Janeiro/Fevereiro 2 0 2 3 N.º 16 D ISTRIBUIÇÃO GRATUITA P U B LIC A ÇÃO DIGITAL BIMESTRAL
HANSENÍASE ENDÉMICA EM ANGOLA
As doenças tropicais negligenciadas (DNT) são generalizadas nas regiões mais pobres do mundo, onde a água potável, o saneamento e o acesso aos cuidados de saúde são inferiores, e afectam mais de mil milhões de pessoas em todo o mundo. São causadas, principalmente, por uma variedade de agentes patogénicos, incluindo vírus, bactérias, parasitas, fungos e toxinas.
Estas doenças são chamadas de “negligenciadas” porque estão quase ausentes da agenda global de saúde, gozam de pouco financiamento e estão associadas ao estigma e à exclusão social. São doenças de populações negligenciadas, que perpetuam um ciclo de maus resultados educativos e de oportunidades profissionais limitadas.
Uma destas doenças é a Hanseníase, ou Lepra, cujo dia mundial se assinala no último Domingo de Janeiro. Este dia internacional é uma oportunidade para celebrar as pessoas que padecem ou padeceram da doença, consciencializar para a mesma e apelar ao fim do estigma e da discriminação relacionados. O tema do Dia Mundial da Lepra 2023 foi “Aja Agora. Acabe com a Lepra.” e pretendeu chamar a atenção para o facto da Hanseníase poder ser prevenida e ser tratável. É curável com uma combinação de fármacos, disponível gratuitamente em todo o mundo. Se não for tratada, pode levar a complicações graves.
Uma das doenças mais conhecidas pela humanidade, com, pelo menos, quatro mil anos, acredita-se que esta pode ser a geração que finalmente termina a transmissão da Hanseníase. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu como objectivo alcançar 120 países com zero novos casos de lepra autóctone, até 2030.
EDITORIAL
PERSPECTIVA
O que é a Epilepsia?
Tendências: Menopausa tornar-se-á um grande negócio 08
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Dra. Eduina Gonçalves aborda a temática do cancro, cujo Dia Mundial se assinalou a 4 de Fevereiro 16
PERSPECTIVA 20
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Dr. Luvualu Claris Ndongala faz um retrato do estado da Hanseníase em Angola
Análise: Discriminação e estigma continuam a pesar sobre os doentes com Doença de Hansen
Dra. Edna Alegria fala sobre a importância da fisioterapia na criança com Hanseníase
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A acção terapêutica do Óleo de Chaulmoogra no tratamento da Lepra
ANÁLISE
Dr. Djalme Fonseca enumera as alterações a nível ocular causadas pela Hanseníase 30 32
O conjunto dos maiores riscos globais, segundo o Fórum Económico Mundial
36
38
44
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Serão as energias renováveis realmente limpas, analisa a Ecoangola
Tendências para o sector dos cuidados de saúde, em 2023
O trabalho na África Subsaariana, segundo o Dr. Cláudio Osório, da Oku Human
Dra. Zola João aborda o grande desafio da conservação do medicamento
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2 SAÚDE
02 04
SAÚDE
ÍNDICE
PARA SI
Dra. Nádia Noronha
Directora Executiva da Tecnosaúde
O QUE É A EPILEPSIA?
A EPILEPSIA É UMA DOENÇA DO SISTEMA NERVOSO, EM QUE HÁ UM MAU FUNCIONAMENTO DO CÉREBRO, CAUSADO POR ALTERAÇÕES REPETIDAS, SÚBITAS E BREVES DA SUA ACTIVIDADE ELÉCTRICA, MANIFESTANDO-SE POR CRISES EPILÉPTICAS RECORRENTES. ESSA CONDIÇÃO É REVERSÍVEL E, APÓS ALGUNS PERÍODOS, A PESSOA VOLTA AO SEU ESTADO NORMAL.
PERSPECTIVA
As crises epilépticas são episódios de descarga anormal e excessiva de células nervosas cerebrais, que afectam temporariamente a forma como a pessoa se comporta, move, pensa ou sente. Quando os doentes sofrem de crises epilépticas recorrentes, é denominado de epilepsia. A definição de epilepsia requer a ocorrência de mais de uma crise convulsiva.
A epilepsia não é uma doença causada pelo consumo de drogas e por febre alta, sendo que podem apresentar-se de formas similares, mas são condições com tratamentos diferentes.
Quais são as causas da epilepsia?
A epilepsia pode ter diversas causas, que vão desde o resultado de complicações no momento do parto até outras doenças neurológicas mais complicadas. Na maior parte das pessoas com epilepsia, desconhece-se a causa específica. No geral, a epilepsia pode ser uma condição médica por si só, ou um sinal de alerta de que algo não vai bem no cérebro. Assim, é importante realizar um acompanhamento médico com seriedade, que investigue as causas da epilepsia, no caso específico daquele paciente.
Muitas situações podem afectar o cérebro e desencadear epilepsia, incluindo:
• lesões cerebrais, antes ou depois do nascimento (por exemplo, traumatismo);
• tumores cerebrais;
• infecções, especialmente a meningite e a encefalite;
• doenças genéticas;
• vasos sanguíneos anormais no cérebro (malformações vasculares);
• tóxicos (por exemplo, intoxicação pelo chumbo);
• malformações do desenvolvimento do cérebro.
Quais são os sintomas de epilepsia?
Os sintomas de epilepsia estão relacionados com o tipo de epilepsia. Existem vários tipos, sendo que os mais comuns são:
• Crises epilépticas generalizadas primárias: Crise tónico-clónica generalizada (crise tipo grande mal): a pessoa perde a consciência, cai e pára temporariamente de respirar. Todos os músculos corporais contraem-se ao mesmo tempo, durante um curto período. Isto é seguido por uma série de movimentos espasmódicos. Algumas pessoas têm incontinência urinária e fecal (perda de urina e fezes) e pode ocorrer mordedura da língua. Esta crise pode durar alguns minutos, sendo seguida por um período de sonolência e confusão mental. Podem ocorrer dores musculares, bem como de cabeça. Depois da crise, a pessoa não tem memória do episódio.
Crise tipo ausência (crise tipo pequeno mal): este tipo de crise epiléptica, geralmente, começa na infância ou no início da adolescência. A perda de consciência é tão breve que a pessoa geralmente não muda de posição. As ausências começam e terminam abruptamente, com retorno imediato ao estado normal. Durante alguns segundos, a pessoa pode ficar com o olhar vazio e fixo, pestanejar rapidamente, efectuar movimentos de mastigação e mover um braço ou uma perna ritmicamente.
• Crises epilépticas parciais (focais): Crise parcial simples: a pessoa permanece acordada e consciente. Os sintomas variam, dependendo da área cerebral envolvida, podendo incluir movimentos espasmódicos numa parte do corpo, experiência de odores, sons anormais ou alterações visuais, náuseas e sintomas emocionais, tais como medo ou raiva inexplicados.
Crise parcial complexa: a pessoa pode parecer consciente, mas não responde durante um curto período, podendo verificar-se um olhar vazio, mastigação ou estalar dos lábios, movimentos repetitivos da mão e comportamentos fora do habitual.
• Estado de mal epiléptico: ocorre quando a pessoa tem uma crise epiléptica generalizada, que dura 15 a 30 minutos ou mais, podendo também resultar de uma série de crises epilépticas sem recuperação completa da consciência entre as mesmas. Esta situação constitui uma emergência médica potencialmente fatal.
5 SAÚDE
Dr. Wilson Teixeira
Neurocirurgião. Chefe/Director do Serviço de Neurocirurgia da Clínica Sagrada Esperança
Como se faz o diagnóstico?
O diagnóstico de epilepsia é feito por meio de exames imagiológicos, que fornecem detalhes do cérebro, como a ressonância magnética, além de testes, como o electroencefalograma.
O diagnóstico da epilepsia é fundamentalmente clínico, sendo obtido por meio da história detalhada de pessoas que presenciaram as crises convulsivas. O exame neurológico completo e exames complementares são habitualmente utilizados, como o electroencefalograma, a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética, os quais servem para uma melhor caracterização da situação e avaliação da sua etiologia e dependem da individualidade do caso. Por vezes, deve-se ampliar a investigação com testes genéticos.
Diversos fatores etiológicos são determinantes. Entre os principais estão:
• causas genéticas;
• tumores cerebrais;
• distúrbios cerebrovasculares;
• distúrbios imunológicos cerebrais;
• sequelas de traumatismo craniano;
• febre elevada em crianças pequenas;
• ingestão excessiva de álcool;
• distúrbios metabólicos.
Sabe-se que a epilepsia pode estar associada a uma manifestação única de determinada pessoa, como também à de muitos dos pacientes com necessidades especiais, tais como aqueles que apresentam autismo, paralisia cerebral, deficiência mental e algumas síndromes.
O doente frequentemente não tem nenhuma crise epiléptica quando consulta o médico. Por esta razão, é importante pedir a colaboração de qualquer pessoa que tenha testemunhado a crise e que poderá descrever exactamente o que viu, incluindo o que aconteceu no início da crise e o que aconteceu depois. Esta descrição irá ajudar o médico a determinar o tipo de crise que o doente teve e decidir o tratamento apropriado. Ter uma crise epiléptica não significa que a pessoa tem epilepsia. Por exemplo, é comum as crianças terem convulsões associadas à febre. A maior parte das crianças com este problema não desenvolve epilepsia.
O médico irá diagnosticar a epilepsia com base nos seguintes dados:
• história clínica;
• exame físico pormenorizado;
• exame neurológico completo;
• resultados de um electroencefalograma (EEG), exame em que é feito um registo da actividade eléctrica do cérebro através de eléctrodos metálicos ligados ao couro cabeludo. Apesar de ser um exame útil, um doente com epilepsia pode ter um electroencefalograma normal, quando não
está a ter nenhuma crise epiléptica.
Em muitos casos, o médico irá pedir também uma tomografia computadorizada (TC) ou uma ressonância magnética nuclear (RMN) do cérebro. Podem também ser necessários outros tipos de exames cerebrais.
O médico pode verificar se as crises epilépticas estão relacionadas com causas exteriores ao cérebro. Para isso, pode pedir exames laboratoriais, incluindo análises ao sangue e à urina. Poderá ser também solicitada a realização de um electrocardiograma (ECG).
Apesar destes exames, o diagnóstico de epilepsia poderá ser difícil e, quando o médico não observa o doente na altura da crise, nem sempre é possível perceber se teve verdadeiramente uma crise epiléptica. Para ajudar no diagnóstico, o doente pode realizar um electroencefalograma de 24 horas, quer em ambulatório, quer em internamento, acompanhado de um vídeo permanente, para que o médico possa classificar as crises.
Prevenção
A causa da maior parte dos casos de epilepsia permanece desconhecida. Deste modo, não existe forma de prevenir a doença. No entanto, os traumatismos cranianos podem provocar epilepsia e são, muitas vezes, evitáveis com as seguintes medidas:
• usar cinto de segurança quando se conduz e dar preferência a carros com “airbags”;
• usar um capacete apropriado quando se anda de skate, de mota ou de bicicleta;
• usar protecções para a cabeça na prática desportiva.
Qualquer pessoa com epilepsia activa deve tomar precauções para minimizar o risco de lesão, no caso de ocorrer uma crise epiléptica. Por este motivo, as pessoas com epilepsia são aconselhadas a não conduzir veículos motorizados durante, pelo menos, dois anos depois da crise epiléptica mais recente. Da mesma forma, deve ser evitada a utilização de maquinaria perigosa.
As pessoas com epilepsia devem ponderar o uso de uma identificação médica que descreva a sua doença. Isto irá proporcionar informações importantes para o pessoal médico numa situação de emergência.
Tratamento
Os doentes com epilepsia devem ter períodos de sono regulares, com repouso nocturno suficiente, e não devem consumir álcool.
Na maior parte dos casos, o tratamento começa com um ou mais medicamentos anti-epilépticos.
6 SAÚDE
O tipo de medicação usado depende do tipo de crise epiléptica a ser tratada.
Quando a medicação não consegue controlar as crises, pode ponderar-se uma intervenção cirúrgica. A decisão de realizar uma cirurgia depende de muitos factores, incluindo:
• a frequência e a gravidade das crises epilépticas;
• o risco de lesão cerebral, bem como de outras lesões, devido à ocorrência de crises frequentes;
• efeito sobre a qualidade de vida;
• estado de saúde em geral do doente;
• probabilidade da cirurgia poder controlar as crises epilépticas.
O estado de mal epiléptico constitui uma emergência médica potencialmente fatal, devendo ser tratado com medicamentos administrados por via endovenosa ou rectal. Devem também ser tomadas medidas de protecção para manter a permeabilidade das vias aéreas do doente e para ajudar a prevenir as lesões da cabeça e da língua.
O tratamento médico para epilepsia pode ser cirúrgico ou medicamentoso. A cirurgia é indicada na eliminação de focos (tumores e abscessos). Por sua vez, a terapia medicamentosa consiste em drogas anticonvulsivantes para controle das crises. Apesar da qualidade e da quantidade dos medicamentos interferirem no controle, outros factores emocionais e sociais da vida diária devem ser levados em consideração, como a questão do estigma, da exclusão, das restrições, da sobreprotecção e do isolamento, que podem ser prática da condição epiléptica. Assim, o consultório odontológico, pelas suas características de atendimento stressante, pode ser factor determinante da manifestação convulsiva.
Como é feito o processo de selecção dos doentes para cirurgia da epilepsia?
O processo de selecção dos casos para cirurgia é trabalhoso e minucioso. Nem todo caso refratário tem indicação cirúrgica. Por outras palavras, não há recurso cirúrgico para todos os casos em que não se obtém sucesso terapêutico.
Os casos de fármaco-resistentes são aqueles em que mais de um fármaco anti-epiléptico se mostrou ineficaz, em doses adequadas, utilizado pelo período de alguns anos. Esses casos são considerados candidatos à cirurgia.
Os recursos farmacológicos estão a desenvolverse progressivamente, com novas drogas a serem produzidas, aumentando o arsenal terapêutico disponível. Entretanto, as novas aquisições não são mais eficazes, embora sejam úteis numa pequena proporção de falhas terapêuticas das drogas antigas. Também os novos lançamentos possuem menos efeitos adversos, o que é uma qualidade apreciável. Somando todos esses recursos, continuamos com
uma proporção importante, cerca de 30% dos casos, em que não se obtém controle satisfatório com um ou mais medicamentos associados. Existem diferentes tipos de cirurgia, sejam tradicionais, com abertura do crânio, ou com colocação de marca-passo externo (estimulação do nervo vago no pescoço ou estimulação cerebral profunda). A grande maioria enquadra-se na cirurgia tradicional, com abertura do crânio, exposição da área afectada, fazendo-se a retirada daquele tecido responsável pelas crises. Pode ser necessária a presença do neurofisiologista na sala de cirurgia para estimular o cérebro ou colocar eléctrodos na superfície cerebral, para mapear com precisão a área a ser retirada. Também existe a técnica de desconexão, em que apenas se seccionam partes do cérebro, sem retirada de tecido nervoso. Alguns casos podem ter indicação de marca-passo ou estimulador, que fica debaixo da pele, no peito, abaixo da clavícula. Este aparelho tem uns fios (eléctrodos) que são introduzidos dentro da cabeça por pequenos orifícios. O marca-passo gera impulsos eléctricos que são transmitidos pelos eléctrodos para dentro do cérebro e que corrigem as descargas epilépticas.
