigantesco em todos os papéis da

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Ismael dos Anjos, pai do Francisco MARIANA PEKIN

minha existência. E essa transformação não parou quando a chegada dos filhos pararam. É um aprendizado que não ter mina, se a gente estiver atento vai aprender constantemente a cada minuto.

Vivemos em um tempo de desconheci mento, porque passamos a conviver através das telas, passamos a não olhar no olho das pessoas. E diante de um filho a gente tem que se olhar no olho para se reconhe cer. Para mim, o que rege uma relação de intimidade de um pai com os filhos é o reconhecimento. É eles conseguirem reco nhecer a minha humanidade, quando es tou forte, fraco, feliz, triste… E o contrário também, quando eu consigo simplesmente de olhar e conversar com eles, reconhecer em que momento eles estão.

Eu não tive uma relação íntima com o meu pai. Nós, ele e eu, não construímos isso. Mas essa não é a escolha que eu quero fazer para a minha vida. Eu tenho constru ído uma relação de afeto e intimidade com meus filhos de maneiras muito diferentes, porque eles são criaturas muito diferentes umas das outras com suas personalidades.

Para mim, a paternidade é um convite ra dical, diário, de coisas simples e sutis, mas também de coisas complexas, para pensar na minha masculinidade.

53 COMO NOSSOS PAIS
Pedro Fonseca, pai do Joaquim, Teresa e Irene
54 elis.com.br AUSTIN LOVEING JOVENS NÃO CONVERSAM COM OS PAIS SOBRE SEXO DIFERENÇA GERACIONAL E FACILIDADE EM ENCONTRAR INFORMAÇÃO EM OUTROS MEIOS DIFICULTAM O DIÁLOGO SOBRE SEXUALIDADE por LUIZ PAULO SOUZA

Conversar com seus filhos adolescentes sobre sexo e a sexualida é importante para que o assunto não se torne um tabu

Menos da metade dos jovens brasileiros conversam com os pais sobre assuntos con siderados tabus. Aqueles que falam com os pais sobre consumo de drogas são 47%, enquanto os que falam sobre problemas com seus namorados 45%. Se o assunto é a vida sexual, o número cai para 40%, de acordo com a pesquisa do Datafolha.

Temas considerados menos delicados, como o desempenho escolar, é tema de diálogo para 67% deles, e o consumo de bebidas alcoólicas, 57%.

O levantamento também mostrou que as mulheres têm mais disposição para falar sobre todos os assuntos questionados.

A maior discrepância é em relação aos problemas de relacionamento, em que 51% delas declaram conversar com os pais contra 39% deles, seguido por consumo de drogas, com 50% das mulheres e 39% dos homens, e vida sexual, 43% contra 37%.

Para essa pesquisa, mil jovens de 15 a 29 anos, de 12 capitais brasileiras, foram ouvi dos entre os dias 20 e 21 de julho deste ano.

Especialistas dizem que adolescentes buscam independência em relação aos pais e, por isso, é normal que evitem falar sobre alguns assuntos. A diferença geracional e a facilidade dos jovens em buscar infor mações por outros meios como a internet

55 COMO NOSSOS PAIS

PARA OUVIR O QUE SEU FILHO OU SUA FILHA TEM A DIZER, VOCÊ NÃO PRECISA CONCORDAR

podem acentuar a dificuldade em estabe lecer diálogo. A dificuldade de alguns pais e mães de falar sobre sexo deve-se ao fato de que não têm nenhuma base teórica ou modelo para a conversa.

Para Manuela Moura, psicóloga na ufba e especialista em terapia de casal e famí lia, a abertura para conversar sobre esses assuntos deve partir dos pais, mesmo que pensem diferente dos filhos. Para isso, é necessário que os tabus sejam deixados de lado – o sexo, as drogas e os relaciona mentos fazem parte da vida e, por isso, é necessário que sejam discutidos.

“Para ouvir o que seu filho ou sua filha tem a dizer, você não precisa concordar. Eles vão dizer coisas que são diferentes, você vai dizer que discorda, mas que isso seja feito de um jeito que não seja pela via da desqualificação”, afirma Manuela.

É o caso da estudante de arquitetura Rafaela Azevedo Neves, 21, que diz que ela e a irmã sempre tiveram abertura

O acolhimento e a confiança são esseciais para que o sexo seja um assunto conversado

para conversarem sobre tudo com os pais, mesmo assuntos considerados polêmicos. O acolhimento que sentem desde a infância foi determinante para estabelecer esta confiança e intimidade, afirma.

O projetista Flávio José Neves, 53, pai das meninas, afirma que esta era uma preocu pação da família. Ele e a mãe, a vendedora Luciana Azevedo Neves, 51, temiam que, caso se isentassem de conversar sobre te mas difíceis dentro de casa, elas se infor mariam sobre eles por meio dos amigos ou pela internet. É importante que os pais normalizem esses assuntos dentro de casa.

“Se a gente criar esses tabus aqui dentro,

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AUSTIN

vai vir de fora. Vindo de fora, a gente não sabe como vai chegar”, diz Luciana.

Para a vendedora, esse tipo de dinâmica familiar faz com que o jovem entenda que pode contar com a família, mesmo que pensem diferente. Por outro lado, quando os pais adotam posturas muito críticas e combativas, isso pode se transformar em afastamento e falta de confiança.

“Todo mundo sabe que se você vai co meçar a transar precisa usar camisinha. Eu sabia que precisava usar, mas não sabia como colocar, por exemplo. Muita coisa eu só aprendi depois que comecei a fazer. Isso eu acho que poderia ter sido melhor trabalhado se tivesse acontecido uma con versa precedente”, diz.

Para a psicóloga Talita Fabiano de Car valho, devido à falta de suporte e o des preparo de alguns pais, a escola deve estar capacitada para assumir esse papel, além de criar um ambiente em que assuntos sejam discutidos e ensinados sem tabus.

Para as especialistas ouvidas, a autono mia do jovem é importante para o amadu recimento, mas a liberdade para conversar abertamente com os pais sobre qualquer assunto é fundamental para a construção da maturidade e da confiança emocional.

O principal passo para estabelecer essa confiança é a alteridade – é preciso enten der que o jovem pode pensar de maneira diferente e que isso precisa ser respeitado.

A comunicação entre pais e filhos é importante também para esclarecer métodos contraceptivos

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58 elis.com.br O GÊNERO NÃO BINÁRIO E A LINGUAGEM NEUTRA GILDSON DI SOUZA A IDENTIDADE NÃO BINÁRIA REFERE-SE ÀQUELES QUE SE IDENTIFICAM COM OS GÊNEROS FEMININO E MASCULINO — OU NENHUM DELES por LIZ SANTANA

As possibilidades de identificação se multiplicam e cada vez mais as gerações se permitem ser mais livres e autênticas

Você provavelmente já se deparou com a expressão “gênero não binário” na internet. O termo, apesar de não ser novo, ganhou maior destaque recentemente em função das declarações de celebridades que não se identificam simplesmente como homens ou mulheres. As noções de gênero primárias, que contavam somente com a binariedade, foram essenciais para a exclusão e desigual dade não só apenas de indivíduos cisgênero, como de indivíduos com opções sexuais não normativas e transgêneros

Esse é o caso da atriz brasileira Bárbara Paz que, em uma entrevista para o pod cast Almasculina, se descreveu como uma

pessoa inquieta. “Uma mulher, um homem, não binária. Descobri que sou não binária há pouco tempo”, disse no episódio que foi ao ar em 1º de maio.

E, no dia 19 do mesmo mês, a atriz e cantora norte-americana Demi Lovato também compartilhou o seu processo de autoconhecimento nas redes sociais. “Eu passei por um trabalho de cura e reflexão e, com isso, tive a revelação de que me identifico como pessoa não binária”, falou em vídeo publicado no Twitter. “Acredito que isso representa melhor a fluidez que sinto na minha expressão de gênero”, complementou a cantora.

