Introdução Ruy Gardnier
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De todas as histórias, frequentemente tortuosas ou mesmo trágicas, sobre o estabelecimento das carreiras dos grandes autores cinematográficos, a trajetória de Alfred Hitchcock é sem dúvida a mais invejada. Hitchcock teve uma carreira prolífica, sem grandes hiatos ou períodos de seca criativa; sempre gozou de uma popularidade que lhe concedia um excelente poder de barganha para negociar com produtores e levar à frente seus projetos de predileção; desenvolveu rapidamente uma série de ancoragens temáticas, formas e trejeitos que logo ganhariam o adjetivo “hitchcockiano” e se eternizariam como traço estilístico e identitário; além disso, sua própria figura pública era notória, através de breves aparições em seus próprios filmes, de exposição incomum na mídia e, a partir dos anos 1950, através das séries de programas de crime e suspense que apresentava e ocasionalmente dirigia, a mais prolífica e conhecida tendo o nome Alfred Hitchcock apresenta (Alfred Hitchcock Presents). Enquanto do outro lado do Atlântico um bando de jovens críticos, futuros cineastas, lutavam arduamente para defender os diretores como genuínos autores de seus filmes, Hitchcock já adquirira a reputação de um ícone, de uma marca. Muitos anos depois, um daqueles jovens franceses, Jean-Luc Godard dedicaria a Hitchcock um dos oito episódios de suas História(s) do Cinema (Histoire(s) du cinéma(s), 1988-1998) e diria que, em toda a história do cinema, apenas Alfred Hitchcock deteve através de seus filmes o controle do universo. O relato acima é ligeiramente romanceado, omite alguns fracassos, certas brigas com produtores, confunde tipos diferentes de reconhecimento e, de uma forma geral, atribui a toda a carreira uma imagem que só foi consolidada ao longo dos anos 1950, mas de alguma forma essa imagem mítica corresponde à imagem que hoje temos de Alfred Hitchcock, o homem e o autor. Ainda mais se o compararmos a outros cineastas. Ele não foi nenhum Erich Von Stroheim que lutava filme a filme para impor sua visão original e tinha seu filme mutilado pelos produtores. Tampouco um Fritz Lang ou um Douglas Sirk para viver à deriva dentro do sistema de estúdios, aceitando comandas e convertendo sorrateiramente esses projetos estranhos a seu estilo próprio, transformando-se em autores subterrâneos. E muito menos um Michelangelo Antonioni ou Alain Resnais, que modificaram radicalmente a história do cinema mas permaneceram sendo vistos apenas por um segmento restrito do público frequentador, o público do cinema de arte. Hitchcock teve todos esses méritos e nenhum dos revezes: seu palco desde cedo foi o maior de todos, o do cinema de gênero de orçamento elevado e altas expectativas, e