Assim, fica claro que há várias modalidades cirúrgicas disponíveis e é a equipe multidisciplinar que escolhe a mais conveniente para cada caso específico.
A cirurgia de epilepsia obtém o controle total das crises em 45% a 60% dos casos operados. É uma das neurocirurgias com maior efeito positivo. Trabalhos têm mostrado, além dos benefícios médicos, da redução parcial ou total dos medicamentos e da diminuição da necessidade de consultas e internamentos, que há uma real redução nos custos para os provedores de saúde e também um ganho fenomenal na qualidade de vida dos pacientes. Estes benefícios são mais evidentes quando a cirurgia é realizada mais precocemente, nos primeiros cinco anos, antes que o paciente esteja muito comprometido e, de alguma forma, incapacitado ou retirado do mercado de trabalho. As crianças têm as condições ideais para alcançar os maiores sucessos.
A EPILEPSIA PODE TER DIVERSAS CAUSAS, QUE VÃO DESDE O RESULTADO DE COMPLICAÇÕES NO MOMENTO
DO PARTO ATÉ OUTRAS DOENÇAS
NEUROLÓGICAS MAIS COMPLICADAS. NA MAIOR PARTE DAS PESSOAS COM EPILEPSIA, DESCONHECE-SE A CAUSA ESPECÍFICA. NO GERAL, A EPILEPSIA
PODE SER CONDIÇÃO MÉDICA POR SI SÓ, OU UM SINAL DE ALERTA DE QUE ALGO NÃO VAI BEM NO CÉREBRO.
7 SAÚDE
A ANTIGA PRIMEIRA DAMA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, MICHELLE OBAMA, FALA SOBRE ISSO. AS ACTRIZES COURTENEY COX E NAOMI WATTS TÊM ABORDADO AS SUAS EXPERIÊNCIAS. A DISCUSSÃO EM TORNO DA MENOPAUSA, QUE HÁ MUITO ERA CONSIDERADA TABU, TEM SIDO ALIMENTADA, EM PARTE, PELA ALTERAÇÃO DA DEMOGRAFIA. A POPULAÇÃO GLOBAL DE MULHERES NA MENOPAUSA E PÓS-MENOPAUSA DEVERÁ CRESCER 47 MILHÕES POR ANO, ATINGINDO 1,2 MIL MILHÕES, ATÉ 2030. COM NÚMEROS DESTES, A MENOPAUSA ESTÁ A TORNAR-SE RAPIDAMENTE NUM GRANDE NEGÓCIO E AS MARCAS VÃO QUERER CAPITALIZÁ-LO.
A MENOPAUSA
TORNAR-SE-Á NUM
GRANDE NEGÓCIO
8 SAÚDE
TENDÊNCIAS
Esta é uma das ideias que marcarão o ano de 2023, segundo a rede social LinkedIn, no seguimento da sua iniciativa Big Ideas, que todos os anos, em Dezembro, questiona a sua comunidade de Top Voices e criadores para partilharem os temas que consideram vir a marcar o novo ano. Efectivamente, um pouco por todo o mundo, são cada vez mais as empresas e as individualidades que se estão a mobilizar em torno do tema da menopausa. Desde startups que procuram oferecer tratamentos para aliviar os sintomas e atrasar o início do processo, a figuras públicas, como a actriz norte-americana Naomi Watts, que criou uma comunidade para as mulheres partilharem as suas histórias, associada a uma linha de produtos. Também a cadeia de moda irlandesa Primark lançou a sua primeira linha de roupa dedicada, projectada para aliviar sintomas como os afrontamentos. Em 2023, espera-se que os empregadores também se concentrem no tema. Por exemplo, no Reino Unido, cerca de 10% das mulheres diz ter abandonado os seus empregos devido ao desconforto associado à menopausa. O Banco da Irlanda anunciou, em Outubro, que iria oferecer licenças pagas às mulheres que estão a passar pelo processo de menopausa e a Deloitte incluiu-a na sua agenda global de diversidade, equidade e inclusão, incentivando os empregadores a considerarem o risco crescente de êxodo entre trabalhadores qualificados em idade adulta se não abordarem devidamente este tema e as necessidades das mulheres em menopausa.
Redefinição do conceito
A menopausa corresponde ao fim das menstruações espontâneas e pode ser confirmada após 12 meses consecutivos sem qualquer período menstrual. Trata-se de um processo biológico natural e perfeitamente normal na vida
da mulher e assinala o fim da fertilidade. No mundo ocidental, a idade média em que as mulheres atingem a menopausa é de 51,4 anos, podendo ocorrer entre os 40 e os 58 anos. Alguns casos acontecem muito precocemente, perto dos 30, e outros são mais tardios, por volta dos 60 anos.
Em Angola, cerca de 14% das mulheres entra na menopausa a partir dos 30 aos 49 anos, revela o relatório final do inquérito de Indicadores
Múltiplos e de Saúde (IIMS) 2015/2016, lançado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Esta proporção aumenta com a idade, passando de 4% nas mulheres dos 30 aos 34 anos, para 51% nas mulheres dos 48 aos 49.
De acordo com o documento, entre 2015 e 2016, foram registadas 5.432 mulheres na menopausa em todo o país. Deste total, 1.791 tinha entre 30 e 34 anos e 1.511 entre 35 e 39, facto que preocupa as autoridades, devido à sua precocidade.
Tendência que não é exclusiva do país. Nesse sentido, não é de estranhar que cresça o debate em torno do tema, com cada vez mais mulheres a manifestarem a sua vontade em se sentirem mais bem representadas e a conclusão de que é necessária uma redefinição do conceito, até porque, como nota a consultora Kantar, não existe “uma” única menopausa.
À medida que o debate evolui, são cada vez mais as marcas activas neste espaço, mas ainda existem muitas oportunidades a explorar. De acordo com a Kantar, 68% das mulheres inquiridas num estudo conduzido no Reino Unido considera que as marcas e empresas não estão a fazer o suficiente para oferecer serviços e produtos específicos e adequados às suas necessidades. “Não há uma menopausa; na verdade, há em média seis sintomas de cada vez, e as marcas devem activar, de forma autêntica e significativa, as diversas necessidades e sintomas que ocorrem neste período. As soluções são diversas e todas as marcas têm a oportunidade de se envolver no debate através da sua publicidade, comunicação e inovação”, nota a consultora.
Graças ao testemunho de figuras públicas, como o da ex-Primeira Dama dos Estados Unidos da América, Michelle Obama, está a crescer em todo o mundo a consciencialização sobre o tema da menopausa. E, à medida que a consciência cresce, também deverá crescer a compreensão. Compreender capacita as marcas, as empresas e a sociedade, em geral, a uma melhor abordagem deste segmento mal servido da população. Os sintomas da menopausa são abrangentes e muito individuais. Em média, as mulheres experimentam seis sintomas durante o processo, subindo para 9,5 no caso daquelas que têm os sintomas mais insuportáveis ou graves, nota a Kantar. Estes sintomas não só as afectam
9 SAÚDE
fisicamente, como também mentalmente. Em casa e no trabalho, os efeitos da menopausa estão a ser sentidos em todas as áreas da sua vida, com metade das mulheres inquiridas a dizer que a dificuldade em dormir é o sintoma mais impactante, exasperado por suores nocturnos e/ou ansiedade. “Estejam preparadas e digam à família e aos entes queridos que vão ficar deprimidas ou mal-humoradas e irritáveis”, disse uma das inquiridas. “Preparem-se para não dormir durante a noite, nos próximos dois a quatro anos”, apontou uma outra.
A oportunidade
Com uma variedade tão ampla de sintomas e de impactos diários, não é de estranhar que o estudo da Kantar tenha revelado uma variedade de segmentos diferentes de mulheres, cada um com diferentes atitudes, experiências e comportamentos. Os principais aspectos que os distinguem são os diferentes graus na forma como se sentem preparadas para lidar com a questão e no nível de impacto que a menopausa tem nas suas vidas. Com uma correlação tão forte entre “preparação” e “impacto”, não é de estranhar que as mulheres procurem activamente soluções, ao longo da sua vida, que as ajudem a aliviar o impacto.
Como os impactos físicos, como a falta de sono e afrontamentos, criam um efeito de ondulação ao longo da vida, estas mulheres estão, muitas vezes, a começar esta viagem sozinhas e sentem falta de apoio. Como tal, quase metade das inquiridas confirmou ter recorrido à pesquisa na internet como primeira resposta, com mais 81% a procurar informação online antes de consultar um especialista.
O estudo também apurou que há um fosso entre a oferta de soluções e a procura, com 76% das mulheres a não se sentir representado pelas marcas e mais de 68% a afirmar que as marcas e empresas não fazem o suficiente para oferecer serviços e produtos específicos às necessidades da menopausa.
“Hoje, os consumidores esperam muito mais das empresas do que apenas vender produtos e as marcas têm o poder para impulsionar mudanças positivas para a sociedade e para os indivíduos”, reforça a consultora. A Kantar descobriu que os sintomas mais comuns da menopausa estavam relacionados com impactos negativos no humor (67%) e na autoconfiança (59%). Há ainda um pressuposto de que a menopausa tem só a ver com afrontamentos e que só afecta mulheres mais velhas, o que, muitas vezes, é exacerbado pelos media. Contudo, há cada vez mais mulheres com apenas 30 anos a entrar na menopausa e, como mostra este estudo, os sintomas são díspares. Embora se recomende sempre às mulheres que procurem, em primeiro lugar, um profissional de saúde para avaliar as suas opções, as marcas podem desempenhar um papel vital na educação e capacitação das pessoas através do seu percurso e na sinalização para recursos e ferramentas comprovadas. Clínicos e marcas devem trabalhar em conjunto.
A economia da menopausa Numa das recentes edições da cimeira norteamericana Global Wellness Summit, estimou-se que as soluções de bem-estar vocacionadas para este processo e período da vida das mulheres possa atingir os 600 mil milhões de dólares, em 2025, valores que levam a entidade a abordar o conceito de “economia da menopausa”. Este valor alicerça-se nas contas feitas sobre o mais de milhar de milhão de mulheres que, nos próximos dois anos, estará na perimenopausa, o período que antecede a mudança. Com a menopausa a conquistar o seu espaço mediático e a libertar-se das amarras culturais a que foi sujeita durante décadas, o foco está a desviar-se na direcção das escolhas e do bem-estar das mulheres. Viagens, retiros, SPAs, campanhas, iniciativas de informação, empresas de telemedicina, produtos e serviços vocacionados... São cada vez mais as propostas dirigidas à minimização, enquadramento e gestão dos sintomas da menopausa, entre os quais afrontamentos, insónias, depressão, ansiedade, ganho de peso, dores nas articulações e oscilações de líbido, entre outros.
Silver Economy, um mercado a ser explorado
Com o aumento da expectativa de vida, em 2024, o número de pessoas com mais de 65 anos no mundo terá atingido mais de oito mil milhões, segundo o relatório “The 8 Billion World” da Euromonitor International. A maior parte da expansão virá de países emergentes e em desenvolvimento.
Já o relatório “Silver Economy”, realizado pela Oxford Economics e pelo Technopolis Group para a União Europeia, define Silver Economy como a soma de todas as actividades económicas que atendem às necessidades de pessoas com 50 anos ou mais.
Um outro estudo da Kantar feito em França atenta para o facto do foco que está a ser colocado na geração Millennial poder fazer esquecer outras gerações promissoras, como os mais velhos.
O documento alerta que as marcas ainda não desenvolveram relações com o cliente adaptadas a esta demografia e que existem poucas ofertas específicas que atraiam, ao invés de estigmatizar, os seniores, que têm cada vez mais uma noção de envelhecimento positivo.
“Juntamente com outras forças motrizes importantes, como o desenvolvimento tecnológico e as mudanças climáticas, o envelhecimento da população continuará a moldar o mundo em que vivemos, fazendo com que economias, sociedades e empresas se adaptem”, indica o relatório da Euromonitor.
A consultora antecipa que as gerações mais velhas terão rendimentos mais elevados a longo prazo, como resultado do crescimento económico, especialmente nos mercados em desenvolvimento e emergentes.
10 SAÚDE
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11 SAÚDE RIGOR E CON F O RT O N A MED I Ç Ã O D A G LICEM I A
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DIA MUNDIAL DO CÂNCER
ASSINALA-SE, NO DIA 4 DE FEVEREIRO, O DIA MUNDIAL DO CÂNCER OU CANCRO. ESTA DATA FOI CRIADA A 4 DE FEVEREIRO DE 2000, NA WORLD SUMMIT AGAINST CANCER FOR THE NEW MILLENIUM, REALIZADA EM PARIS, POR INICIATIVA DA UNIÃO INTERNACIONAL DE CONTROLO DO CANCRO (UICC), COM O APOIO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). ESTE DIA TEM COMO INTUITO CONSCIENCIALIZAR, MELHORAR A EDUCAÇÃO, PROMOVER A ACÇÃO PESSOAL E COLECTIVA NA LUTA CONTRA O CÂNCER E LEVAR QUESTÕES ACTUAIS SOBRE A DOENÇA À POPULAÇÃO EM GERAL, ALÉM DE INFLUENCIAR GOVERNOS E INDIVÍDUOS PARA QUE SE MOBILIZEM PELO CONTROLE DO CÂNCER.
Dra. Eduina Gonçalves
PERSPECTIVA
Especialista em Medicina Geral. Formada pela universidade de Ciências Médicas de la Habana
Actualmente, 7,6 milhões de pessoas no planeta morrem em decorrência da doença, a cada ano. A previsão, para 2025, é de que seis milhões de mortes prematuras ocorram por ano, caso não sejam tomadas medidas urgentes para aumentar a consciencialização e desenvolver estratégias práticas para lidar com o câncer. Todos os anos, África regista cerca de 1,1 milhões de novos casos de câncer, resultando em mais de 700 mil mortes. Os cânceres da mama, juntamente com o câncer do colo do útero, da próstata, do fígado e do cólon e do recto representam quase metade dos novos casos registados, todos os anos, no continente. As crianças também são afectadas de forma desigual. Das mais de 400 mil crianças diagnosticadas anualmente com câncer no mundo, cerca de 90% vive em países de baixo e médio rendimentos. As taxas de sobrevivência estão muito baixas, situando-se nos 20% ou menos nos países africanos, quando comparado com mais de 80% nos países desenvolvidos.