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SE VOCÊ NÃO SOUBER COMO SE REFERIR A ALGUÉM, PERGUNTE

Bom, mas o que exatamente significa ser uma pessoa não binária? Para começo de conversa, é interessante resgatar dois conceitos: cisgênero e transgênero. O in divíduo cisgênero é aquele que se identi fica com o gênero que lhe foi designado de acordo com o órgão genital.

Os transgêneros são aqueles que não se identificam com o gênero imposto no nas cimento com base no sexo biológico – e é aqui que se encontram os não binários, além de mulheres trans e homens trans.

“Pessoas não binárias sentem que sua identidade de gênero não pode ser defi nida dentro das margens da binariedade”, explica a organização lgbt Foundation. “Em vez disso, elas entendem o gênero de forma que ultrapassa a mera identificação como homem ou mulher.”

Assim, os não binários podem se reco nhecer nos gêneros feminino e masculi no ao mesmo tempo, mas também não se identificar com nenhum desses dois

Demi Lovato, a cantora que questionou sua identidade de gênero

rótulos, ou então se sentir às vezes como homens e outras vezes como mulheres, já que a binariedade é construída a partir do contexto social, histórico e cultural.

QUAL PRONOME USAR?

No dia a dia, a linguagem é um mecanismo importante de afirmação de identidade, au toconfiança e autenticidade. E, assim como os seres humanos, esse é um recurso bas tante diverso, então vale se atentar para a maneira correta de se referir às pessoas.

É dentro desse contexto que, visando a inclusão da comunidade lgbt, a linguagem neutra ganha força na sociedade. Enquanto

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AMANDA CHARCHIAN

alguns indivíduos não binários optam por um pronome de tratamento específico (“ele” ou “ela”), outros preferem os pronomes neutros, como “ile” ou “elu”, substituindo as letras que indicam os gêneros com o uso da letra “u”.

No caso de outras palavras, “a” e “o” po dem ser trocados por “e”, como em “se nhore”, “filhe”, “amigue”, “namorade” e “todes”. E, ao utilizar o masculino para falar de forma genérica, como em “professores”, também é possível optar por termos mais amplos, como “corpo docente”.

Diante de tanta diversidade, não há re gras universais. O princípio, porém, é bá sico: respeito. Se você não souber como se referir a alguém, pergunte.

Também é fundamental respeitar o nome com o qual a pessoa se apresenta e não questionar qual seria o nome antigo. “Esse é um dos principais pontos para ser respeitoso com uma pessoa não binária, porque o nome que você utiliza pode não refletir a identidade de gênero dela”, explica a fundação norte-americana  Natio nal Center for Transgender Equality

Apesar de não ser nova, a não binarie dade ainda é desconhecida por muitos e frequentemente é alvo de discriminações e atitudes desrespeitosas. Por isso, é impor tante ter em mente que a forma como você deseja ser tratado não necessariamente é a maneira mais adequada de tratar outras pessoas e que a identidade de gênero é uma experiência interna e individual.

A identidade de gênero é uma questão de autopercepção, visto que a autoimagem é o fator que mais se sobressai

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LIMITES

ELÁSTICOS

É PRECISO SE ADAPTAR AO “NOVO NORMAL”, COMO INDIVÍDUO E SOCIEDADE. MAS COMO SÃO CONSTRUÍDOS OS NOSSOS LIMITES E ATÉ QUE PONTO ELES SÃO ELÁSTICOS? por WILLIAN VIEIRA ilustrações PEDRO VELASCO

Um dia os habitantes de Oran se viram trancados entre os muros da cidade, sem poder sair, encontrar os seus, tatear o mundo lá fora –novos limites que, aos poucos, foram se tornando o “novo normal”. “Nossos con cidadãos haviam-se posto a par, tinham-se adaptado, como costuma dizer-se, porque não havia maneira de proceder de outro modo. Eles tinham ainda, naturalmente, a atitude da desgraça e do sofrimento, mas já não os sentiam mais.”

Na física, o conceito traduz o compor tamento de um material após um trauma (como uma mola que se contrai e expande até voltar ao “normal”). Em psicologia, na educação e, cada vez mais, até nos negócios (e de formas muitas vezes sorrateiras), o termo tem sido usado para definir a capa cidade de lidar com adversidades. Como os oranianos de Camus, a gente sofre, es perneia, mas se adapta. Nossos limites são mais elásticos do que parecem.

Com o vírus à espreita, a vida virou de cabeça para baixo e novos limites – espa ciais, de movimento, de toque, de pers pectivas – foram impostos da noite para o dia. De forma mais ou menos consciente, somos sempre convocados a lidar com o avanço sobre nossos limites. E a pandemia acaba exacerbando a questão que já do minava o contemporâneo, sobretudo nas metrópoles, onde a vida é ditada pelo ritmo frenético do capitalismo: até onde vão os nossos limites na sociedade?

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A GENEALOGIA DO LIMITE

Mais do que elásticos, eles são móveis. “A noção de limites vai se reeditando para o sujeito desde pequeno”, diz o psicanalista Christian Dunker, professor da Universida de de São Paulo. Haveria, diz, três fases na construção mental dos limites. “Primeiro habitamos a dialética do amor e da família, com sua moralidade pré-convencional.” Para uma criança, os limites são coerciti vos: pode, não pode, sim, não. “Eles têm a ver com a pessoa envolvida, que é insubsti tuível em sua posição: pai é pai, mãe é mãe.” Aos poucos interiorizamos a lei, crian do hábitos e substituindo a regra imposta de fora pela autonomia: então nos vemos como participantes da construção de re gras em uma lógica composta por relações de amizade e cooperação. “Quando compa ro o meu limite com o do outro, entendo que eles têm história, geografia. E assim crio disciplina, entendo que há uma rela ção entre o caso e a regra.”

Por fim adentramos o universo do orde namento jurídico e do sujeito de responsa bilidade, “passando a negociar as regras em relações éticas e políticas.” O que envolve

transgressões e retomadas, diz Dunker. “Criamos uma linha imaginária que não devemos cruzar, mas cruzamos. A partir dos efeitos dessa violação, re configuramos a relação entre regra e exceção, recompondo os limites de forma permanen te como uma construção.”

Para a psicanalista Sandra Baron, “nossa noção de limites é como uma membrana sub jetiva que nos separa do fora, do outro, do mundo”. É uma construção psicológica, cultu ral, invisível. E só percebemos a existência do limite quando ele é experimentado.

TRÊS ATITUDES DIANTE

DOS NOVOS LIMITES

De forma mais ou menos cons ciente, somos sempre convoca dos a lidar com o avanço sobre nossos limites. “A tarefa do eu é encontrar formas de enfrentar

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SOCIEDADE

O BRASILEIRO DÁ UM PASSO CIVILIZACIONAL ATRÁS COM O ATUAL GOVERNO BASEANDO OS LIMITES NA LÓGICA DA

FAMÍLIA, NÃO NA ÉTICA UNIVERSAL

essa invasão”, diz Baron. Pode mos aceitar a imposição pas sivamente, só resistindo; lutar teimosamente contra o novo limite; ou – mais indicado –ampliar nossas limitações para comportar a mudança. “Ou seja, agir de forma ativa, adaptando -se sem perder nossa subjetivi dade e nossa abstração”.

Na contramão dessa sujei ção existe a negação total dos limites. “Para manter o que se considera “normal”, muitos ig noram a mudança, defendendo com unhas e dentes sua identi dade”, diz Baron. “Para manter os limites subjetivos, a pessoa nega parte da realidade”. E daí, não existe mais empatia.

Pois não existe só o “trauma espetacular”, a violência con tra os limites fácil de identificar, como um assalto por exemplo. “Há traumatismos insidiosos, compostos por microtraumas do cotidiano”, diz a psicóloga.

OS LIMITES ÉTICOS: A MINHA VALE MAIS DO QUE A SUA

Quando os limites são abstratos, a nego ciação sobre onde começa o seu limite e termina o do outro se complica. Vide o con ceito universal de valor da vida. “É preciso defender a vida, mas de quem? A minha ou a sua? A dos meus familiares e amigos ou a de desconhecidos? A vida branca ou a negra?”, pontua Dunker.

