Longe do mesmo, perto do outro Cássio Starling Carlos
H 89
A reincidência de temas na filmografia hitchcockiana e a articulação deles em metáforas visuais ou em objetos com força simbólica forneceram, desde a emergência da política dos autores, referências para identificar uma ordem e um sistema, constituídos à base de repetições, identificações, articulações temáticas e formais. Nesse sentido, as aparições da figura rotunda do diretor desde seus primeiros filmes funcionaram como paradigma das outras reincidências que percorrem a obra. Ciente do poder de sua marca, o cineasta a emprestou a coleções de livros e a seriados de TV, capitalizando-se sempre que possível. Desde então, refém do culto à categoria de autor, a cinefilia brinca de saber compondo listas que misturam o cânone a detalhes irrelevantes. Quando se trata de Hitchcock e de identificar os signos da homossexualidade em sua obra o que se encontra não é muito diferente. Listar sua ocorrência requer apenas um trabalho de formiga. Mas, completada essa etapa, o que fazer com os resultados? Mobilizada pela influência dos estudos culturais em geral e da “queer theory”, mesmo a análise desses levantamentos dificilmente se liberta do enfoque temático, quando não se esgota na ênfase dada aos motivos dos personagens, à interpretação que muitas vezes se confunde com “overinterpretação”. Tentaremos aqui expor a gênese do tema na obra e apontar como ele foi tratado de modo discrepante por seus mais dedicados biógrafos e por parte de intérpretes adeptos de um olhar gay. Completaremos com uma exposição dos sólidos argumentos trazidos com admirável lucidez por Robin Wood, ao mesmo tempo um dos mais respeitados especialistas na obra de Hitchcock e um teórico que reconhece as possibilidades e as distorções do arsenal conceitual da “queer theory”. A homossexualidade, sugerida ou insinuada, integra o anedotário hitchcockiano na tela e fora dela desde a fase precoce da carreira do diretor. Um de seus primeiros indícios encontrase na presença de Ivor Novello, nome importante do teatro britânico nos anos 1920 e cuja presença no elenco de O inquilino (The Lodger: A Story of the London Fog, 1926) permitiu ao