Em Angola, segundo dados publicados no artigo do Dr. Fernando Miguel, pelo Instituto Angolano de Controlo do Câncer (IACC) em 2019, dos 5.609 novos casos, 2.059 eram do sexo masculino e 3.550 do sexo feminino. Sendo que, de todos os casos, 9,7% ocorreu em crianças com menos de
15 anos. Os cânceres mais comuns em todo o período para os homens foram câncer de próstata, representando 19,3%, sarcoma de Kaposi (7,5%) e linfoma não-Hodgkin (7,5%).
O câncer de mama e colo do útero juntos representaram 60% de todos os cânceres em mulheres.
Câncer é um termo que abrange mais de 100 diferentes tipos de doenças malignas que têm em comum o crescimento desordenado de células, que podem invadir tecidos adjacentes ou órgãos a distância. Dividindo-se rapidamente, estas células tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores, que podem espalhar-se para outras regiões do corpo. Os diferentes tipos de câncer correspondem aos vários tipos de células do corpo. Quando começam em tecidos epiteliais, como pele ou mucosas, são denominados carcinomas. Se o ponto de partida são os tecidos conjuntivos, como osso, músculo ou cartilagem, são chamados sarcomas.
Causas
O câncer tem múltiplas causas, podendo ser causas externas (presentes no meio ambiente) e internas (como hormonas, condições imunológicas e mutações genéticas). Esses factores podem interagir de diversas formas, dando início ao surgimento do câncer. Entre 80% e 90% dos casos de câncer estão associados a causas externas. As mudanças provocadas no meio ambiente pelo próprio homem, os hábitos e o comportamento podem aumentar o risco de diferentes tipos de câncer. Entende-se por ambiente o meio em geral (água, terra e ar), o ambiente de trabalho (indústrias químicas e afins), o ambiente de consumo (alimentos, medicamentos) e o ambiente social e cultural. Os factores de risco ambientais de câncer são denominados cancerígenos ou carcinógenos. Esses factores alteram a estrutura genética (DNA) das células.
EM ANGOLA, SEGUNDO DADOS
PUBLICADOS NO ARTIGO DO DR.
FERNANDO MIGUEL, PELO INSTITUTO ANGOLANO DE CONTROLO DO CÂNCER
(IACC) EM 2019, DOS 5.609 NOVOS CASOS, 2.059 ERAM DO SEXO MASCULINO E 3.550 DO SEXO FEMININO. SENDO QUE, DE TODOS OS CASOS, 9,7% OCORREU EM CRIANÇAS COM MENOS DE 15 ANOS.
13 SAÚDE
As causas internas estão ligadas à capacidade do organismo de se defender das agressões externas. Apesar do factor genético exercer um importante papel na formação dos tumores (oncogénese), são raros os casos de câncer que se devem exclusivamente a factores hereditários, familiares e étnicos. Existem ainda alguns factores genéticos que tornam determinadas pessoas mais susceptíveis à acção dos agentes cancerígenos ambientais. Isso parece explicar porque algumas delas desenvolvem câncer e outras não, quando expostas a um mesmo carcinógeno.
O envelhecimento natural do ser humano traz mudanças nas células, que as tornam mais vulneráveis ao processo cancerígeno. Isso, somado ao facto de as células das pessoas idosas terem sido expostas por mais tempo aos diferentes factores de risco para câncer, explica, em parte, o porquê do câncer ser mais frequente nessa fase da vida.
Cânceres mais frequentes
O câncer é a segunda causa de morte entre as crianças e, entre os mais frequentes, encontram-se as leucemias, representando cerca de 28% dos cânceres infantis, tumores cerebrais (27%), linfomas (12%) e certos cânceres ósseos (4%), que também se podem verificar em adultos. Porém, existem cânceres exclusivos da idade pediátrica, como os neuroblastomas (6% dos casos), tumor de Wilms ou nefroblastoma (5% de casos), rabdomiossarcoma (3% dos casos) e retinoblastoma (2% de casos).
Segundo as estatísticas globais do câncer, os mais comuns em adultos homens são o câncer da próstata, câncer colorrectal e câncer do pulmão, sendo que os três contribuíram com 41,9% dos novos casos, em 2020. Seguidos do câncer do estômago e do fígado, que contribuíram com mais de 5% dos novos casos, em 2020.
Em mulheres, os mais frequentes são o câncer da mama, câncer colorrectal e câncer do pulmão, que contribuíram com 44,5% de todos os cânceres, seguidos do câncer do colo do útero, câncer da glândula tiroide, câncer do estômago, câncer do ovário, entre outros.
Prevenção
Existem diversas atitudes que devem ser incorporadas à rotina para reduzir os riscos de ter a doença. A prevenção do câncer engloba acções como não fumar, adoptar uma alimentação saudável, manter o peso corporal adequado, praticar actividades físicas, amamentar, realizar exame preventivo de câncer do colo do útero a cada três anos para mulheres com idade entre 25 e 64
anos, vacinar as meninas de 9 a 14 anos e os meninos de 11 a 14 anos contra o HPV, vacinar-se contra a hepatite B, evitar bebidas alcoólicas, evitar carnes processadas, evitar a exposição ao sol entre 10 e 16 horas e usar sempre protecção adequada, como chapéu, protector solar e protector labial, e evitar a exposição a agentes cancerígenos no ambiente de trabalho.
Tratamento
O tratamento do câncer depende de uma série de factores, tais como condições de saúde do paciente e o estágio de desenvolvimento da doença. Portanto, cada tratamento será individualizado, o que significa que dois pacientes com o mesmo tipo de câncer podem apresentar tratamentos diferentes.
De entre as principais formas de tratamento do câncer, podemos citar a quimioterapia, radioterapia, cirurgia, que também é utilizada no processo de diagnóstico, e o transplante de medula óssea, sendo este voltado para o tratamento de doenças que afectam as células sanguíneas (leucemias).
Os também chamados cuidados paliativos são oferecidos a pacientes para os quais já não é possível garantir a cura da doença. Esses cuidados visam, principalmente, garantir uma melhor qualidade de vida e aliviar o sofrimento que pode ser ocasionado pela doença. Uma vez que se inicia o tratamento, é de extrema importância que se cumpra com o mesmo até ao final, salvo alguma contraindicação, para que haja melhor resposta satisfatória, de modo a evitar recaídas, complicações da própria doença ou ainda o insucesso do tratamento.
14 SAÚDE
USADA NA DETECÇÃO DO CANCRO
UM GRUPO DE CIENTISTAS DA UNIVERSIDADE SHEFFIELD HALLAM, NO REINO UNIDO, DESENVOLVEU UM MÉTODO NÃO INVASIVO DE DETECÇÃO DO CANCRO DA MAMA, ALTERNATIVO À MAMOGRAFIA.
15 voluntárias com cancro da mama inicial ou com metástases foram submetidas a esfregaços nas pontas dos dedos. A tecnologia em causa é a aplicada na investigação de drogas, moléculas biológicas e fármacos em tecidos. O método considera as proteínas de interesse oncológico presentes no suor. As amostras recolhidas foram analisadas e constatada a precisão de quase 98% na detecção dos tumores.
O estudo, publicado na revista Scientific Reports, mostra como as impressões digitais “são valiosas não apenas para obter inteligência para traçar o perfil de criminosos, mas também para diagnosticar patologias”, afirma a Professora Simona Francese. A técnica ainda está numa fase inicial de desenvolvimento, pelo que os investigadores apelam a investimentos de modo a poder ser aprimorada. Pretende-se ampliar o estudo com a inclusão de mais voluntárias.
15 SAÚDE PUB
IMPRESSÃO DIGITAL
NOTÍCIA
HANSENÍASE ENTRE NÓS
A HANSENÍASE É UMA DOENÇA INFECTOCONTAGIOSA CAUSADA PELA MYCOBACTERIUM
LEPRAE (BACILO DE HANSEN). APRESENTA
UMA EVOLUÇÃO CRÓNICA, ATINGINDO PREDOMINANTEMENTE A PELE, OS NERVOS PERIFÉRICOS E PODE TAMBÉM ATINGIR
OUTROS ÓRGÃOS E SISTEMAS. É CONSIDERADA POTENCIALMENTE INCAPACITANTE, EMBORA CURÁVEL. O SEU DIAGNÓSTICO AINDA
CAUSA GRANDE IMPACTO PSICOSSOCIAL E COMPROMETIMENTO DA QUALIDADE DE VIDA.
SEGUNDO A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS), ANGOLA É CONSIDERADA UM PAÍS ENDÉMICO E FAZ PARTE DOS PAÍSES PRIORITÁRIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA GLOBAL PARA A LEPRA 2021-2030.
Em Angola, existe um Programa Nacional de Controlo da Lepra na Direcção Nacional de Saúde Pública/MINSA, que tem como objectivo geral reduzir o fardo da Lepra (Hanseníase). As estratégias de implementação das actividades para o alcance deste objectivo assentam na busca activa no seio das comunidades, para diagnosticar e tratar precocemente todos os novos casos de Hanseníase, através da MDT - Multidrogaterapia, de acordo o protocolo recomendado pela OMS, por um lado, e promover a participação comunitária nas actividades de educação para saúde e no combate à discriminação das pessoas atingidas pela Hanseníase e seus familiares, por outro. Neste último quesito, reforça-se o desuso da terminologia Lepra, por apresentar uma tendência discriminatória segundo a deliberação consensual dos direitos humanos. Para a transmissão da Hanseníase, é necessário um convívio prolongado com o paciente infectado com o Bacilo de Hansen e que não faz tratamento. Tais bacilos são eliminados pelas secreções nasais, da orofaringe e gotículas de saliva dos indivíduos multibacilares, que penetram no organismo do indivíduo sadio pelas vias aéreas
16 SAÚDE
ENTREVISTA PERSPECTIVA
Dr. Luvualu Claris Ndongala Licenciado em Medicina pela Universidade Agostinho Neto. Pós-graduado em Dermatologia e Venereologia pelo Conselho Nacional de Especialização e em Ciências da Saúde pelo Hospital Américo Boavida
superiores. A doença, inicialmente, manifesta-se por meio do aparecimento de lesões na pele, tais como manchas hipocrómicas ou avermelhadas bem delimitadas, que apresentam alteração da sensibilidade (táctil, dolorosa e térmica), pápulas e nódulos infiltrativos. Essas lesões ocorrem em qualquer região do corpo, mas com maior frequência na face, orelhas, nádegas, braços, pernas e no dorso. Podem apresentar nervos periféricos engrossados, doloridos, diminuição da sensibilidade nas áreas inervadas, resultado do dano neural sensitivo. Levam a alterações das glândulas sudoríparas e sebáceas e são responsáveis pelas incapacidades e deformidades características da Hanseníase. O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado nos sinais e sintomas cardinais, no exame da pele durante a avaliação dermatoneurológica dos nervos periféricos e na história epidemiológica. Excepcionalmente, há necessidade de auxílio laboratorial para a confirmação diagnóstica. A Hanseníase é uma enfermidade associada aos adultos, devido ao seu longo período de incubação, em média cinco anos. No entanto, em
áreas endémicas, e quando ocorrem casos na família, o risco das crianças adoecerem aumenta. A ocorrência de Hanseníase em crianças menores de 15 anos reflecte a exposição precoce e intensa, com alta carga bacilar. Dessa forma, a ocorrência de Hanseníase em crianças é considerada um indicador da prevalência da doença na população em geral e a sua detecção precoce é importante, uma vez que induz a necessidade de intensificar a vigilância epidemiológica para a busca dos contactos e identificação do foco inicial. A actual situação epidemiológica da Hanseníase em Angola, apresentada pelo Programa Nacional de Controlo da Lepra durante as jornadas científicas do serviço de Dermatologia do Hospital Américo Boavida, revela que, no ano 2022, se registaram 93 novos casos diagnosticados em crianças e cerca de 115 novos casos diagnosticados nos adultos. Apresentavam deformidades de grau 2, o que implica alta exposição do Bacilo de Hansen no seio das comunidades.
17 SAÚDE
O relato de experiência abaixo demostra a necessidade da massificação das acções de busca activa e rastreio de contactos, para o diagnóstico e tratamento precoce, prevenindo
deste modo as deformidades e incapacidades e, consequentemente, a discriminação de pacientes com Doença de Hansen e seus familiares.
18 SAÚDE
Fonte: Programa de Controlo da Lepra /DNSP/MINSA
Apesar da estratégia do envolvimento das comunidades, as campanhas de busca activa são acompanhadas com a divulgação de informações de educação para a saúde bem direccionadas, para desmitificar os mitos e incentivar a auto-referência precoce e atitudes positivas em relação às pessoas atingidas pela Hanseníase. Outras necessidades constatadas são a formação e capacitação contínua dos técnicos de saúde das unidades sanitárias da rede primária, para a gestão da doença de forma integrada com outras Doenças Tropicais Negligenciadas com manifestações cutâneas, desde o diagnóstico, tratamento e prevenção das incapacidades e melhorar o acesso destas comunidades aos cuidados de saúde, especificamente na área de Hanseníase. Trilhando este caminho, podemos alcançar a meta de reduzir a carga da Hanseníase em Angola, rumo a Zero Hanseníase (Estratégia Global para a Lepra 2021-2030).
agravamento com deformidades/ incapacidade e, consequentemente, para o estigma, a discriminação e a exclusão social, desestruturando as famílias. Por isso, durante as buscas activas, todos casos diagnosticados são registados e imediatamente iniciam o tratamento na unidade sanitária do local onde vivem, para o fácil acesso e continuidade do tratamento com MDT (Multidrogaterapia disponibilizada pela equipa do Programa de Controlo da Lepra).
No que concerne o nível de literacia em saúde das famílias com pessoas atingidas pela Hanseníase, destaca-se a falta de acompanhamento, a falta de
Embora haja iniciativas institucionais engajadas na interrupção da transmissão e na obtenção de zero casos, desde os tempos remotos, as pessoas vulneráveis sempre foram as mais afectadas pela Hanseníase, por apresentarem um baixo perfil socioeconómico, o que dificulta o acesso precoce às unidades sanitárias, no início da doença, dando espaço para o
treinamento para o autocuidado e a falta de oportunidades de abordagem sobre as ocorrências de reacções hansénicas no decurso ou depois do tratamento, as possibilidades de prevenir as deformidades, agravadas com a exclusão social devido à discriminação, mesmo sem evidências das incapacidades. Para contrapor estes eventos, a equipa aconselha evitar o abandono terapêutico e orienta um acompanhamento psicossocial adaptado e integrado durante o tratamento, advertindo os eventos de recaída e o surgimento de outras complicações irreversíveis, tais como a cegueira, o agravamento das incapacidades, a osteomielite, as ulcerações, a progressão das deformidades do grau 1 para o grau 2 e o aumento do sofrimento emocional das pessoas atingidas e dos seus familiares.