Ao se contrapor o real e o ideal, chega-se à negação dos limites – no caso, o dos ou tros. “Nomear os limites é uma estratégia que ou lhes dá visibilidade ou os torna invisíveis”, diz Dunker. “É “dupla moral”: quando exerce restrição sobre mim, a lei é uma: quando exerce sobre o outro, é outra.” E assim o brasileiro dá um passo civiliza cional atrás com o atual governo baseando os limites na lógica da família, não na éti ca universal. Na contramão dessa sujeição existe a negação total dos limites.

O que explica a polarização atual. “Há grupos que saem às ruas pelo fim do iso lamento. É uma afronta ao limite do outro. Mas eles sentem que os novos limites são uma afronta ao direito deles.”

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OS LIMITES DO INDIVIDUALISMO

Ter um presidente negacionista não é ex clusividade brasileira. Os novos limites são uma afronta ao direito deles. “O presidente sai sem máscara na rua, diz que se você é forte como ele não chora, se adapta; não re clama, trabalha.” Quem afirma é a psicóloga Froma Walsh, professora da Universidade de Chicago e especialista em resiliência. Ela fala de Donald Trump. “Esse indivíduo que ignora a realidade e o limite dos outros impede um processo de cura e adaptação.”

Donald Trump é a encarnação do rug ged individual, o sujeito autossuficiente que não respeita limites, noção arraigada na cultura americana – e posta em xeque na pandemia. “O Ocidental se construiu sob a ideia de independência do sujeito, mas isso reflete cada vez menos a realidade”, afirma a professora e psicóloga.

É o que alimenta o embate em torno da vacinação por lá: a imunização precisa contar com toda a sociedade, o que parece uma agressão ao individualismo.

Ocorre o mesmo com a pandemia – para reduzir a transmissão é preciso impor limites pensando no sucesso geral da empreitada. “É o que se faz em tempos de guerra. E estamos passan do por uma, contra o vírus. O aprendizado fundamental des sa crise é que precisaremos de pender uns dos outros, mesmo à distância, para dar e receber o suporte vital para lidar com essas novas questões que estão surgindo. De forma mais ou

As noções de limites são instauradas na infância e refletem nos comportamentos

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SOCIEDADE

menos consciente, somos sem pre convocados a lidar com o avanço sobre nossos limites. É por meio dessas conexões que poderemos ser resilientes.”

E as pessoas estão se conec tando, não só em bate-papos no Zoom e nos panelaços nas jane las, mas costurando máscaras para doar, organizando entrega de alimentos, fazendo lives. “Numa situação como essa, se você amplia os limites, é pos sível viver um alargamento do eu e sair de padrões neuróti cos”, diz Baron. New Orleans foi devastada, não se sabia o que o futuro traria. “Mas havia uma ideia sobre o que importava às pessoas. E a música era uma delas.” Então eventos musicais voltaram a pipocar, diz, permi tindo que as pessoas se reco nectassem, inclusive com a ci dade. “O mesmo vale hoje, para comunidades e indivíduos.”

Em comunidades como a de Paraisópolis, em São Paulo, a concentração de pessoas e a falta de ação do Estado deixa a população vulnerável diante da pandemia – os moradores, então, instituíram lideranças e criaram redes de apoio para difundir informação, contra tar médicos, distribuir comida e remédios. “Mesmo desampa radas, as comunidades criam mecanismos de conexão”.

É uma “resiliência criativa”, diz Dunker. A rotina, afinal, é um acumulado de pré -decisões, de coisas em que não se pensa mais. “Mas nos dá a oportunidade de re pensar a vida, perceber que a rotina antiga era sem pé nem cabeça, incongruente com o que queremos da vida.” Ao se opor o real e o ideal, chega-se à negação dos limites. Criamos uma linha imaginária que sabe mos que não devemos cruzar, mas cruza mos. A partir dos efeitos dessa violação, reconfiguramos a relação entre regra e exceção, recompondo os limites de forma permanente como uma construção social.

Em três décadas de pesquisa sobre resi liência, Walsh identificou como processo chave a “transcendência”, ou o que chama de “arte do possível”: se tornar criativo com os limites, tentar o inédito. “Afinal, o vírus está aí e nos empurra para novas formas de existir, conviver, trabalhar.”

Quando se vive uma situação assim pa radoxal – com muitos novos limites, de um lado, mas sem perspectivas, de limites, diz. “É como um barco sem âncora no mar: vivemos a incerteza total sobre o futuro.” Como ser resiliente nesse contexto tão adverso? “Enfrentando o luto pela perda da forma como vivíamos e ressignificando os limites”, afirma. “Porque nosso normal nunca mais será o mesmo.”

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COMO AS REDES SOCIAIS ALTERAM A NOSSA PERCEPÇÃO DE TEMPO

por DANIEL VILA NOVA fotos LUISA MOLINA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL À DIGITAL, O TEMPO SEMPRE FOI MODULADO PELA TECNOLOGIA. ENTENDA COMO A INTERNET AFETA NOSSA RELAÇÃO COM O RELÓGIO

Do Facebook ao Instagram, do Twitter ao Tiktok, a presença dos aplicativos em nossas vidas é tamanha que vem alterando a maneira como nós entendemos e nos rela cionamos com o tempo. Se antes as pessoas lidavam com o que estava ao alcance físico delas, hoje, com a possibilidade de uma rede que nos conecta instantaneamente a qualquer lugar ou informação do mundo, temos que lidar com diversos “agoras” – a conversa entre amigos no chat de celular, o e-mail do trabalho, o feed da rede social, e o que acontece no espaço físico em que a pessoa está. À medida que a nossa noção de tempo é fragmentada, a maneira com que percebemos e reagimos ao que ocorre ao nosso redor é alterada.

Para a socióloga britânica Rebecca Co leman, as redes sociais e o mundo digi tal passaram a produzir “agoras” diferen tes e não um único “agora” uniforme e coeso. Em suas pesquisas, ela se dedica a entender como esses diferentes presentes são moldados por meio de diversas plata formas-. Ela indica que, com o advento do digital, passamos a lidar com ao menos três “agoras” diferentes – o agora em tempo real, o agora alongado e o agora eliminado.

O agora em tempo real, exemplificado por notificações de mensagens e menções em redes sociais, é uma atividade digital que acontece de imediato e que costuma exigir uma resposta, independentemente do horário. Já o agora alongado, exempli

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ficado por quando mexemos nas redes so ciais e a atualizamos em busca de conteúdo, é uma ação constante, que nunca é finali zada. Por fim, o agora eliminado, exempli ficado por quando buscamos o digital para matar tempo, é um movimento que busca eliminar o tempo o mais rápido possível, geralmente quando estamos esperando algo acontecer no mundo físico. De acor do com a própria Rebecca, as definições por vezes se entrelaçam, mas a socióloga entende que o mundo digital transformou o “agora” em um elemento com limites elásticos que se alongam e contraem, se expandem e condensam.

Em um período em que tudo parece acontecer ao mesmo tempo, é natural que a forma com que a humanidade encara o tempo se altere. “A possibilidade de ter uma comunicação instantânea e constante aliada à disponibilidade de informações de maneira veloz afetam a nossa organização e percepção de tempo”, afirma Andre Cravo, professor e pesquisador da ufabc

Assim como em outras revoluções tec nológicas ao longo da história, a revolução digital alterou a maneira com que nossa

sociedade lida com o concei to de tempo. Enquanto todos tentam se readaptar e entender qual é a nova estrutura tempo ral a ser seguida, as redes so ciais parecem já ter sentido que atenção e tempo não só andam juntos, como também são ex tremamente lucrativos.

Especialistas do comporta mento humano e do mundo digital para explicam qual o papel do tempo no século atual, como as redes sociais sabotam nossa percepção temporal e o que podemos fazer para nos tornarmos os senhores do nos so próprio tempo.

