Prefácio à edição definitiva do livro Hitchcock/Truffaut: entrevistas¹ Francois Truffaut
A obra de Alfred Hitchcock é hoje admirada no mundo todo e os jovens que atualmente descobrem, graças às reprises, Janela indiscreta (Rear Window, 1954), Um corpo que cai (Vertigo, 1958), Intriga internacional (North by Northwest, 1959) provavelmente pensam que sempre foi assim. Não foi, nem de longe. Nos anos 1950 e 1960, Hitchcock estava no auge de sua criatividade e de seu sucesso. Já famoso pela publicidade que David Selznick lhe garantia durante os quatro ou cinco anos de contrato que os uniu, colaboração ilustrada por Rebecca, a mulher inesquecível (Rebecca, 1940), Interlúdio (Notorious, 1946), Quando fala o coração (Spellbound, 1945), Agonia de amor (The Paradine Case, 1947), Hitchcock tornou-se mundialmente famoso ao produzir e apresentar a série de programas de televisão Suspense (Suspicion), e em seguida Alfred Hitchcock apresenta (Alfred Hitchcock Presents), em meados dos anos 1950. A crítica americana e europeia iria fazê-lo pagar por esse sucesso e essa popularidade, examinando seu trabalho com certa condescendência, depreciando cada filme, um após o outro. Em 1962, estando em Nova York para apresentar Jules e Jim, uma mulher para dois (Jules et Jim, François Truffaut, 1962), percebi que todo jornalista me fazia a mesma pergunta: “Por que os críticos dos Cahiers du Cinéma levam Hitchcock a sério? Ele é rico, faz sucesso, mas seus filmes não têm substância”. Um desses críticos americanos, para quem eu acabava de elogiar Janela indiscreta durante uma hora, me respondeu com esta barbaridade: “Você gosta de Janela indiscreta porque, não familiarizado com Nova York, não conhece muito bem Greenwich Village”. Respondi: “Janela indiscreta não é um filme sobre o Village. É um filme sobre o cinema, e eu conheço cinema.” Voltei para Paris estarrecido.
....................................................................................... Publicado originalmente sob o título “Introdução à edição definitiva” no livro Hitchcock/ Truffaut: entrevistas, de François Truffaut e Helen Scott; tradução de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, pp. 21-22. 1
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