19 SAÚDE
DISCRIMINAÇÃO E ESTIGMA CONTINUAM ASSOCIADOS À DOENÇA DE HANSEN
ENTREVISTA ANÁLISE
SEGUNDO DADOS DO PROGRAMA NACIONAL DE CONTROLO DA LEPRA, NO FINAL DE 2021, ANGOLA REGISTAVA MAIS DE 1.800 CASOS DE HANSENÍASE. JÁ A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) DÁ CONTA DE 797 NOVOS CASOS, EM 2021, A INFORMAÇÃO MAIS RECENTE DISPONÍVEL, O QUE REPRESENTA UM SALTO CONSIDERÁVEL FACE AOS 420 REPORTADOS NO ANO ANTERIOR. DE ACORDO COM OS ESPECIALISTAS, ESTE MENOR NÚMERO DE NOVOS CASOS, QUE É TRANSVERSAL A VÁRIOS PAÍSES, PODE SER ATRIBUÍDO À PANDEMIA DE COVID-19, QUE INTERROMPEU A IMPLEMENTAÇÃO DOS PROGRAMAS DE COMBATE À DOENÇA E CONDUZIU A UMA REDUÇÃO DA DETECÇÃO DE NOVOS CASOS EM 37%, A NÍVEL MUNDIAL, EM COMPARAÇÃO COM 2019. A LEPRA, TAMBÉM CONHECIDA POR DOENÇA DE HANSEN OU HANSENÍASE, É UMA DAS DOENÇAS MAIS ANTIGAS DE QUE A HUMANIDADE TEM CONHECIMENTO. APESAR DE CURÁVEL, SÃO MUITAS AS PESSOAS QUE AINDA PADECEM DESTA PATOLOGIA, QUE A SI TRAZ ASSOCIADO O FARDO DO ESTIGMA E DA DISCRIMINAÇÃO.
pretendeu chamar a atenção para algumas mensagens-chave: é possível acabar com a doença, já que o mundo dispõe das ferramentas necessárias para travar a sua transmissão, mas tem de se agir o quanto antes, sendo necessários recursos e compromissos, e tem de se chegar a todos os doentes, já que a Lepra pode ser prevenida e é tratável.
Doença infecciosa
As doenças tropicais negligenciadas (DNT) são generalizadas nas regiões mais pobres do mundo, onde a água potável, o saneamento básico e o acesso aos cuidados de saúde são inferiores. Afectam mais de mil milhões de pessoas em todo o mundo e são causadas, principalmente, por uma variedade de agentes patogénicos, incluindo vírus, bactérias, parasitas, fungos e toxinas.
Uma destas doenças é a Doença de Hansen, ou Lepra, cujo dia mundial, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1954, se assinala no último Domingo de Janeiro.
Este ano, o Dia Mundial da Lepra coincidiu com o 29 de Janeiro. Com o tema “Aja Agora. Acabe com a Lepra”,
A Lepra é uma doença infecciosa crónica causada por um bacilo, o Mycobacterium leprae (M leprae). Como este se multiplica lentamente, o período de incubação da doença é longo, em média, de cinco anos. Os sintomas podem ocorrer após um ano, mas também pode demorar até duas décadas ou mais para se manifestarem. Conhecida por ocorrer em todas as idades, desde a infância até à velhice, a Lepra afecta principalmente a pele, os nervos periféricos, a mucosa do trato respiratório superior e os olhos. Os sinais clínicos são fáceis de observar: a lesão cutânea tem geralmente uma pigmentação diferente da pele normal circundante (menos pigmentada, avermelhada ou cor de cobre) e pode ter vários aspectos (plana, levantada ou nódulo). A lesão pode ser simples ou múltipla e pode ocorrer uma perda de sensação na pele. Não se sabe exactamente como a doença se dissemina. Actualmente, pensa-se que poderá acontecer quando uma pessoa infectada tosse ou espirra e uma pessoa saudável respira as gotículas que contêm obacilo. Devido aos longos períodos de incubação e para desenvolver sinais da doença, muitas vezes, é muito difícil localizar o foco da infecção.
21 SAÚDE
Estratégia da OMS
A Lepra é uma doença antiga, com, pelo menos, quatro mil anos. Ao longo da história, os doentes têm sido frequentemente ostracizados pelas suas comunidades e famílias. Acredita-se, porém, que esta pode ser a geração que, finalmente, terminará a transmissão da Hanseníase. A OMS estabeleceu como objectivos alcançar, até 2030, 120 países com zero novos casos de Lepra autóctone, uma redução de 70% no número de casos detectados anualmente, de 90% na taxa por milhão de novos casos com deformidades de grau 2, assim como de novos casos em crianças.
A Estratégia Global para a Lepra 2021-2030 orienta os países a acelerarem o progresso rumo aos zero casos, em linha com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.
A optimização das ferramentas existentes, tais como o rastreio de contactos, a detecção activa de casos, a profilaxia pós-exposição com uma dose única de rifampicina e a prestação de terapia multifármaco são
Lepra em Angola, OMS (dados de 2021)
Número de novos casos:
2021: 797
2020: 420
2019: 721
2018: 847
2017: 605
2016: 619
2015: 823
Taxa de detecção de novos casos por um milhão de pessoas: 23.099
Número de casos registados para tratamento (prevalência): 13
Taxa de prevalência de casos registados por milhão de pessoas: 0,377
Número de novos casos com deformidade de grau 2: 187
Proporção de novos casos com deformidade de grau 2: 23,5
Número de novos casos em crianças (menos de 15 anos): 93
Proporção de crianças entre os novos casos: 11,7
Número de novos casos em mulheres: 197
Proporção de mulheres entre os novos casos: 24,7
medidas críticas para interromper a transmissão.
Em 2020, foram detectados, a nível mundial, 127.558 novos casos de Lepra, segundo dados oficiais de 139 países das seis regiões da OMS. Desse total, 8.629 referiam-se a crianças abaixo dos 15 anos. Entre os novos casos, foram reportados 7.198 com deformidades de grau 2. Contudo, a doença é curável com terapia multifármaco e o tratamento precoce pode prevenir a incapacidade. No final do ano de 2020, a prevalência era de 129.389 casos em tratamento, correspondendo a 16,7 por milhão de habitantes. Mas a pandemia de Covid-19 interrompeu a implementação dos programas de combate à doença e conduziu a uma redução da detecção de novos casos em 37%, em comparação com 2019. O maior decréscimo foi no número de novos casos entre crianças, cuja detecção reduziu em 42,3%.
Desde a introdução da terapia multifármaco, a prevalência registada diminuiu substancialmente. Contudo, os novos casos continuaram a ocorrer, indicando uma transmissão contínua da infecção. Em 2021, foram reportados 140.594 novos casos, a nível global, com a taxa de detecção a aumentar 10,2%, em relação a 2020. Tal como acontece com a maioria das doenças tropicais negligenciadas, a eliminação da Lepra ocorrerá em várias fases. A OMS constituiu um grupo de trabalho e desenvolveu orientações técnicas para facilitar a verificação da interrupção da transmissão e posterior eliminação da doença. As metas baseiam-se na detecção de novos casos autóctones, ou seja, aqueles que se presumem resultar de transmissão local.
A detecção precoce de casos e a administração oportuna da terapia multifármaco continuam a ser os princípios básicos do controlo da Doença de Hansen. Os novos casos continuam a ocorrer e a sua diminuição tem sido muito gradual, em 2% ao ano.
Estigma
A estratégia da OMS pressupõe também eliminar o estigma e a discriminação ainda associados à doença, que afecta sobretudo as populações mais pobres, com maiores dificuldades de acesso aos cuidados,
22 SAÚDE
devido às longas distâncias das unidades de saúde e ao custo elevado. Por esse motivo, apesar do programa da OMS fornecer tratamento gratuito, muitas pessoas afectadas não o concluem ou não o recebem.
Além disso, devido ao estigma contínuo, muitas das pessoas que contraem a Doença de Hansen podem não procurar ajuda aquando dos primeiros sintomas, o que atrasa os diagnósticos e potencia o desenvolvimento das incapacidades. Note-se que, em alguns países, quando o cônjuge contrai a doença, é permitido o divórcio. Como consequência, muitas mulheres e meninas afectadas pela doença ainda enfrentam o problema adicional de discriminação de género e social, que potencia, ainda mais, o atraso nos diagnósticos.
Persistem, assim, os desafios para endereçar o problema da discriminação relacionada com a doença e Angola não é excepção, facto destacado por Alice Cruz, Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a eliminação da discriminação contra as pessoas afectadas pela Hanseníase e seus familiares, que entre Abril e Maio de 2022 visitou o país. “Saúdo o compromisso assumido pelo Governo de Angola de se envolver activamente com o sistema internacional de direitos humanos e eliminar a discriminação relacionada à Lepra, mas as autoridades devem redobrar seus esforços para alcançar esse objectivo”, disse a especialista da ONU, no final da sua visita oficial, onde se encontrou-se com representantes do Governo, incluindo os ministérios competentes e a Provedoria, bem como com representantes de organizações da sociedade civil, academia, profissionais de saúde e especialistas.
Alice Cruz também visitou o Dispensário de Tuberculose e Lepra e vários centros de saúde em Funda e Benguela, tendo escutado valiosos testemunhos de várias pessoas afectadas pela Hanseníase e seus familiares.
Uma das preocupações da Relatora Especial, que irá entregar o relatório desta visita ao Conselho de Direitos Humanos da ONU no próximo mês de Junho, é o facto de muitas pessoas estarem sujeitas ao diagnóstico tardio, o que pode causar danos irreversíveis, e com a falta de provisão de reabilitação, cirurgia reconstrutiva e dispositivos assistivos.
“Os dados da Hanseníase não são confiáveis. Como o Governo reconhece, é muito provável que haja uma subnotificação considerável
no país, o que aumentará a transmissão e a deficiência, inclusive em crianças. Além disso, muito mais precisa de ser feito para prevenir, monitorizar, prestar contas e remediar efectivamente a discriminação e as violações dos direitos humanos contra pessoas afectadas pela Hanseníase e seus familiares, dada a persistência da discriminação institucionalizada e interpessoal. Ainda assim, a questão mais importante que impacta a vida das pessoas afetadas pela Hanseníase e seus familiares em Angola diz respeito à discriminação substantiva, que exige políticas redistributivas e a garantia de direitos sociais e económicos fundamentais, mas também direitos relacionados à deficiência”, acrescentou.
Outro dos aspectos destacados por Alice Cruz após a sua visita a Angola relacionase com a perda de capacidade de alguns sistemas de saúde para diagnosticar a doença, após esta ter sido eliminada como problema de saúde pública pela OMS, em 2005. Tal pode ter contribuído para a ideia preconcebida e generalizada de que a doença não existe, o que não corresponde à verdade, como se pode avaliar pelos 140.594 novos casos reportados, a nível global, em 2021. Mas é possível acabar com a doença e, desse modo, cumprir o sonho de Gandhi, que afirmou que eliminar a Lepra foi o único trabalho que não conseguiu completar na sua minha vida. É em sua honra que o Dia Mundial da Lepra se assinala no último Domingo de Janeiro, coincidindo com a data da sua morte.
EM 2020, FORAM DETECTADOS, A NÍVEL MUNDIAL, 127.558 NOVOS CASOS DE LEPRA, SEGUNDO DADOS OFICIAIS DA OMS. DESSE TOTAL, 8629 REFERIAM-SE A CRIANÇAS ABAIXO DOS 15 ANOS. ENTRE OS NOVOS CASOS, FORAM REPORTADOS 7.198 COM DEFORMIDADES DE GRAU
2. CONTUDO, A DOENÇA É CURÁVEL
COM TERAPIA MULTIFÁRMACO E O TRATAMENTO PRECOCE PODE PREVENIR A INCAPACIDADE.
23 SAÚDE
FISIOTERAPIA E A HANSENÍASE NA CRIANÇA
TAMBÉM CONHECIDA COMO LEPRA, A HANSENÍASE É UMA DOENÇA CRÓNICA, INFECCIOSA, CAUSADA PELO MYCOBACTERIUM LEPRA, QUE TEM UMA GRANDE CAPACIDADE DE INFECTAR UM GRANDE NÚMERO DE INDIVÍDUOS (ALTA INFECCIOSIDADE). NAS CRIANÇAS, A FAIXA ETÁRIA MAIS ACOMETIDA VARIA DOS 10 AOS 15 ANOS.
No entanto, poucas crianças adoecem (baixa patogenicidade), o que se deve não só às suas características intrínsecas, mas depende, sobretudo, da sua relação com o hospedeiro e o grau de endemicidade do meio, entre outros aspectos.
O domicílio é apontado como um importante espaço de transmissão da doença, embora ainda existam lacunas de conhecimento quanto aos prováveis factores de risco implicados, especialmente aqueles relacionados ao ambiente social.
A Hanseníase é altamente incapacitante, independentemente da idade, pelo poder imunogénico do M. leprae. Esta incapacidade deve-se às suas manifestações clínicas, tais como:
• Manchas esbranquiçadas, avermelhadas ou acastanhadas em qualquer parte do corpo, com perda ou alteração de sensibilidade;
• Área de pele seca e com falta de suor;
• Área da pele com queda de pêlos, especialmente nas sobrancelhas;
• Área da pele com perda ou ausência de sensibilidade ao calor, dor e tacto (a pessoa queima-se ou magoa-se sem perceber);
• Sensação de formigueiro (parestesias);
• Dor e sensação de choque;
• Fisgadas e agulhadas ao longo dos nervos dos braços e das pernas;
• Inchaço das mãos e pés;
• Diminuição da força dos músculos das mãos, pés e face, devido à inflamação dos nervos, que, nesses casos, podem estar engrossados e doloridos;
• Úlceras nas pernas e pés;
• Caroços (nódulos) no corpo, nalguns casos, avermelhados e dolorosos;
• Febre;
• Edemas e dor nas juntas;
• Entupimento, sangramento, ferida e ressecamento do nariz;
• Ressecamento nos olhos.
Os locais do corpo com maior predisposição para o surgimento das manchas são as mãos, os pés, a face, as costas, as nádegas e as pernas. Mas importa saber que, nalguns casos, a Hanseníase pode ocorrer sem manchas.
As bactérias atacam as terminações nervosas e destroem a capacidade do corpo de sentir dor e ferimentos. Sem sentir dor, as pessoas não percebem quando se magoam e as suas lesões
24 SAÚDE
ENTREVISTA PERSPECTIVA
Dra. Edna de Alegria Fisioterapeuta Especialista em Fisioterapia Neurofuncional
são frequentemente graves e podem infectar. As alterações na pele também deixam o paciente susceptível a úlceras, que, se não tratadas, podem causar danos adicionais, feridas e desfigurações visíveis no rosto e nos membros. Se o nervo facial for afectado, isso pode interferir com a capacidade de uma pessoa piscar os olhos, o que eventualmente pode causar cegueira.