TUDO, O TEMPO TODO

Atenção e tempo estão intima mente relacionados, é o que afirma Andre Cravo. “Quanto mais atenção você presta no tempo, mais devagar o tempo passa. Quando alternamos de forma constante o foco de nossa

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TECNOLOGIA

O FIM DE UMA TAREFA TE PERMITE TER UMA ORGANIZAÇÃO MELHOR DO TEMPO, MAS O DIGITAL NÃO OBEDECE A ESSAS ESTRUTURAS

atenção, o tempo acaba passando mais rápido e nós sequer perce bemos.” Para o psicólogo, prestar atenção em mais de uma ativi dade ao mesmo tempo sempre será custoso do ponto de vista cognitivo. Enquanto usamos o celular, é comum que nos sa atenção esteja fragmentada entre diversas atividades onli ne que estamos realizando ao mesmo tempo. Também temos o costume de realizar ativida des no mundo físico enquanto mexemos na internet, o que só divide ainda mais a nossa aten ção. “Humanos acreditam que são bons em multitarefa, mas a verdade é que somos péssimos. Alternar entre tarefas é desgas tante, esse malabarismo causa fadiga, redução do desempenho e o aumento do estresse”, diz Ofir Turel, professor de Siste mas de Informação e Ciência da Decisão e pesquisador na área de tecnologia e vício.

Se a maneira com que lidamos com a multitarefa no mundo digital impacta a maneira com que percebemos o tempo, outro fator que altera a nossa percepção são as diferentes relações que estabelecemos com o fim de atividades físicas e digitais. Enquanto os acontecimentos físicos têm um tempo próprio – o dia tem começo, meio e fim –, o mundo digital foge disso. Reuniões, e-mails e mensagens chegam o tempo inteiro e as notificações no celular aparecem seja de manhã, de tarde ou de noite. “A sensação de completar uma tarefa é algo muito importante. Quando temos uma tarefa constante, que não acaba, a sen sação é de que você nunca terminou o que precisava fazer”, diz Cravo. Ao terminar de cozinhar, você tem às mãos uma refeição. Ao terminar de limpar a casa, você tem um ambiente limpo. “O fim de uma tarefa te permite ter uma organização melhor do tempo, mas o digital não obedece a essas estruturas”, afirma o psicólogo.

Ao ignorar o tempo natural em que cer tas atividades são realizadas, o ambiente digital é capaz de alterar a maneira com que encaramos e lidamos com o tempo

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disponível. Quem nunca, enquanto assistia a um filme, se distraiu mexendo no ce lular e acabou perdendo um diálogo im portante ou uma revelação bombástica na trama. Ao tentarmos equilibrar “agoras” diferentes, nos confundimos e perdemos informações vitais para as atividades que estamos fazendo. Se a cognição humana já apresenta dificuldades para executar a multitarefa e sofre com ações que nunca são finalizadas, as redes sociais apostam em conteúdos sem fim e que demandam nossa constante atenção para nos seduzir.

“No mundo digital, vemos uma série de iniciativas que buscam evitar que as coisas sejam terminadas. Um dos objetivos dos aplicativos das redes sociais é fazer com que as pessoas percam a noção do tempo”, fala Cravo. O propósito é fazer com que o usuário gaste o maior tempo possível

dentro do aplicativo, utilizan do uma série de estratégias que alteram a percepção de tempo do usuário. “Você nunca sabe há quanto tempo está lá, mas as informações e as tarefas estão sempre chegando”, diz o psicó logo e psicanalista. De acordo com o professor de Sistemas de Informação Ofir Turel, o uso dos aplicativos é reforçado por meio da repeti ção de uso e recompensas, as curtidas, que são recebidas em um parâmetro desconhecido pelo usuário (você nunca sabe quando ou quantas curtidas re ceberá). “Isso faz com que nos so cérebro aprenda a associar o uso dos aplicativos ao prazer

É muito fácil perder a noção de tempo navegando dentro do mundo digital

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TECNOLOGIA

O cérebro tem um papel importante na sensação do passar do tempo por meio da internet

da curtida por meio da libera ção de dopamina no cérebro, o que nos faz querer passar mais e mais tempo lá.” Ao criar um loop infinito e contínuo de re forço, os aplicativos fazem com que o nosso cérebro se man tenha em uma constante busca por mais dopamina. “Sempre que terminamos de ver um vídeo ou ler uma página, ele mentos novos e desconhecidos são carregados e apresentados na plataforma”, complementa.

“Quem nunca foi usar uma rede social por um tempinho e, quando se deu conta, estava usando por mais de uma hora?” questiona Cravo. Conforme nos afastamos da organização mais natural do tempo, a percepção e a organização dele torna-se cada vez mais difícil. “Quan do estamos fazendo algo que gostamos, perdemos a noção do tempo. Acabamos subesti mando a quantidade de tempo

que passamos no aplicativo, que parece ser mais curto do que realmente é, e superes timamos o tempo entre o uso dos aplica tivos, que parece ser mais longo do que é”, afirma.

ESTRATÉGIAS PARA SEQUESTRAR SUA ATENÇÃO

As ferramentas utilizadas pelas redes sociais para manter o usuário no aplicativo são das mais variadas – feed infinito, tempo limi tado em que postagens ficam disponíveis, timelines não cronológicas. Nada disso é por acaso, alerta Cravo. Na timeline cronológica, você consegue saber até onde consumiu o conteúdo e em que ponto pode encerrar sua visita no aplicativo. Ao quebrar essa ordem cronológica, perde-se a noção de quanto falta para ele ser finalizado. Quando esta mos vendo um streaming, é só acabar um episódio que outro começa imediatamente. A ideia, segundo o psicólogo, é criar a sensação de que aquela tarefa nunca se completa. Já em conteúdos que têm uma data de expiração, como os Stories do Ins tagram ou o Snapchat, há uma cobrança para que o usuário consuma aquele conte

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A mudança no tempo de duração de conteúdos na internet contribui para a percepção do tempo

údo o quanto antes. Aqui, o artifício é o de obrigar o usuário a prestar atenção no tem po, fazendo com que se visite o aplicativo ao menos uma vez por dia. “Raramente é uma informação completamente imperdí vel, mas as redes já criam essa sensação de que estamos perdendo algo. Quando isso é potencializado com algo que pode ser perdido, é natural que isso nos afete.” De acordo com Cravo, qualquer tipo de manipulação que afete a relação temporal de alguém vai afetar também a percepção e a organização temporal.

TÃO ANTIGO QUANTO O TEMPO

Há alguns séculos atrás, cada cidade euro peia obedecia a um horário próprio. Com o surgimento do trem, entretanto, as cidades do continente tiveram que rearranjar os seus horários para acomodar a passagem das locomotivas. Com a revolução indus trial, algo similar ocorreu. Os relógios das fábricas começaram a ditar o horário em que as pessoas começavam a trabalhar e, consequentemente, os horários em que elas acordavam, saiam de casa, chegavam em casa e dormiam. “A organização do tempo

sempre foi modulada pela tec nologia, o digital não é exceção”, afirma Andre Cravo.

Estar 24 horas disponível no trabalho, sem nunca se desligar, pode ser verdade para diversas profissões, mas a realidade é que tudo isso é muito recente. “Nem sempre nos damos conta disso, mas há algumas décadas atrás, pouquíssimas profissões exigiam o pager, tecnologia que permitia o acesso remoto a alguém o tempo todo. Ter in ternet em casa então, era algo muito raro. Nesse contexto, a divisão entre trabalho, descan so e lazer era bem mais fácil.” Nos dias de hoje, quase todo profissional leva pelo menos um pouco de trabalho para casa, o que é custoso do ponto de vista cognitivo. De acordo com uma pesquisa da Deloitte, nove em cada dez brasileiros usam o celular para trabalhar fora do expediente de trabalho.

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TECNOLOGIA

“Você tem que chegar em casa, cuidar do filho, cuidar da casa e estar sempre ligado no trabalho. É uma obrigação que nunca acaba, a todo o tempo dividindo sua atenção. Isso é custoso para a saúde mental.” Uma pesquisa realizada pelo cmi (Chartered Management Institute) em 2016 aponta que um cidadão britânico trabalha 29 dias a mais no ano por con ta do seu smartphone. Com a pandemia e o home office, a si tuação que já era complicada se tornou extrema. Se no começo trabalhar de casa foi um para íso para muitos, rapidamente a dificuldade de separar o que é casa e trabalho fez com que a organização do tempo fosse confundida ainda mais.

