Hitchcock

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“Hitchcock contra Hitchcock”¹ André Bazin

H 301

No seguinte relato sobre minhas relações com Alfred Hitchcock, gostaria de não decepcionar seus mais ferozes partidários. Eles poderão acusar-me de não saber me comportar à altura de meu privilégio por trazer-lhes, em todos os pontos, a confirmação de suas induções. Assim, na dúvida, preferi tomar o partido da confiança e da admiração. Não posso dizer que os esforços conjuntos de Rohmer, Astruc e Truffaut conseguiram me convencer do gênio escorreito de Alfred Hitchcock, especialmente em sua obra americana, mas enfim eles foram suficientes para convencer-me a questionar meu ceticismo. Isto é, ouso afirmá-lo, melhor que num espírito de completa boa-fé: foi com a preocupação de adotar metodicamente o ponto de vista mais vantajoso para meu interlocutor e com a vontade de levá-lo a conhecer em sua obra o máximo do que a crítica francesa acreditava por vezes encontrar nela que conduzi o meu interrogatório. Mais: juro que ficaria encantado se suas respostas dessem razão a seus partidários e reduzissem a nada as ressalvas que formulei sobre filmes como Festim diabólico (Rope, 1948), Agonia de amor (The Paradine Case, 1947) ou A tortura do silêncio (I Confess, 1952). Antes, porém, de ir mais longe, faço questão de estabelecer alguns axiomas críticos, mesmo com o risco de que os hitchcokianos venham a desdenhar o que talvez considerem uma inútil e indigna ajuda. Começarei por uma historinha que me parece siginificativa. Procedi há tempos à exegese de uma certa cena de Pérfida (The Little Foxes, 1941), aquela em que se vê Marshall indo morrer na escada, em plano de fundo, enquanto Bette Davis permanece imóvel no primeiro plano. A fixidez da câmara parecia-me sublinhada (a observação, aliás, se bem me lembro, vinha de Denis Marion) pelo fato de que, durante o seu deslocamento, o ator saía do campo para retornar a ele pouco mais adiante, sem que a objetiva, de certo modo identificada com a vontade de Bette Davis, se dignasse a acompanhá-lo. Tive no Festival de Bruxelas, em 1948, o ensejo de conhecer William Wyler, cuja língua materna é o francês, e expliquei-lhe minha interpretação. Wyler parece ter ficado um pouco admirado, como alguém que tinha feito as coisas com toda a simplicidade, sem colocar nelas ....................................................................................... Publicado originalmente no livro O cinema da crueldade de André Bazin; organização François Truffaut [tradução Antonio de Pádua Danesi]. São Paulo: Martins Fontes, 1989, pp. 133-146. 1


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