O tratamento, além de medicamentoso, sendo adequado conforme a idade, pela grande incapacidade que pode acometer os pacientes, deve ser interdisciplinar, prestado por uma equipa de saúde, onde realçamos a importância da Fisioterapia. Por ser a especialidade de saúde que visa prevenir, diagnosticar e reabilitar qualquer disfunção que acomete o indivíduo, é de suma importância para devolver a funcionalidade e independência física destes pacientes, assim como promover a qualidade de vida dos mesmos.
Dentro da Fisioterapia, o Fisioterapeuta Neurofuncional é o especialista que deve lidar com estes pacientes, pois tem todas as ferramentas técnicas e teóricas para tal.
O acompanhamento pela Fisioterapia deve começar logo que fechado o diagnóstico, tendo ou não limitações instauradas, para que se faça a prevenção do aparecimento das mesmas, se necessário, e continua até terminar o tratamento medicamentoso, para adaptar as sequelas, quando existentes.
O atendimento em Fisioterapia Neurofuncional na criança deve respeitar cada fase do seu desenvolvimento neuromotor, visando não só tratar, mas também potencializar o alcance dos marcos de desenvolvimento, que podem ser afectados pela doença. Por exemplo, a manipulação de objectos, virar, gatinhar, ficar em pé e andar são algumas das habilidades funcionais que podem ser prejudicadas pela alteração de sensibilidade e pela presença de feridas que podem, inclusive, causar a amputação patológica das extremidades. O Fisioterapeuta pode prevenir, reverter e, quando assim não for possível, adaptar essa criança para a execução destas habilidades e devolvê-la ao convívio social e à inclusão. No nosso meio, infelizmente, esta não é uma realidade, pela falta de conhecimento das valências e áreas de actuação da Fisioterapia, pela escassez de Fisioterapeutas especialistas e generalistas e pela escassez de centros de reabilitação. Daí a importância deste tipo de publicação, para informar sobre saúde, as suas vertentes e possibilidades, permitindo, assim, que novos horizontes possam ser trilhados rumo à melhoria da prestação dos serviços de saúde no nosso país e para a nossa população.
25 SAÚDE
HANSENÍASE OCULAR
A HANSENÍASE, NO DECORRER DA SUA EVOLUÇÃO, COMPROMETE DIVERSOS SEGMENTOS DO CORPO, TAIS COMO A PELE, A MUCOSA, OS NERVOS PERIFÉRICOS E, FREQUENTEMENTE, OUTROS ÓRGÃOS, QUER POR ACÇÃO DIRECTA DO BACILO OU INDIRECTAMENTE, POR PROCESSOS REACCIONAIS. O APARELHO VISUAL PODE SER AFECTADO EM AMBAS AS SITUAÇÕES.
Licenciado em Optometria e Ciências da Visão pela Universidade do Minho, Portugal. Pósgraduado em Avaliação Optométrica Pré e Pós Cirúrgica pela Universidade de Valência, Espanha. Founder & CEO da Óptica Optioptika
Os comprometimentos neurológicos são mais frequentes nos membros superiores e inferiores, acarretando perdas severas da sensibilidade e deficiências motoras, o que priva o paciente de um dos mais importantes mecanismos de defesa do organismo, que é a capacidade de sentir dor, exigindo um maior uso da visão para se proteger contra possíveis acidentes, tais como queimaduras e outros traumatismos.
Vários pesquisadores têm demonstrado, no decorrer dos anos, a grande incidência de comprometimentos oculares na Hanseníase, tais como a diminuição da sensibilidade da córnea, nódulos esclerais, lagoftalmo, uveíte e, até, cegueira.
Alterações oculares
As complicações oculares da Hanseníase são responsáveis por alguns dos aspectos mais dramáticos da doença. A perda da visão, somada ao défice da sensibilidade táctil, impõe uma carga adicional ao paciente, pois, além de o incapacitar e o isolar, rouba-lhe a independência, a capacidade de cuidar de si próprio e de se auto-sustentar.
A frequência e a gravidade dessas manifestações oculares dependem de vários factores, como a forma clínica, o tempo de evolução da doença e, principalmente, a atenção prestada pelo sistema de saúde e respectivos profissionais. Existem, provavelmente, entre 800 mil a um milhão de pacientes em todo o mundo com défice visual grave, ou mesmo que já perderam a visão, por lesões sugestivas de Hanseníase, mas as estimativas são difíceis, porque nem todos os estudos são consistentes ou facilmente comparáveis e, em
26 SAÚDE
Dr. Djalme Fonseca
ENTREVISTA RUBRICA OCULAR
muitos países (principalmente em vias de desenvolvimento), os dados não existem, são insuficientes ou incorrectos. Evidências mostram ainda que a prevalência da cegueira em pacientes hansenianos, além dos intrínsecos da doença, também é influenciada por outros factores, como o critério de definição de cegueira, natureza da amostragem, diferenças na metodologia de exames, variação do percentual de formas clínicas nas várias pesquisas, que são determinantes para as diferenças dos diversos índices de cegueira encontrados na literatura. A cegueira entre os hansenianos é uma condição multi causal e pode ser determinada pelos seguintes processos, de entre outros:
• Iridociclite insidiosa crónica, devida à destruição do corpo ciliar pelo M. leprae, que leva a uma falência progressiva da fisiologia ocular, resultando em catarata complicada e fitose bulbar;
• Casos negligenciados de lagoftalmo pelo envolvimento do VII par, que pode, ou não, estar associado à anestesia da córnea pelo
envolvimento do ramo oftálmico do V par. Essa combinação causa a exposição da córnea e queratite neuroparalítica, com risco de perfuração do olho por infecções secundárias;
• Queratite hansénica, capaz de causar lesões substanciais da córnea com interferência na visão;
• Em grupo menor, a cegueira pode ser devida à iridociclite plástica aguda, com ou sem aumento secundário da pressão intraocular, geralmente na vigência de estados reaccionais;
• Num grupo menor ainda, a cegueira pode ser causada pela interferência de outras doenças, como catarata e glaucoma de ângulo aberto.
Mecanismos de comprometimento ocular
São vários os mecanismos reconhecidos como responsáveis pelo envolvimento ocular na Hanseníase:
• Exposição e anestesia:
O dano no VII par craniano (facial) é comum na doença, afectando particularmente os ramos occipitotemporal e zigomático, produzindo paralisia selectiva no músculo orbicular. As fibras mais superficiais dos músculos são as mais comprometidas. Isso acontece em qualquer das formas clínicas da doença, porém, é mais comum em associação com lesões tuberculoides da face, especialmente durante reacções do tipo I e na forma Virchoviana (LL) não tratada, de longa duração. A invasão bacilar dos músculos superficiais da face pode contribuir para a perda do tónus observado na forma LL, resultando em lagoftalmo com limitação do fechamento das pálpebras com ressecamento da córnea e conjuntiva, torna-as mais susceptíveis aos traumatismos e infecção secundária. Na maioria dos pacientes, o mecanismo de defesa da córnea (fenómeno de Bell), no qual o globo ocular, comummente roda para cima durante o sono ou quando o paciente tenta fechar os olhos, compensa a incapacidade do fechamento das pálpebras. As reacções nas lesões tuberculoides da face podem resultar em retracção do tarso, com instalação de entrópio e triquíase, que, na presença de anestesia, constituem agravos significativos para a córnea.
A anestesia da córnea e da conjuntiva é consequência da lesão do ramo oftálmico do V par craniano (trigémeo) que ocorre quando uma lesão tuberculoide envolve o olho ou quando há invasão bacilar dos nervos cranianos.
A anestesia profunda leva à perda do pestanejar, propiciando ulceração da córnea que, se não for tratada prontamente, perfura, levando a cegueira. O mecanismo produtor do afrouxamento da pálpebra inferior pode dever-se à pressão desigual sobre o tarso, em consequência da fibrose e encurtamento das fibras superficiais do orbicular, passando as fibras profundas a exercer maior força sobre o tarso, invertendo a pálpebra, que aumenta a exposição. Uma explicação alternativa é a atonia do orbicular provocada pela paralisia selectiva do facial. Os pontos lacrimais não tocam mais na conjuntiva e a lágrima flui pela borda palpebral – epífora.
A ulceração da córnea pode inicialmente ser superficial e só ser detectável com o exame biomicroscópico e, no caso de úlceras anestésicas, pelo lacrimejar e reacção da conjuntiva. As úlceras podem cicatrizar-se,
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produzindo leucoma e, desse modo, interferir com a visão. Restos inflamatórios coleccionam-se na câmara anterior com formação de precipitados queráticos, “flare” e células no aquoso, hipópio, com embaçamento da visão e formação posterior de sinequias. Descontrolada, a infecção invade e cega de forma inexorável. A infecção do saco lacrimal (dacriocistite) é fonte constante de perigo para o olho. Em virtude das lesões nasais da doença, especialmente as periostites e atrofia dos ossos nasais, a obstrução do ducto nasolacrimal pode levar à dacriocistite, considerando a alta intensidade da infecção nasal.
• Invasão bacilar
Nas formas multibacilares, o olho é invadido pelo bacilo, através da corrente sanguínea, resultando, quase sempre, no comprometimento bilateral com formação de nódulos conjuntivais e, subsequentemente, comprometimento da córnea e úvea anterior. Os bacilos multiplicam-se no corpo ciliar, tornando essa estrutura, juntamente com a íris, bastante vulneráveis às reacções inflamatórias - iridociclites. Essas complicações são consideradas a causa mais grave de cegueira entre os doentes com Hanseníase.
As primeiras manifestações clínicas da invasão bacilar da córnea são as queratites puntatas: pequenas opacidades esbranquiçadas que podem coalescer, comprometendo a transparência da membrana de Bowmann com formação posterior de pannus.
Na íris, a formação de nódulos pode constituir o único sinal visível da invasão do bacilo no trato uveal, indicando o envolvimento de todo o segmento anterior, permanecendo o quadro assintomático até que se instalem estados reaccionais.
• Hipersensibilidade
Os tecidos oculares podem ser sítios de reacções imunológicas durante a evolução da Hanseníase e podem ser lesados na presença ou na ausência de bacilos, especialmente o corpo ciliar e a íris, o que resulta na manifestação que, segundo a maioria dos autores, é a mais grave que leva à cegueira - iridociclite aguda. O quadro inclui dor, fotofobia com lacrimejamento, turvação da visão, injecção perilímbica, seclusão pupilar e turvação do aquoso com exsudato inflamatório (células e proteínas) e pode evoluir para formas subagudas ou crónicas.
Às vezes, a túnica externa constitui sítio de reacção, ocorrendo hiperemia e dor, visível através da conjuntiva - episclerite. A inflamação crónica do tecido escleral adelgaçado permite a herniação do tecido uveal - estafiloma.
No processo da iridociclite, podem ocorrer sinequias anteriores e posteriores, que podem obstruir o fluxo do aquoso através da pupila,
levando a um glaucoma secundário. As goniossinequias dificultam a saída do aquoso através do canal de Schlemm, podendo esses processos levar a um glaucoma. Trata-se de uma complicação frequente da iridiociclite recorrente. Por outro lado, uma neuropatia precoce do sistema nervoso autónomo pode comprometer o controlo adrenérgico no local do eixo corpo ciliar, malha trabecular, justificando a incidência aumentada de hipotensão ocular entre os doentes com Hanseníase.
Conclusão
Actualmente, é extremamente reduzido o número de serviços de saúde onde a avaliação ocular faz parte da rotina de controlo dos pacientes portadores de Hanseníase. Assim, recomenda-se que todas as equipas de saúde estejam atentas a complicações oculares e sistémicas causadas pela Hanseníase. Desta forma, existe a necessidade e orientação de todos os pacientes portadores de Hanseníase, com ou sem queixas oculares, serem avaliados rotineiramente:
• na ocasião do diagnóstico;
• durante o tratamento e regularmente num intervalo mínimo de um ano;
• na ocasião da alta;
• ao sentir alterações no aparelho visual; durante o período de tratamento e após a alta;
• orientação ao paciente desde o início da doença sobre sinais e sintomas das afecções oculares e seus respectivos cuidados.
Com vontade política das autoridades sanitárias, a qualidade dos cuidados dos olhos dos pacientes com Hanseníase pode melhorar muito, prevenindo-se a cegueira de forma efectiva, pois, lamentavelmente, esses pacientes, antes de perderem a visão, já perderam o sentido substituto – o tacto.
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ÓLEO DE CHAULMOOGRA
AS PLANTAS CONHECIDAS PELA DESIGNAÇÃO DE CHAULMOOGRAS PERTENCEM À FAMÍLIA DAS FLACOURTIÁCEAS E OS SEUS ÓLEOS CONTÊM OS ÁCIDOS HIDNOCÁRPICO E CHAULMÚGRICO, RESPONSÁVEIS PELA ACÇÃO TERAPÊUTICA NOS CASOS DE LEPRA. ESSAS PLANTAS TROPICAIS SÃO ANGIOSPERMAS (POSSUEM FLORES E FRUTOS) E CRESCEM, NORMALMENTE, ATÉ À ALTURA DE UM ARBUSTO OU ÁRVORE MEDIANA. OS GÉNEROS DESSA FAMÍLIA, CONHECIDOS COMO CHAULMOOGRAS, SÃO HYDNOCARPUS, CARPOTROCHE, CALONCOBA, ONCOBA, LINDACKERIA E MAYNA, ESTES DOIS ÚLTIMOS, POUCO EMPREGADOS NO TRATAMENTO DA LEPRA.
Ogénero Hydnocarpus corresponde à maior parte das espécies das Chaulmoogras e inclui as espécies que possuíam maior valor no tratamento da Lepra. Entre elas, as mais utilizadas foram a H. anthelmintica, a H. laurifolia (H. wightiana) e a H. kurzii (Takaktogenos kurzii), que foram aclimatadas em diversas regiões. A espécie H. kurzii (Takaktogenos kurzii) era considerada por vários especialistas a legítima Chaulmoogra. O óleo extraído das sementes de H. laurifolia (H. wightiana) era o mais usado na Índia e foi considerado o sucedâneo do óleo extraído da Takaktogenos kurzii (Possolo, 1945). Quando o uso do Óleo de Chaulmoogra para o tratamento de doenças de pele se tornou conhecido entre os cientistas e médicos ocidentais, a acção terapêutica deste passou a ser verificada nos laboratórios e clínicas, dando início ao processo que culminou na sua integração nas normas impostas pela terapêutica de estilo ocidental. A transformação de um elemento não reconhecido pela medicina científica como possuidor de qualidades terapêuticas,num medicamento pressupôs o seu isolamento do contexto histórico e social em que foi observado inicialmente. A partir de então, passou a ser construída uma nova rede de conhecimentos, articulada socialmente no novo contexto em que este elemento estava situado e tecnicamente no conjunto de práticas e saberes que configuravam a ciência médica. Isso quer dizer que a Chaulmoogra, para ser reconhecida como um medicamento passível de ser prescrito pela
medicina ocidental, deveria ser avaliada dentro do padrão científico vigente na época, sendo, assim, dissociada da sua rede tradicional de saberes, a qual incluía tanto as práticas intrínsecas ao sistema médico indiano, quanto as matrizes culturais e sociais que o envolviam. A sua assimilação somente se concluiu na medida em que foi construída uma nova rede calcada nos valores ocidentais, a qual veio respaldar o conhecimento referente ao seu uso. A construção dessa rede iniciou-se por volta da metade do século XIX, quando o médico inglês Frederic John Mouat publicou um artigo, na Indian Annals of Medical Science (citado
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ENTREVISTA NATUREZA
em Parascandola, 2003), onde descreve o bemsucedido tratamento de um caso clássico “da pior forma de lepra” com aplicações externas de Óleo de Chaulmoogra. Ele apontava, então, que o óleo e o seu uso cutâneo teriam sido descritos, pela primeira vez, em 1815, pelo cirurgião e naturalista William Roxburgh, sob o nome botânico equivocado de Chaulmoogra odorata (Parascandola, 2003). Ao longo de todo o século, acreditou-se que a Gynocardia era a fonte das sementes usadas para produzir o Óleo de Chaulmoogra, que já podia ser encontrado no Ocidente.