Assim como no trabalho nas fábricas e em outras inovações tecnológicas, Andre Cravo en xerga que o futuro do digital será um futuro de regulamen tações. Em alguns anos, o pes quisador acredita que veremos restrições mais rígidas em rela ção ao uso de celulares e redes sociais. “O termo regulamenta ção pode parecer muito negati vo, como se regulamentar fosse igual a tirar liberdade. Mas, a regulamentação pode ensinar o uso responsável.” O pesqui sador, entretanto, alerta: essa não será a realidade de todos.

Se o detox digital é cada vez mais comum, diferentes relações trabalhistas terão dife rentes possibilidades de descanso digital. Para muitos, o trabalho exigirá que eles estejam disponíveis vinte e quatro horas por dia e grupos marginalizados tendem a sofrer mais com essa realidade.

Se o futuro promete o desenvolvimento de ferramentas para que nosso tempo seja usado de maneira mais saudável no âmbito digital, Cravo alerta que as redes sociais continuarão a batalhar para que os usu ários fiquem o maior tempo possível em seus aplicativos. Como lidamos com a mul titarefa impacta em como que percebemos o tempo. “É importante entender que não somos espectadores passivos da percepção do tempo. Nós temos uma agência nisso e é importante tomar controle de onde e quando você gasta o seu tempo”. Como nos afastamos da organização do tempo, a per cepção dele torna-se cada vez mais difícil Se você deseja recuperar parte do con trole que o mundo digital tomou, indica mos cinco passos para reduzir o uso das telas e tornar a navegação em redes sociais uma tarefa mais saudável. De um jejum intermitente digital ao uso da própria tecnologia para combater as telas, as dicas te mostram o caminho para não ter uma overdose digital.

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SÉRIES E FILMES PARA SERMOS OS MESMOS

A história da família Pearson começa em 1979, no dia que os trigêmeos Jack, Kate e Randall chegam em casa da materni dade. Revelações sobre os pais Jack e Rebecca surgem nos mo mentos de amor, mas também de dor, e moldam para sempre a vida de todos.

O casal Phil e Claire deseja ter um relacionamento aberto com seus três filhos, mas com um adolescente que tenta amadu recer rápido demais, uma filha muito esperta para sua idade e um filho em crise, o desafio é bem grande. Jay e a esposa criam o filho ao mesmo tempo que lidam com os problemas trazidos pela grande diferença de idade. As parceiras Mitchell e Cameron enfrentam novos desafios após a adoção de uma criança do Vietnã.

Sam Gardner é um jovem autista de 18 anos que está em busca de sua própria independência – começando por arrumar uma namorada. Nesta jornada reple ta de desafios, mas que rende algumas boas risadas, ele e sua família aprendem a lidar com as dificuldades da vida e desco brem que o significado de “ser um pessoa normal” não é tão óbvio assim.

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2009 • SITCOM • 11
IS US 2016 • ROMANCE • 6
ATYPICAL 2017 • COMÉDIA • 4 TEMPORADAS
MODERN FAMILY
TEMPORADAS THIS
TEMPORADAS
CINEMA COMO FORMA DE COMPARTILHAR UMA NOVA CONSCIÊNCIA E VIVER A INTEGRAÇÃO

Joe Gardner é um professor de música que sempre sonhou em ser músico de jazz. Quando, tem a chance de impressionar ou tros músicos durante um ensaio, sofre um acidente que faz com que sua alma seja separada de seu corpo e transportada para um centro no qual as almas se desenvolvem e ganham paixões antes de serem enviadas para um recém-nascido.

Uma mulher na casa dos sessen ta anos que perdeu tudo durante a Grande Recessão. Depois da morte do marido, ela busca uma mudança de vida e decide em barcar em uma jornada nômade através dos Estados Unidos. En quanto mora em uma van velha e explora o país, enfrentará o desemprego e a solidão de não ter um lugar fixo no mundo. No entanto, Fern ainda descobrirá o lado positivo da liberdade e dos novos amigos.

Christine está no último ano do colégio e o que mais deseja é fazer faculdade longe da Ca lifórnia, ideia rejeitada por sua mãe. Lady Bird, como a garota exige ser chamada, não se dá por vencida e leva o plano de ir embora adiante mesmo assim. Enquanto a hora não chega, ela se divide entre as obrigações estudantis, o primeiro namoro, típicos rituais de passagem para a vida adulta e inúmeros desen tendimentos com a progenitora.

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SOUL 2020 • AVENTURA • 1H 40M NOMADLAND 2020 • DRAMA • 1H 48M LADY BIRD 2017 • DRAMA • 1H 34M

LIVROS E PODCASTS PARA SERMOS OS MESMOS

GENÊROS TEXTUAIS E DISCURSIVOS COMO FORMA DE COMPARTILHAR UMA NOVA CONSCIÊNCIA E VIVER A INTEGRAÇÃO

A GERAÇÃO DO QUARTO

Quando os dois se apaixonam, Lily se vê no meio de um re lacionamento turbulento que não é o que ela esperava. Mas será que ela conseguirá enxergar isso, por mais doloroso que seja? Uma narrativa poderosa sobre a força necessária para fazer as escolhas certas nas situações mais difíceis.

Escrito numa linguagem sim ples e com fundamento coeren te e consistente, A geração do quarto discorre sobre questões fundamentais para se pensar a saúde mental e emocional dos jovens e adolescentes bra sileiros. Um ótimo retrato da juventude contemporânea no Brasil, é leitura indispensável para pais, mães, professores, cuidadores, terapeutas e todos que de alguma forma convivem com crianças e jovens.

É ASSIM QUE ACABA COLLEEN HOOVER

Evelyn Hugo, uma das maiores estrelas de Hollywood, agora a aproximar-se dos 80 anos, deci de finalmente contar tudo sobre a sua vida recheada de glamour e de uma boa dose de escândalos. Quando escolhe a desconhecida Monique Grant para escrever a sua história, todos ficam surpre endidos, incluindo a jornalista.

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OS SETE MARIDOS DE EVELYN HUGO TAYLOR JENKINS REID HUGO MONTEIRO FERREIRA

Plataforma de conteúdo e in formação construída colabo rativamente através de vários olhares, que se organizam para se projetar no mundo como um raio de luz. O projeto descende do experimento social AmarE lo, proposto por Emicida, e se desenvolve como uma sinfonia, onde nós e o mundo somos os instrumentos. O objetivo é pro mover uma mudança de com portamento que permita um respeito à pluralidade do Brasil.

O que os melhores psicanalis tas do país têm a dizer sobre remédios, maternidade, depres são, síndrome do impostor e fetiches estranhos? No podcast “Meu Inconsciente Coletivo”, a escritora e colunista da Folha, Tati Bernardi, abre ao público alguns temas recorrentes em suas sessões de terapia. Nos epi sódios, as neuroses da paciente são as mesmas, mas o analista muda a cada sessão.

Diálogos de peito aberto, é um podcast semanal que busca nas redes sociais os temas mais de batidos (polêmicos) e traz para mesa um aprofundamento do assunto com empatia, respei to, bom humor e tolerância. Apresentamos os diversos ar gumentos e visões para que os ouvintes formem opinião com mais embasamento.

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AMARELO PRISMA EMICIDA MEU INCONSCIENTE COLETIVO TATI BERNARDI MAMILOS JULIANA WALLAUER • CRIS BARTIS

AMIZADE NÃO TEM IDADE

MAIS VELHOS
NOVOS
MAIS
DESENVOLVE A EMPATIA
AJUDA
MITIGAR PRECONCEITOS ENRAIZADOS
FAZER AMIGOS
OU MAIS
TORNA A VIDA
RICA,
E
A
por BETINA NEVES fotos RON LACH

Quando criança, fazer amigos era fácil. Eram os vizinhos, os co legas de escola ou os primos, pessoas da sua idade com as quais você ficava muito tempo e a quem muitas vezes bastava perguntar diretamente se queriam ser seus amigos. Na adolescência e aos 20 anos, a situação continuava pro piciando o surgimento de novas amizades: no colégio, à noite, na universidade... No entanto, depois dos 30 anos muita gente começa a sentir que fazer novos amigos é quase impossível. Além disso, muitos dos amigos de toda a vida começaram a desa parecer, exatamente como na canção 20 de abril, da banda espanhola Celtas Cortos: “Hoy no queda casi nadie de los de antes, y los que hay, han cambiado” (Hoje não resta quase ninguém de antes, e os que ficaram, mudaram).

Um estudo realizado pelas universidades de Aalto (Finlândia) e Oxford (Reino Uni do) em 2016 confirmou essa sensação de que com a idade nosso círculo de conta tos se reduz. Os pesquisadores analisaram os telefonemas feitos dos celulares dos participantes do estudo e concluíram que nossos círculos de amizades atingem seu pico aos 25 anos. A partir daí começa uma queda vertiginosa, especialmente no caso dos homens, que mantêm menos amigos quando entram nos trinta. O problema não é apenas perdermos os contatos, mas também não os substituirmos e não expandimos os nossos horizontes e vínculos sociais.

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Natàlia Cantó, especialista em sociologia das emoções e professora da Universidade Aberta da Catalunha (UOC), também con firma que a sensação de que é mais difícil fazer amigos depois dos 30 anos é verdadeira. Mas acredita que “não tem tanto a ver com a idade como com as circunstâncias da vida”. Não perdemos habilidades sociais, mas geralmente “começamos a trabalhar regularmente” e, às vezes, “deixamos de morar com nossos pais, por nossa conta ou dividindo moradia para viver com nosso parceiro e/ou nossos filhos”.

Segundo a pesquisadora, isso faz com que “o horizonte de nossas responsabili dades” mude completamente e “o tempo que podemos dedicar para cultivar novas amizades, e até para cuidar daquelas que já temos, se torna escasso”.

MATERNIDADE E AFINIDADES

Cristina Vidal, psicóloga e diretora do centro PsiCo Lleida, explica que as amizades de adultos vêm mais de afinidades do que dos acasos da infância. “Para conhecer gente depois dos 30 é mais fácil procurar pessoas em contextos afins ou que desempenhem

papéis semelhantes aos nossos”, diz ela. “Se temos filhos, com pessoas com filhos, e se não, com pessoas sem filhos.” Da mesma forma, se, por exemplo, você leva “uma vida saudável e pratica esportes”, você se encai xará mais “com as pessoas que têm esse mesmo estilo de vida”.

Borja Carrasco, de 35 anos, de Madri, está ciente de que na sua idade é mais difícil fazer ami gos porque socialmente “você se relaciona com menos gente”. No entanto, diz que conseguiu “na base de ir todo fim de se mana no mesmo bar” e sempre se encontrar “com as mesmas pessoas”. Agora também estão fora desse contexto: “Saímos para comer e convidamos uns aos outros para aniversários e tudo mais”, diz ele.

Outro local em que as amiza des podem surgir a partir dos 30 anos é no trabalho. Embora a pesquisadora Natàlia Cantó

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RELAÇÕES

RELAÇÕES INTERGERACIONAIS AJUDAM A ENXERGAR AS QUESTÕES DA VIDA POR OUTRAS LENTES

ressalve que “às vezes é um am biente cheio de armadilhas para a amizade”, é um lugar em que as pessoas passam mais horas do dia. Juan Vázquez, 45 anos, conheceu um de seus melhores amigos assim, de forma inespe rada. “No começo eu me sen tia péssimo, coisas do trabalho. Depois comecei a perceber que tínhamos um senso de humor parecido, ríamos com as mes mas coisas e tínhamos interesses parecidos. E papo vai, papo vem, chegou à intimidade. E era meu chefe!”

Marta Cabrera é das que fi zeram amizades com outras mães. Esta moça de 35 anos da Galícia, morando em Saragoça, cercou-se de “outras mães com as quais compartilha a forma de educar”. No começo da “escola ou música, entre centenas de pais” com os quais convive, os que têm afinidades se aproxi mam e enfim “surge e amizade”.

Antia Paz, também de 35 anos, está em situação de vida parecida. Para ela, “a ma ternidade é muito solitária”, especialmente quando não se está perto da família. “Per cebi muito a necessidade de criar novas amizades”, conta. E conseguiu um pouco por acaso, quando lhe deram de presente um sling (porta-bebê) e não tinha ideia de como usá-lo. Então, ela foi assistir a uma aula na qual não só aprendeu sobre esse sistema de transporte que garante contato constante entre o bebê e o adulto, mas a garota que dava o curso lhe explicou que as mães constituíam “uma pequena tribo”. Lá ela encontrou pessoas com interesses comuns e, pouco a pouco, a amizade foi surgindo.

Carlos Álvarez, de 46 anos, fez amizades entre os pais dos amigos de escola de seu filho. Além disso, acrescenta uma outra nuance a ser considerada: “A ideia que você tem sobre os amigos que você faz depois de uma certa idade é radicalmente diferente daquela dos de toda a vida, esses amigos nos acompanham e nos apoiam durante a nossa trajetória de vivências e sabem aquilo que passamos e carregamos conosco”.

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MAIS IMPROVÁVEL, MAS MAIS

SEGURA

As novas amizades de maturidade tendem a ser diferentes das dos jovens. Geralmente, como já mencionamos, são amizades mais baseadas em afinidades. Mas, também, ex plica a psicóloga Cristina Vidal, nessa idade as pessoas são mais “seletivas” porque cada um “se conhece melhor e sabe melhor o que lhe agrada”.

Isso retarda um pouco a passagem da amizade superficial para a íntima – não se faz amizade com qualquer um –, o que faz com que seja “menos provável”, mas “mais segura”. “Depois dos 30 anos, acumulamos decepções e somos mais cautelosos quando se trata de confiar”, acrescenta Vidal.

Nessas novas amizades, Borja Carrasco, o entrevistado que fez um círculo de ami gos frequentando um mesmo lugar, afirma

que quando mais velhos temos a vantagem de nos conhecer mos melhor e não precisar fin gir. “Isso os demais agradecem e você agradece que façam o mesmo. Se você conhece alguém de quem gosta e com quem tem química, é provável que a ami zade se mantenha, já que você não vai mudar da noite para o dia”, comenta.

Juan Vázquez, aquele que fez amizade com o chefe, diz que “uma vantagem de ter mais de 35 anos é que se vai deixando de lado algumas pessoas: essas amizades que se faziam aos 20, com as quais nem sequer havia muito em comum, a não ser ir à mesma escola ou faculdade”.

Atividades rotineiras podem se tornam novas vivências quando estamos com diferentes pessoas

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Realizar novas atividades ajuda a compreender diferentes percepções

Além disso, com estes novos amigos não há “nostalgia absur da e ninguém julga o outro por ser alguém que não era”.

O designer brasiliense Luís Fi lipe de Andrade, 23, dedica pelo menos um dia da semana para papear com Vergínio Sbragia, 89, de São Paulo (SP). Luís Filipe curte contar a ele as novidades do mundo da tecnologia (“ele ficou muito impressionado em saber que a Amazon vai começar a fazer entregas com drones”). Já Vergínio gosta de falar de cine ma, passar receitas de drinques e dar conselhos de relaciona mento. Os dois compartilham o gosto por marcenaria.

Vergínio é uma das três pes soas atendidas por Luís Filipe através do Escutatória, que con grega voluntários para conversar com idosos e ajudar a diminuir a solidão que assola muitos de les. O projeto surgiu no fim de 2019 e veio ainda mais a calhar

com o isolamento imposto pela pandemia. “Comecei por causa de uma pesquisa para um trabalho da faculdade e acabei criando uma amizade verdadeira com eles. Foi inte ressante perceber como a conversa é fluida, com muitas convergências”, conta. “Eles me ensinam muito sobre a importância de cuidar da saúde e de manter laços fortes com família e amigos. Também aprendo a ser mais autêntico e a ter menos pressa na vida.”