Mas, em 1901, sir David Prain pesquisou as sementes de Chaulmoogra disponíveis tanto no Bazar de Calcutá quanto nos mercados de Londres e de Paris, como provenientes da árvore Taraktogenos kurzii, a qual é natural das paisagens de Burma e do nordeste da Índia (Parascandola, 2003). Esse facto veio a ser confirmado por Frederick B. Power, director dos Wellcome Chemical Research Laboratories, que decidira fazer uma investigação completa das sementes frescas de Chaulmoogra obtidas num mercado londrino, tendo, então, confirmado sua procedência da espécie Taraktogenos kurzii (Parascandola, 2003). Ele observou que as sementes da planta indicada por Roxburgh não apresentavam actividade óptica e não possuíam os ácidos hidnocárpico e chaulmúgrico, duas das principais características do grupo das Chaulmoogras. Assim, passou-se a considerar a Gynocardia odorata como “falso chaulmoogra”, chegando-se à conclusão de que o óleo utilizado no Ocidente provinha das plantas do género Hydnocarpus (principalmente, a Hydnocarpus kurzii).
Esse processo, sucintamente descrito, marca o
desenvolvimento de um novo conhecimento pela medicina ocidental, o qual tinha como principal pressuposto a existência de uma acção terapêutica no Óleo de Chaulmoogra capaz de combater a Lepra, grave problema de saúde pública em todo o mundo, naquele momento. O saber indiano foi, dessa forma, modificado pelos médicos e pesquisadores, de acordo com os interesses e necessidades presentes nos contextos técnico e social do período, mediado, ainda, pela tecnologia e pelas formas de pensar as práticas terapêuticas científicas naquele momento. Os tratamentos por meio do Óleo de Chaulmoogra, desenvolvidos pelos cientistas ocidentais naquele período, estavam apenas associados à Lepra, pois não houve esforços para a produção de medicamentos à base de Chaulmoogra para o tratamento, por exemplo, da tuberculose (que possui um bacilo semelhante ao da Lepra), nem de outras doenças de pele.
Em relação à comercialização internacional de Óleo de Chaulmoogra e seus derivados, percebemos que o tratamento não apenas modificou-se, ao longo do tempo, mas também sofreu variações. Em 1925, o Laboratório de Leprologia, sob a chefia de Souza Araújo, fazia trabalhos científicos sobre o Óleo de Chaulmoogra e seus derivados. Os medicamentos produzidos eram experimentados em pacientes e distribuídos gratuitamente.
No relatório de actividades do IOC de 1926, o célebre cientista Carlos Chagas informava que a instituição havia produzido quase 23 mil doses de ésteres de Óleo de Chaulmoogra.
Na mesma época, o IOC começava a preparar e testar o óleo de Carpotroche brasiliensis, espécie considerada a chaulmoogra brasileira. Entretanto, “os esforços de pesquisa envidados no sentido de aperfeiçoar o tratamento da Lepra, utilizando-se os derivados das Chaulmoogras, não foram suficientes para construir a sua aceitação inequívoca entre os médicos”, destacam os autores no artigo. “Os efeitos colaterais desse tipo de terapêutica criavam muitos problemas.
Além disso, era um tratamento muito longo e com uma efectividade questionável, pois não havia consenso acerca das reais possibilidades de cura. Muitos médicos e pesquisadores consideravam os derivados de Chaulmoogra apenas como medicamentos paliativos”, acrescentam.
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PICO DE TENSÃO ENTRE CRISE DO CUSTO DE VIDA E ACÇÃO SUSTENTÁVELCLIMÁTICA
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ENTREVISTA ANÁLISE
CONFLITOS E CONFRONTOS GEOECONÓMICOS DESENCADEARAM UM CONJUNTO DE RISCOS GLOBAIS PROFUNDAMENTE INTERLIGADOS, DE ACORDO COM O “GLOBAL RISKS REPORT 2023” DO FÓRUM ECONÓMICO MUNDIAL. ESTES RISCOS INCLUEM CRISES DE ABASTECIMENTO DE ENERGIA E DE ALIMENTOS, QUE DEVERÃO PERSISTIR NOS PRÓXIMOS DOIS ANOS, E FORTES AUMENTOS DO CUSTO DE VIDA E DO SERVIÇO DA DÍVIDA. SIMULTANEAMENTE, ESTAS CRISES ARRISCAM-SE A MINAR OS ESFORÇOS PARA ENFRENTAR OS RISCOS A LONGO PRAZO, NOMEADAMENTE, OS RELACIONADOS COM AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS, A BIODIVERSIDADE E O INVESTIMENTO EM CAPITAL HUMANO. O RELATÓRIO DEFENDE QUE A JANELA DE ACÇÃO SOBRE AS AMEAÇAS MAIS GRAVES, A LONGO PRAZO, ESTÁ A FECHAR-SE RÁPIDA E CONCERTADAMENTE, SENDO NECESSÁRIA UMA ACÇÃO COLECTIVA, ANTES QUE OS RISCOS ATINJAM UM PONTO DE RUPTURA.
Realizado em parceria com a Marsh McLennan e o Zurich Insurance Group, o relatório tem por base as opiniões de mais de 1.200 especialistas globais em riscos, decisores políticos e líderes empresariais. Ao longo de três períodos de tempo, apresenta um quadro do panorama global de riscos que é, simultaneamente, novo e familiar, uma vez que o mundo enfrenta muitos riscos préexistentes, que anteriormente pareciam estar a diminuir.
Actualmente, a pandemia e a guerra na Europa trouxeram de volta as crises energéticas, inflaccionistas, alimentares e de segurança. Estas crises criam riscos subsequentes que irão dominar os próximos dois anos: risco de recessão, crescente sobreendividamento, crise do custo de vida, sociedades polarizadas devido à desinformação e à máinformação, hiato na rápida acção climática e uma guerra geoeconómica de tudo ou nada.
Riscos
A menos que o mundo comece a cooperar mais eficazmente na mitigação e adaptação das alterações climáticas, nos próximos 10 anos, assistiremos ao aquecimento global contínuo e à degradação ambiental. A falha na mitigação e adaptação das alterações climáticas, as catástrofes naturais, a perda de biodiversidade e a degradação ambiental representam cinco dos 10 maiores riscos, sendo a perda de biodiversidade vista como um dos riscos globais que mais rapidamente se deteriorará, durante a próxima década.
Em paralelo, as lideranças orientadas para crises e os confrontos geopolíticos correm o risco de criar uma agitação social a um nível sem precedentes, à medida que os investimentos em saúde, educação e desenvolvimento económico desaparecem, corroendo, ainda mais, a coesão social. Finalmente, as rivalidades crescentes não só correm o risco de aumentar o armamento geoeconómico, como também de remilitarização, principalmente através de novas tecnologias e de agentes desonestos. Os próximos anos irão apresentar duras contrapartidas para os governos, quando enfrentarem interesses conflituantes para a sociedade, o ambiente e a segurança. Os riscos geoeconómicos, a curto prazo, já estão a pôr à prova os compromissos “net-zero” e expuseram um fosso entre o que é cientificamente necessário e o que é politicamente aceitável. “É necessária uma acção colectiva dramaticamente acelerada sobre a crise climática, para limitar as consequências de um mundo em aquecimento. Entretanto, as considerações de segurança e as crescentes despesas militares podem deixar menos margem fiscal para amortecer os impactos de uma crise prolongada do custo de vida. Sem uma mudança de trajectória, os países vulneráveis podem atingir
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um estado de crise perpétuo e ser incapazes de investir no crescimento futuro, no desenvolvimento humano e nas tecnologias verdes”, indica o relatório.
Acção colectiva
O Fórum Económico Mundial apela aos líderes para agirem colectiva e decisivamente, equilibrando visões a curto e longo prazo. Para além da necessidade de uma acção climática urgente e coordenada, o relatório recomenda que exista um esforço conjunto entre países, bem como uma cooperação público-privada para reforçar a estabilidade financeira, a governação tecnológica, o desenvolvimento económico e o investimento na investigação, ciência, educação e saúde.
“O cenário de risco, a curto prazo, é dominado pela energia, alimentação, dívida e catástrofes. Aqueles que são já mais vulneráveis estão a sofrer – e face a múltiplas crises, aqueles que se qualificam como vulneráveis estão em rápida expansão, tanto nos países ricos como nos pobres. O desenvolvimento climático e humano deve estar no centro das preocupações dos líderes globais, mesmo quando lutam contra as crises actuais. A cooperação é o único caminho a seguir”, afirma Saadia Zahidi, Managing Director do Fórum Económico Mundial.
John Scott, Head of Sustainability Risk do Zurich Insurance Group, afirma que a interacção entre os impactos das alterações climáticas, perda de biodiversidade, segurança alimentar e consumo
Top 10 riscos a 2 anos
1. Crise do custo de vida
2. Catástrofes naturais e eventos climáticos extremos
3. Confronto geoeconómico
4. Falha na mitigação das alterações climáticas
5. Erosão da coesão social e polarização da sociedade
6. Incidentes com danos ambientais em larga escala
7. Fracasso na adaptação às alterações climáticas
8. Cibercrime generalizado e insegurança cibernética
9. Crises de recursos naturais
10. Migração involuntária em larga escala
Top 10 riscos a 10 anos
1. Falha na mitigação das alterações climáticas
2. Fracasso na adaptação às alterações climáticas
3. Catástrofes naturais e eventos climáticos extremos
4. Perda de biodiversidade e colapso dos ecossistemas
5. Migração involuntária em larga escala
6. Crises de recursos naturais
7. Erosão da coesão social e polarização da sociedade
8. Cibercrime generalizado e insegurança cibernética
9. Confronto geoeconómico
10. Incidentes com danos ambientais em larga escala
de recursos naturais é um cocktail perigoso. “Sem mudanças políticas ou investimentos significativos, esta mistura acelerará o colapso dos ecossistemas, ameaçará o abastecimento alimentar, amplificará os impactos das catástrofes naturais e limitará mais progressos na mitigação das alterações climáticas. Se acelerarmos a acção, existe ainda uma oportunidade, até ao final da década, de atingir uma trajectória de 1,5º C de temperatura e fazer face à emergência da natureza. Os recentes progressos na implementação de tecnologias de energias renováveis e veículos eléctricos dão-nos boas razões para sermos optimistas”
Por sua vez, Carolina Klint, Risk Management Leader da Marsh Europe, defende que 2023 deverá ser marcado pelo aumento dos riscos relacionados com a alimentação, energia, matérias-primas e cibersegurança, causando mais perturbações nas cadeias de abastecimento globais e impactando as decisões de investimento. “Numa altura em que os países e as organizações deveriam intensificar os seus esforços de resiliência, os ventos económicos contrários limitarão a sua capacidade de o fazer. Enfrentando as condições geoeconómicas mais difíceis numa geração, as empresas devem focar-se não só nas preocupações a curto prazo, mas também no desenvolvimento de estratégias que as posicionem devidamente para os riscos a longo prazo e mudanças estruturais”
Poli-crise
O Global Risks Report é um pilar da Global Risks Initiative do Fórum Económico Mundial, que trabalha para promover uma maior compreensão comum dos riscos globais, a curto, médio e longo prazo, a fim de permitir a aprendizagem sobre a preparação e a resiliência ao risco. O relatório deste ano também analisa como os riscos presentes e futuros podem interagir uns com os outros para criar uma “poli-crise”, um “cluster” de riscos globais relacionados, com impactos compostos e consequências imprevisíveis. O relatório explora a rivalidade dos recursos, um “cluster” potencial de riscos ambientais, geopolíticos e socioeconómicos interligados, relacionados com a oferta e procura de recursos naturais, incluindo alimentos, água e energia.
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MAIOR FLEXIBILIDADE E
LIBERDADE
MOVIMENTOS A SUA A JUDA NA S C AMINHADA S DO DIA A DIA advancisp Advancis® Jointrix Ultra, Advancis® Jointrix Plus e Advancis® Jointrix SOS são suplementos alimentares Não substituem um regime alimentar variado e equilibrado e um modo de vida saudável A vitamina C contribui para a normal formação de colagénio para funcionamento normal dos ossos e das car tilagens O manganês contribui para a manutenção de ossos normais e também para a normal formação de tecidos conjuntivos Uma dose diária de Advancis® Jointrix Advancis® Jointrix Active Gel é um Dispositivo Médico Antes de utilizar leia cuidadosamente a rotulagem e as instruções de utilização Não deve ser usado em crianças com idade inferior a 6 anos em grávidas ou a amamentar Não deve DISPOSI T I VO MÉDI CO MF22/AD V JT/3/1 03/22 BE M- E S TA R DOS OSSOS E DA S A R T IC U L AÇÕE S
DE
AS ENERGIAS
RENOVÁVEIS SÃO PURAMENTE LIMPAS?
O MUNDO TEM CAMINHADO PARA UMA VERDADEIRA MUDANÇA ENERGÉTICA, TROCANDO OS COMBUSTÍVEIS
FÓSSEIS PELAS ENERGIAS RENOVÁVEIS, COM O OBJECTIVO DE PRESERVAR O AMBIENTE. MUITO SE FALA SOBRE AS VANTAGENS E BENEFÍCIOS AMBIENTAIS OFERECIDOS PELAS ENERGIAS RENOVÁVEIS, MAS SERÁ QUE SÃO 100% SUSTENTÁVEIS E ECOLÓGICAS?