Em uma pesquisa da AARP (American As sociation of Retired Persons) – a associação dos aposentados dos EUA – com pessoas de diferentes gerações, 37% dos entrevistados disseram ter um amigo próximo que é pelo menos 15 anos mais novo ou mais velho. Entre eles, 93% concordaram que são ami zades com benefícios diferentes dos que se têm com pessoas da mesma idade. Aqueles com amigos mais velhos destacaram que, com eles, se inspiram e têm referências de vida; já os que convivem com pessoas mais novas apontaram que, com elas, se sentem mais valorizados e conseguem ficar a par do que está rolando no mundo. Em ambas as situações, os participantes disseram que

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a relação intergeracional ajuda a enxergar as questões da vida por outras lentes.

“Quem se abre para fazer amizade com pessoas de idades diferentes pode ter expe riências muito ricas”, diz a psicóloga clínica e terapeuta familiar Miriam Barros, de São Paulo (SP). Para pessoas de 20 e poucos anos, por exemplo, que muitas vezes têm certa ânsia para encontrar seu caminho, se rela cionar com adultos mais velhos – que não sejam os pais – pode ajudar a desconstruir idealizações e criar outras perspectivas de vida. Outro exemplo que ela dá são mães com filhos pequenos, que podem ter boas trocas com mulheres mais velhas que já passaram por essa fase. Ela explica também que pessoas da mesma idade podem tender a se comparar, o que acontece menos com amigos de outras gerações.

Para a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora de livros como o recém-lançado “A Invenção de uma Nova Velhice” (Record, 2021), nossa sociedade ainda é muito segregada por idade. “Em outros países já se fala na tendência ‘ageless’, segundo a qual as pessoas não vão mais

se agrupar pela idade, mas por seus valores, interesses, lutas e desejos”, diz. Em mais de 30 anos pesquisando felicidade e envelhecimento, Goldenberg transformou as próprias rela ções: “Hoje tenho 64 anos e meus melhores amigos são no nagenários – é com eles que eu tenho as trocas mais generosas e amorosas. Se não fossem eles, a quarentena teria sido muito triste”.

A antropóloga afirma que a “velhofobia” que existe no Brasil piorou na pandemia. “O des prezo e o estigma em relação aos mais velhos ficou muito evidente nesse período: aquele discurso de ‘velho pode morrer mesmo, vai ser até bom para a previdência’.” Para transformar a situação, ela diz que preci samos quebrar o preconceito dentro de nós e, acima de tudo, ouvir os mais velhos e maduros. Para a psicológica Miriam Bar

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Compartilhar gostos em comum aproxima diferentes gerações

ros, amizades intergeracionais ajudam a desenvolver a empatia: “é uma oportunidade de sair da zona de conforto e se colocar no lugar do outro.” Ela explica que abertura e flexibilidade são es senciais para desenvolver essas relações, inclusive na hora de estar atento aos espaços onde elas podem acontecer. Na pes quisa supracitada da AARP, o modo mais comum de conhecer pessoas de outras idades é no trabalho – em segundo lugar, na vizinhança e, em terceiro, em uma igreja ou outro tipo de encontro religioso. Mas isso também pode se dar em cursos, projetos sociais, através de ami gos de amigos e até dentro da própria família.

A saber: assim como o Escu tatória, a pandemia fez surgir outras plataformas que fazem contato com idosos, como o Doa Tempo e o Mais Vívida. Diver sificar os meios de comunica ção para pessoas além da nossa bolha social é algo necessário, além disso acarreta em diver sas experiencias interessantes e novos aprendizados. Dessa forma conseguimos expandir as nossas percepções e alterar o nosso ponto de vista.

E OS MAIS NOVOS?

A farmacêutica bioquímica Luizete Adrien, 75, de Ji-Paraná (RO), conta que prefere con viver com pessoas mais novas, dos amigos das netas aos funcionários de sua empresa e as companhias que tem em grupos de viagem. Ela faz amizade inclusive com as filhas das poucas amigas idosas. “Eu gosto do dinamismo, da liberdade e das múltiplas possibilidades da juventude. Até porque eu cresci em uma realidade machista e opressora que não permitia isso.”

Essa ideia também pode se estender a crianças e adolescentes. “É possível criar laços muito puros de amizades com eles”, diz a professora paulistana Carina Fraga, es pecializada em pedagogia Waldorf. “Aprendo diariamente com as crianças a me relacionar de outra forma com a vida e com o tem po, com mais encantamento, leveza e bom humor.” Esse tipo de relação requer inte resse e dedicação por parte do adulto, que precisa estar disposto a entrar no mundo da criança. “Demanda certa energia, mas, quando a gente se propõe a estar presente com eles, pode acessar lugares incríveis.”

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LINHA DE CRESCIMENTO E NOSSAS NOVAS VERSÕES

Não sei se o recenseador, ou recenseado ra, irá perceber meu esforço. Aquele que tenho feito pra limpar gavetas e abrir mão de outras versões. Três receitas do pediatra da minha meninice, Pedro Solberg, com minha linha de crescimento aos sete, oito e onze anos de idade. Duas coleções de revistas, um fichário com partituras pra violão, quatro pastas de cartas em papel almaço, dezenas de recortes de artigos de jornal: tenho corrido pra receber o censo com a casa um pouco mais leve e quem sabe descobrir, a tempo da visita, quem sou eu afinal neste 2022.

O que, de fato, sobrou daqueles oito ende reços que um dia comprovaram minha re sidência? Caixas de cadernos universitários, fotos de casamentos desfeitos, desenhos de dinossauros, indícios de uma vida que de nada servirá ao IBGE: é assim que eu tenho feito, com o auxílio luxuoso da bat-organi zadora Joana Bocayuva, a despedida de 40 anos de papeis caoticamente divididos em cinco gavetas de madeira.

Tenho corrido pra receber o censo com a casa mais leve e quem sabe descobrir, a tempo da visita, quem sou eu afinal neste 2022. O censo tem dois questionários. Um mais básico e outro com perguntas que se inicialmente podem soar invasivas, logo funcionarão como um verdadeiro inten sivão de psicanálise.

O país, com razão, quer saber onde, como e com quem moramos. Quer saber também até onde estudamos, se temos ou

não religião, e quanto tempo levamos no deslocamento pro trabalho. Ninguém vai te confrontar sobre o porquê de você ter abandonado a música, casado aos 21 e ido pra Morro de São Paulo ao invés de Boipeba.

Filhos: tenho dois. Isso também é certo. Aliás, não só certo, como também divino maravilhoso, a não ser nos dias de Fla-Flu, quando minha imparcialidade materna é confrontada com a filha do meu pai tricolor (que às vezes ainda sou).

Que mais? O domicílio é particular, possui três quartos e dois banheiros e na porta –não sei se você, viu? –, tem vários adesivos do Lula. Ah, as gavetas, não sei se você notou, estão completamente de acordo com a pessoa que eu sou hoje, uma mulher de 46 anos que mora com seus dois rebentos e gosta de Ana Martins Marques, coca-cola e séries de tevê.

Não sei se o recenseador, ou recense adora, irá perceber meu esforço. Aquele que tenho feito pra limpar gavetas e abrir mão de outras versões, e de investigar de que material minhas paredes são feitas. De toda forma, guardei as receitas com as linhas de crescimento. A altura não vai mais mudar, mas o ponto de vista, esse segue vivo como uma bandeira vermelha. Bora tentar de novo?

Atriz, escritora e diretora de cinema brasileira. Iniciou sua carreira na tv em 1994 e ganhou diversos prêmios durante sua carreira, incluindo um Grande Otelo.

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Maria Ribeiro
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O VALOR DAS HISTÓRIAS POR TRÁS DAS RUGAS NO ROSTO

Semana de aniversário é sempre um pe ríodo especial. Curto a data, mas também aproveito para refletir um pouco sobre a vida. Se bem que…” Refletir sobre a vida” para um geminiano com ascendente em libra é praticamente redundante.