Energia renovável (Goldemberg & Lucon 2006) é a energia proveniente de uma fonte natural inesgotável, quer seja pela imensa quantidade de energia que contém, ou pela capacidade de renovar-se de forma muito acelerada. De forma ideal, a energia limpa é considerada como toda a energia que não emite poluentes para a atmosfera, nem causa impactos negativos ao ambiente. Apesar disso, é comumente chamada de “energia limpa” aquela que evita lançar poluentes na atmosfera e que apresenta um impacto sobre a natureza somente no local da instalação. Enquanto os combustíveis fósseis emitem gás carbónico desde a sua extracção até à sua queima, a energia limpa não contribui de maneira significativa para a quantidade de carbono emitida, evitando, assim, o impacto no aquecimento global. Uma das principais razões das energias renováveis serem
consideradas limpas é o facto de não serem altamente poluentes, produzirem o mínimo impacto ambiental e não contribuírem fortemente para o aquecimento global. Além disso, algumas são de baixa manutenção, como a energia geotérmica, enquanto outras, como a energia eólica, apresentam baixo custo operacional (Colagrosi, 2019).
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ENTREVISTA RUBRICA AMBIENTAL
Por Eveline Patrícia Guilherme Clemente e Deborah Pérez Almada
Desafortunadamente, mesmo sendo consideradas limpas, se não forem obtidas de maneira responsável, estas energias podem apresentar graves problemas (Gerding2019). As tecnologias limpas requerem uma grande variedade de minerais, principalmente cobalto (Co), níquel (Ni), lítio (Li), alumínio (Al) e prata (Ag).
A procura desenfreada de minerais para energias renováveis poderia levar à mineração de recursos marginais ou não convencionais, que muitas vezes se encontram em locais mais remotos ou biodiversificados. Como consequência, o resultado seria explorar ainda mais as áreas ricas da natureza à procura desta mistura complexa de minerais.
Alguns países, como Quénia, Nigéria e Gana, acreditam que esta exploração em larga escala de florestas, trabalho escravo e destruição ecológica seria necessária para alimentar o nosso sonho de parar de depender de combustíveis fósseis. Esta preocupação, por parte do mundo, em alcançar uma determinada meta ecológica faz esquecer que os fins não devem justificar os meios.
é considerado um material essencial para baterias recarregáveis e a sua extracção desenfreada, como acontece na República Democrática do Congo, tem um impacto negativo para o ambiente (Wilson Pereira Barbosa Filho, 2021.)
Impactos negativos na exploração da energia de biomassa
A geração de energia a partir da biomassa emite gases poluentes e de efeito estufa, tal como o dióxido de carbono (CO2). No entanto, fontes de biomassa, como plantações agrícolas e árvores, também capturam dióxido de carbono durante o processo de fotossíntese e sequestram esse dióxido de carbono emitido durante a geração de energia.
Apesar disso, se a queima de árvores ocorrer num ritmo mais rápido do que o cultivo, não existirá o equilíbrio no ciclo do carbono. É importante realçar também que a biomassa não tem apenas origem vegetal, ela pode ser de origem animal ou de resíduos urbanos e industriais, não podendo, desta forma, compensar a emissão de dióxido de carbono (Andersen & Pedersen, 2021).
Além do dióxido de carbono, a queima da biomassa emite também monóxido de carbono (CO), compostos orgânicos voláteis e óxidos de nitrogénio (NOx). Pode causar o desmatamento e, consequentemente, a perda de habitat, a erosão do solo e a destruição de belezas naturais, quando explorada inadequadamente, e agravar as condições de seca, impactar os habitats aquáticos e a quantidade de água disponível para outras finalidades, uma vez que, para o cultivo de plantas, há a necessidade de muita água para a irrigação (Mbugua, 2018).
Impactos negativos na produção de energia solar
As instalações solares fotovoltaicas, apesar de utilizarem uma fonte de energia limpa – o sol -, não estão isentas de impactos ambientais. A utilização do silício (Si), elemento responsável pela conversão de radiação solar em electricidade, provoca poluição da água pela mineração, emissão de poeiras e gases devido a perfuração de rochas, emissão de pó sílica formado como um subproduto do processo de fundição, emissão de Hexafluoreto de Enxofre (SF6), um potente gás de efeito estufa e chuva ácida.
Durante a construção e operação da usina solar fotovoltaica, ocorre a perda de habitat de reprodução e alimentação, a degradação da área afectada pela terraplenagem e retirada da cobertura vegetal, além da possível alteração do nível do lençol freático. O cobalto
Referências bibliográficas:
Portanto, as energias renováveis não são puramente limpas e a magnitude do seu impacto ambiental é considerada pouco significativa, comparativamente a outras fontes de energia como o petróleo. O avanço em pesquisa tem permitido a implementação de tecnologias cada vez menos poluentes, para que todo ciclo técnico de produção de energia seja cada vez mais limpo e sustentável. Por outro lado, a adopção de escolhas mais cuidadosas e o desenvolvimento de políticas mais sustentáveis podem ajudar a garantir que os investimentos futuros em bioenergia sejam mais ecologicamente correctos. Isto significa que é necessário destacar que, à medida que aumentamos as tecnologias de energia renovável na prossecução dos nossos objectivos climáticos necessariamente ambiciosos, não podemos esquecer de proteger a saúde comunitária, a água, os direitos humanos e o ambiente.
Andersen, O., & Pedersen, R. (2021). Renewable energy in Africa is about more than climate change | DIIS. https://www.diis.dk/en/research/renewable-energy-in-africa-is-about-more-than-climate-change
Colagrosi, M. (2019). The dirty side of renewable energy – Big Think. https://bigthink.com/hard-science/renewable-energy-dirty-mining/#rebelltitem1
Gerding, J. (2019). RDC: O impacto silencioso da exploração de cobalto | Internacional – Alemanha, Europa, África | DW | 28.06.2019. https://www.dw.com/pt-002/rdc-o-impacto-silencioso-daexplora%C3%A7%C3%A3o-de-cobalto/a-49405234
GOLDEMBERG, J., & LUCON, O. (2006). Vista do Energias renováveis: um futuro sustentável. https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13564/15382
Mbugua, S. (2018). Can Africa develop on green power? | Environment | All topics from climate change to conservation | DW | 28.09.2018. https://www.dw.com/en/can-africa-develop-on-green-power/a-45648419 Wilson Pereira Barbosa Filho. (n.d.). Techoje – Impactos Ambientais em Usinas Solares Fotovoltaicas. Retrieved October 6, 2022, from http://techoje.com.br/site/techoje/categoria/detalhe_artigo/1862
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Exemplos de impactos negativos causados pela exploração de minerais das energias renováveis
TRADUZIR AS LIÇÕES DA PANDEMIA EM MELHORES CUIDADOS DE SAÚDE
TENDÊNCIAS PARA O SECTOR EM 2023
A PANDEMIA DE COVID-19 MUDOU PERMANENTEMENTE OS CUIDADOS DE SAÚDE, DESDE A ACELERAÇÃO DA ADOPÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS E DE NOVOS MODELOS DE ENTREGA DE CUIDADOS AO MAIOR FOCO NA SUSTENTABILIDADE E NA RESILIÊNCIA. AO MESMO TEMPO, ACENTUOU OS DESAFIOS RELACIONADOS COM OS RECURSOS HUMANOS E AS DISPARIDADES GLOBAIS EM TERMOS DE IGUALDADE NO ACESSO À SAÚDE. COM MAIS DE 70% DA POPULAÇÃO MUNDIAL A TER RECEBIDO, PELO MENOS, UMA DOSE DA VACINA CONTRA A COVID-19, O SECTOR ENFRENTA AGORA QUESTÕES CRÍTICAS QUE MOLDARÃO O SEU FUTURO. EIS AS TENDÊNCIAS QUE IRÃO INFLUENCIAR 2023, DE ACORDO COM A CONSULTORA DELOITTE.
TENDÊNCIAS
Este ano, os prestadores de cuidados de saúde, outras partes interessadas do sector, os governos e os reguladores deverão questionar-se sobre como podem:
• Traduzir as lições sobre digitalização aprendidas durante a pandemia na melhoria do tratamento e dos cuidados prestados aos pacientes;
• Alavancar a tecnologia para reduzir custos e ir ao encontro das exigências dos profissionais de saúde, ao mesmo tempo que se melhoram os cuidados prestados;
• Reduzir a pegada de carbono e, assim, ajudar a mitigar algumas das ameaças ambientais à saúde pública;
• Aliviar a pressão sobre recursos humanos cada vez mais stressados, reformulando o âmbito das necessidades laborais;
• Preparar melhor as instalações, as cadeias de abastecimento e as parcerias para enfrentar futuras pandemias, outros eventos de saúde pública ou desastres naturais.
A Covid-19 não desapareceu, mas os profissionais de saúde pública estão cada vez mais optimistas de que está a tornar-se endémica, o que significa que, apesar do vírus ainda estar presente, está a tornar-se mais previsível e gerível, tal como a gripe sazonal. Apesar de, no final de 2022, várias centenas de milhar de novas infecções terem sido reportadas diariamente em todo o mundo, as novas vacinas reduziram drasticamente o número de mortes. Durante o ano passado, nenhuma nova estirpe foi declarada como “variante de preocupação” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Isto não significa, contudo, que os “stakeholders” do sector da saúde não devam permanecer alerta, ágeis, flexíveis e preparados para eventuais picos de casos de Covid-19, assim como de outras doenças transmissíveis.
A pandemia ensinou os profissionais de saúde a adaptarem-se ao trabalho remoto, às consultas virtuais e à escassez de material médico, de recursos humanos e de serviços.
Na verdade, o impacto duradouro da Covid-19
poderá representar uma oportunidade para o sector da saúde se reinventar e capitalizar as tendências que estavam a emergir ainda antes da pandemia, como a mudança nas preferências dos consumidores, nos comportamentos dos pacientes e a rápida evolução da tecnologia. O sector também deverá continuar a explorar a inovação clínica e novos modelos de prestação de cuidados, alguns dos quais, como a telemedicina, usados com sucesso numa base generalizada durante a pandemia. Se o sector da saúde aproveitar estas oportunidades, poderá transformar a prestação de cuidados, a experiência do paciente e as formas de trabalho em hospitais e noutras instalações sanitárias e, ao mesmo tempo, reduzir as desigualdades no acesso à saúde. Nesta perspectiva de 2023, a consultora Deloitte revê cinco áreas-chave que serão cruciais para esta transformação.
Saúde virtual
A Covid-19 levantou novas preocupações sobre a sustentabilidade dos actuais modelos de cuidados de saúde, em particular, dos baseados em taxas de serviço, os quais a pandemia revelou a rapidez com que podem ficar sobrecarregados. Ao mesmo tempo, demonstrou como as interacções remotas podem melhorar os cuidados aos pacientes e reduzir os custos para os prestadores, tanto nos cuidados diários, como potencialmente durante uma nova crise sanitária. Mais importante ainda, a Covid-19 acelerou o interesse do sector e a aceitação do público da saúde virtual, em grande parte por necessidade. A saúde mental é um bom exemplo, com a pandemia a empurrar muitos tratamentos para uma configuração virtual, que acabou por colher a preferência de muitos pacientes.
O investimento neste novo futuro dos cuidados de saúde já se iniciou. De acordo com a Deloitte, os gastos com estas soluções terão aumentado 39%, em 2022. Mas, embora o apetite dos pacientes por estas ferramentas esteja a crescer, alguns profissionais de saúde não têm ainda a certeza de como melhor utilizar a tecnologia em ambiente clínico. Outros preocupam-se em poder perder a ligação humana, que é parte integrante da prestação de cuidados. Muito simplesmente, diz a Deloitte, “a saúde virtual tem o potencial de informar, personalizar, acelerar e aumentar a capacidade das pessoas de cuidarem umas das outras, mas só poderá ser eficaz se se mantiver o elemento humano na prestação de cuidados”
A prestação de cuidados de saúde virtuais vai além das videoconsultas. Os seus principais objectivos são expandir o acesso dos pacientes e dos profissionais a serviços de saúde críticos, melhorar os resultados clínicos e a coordenação dos cuidados, reduzir custos e incrementar a eficiência. A saúde virtual oferece também o
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potencial de proporcionar aos pacientes um melhor acesso a cuidados preventivos, que podem ajudar a impedir que fiquem, efectivamente, doentes.
Além destes aspectos, as soluções de saúde virtual têm ainda o potencial de abordar alguns dos maiores desafios que os cuidados de saúde enfrentam, hoje em dia, incluindo um acesso mais equitativo ao diagnóstico e tratamento para os grupos vulneráveis e um menor impacto ambiental, ao reduzir a necessidade de transportar pacientes para diferentes locais. Na Suíça, onde os cuidados domiciliários estão bem estabelecidos, os prestadores estão a elevar a fasquia, com o Hospital em Casa. Sob este modelo, os pacientes que normalmente teriam de ser hospitalizados recebem monitorização e supervisão 24 horas por dia, através de sensores e dispositivos “wearable”, comunicam com os médicos via telemedicina e, se necessário, as equipas de enfermagem especializadas fazem as visitas presenciais. Esta tecnologia pode também complementar o tratamento existente, ao oferecer aos pacientes, por exemplo, a opção de recuperarem em casa das grandes cirurgias. Todo o processo é realizado em colaboração com farmácias, seguradoras e outras partes interessadas.
Os sistemas de monitorização domiciliária também podem ajudar a aligeirar o crescimento da procura de cuidados de saúde por parte de uma população global cada vez mais envelhecida. Por exemplo, a ligação de “smartwatches” a sensores remotos e monitores poderia reduzir a ida aos serviços de urgência, melhorar a saúde mental dos doentes e a qualidade dos cuidados prestados. Como resultado, o mercado global de dispositivos de monitorização remota deverá crescer para mais de 101 mil milhões de dólares, em 2028, ou seja, 18,9% ao ano.
Os serviços de saúde mental estiveram na vanguarda da saúde virtual durante a pandemia. Hoje, proliferam as apps para ajudar a gerir condições como a ansiedade ou a depressão. Actualmente, estão disponíveis cerca de 20 mil aplicações de saúde mental. A Deloitte prevê que os gastos globais nestas aplicações, que aumentaram 32% nos primeiros 10 meses de 2020, continuarão a crescer cerca de 20% ao ano.
Mas se a saúde virtual vai transformar a forma como os cuidados são prestados, deverá ser desenvolvida com base no feedback dos profissionais de saúde. E há um ingrediente que é essencial para qualquer forma de envolvimento digital, e ainda mais vital para a saúde virtual: a confiança.
Transformação digital
A pandemia sobrecarregou os sistemas de saúde em todo o mundo, resultando num aumento do número de pacientes, das exigências de cuidados, da escassez de recursos humanos e dos desafios da cadeia de abastecimento.
Ao mesmo tempo, um em cada três adultos em todo o mundo tem condições crónicas que representam encargos acrescidos para os sistemas de saúde, estima-se que um em cada quatro irá sofrer doenças mentais em dado momento da sua vida e mais de 75% dos consumidores de saúde espera um cuidado mais personalizado. O custo deste cuidado será significativo: só para a saúde mental, o acumulado, durante o período de 20 anos que terminará em 2030 deverá ser de 16,3 biliões de dólares. Mesmo com o levantamento dos confinamentos e de outras restrições associadas à Covid-19 em muitas partes do mundo, o uso da tele saúde permanece acima dos níveis pré-pandemia. Mais de 40% dos pacientes expressou o desejo de continuar a usar estas soluções à distância, uma procura que irá incentivar os prestadores de cuidados de saúde a investir na transformação digital, para conectarem os pacientes com os serviços que se adequam às suas necessidades e preferências.