O fato é que cheguei aos 49 anos no últi mo dia 11 de junho. Pela antroposofia, uma linha de pensamento que estabelece uma “pedagogia do viver”, estou entrando no cha mado oitavo setênio (como são chamados os períodos de sete anos), que se estende até os 56 anos. É aquele momento em que se nota um declínio da vitalidade física ao mesmo tempo em que se acentua um desenvolvi mento espiritual. Para ser mais direto, é a fase da vida que nos convida a olhar mais para dentro. Confesso que essa tem sido a minha “viagem” atualmente. Remexendo meus livros nesses últimos dias para uma resenha que estou escrevendo, deparei-me com uma frase grifada no delicioso Viagens com Epicuro, de Daniel Klein, que traz logo em seu primeiro capítulo: “infelizmente, passada uma certa idade, todo homem é culpado do rosto que tem”.

O rosto conta a nossa verdade como ser humano. A cara que ganhamos é o resultado das decisões que tomamos e das experiên cias resultantes dessas escolhas ao longo da jornada. E cada um tem a sua. Prestes a completar meio século, tenho sentido isso muito forte em minha vida. Trocar uma ideia com o espelho tem sido uma experiência um tanto quanto desafiadora.

Lembrei-me daquele aplicativo que fez muito sucesso uns tempos atrás nas redes sociais que nos permitia enxergar como estaríamos fisicamente quando velhos. A ferramenta é bem engraçada e muitas per sonalidades embarcaram na brincadeira que utiliza a inteligência artificial para projetar a nossa passagem no tempo. Dei boas gar galhadas à época ao me deparar com um Patrick bastante enrugado no futuro.

Mas fiquei pensando em algo que a tec nologia ainda não é capaz de captar: a real vida que levamos dentro de nós, aquilo que não conseguimos esconder de jeito nenhum. Ela mudaria muitos semblantes que correm pelas timelines do Instagram envelopados numa falsa verdade.

O rosto que seremos no futuro, carregará muito do nosso estado de espírito ao longo dos anos. Essa é a verdade que talvez só o tête-à-tête com a vida seja capaz de nos mostrar.

Rugas e marcas de expressão, todos te remos. Isso é imperativo da passagem do tempo, mas um olhar mais vivo, um sem blante mais leve e um sorriso mais genuíno daqui algumas décadas dependem de outros fatores. A cara que ganhamos é o resultado das decisões que tomamos e das suas ex periências resultantes, cada um tem a sua.

Patrick Santos

Jornalista, escritor e palestrante. Formado em mentoring humanizado, realiza trabalhos de desenvolvimento, visão de vida e propósito de pessoas em transição de carreira.

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A CURA DA CRIANÇA INTERIOR: UMA VISITA DIFÍCIL À INFÂNCIA

É um tabu muito grande falar de pequenas e grandes violências que sofremos enquanto crianças, dentro de nossas famílias de ori gem. Não só porque a sociedade endeusa pais, mas porque também quer preservar o ideal de família feliz a todo custo, já que a família é o sustentáculo do sistema patriar cal capitalista em que estamos inseridos.

Dentro desse contexto, as justificativas são que os pais “fizeram o melhor possí vel com as ferramentas que tinham”, “era outra época”, “eles só queriam nos educar como podiam”. Eu sempre digo que a vio lência contra mulheres e crianças (as duas que ocorrem dentro do lar) são as únicas nas quais ninguém quer meter a colher. E parte dessas justificativas sociais são apenas silenciamento de vítimas.

Sim, boa parte dos pais apenas reproduziu de maneira inconsciente o que a própria sociedade esperava deles sem conseguir ser contraponto, também reproduziram o que viveram em suas infâncias. Mas, não é de responsabilidade de cada um olhar para as suas ações e para o dano que elas causam e estancar o sangramento dessas feridas?

Numa comparação social, as mulheres são as pessoas que mais sofrem abuso sexual, mas são as que menos praticam. É muito possível não repassar nossas dores e fazer algo produtivo com elas.

Pelo olhar das vítimas, poder falar e assumir que o que viveu foi violência é CURATIVO. Pessoas que são obrigadas a se calar não podem ser ajudadas e, em geral,

voltam a culpa pra si mesmas e deslocam sua raiva para quem não as machucou.

Nesse contexto, somos empurradas a “entender” e a “perdoar” nos moldes tra dicionais, muitas vezes sem que sequer os pais assumam as violências e negligências que praticaram e nem tentem repará-las. Ninguém precisa entrar em conflito ou romper com os pais se não quiser, mas precisa sim tomar seu próprio lado, se ouvir, acreditar em si e permitir que sentimentos contraditórios surjam, a fim de elaborá-los para que a violência não seja repassada.

O conceito de perdão pode ser bem sub jetivo, mas, do ponto de vista clínico, ele não é necessário para começar um processo de cura. É mais importante que a pessoa possa sentir e ser apoiada em tudo que vier, isso sim impacta positivamente num processo pessoal.

E que qualquer tipo de perdão (SE a pes soa decidir que ele é importante) venha como uma consequência dessa varredura das emoções e desse apoio, e não como uma imposição social.

Não dá para fazer um futuro sem revisi tar o passado, porque ele está atuando em nós até hoje. Essa visita pode ser dolorida, difícil e chata, contudo é o que chamamos de dor do crescimento.

Thais Basile Mãe, psicanalista e escritora. É especialista em psicopedagogia institucional, consultora em análise comportamental e marketing e também educadora parental.

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ORA, BOLHAS! O QUE LIMITA A NOSSA VISÃO DE MUNDO?

Outro dia, tomando um café em uma ca feteria, li no celular uma notícia sobre uma certa personalidade muito famosa, apontando uma característica negativa de sua natureza. Ao meu lado, eu podia ver sozinho, no smartphone de outra pessoa, a mesma foto e nome da celebridade que acabara de ler, estampado com uma manche te encorajadora em outra rede de notícias. Vivemos em uma espécie de “bolha”. Um dentro do outro. Existe a bolha cultural, a bolha nacional, a bolha familiar, a bolha das afinidades, a bolha dos interesses, a bolha pessoal. Alguns se entrelaçam, outros se desfazem com o tempo e outros ainda se multiplicam. Outra maneira de dizer “bolhas” seria “tribos”. Somos tribais, e isso faz parte da natureza do ser humano, dos animais e das plantas.

A princípio, as bolhas existem por pelo menos duas razões: afinidade e segurança. Coloca-nos numa teia de pertença a algo que nos faz sentido. Em alguns estudos, fala-se de redes de interdependências quando se trata de biologia e natureza. Quando se trata de ser humano, viver assim também gera naturalmente conflitos. As bolhas geram informações sobre situações, coisas e fatos com diferentes percepções. Às vezes, isso até acaba em guerra. Além disso, é por meio das bolhas que permeiam as falsas notícias que cristalizam opiniões e até visões de mundo. Sair da nossa “bolha” pode ser uma aventura no desconhecido, movendo medos e inseguranças. Para algumas pes

soas, até parece impossível porque mexe com “certezas” e convicções. Sair da bolha também pode ser um exercício de empatia e compaixão e, como consequência, po demos ter uma expansão do nosso ser no mundo e da nossa consciência, que ganha percepções de nuances antes obscuras de certas experiências, coisas e fatos.

A maneira como vemos, percebemos e consideramos as coisas da vida é única. Em essência, aqui está um presente. Por ser único, é também uma parte fragmen tada do “Todo” e, portanto, também é um desafio. Ter apenas opiniões baseadas em nossas próprias experiências pode nos levar a uma zona de conforto arriscada. Afinal, acreditamos que o que pensamos é uma verdade absoluta e só ela existe. Mas, as coisas são bem diferentes e viver apenas apoiada em nossas conclusões, pode nos cegar e nos tornar pessoas menos empáti cas. Para evoluirmos é importante furar as bolhas e abrir o olhar para além do que está ao nosso redor. À medida que cristalizamos nossas visões de mundo, corremos o risco de rigidez, obscurantismo, dogmatismo. À medida que permitimos mais flexibilidade e fluidez em nossas considerações e obser vações, permitimos uma maior amplitude de visão. Isso é expansão da consciência.

Kaká Werá

Escritor, ambientalista, tradutor e descendente do povo tapuia. É cultivador da arte do equilíbrio da natureza humana há mais de 25 anos.

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