Muitos países estão a fazer progressos na adopção de registos electrónicos de saúde. O serviço nacional de saúde do Reino Unido, por exemplo, planeia adoptá-los em todos os hospitais e centros de saúde, até 2025. O serviço de saúde da Estónia, por seu lado, é digital já há 12 anos e mais de 99% dos dados gerados por médicos e hospitais é electrónico. Os pacientes podem aceder aos seus registos médicos através de portais online e as videoconsultas e prescrições electrónicas são prática comum. Não só os pacientes renovam as suas receitas sem terem de visitar um médico pessoalmente, como também não têm de ir à farmácia, já que a maioria dos medicamentos é entregue nas suas casas. Mas as pressões financeiras são uma espada de dois gumes na transformação digital dos cuidados de saúde. Por um lado, a tecnologia pode melhorar a eficiência e reduzir os custos. Por outro, a despesa da mudança de sistemas para novas plataformas digitais pode atrasar a adopção de novas soluções, como as baseadas na Cloud. No Reino Unido e nos países escandinavos, as preocupações com a rentabilidade no sector da saúde estão a impulsionar a digitalização, mas nos Estados Unidos da América e na Austrália passase o oposto.
No entanto, a maioria dos gestores na área da saúde reconhece os benefícios a longo prazo da digitalização. Um inquérito conduzido junto de 400 gestores em seis países apurou que dois terços dos inquiridos esperam mover a sua infraestrutura de tecnologias da informação para
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a Cloud dentro um ano e 96% espera fazê-lo dentro de três.
Grande parte do foco em torno da digitalização tem sido, especificamente, na gestão e prestação de cuidados, mas a tecnologia, e a automação, em concreto, estão também a reduzir custos e a melhorar os processos de backoffice, tais como a codificação, a facturação, o agendamento, os pagamentos e os contratos públicos. Globalmente, em 2021, os investimentos em tecnologia na saúde ultrapassaram os 44 mil milhões de dólares, o dobro do ano anterior. No entanto, migrar para a Cloud poderá levantar preocupações ambientais. Algumas estimativas mostram que a computação baseada na nuvem gera uma maior pegada de carbono do que a indústria
pacientes receberem cuidados. Os algoritmos podem diagnosticar e fornecer aconselhamento e suporte personalizado em canais automatizados, como call centers, mensagens de texto, chatbots e videoconsultas. Um estudo realizado num estabelecimento de atendimento urgente em São Paulo, no Brasil, durante a pandemia, concluiu que a implementação de um sistema de registo através de inteligência artificial reduziu os tempos de espera, em média, 12 minutos e poupou mais de 2.500 horas por ano. A inteligência artificial já está a ser usada para melhorar os diagnósticos e tornar a medicina preditiva mais precisa. Investigadores no DeepMind Health da Google desenharam um algoritmo para identificar factores de risco de falência renal e prevê-la com 48 horas de
aérea e que um único centro de dados pode consumir tanta energia quanto 50 mil casas. Tecnologias emergentes, como a inteligência artificial, a tele saúde, o Blockchain e os dispositivos de monitorização, tais como sensores e “wearables”, estão a fornecer dados contínuos e em tempo real sobre a nossa saúde e o ambiente. Isto é, em última instância, uma redefinição do futuro, já que os prestadores de cuidados de saúde podem usar estas inovações para oferecer diagnósticos mais precisos, prever riscos e intervir precocemente.
Nem todas as condições de saúde requerem uma consulta presencial. A inteligência artificial está a aumentar as opções para os
antecedência. No geral, o algoritmo teve uma taxa de precisão de 55,8%, mas, em casos graves o suficiente para, mais tarde, exigirem diálise, a sua taxa foi de 90,2%.
Equidade em saúde
Grandes disparidades baseadas na idade, localização, sexo, rendimento, raça, religião e orientação sexual persistem no ecossistema global da saúde, apesar dos esforços significativos por parte dos prestadores de cuidados, das seguradoras, das agências governamentais, das organizações humanitárias, entre outros, para as eliminar. Mais de um quarto da população mundial não tem acesso a medicamentos essenciais e,
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para mais de dois mil milhões de pessoas em todo o mundo, os medicamentos podem ser incomportáveis do ponto de vista financeiro, estar indisponíveis ou inacessíveis ou ser de má qualidade ou de qualidade não regulamentada. O rendimento, a educação e as condições de vida e de trabalho podem moldar a saúde física e comportamental. Em muitos casos, os indivíduos têm pouco ou nenhum controlo sobre factores que podem afectar directa ou indirectamente a sua saúde, tais como a poluição, a escassez de fontes alimentares ou a segurança. E os problemas não são novos. Há cinco décadas, as organizações de saúde pública nos Estados Unidos da América começaram a documentar as disparidades na mortalidade materna com base na etnia. Nas décadas seguintes, a investigação desenvolveu muitas outras ligações entre estes factores não clínicos e os resultados de saúde a longo prazo. Por exemplo, as crianças expostas a circunstâncias stressantes no dia-a-dia são mais propensas a adoptar comportamentos de risco, como o tabagismo e o abuso de drogas e/ou álcool. Estudos também descobriram que privar os bebés de um ambiente amoroso causa danos duradouros ao seu bemestar emocional, inteligência e capacidade de desenvolvimento. No entanto, os esforços para reduzir ou eliminar sistematicamente estas disparidades têm-se revelado difíceis.
A pandemia sublinhou ainda mais a falta de igualdade na saúde. O vírus afectou desproporcionalmente os grupos mais vulneráveis e focou a atenção do público sobre como as comunidades são tão fortes quanto os seus membros mais fragilizados. Como resultado, muitas organizações de saúde estão a repensar a forma de lidar com a desigualdade.
Uma medida-chave da equidade em saúde é a esperança média de vida. Se pessoas que vivem na mesma área geográfica têm diferenças significativas em termos de esperança de vida, tal se pode dever a estes impulsionadores das desigualdades em matéria de saúde. A Etiópia, por exemplo, tem uma esperança média de vida de 65,6 anos, cerca de três anos mais do que o vizinho Quénia. Nos últimos anos, a Etiópia adoptou estratégias de saúde baseadas na comunidade, melhorou o acesso a água potável e expandiu as iniciativas de educação e capacitação das mulheres. As disparidades na prestação e acesso aos cuidados fazem parte de um sistema maior que envolve preconceito, racismo e enviesamento. No Verão de 2020, 75% dos novos casos de Covid-19 na Arábia Saudita e 95% em Singapura eram de trabalhadores migrantes. Isto segue um padrão visto noutros surtos de doenças, em que a discriminação em relação aos migrantes reforçou as barreiras no acesso aos cuidados de saúde. A desigualdade na saúde também influencia onde as instalações estão localizadas e as lacunas na formação dos médicos. Estas desigualdades não são apenas um problema de saúde pública ou social, são também um problema económico. O Parlamento Europeu, por exemplo, estimou que, todos os anos, as desigualdades em saúde na União Europeia custam cerca de 1,4% do Produto Interno Bruto, quase igualando os gastos em matéria de defesa (1,6%).
Recursos humanos
A pandemia exacerbou também os desafios de recursos humanos existentes nos cuidados de saúde. De certa forma, as mudanças demográficas globais nos cuidados de saúde que ocorreram após a pandemia sempre existiram, mas foram agravadas. Até 2030, o sector, a nível global, precisará de mais 80 milhões de trabalhadores e cerca de 18 milhões serão necessários nos países de baixos rendimentos. 83 países da África Subsaariana, Sudeste Asiático, Sul da Ásia e
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Oceânia não cumprem actualmente os padrões básicos de 23 profissionais de saúde qualificados por 10 mil pessoas.
A nível global, os enfermeiros representam o maior segmento da força de trabalho no sector dos cuidados de saúde e cerca de 90% das associações internacionais que representam esta classe está preocupado com o facto das elevadas cargas de trabalho, da escassez de recursos e do stress relacionado com a pandemia estar a levar cada mais enfermeiros a abandonarem a profissão. As organizações de saúde cada vez mais dependem da inovação para recrutar e reter trabalhadores. A maioria destas inovações envolve digitalizar processos, adaptando-se a necessidades futuras, e a personalização da compensação e dos benefícios dos colaboradores, tais como a oferta de reembolsos de empréstimos estudantis, subsídios para creches e assistência no pagamento das prestações da casa.
As organizações de saúde não são imunes às mesmas questões relacionadas com os recursos humanos que enfrentam outros sectores desde a pandemia. Muitos trabalhadores habituaram-se ao trabalho remoto e já não querem estar no local de trabalho cinco dias por semana. Como resultado, está-se a apostar na criação de ambientes de trabalho mais apelativos e sustentáveis e a adoptar estratégias de retenção personalizadas, tais como a adaptação da remuneração e dos benefícios às necessidades individuais, além de oferecer maior flexibilidade de horários e iniciativas de diversidade, equidade e inclusão, que apelam a trabalhadores de saúde mais jovens. As organizações precisam de uma nova reflexão sobre a gestão dos seus recursos humanos e sobre a sua estruturação. As velhas hierarquias já não funcionam e os profissionais precisam de mais apoio, tanto da automação como de outros profissionais. Estes novos os modelos ajudarão a tornar os cuidados de saúde mais sustentáveis e eficazes para os recursos humanos e a produzir melhores resultados para os pacientes. De facto, outros profissionais, como os farmacêuticos, podem desempenhar um papel mais alargado na melhoria dos cuidados prestados aos doentes. Hoje, os farmacêuticos cumprem uma função baseada no produto. No entanto, podem mover-se na direcção dos serviços clínicos ou dos cuidados primários e do bem-estar, prestando apoio especializado.
Sustentabilidade
As alterações climáticas representam a maior ameaça à saúde da humanidade, colocando em risco o acesso a ar limpo, a água potável, a alimentação adequada e a abrigo seguro, à escala global. Entre 2000 e 2016, o número de pessoas expostas, em todo o mundo, ao calor extremo aumentou em cerca de 125 milhões. As ondas de calor pressionam os serviços de saúde
e de emergência, o abastecimento de água e de energia e os serviços de transporte. A segurança alimentar também pode ser comprometida se as pessoas perderem as suas colheitas ou gado por causa do calor extremo.
As consequências, a longo prazo, são ainda mais severas. O aumento das temperaturas deverá causar cerca de um quarto de milhão de mortes, em todo o mundo, por desnutrição, malária, diarreia e stress térmico, entre 2030 e 2050. Além disso, emissões de carbono mais elevadas podem desencadear questões meteorológicas e ambientais que, por sua vez, influenciam a saúde, como a maior frequência de secas, incêndios florestais, poluição atmosférica e subida do nível do mar. Estas, por sua vez, podem levar ao aumento dos alergénios, conduzir a problemas respiratórios e a doenças infecciosas. Mais de 90% do mundo respira ar pouco saudável, resultando em 13 milhões de mortes por efeitos ambientais, todos os anos. As ondas de calor têm sido também associadas ao aumento das taxas de internamento hospitalar para distúrbios mentais. Estima-se que o custo destes riscos acrescidos para a saúde pública se situará entre dois mil milhões e quatro mil milhões de dólares por ano, em 2030. Responder a estas ameaças requer sistemas de saúde mais resistentes e sustentáveis.
Enquanto as organizações de saúde carregam os encargos de tratar o número crescente de doenças relacionadas com as alterações climáticas, o impacto também afecta os próprios profissionais de saúde. Como testemunhado durante a pandemia de Covid-19, a procura crescente dos serviços de saúde poderá tornar o desempenho das suas funções mais desafiante. Mas ao mesmo tempo que o tratamento das consequências das alterações climáticas recai sobre o sector dos cuidados de saúde, também este contribui para o aumento dos níveis de carbono que impulsionam as alterações climáticas. Se o sector da saúde global fosse um país, seria o quinto maior emissor de gases com efeito de estufa, representando até 5% das emissões.
Nesse sentido, 45 países comprometeram-se em reduzir a produção de carbono relacionada com os cuidados de saúde e em tornar os seus sistemas de saúde mais sustentáveis, como parte do Programa de Saúde COP26 da OMS. 14 dos países fixaram atingir a neutralidade carbono antes ou até 2050.
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2023. O TRABALHO NA
SUBSAARIANA: EDUCAÇÃO, PRODUTIVIDADE E DIGITALIZAÇÃO
Oplaneamento do futuro do trabalho mundial deverá contar cada vez mais com pesquisas acerca da população activa africana. Um quinto da população mundial com menos de 25 anos reside na África Subsaariana. Espera-se que a população em idade activa da região chegue aos 600 milhões, em 2030, com uma parcela jovem de 37%. Um design que combine uma educação sustentável e de qualidade, a formação de competências corporativas e sociais e a fusão cultural, tecnológica e política, trará à região e à sua camada de jovens profissionais a possibilidade de se afirmarem como competitivos, a um nível global.
Dr. Cláudio Osório
Co-founder & Head of Experience Design da empresa OKU HUMAN. Licenciado em Psicologia Aplicada e Mestre em Psicologia Social e das Organizações pelo Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida. Chief Happiness Officer pela Happiness Business School.
O PANORAMA ACTUAL NA ÁFRICA
SUBSAARIANA TEM VINDO A DEMONSTRAR UM RÁPIDO CRESCIMENTO POPULACIONAL E UMA “PROEMINÊNCIA JUVENIL” NO CONTEXTO DEMOGRÁFICO, LEVANDO A QUE O MERCADO DE TRABALHO DESPERTE PARA A NECESSIDADE DE ABSORVER UM MAIOR NÚMERO DE JOVENS PROFISSIONAIS. GRANDE PARTE DA POPULAÇÃO ACTIVA ENCONTRA-SE
ACTUALMENTE NA AGRICULTURA E NOS SERVIÇOS INFORMAIS, SECTORES ESSES QUE SÃO CARACTERIZADOS AINDA POR UMA
PRODUTIVIDADE RELATIVAMENTE BAIXA E PELA REDUZIDA PROTECÇÃO SOCIAL.
De acordo com o ACET (Centro Africano para a Transformação Económica), as projecções de empregabilidade para 2023 sugerem que:
(1) a agricultura continuará a predominar nas oportunidades profissionais (cerca de dois terços) nas classes mais baixas; (2) os serviços (comércio, transportes, banca, seguros e outros serviços comerciais) serão preponderantes na classe média e média alta e (3) a indústria disponibilizará o menor número de oportunidades (6,5% do total). Como poderemos, então, sustentar a transformação de um ecossistema para a empregabilidade de uma população jovem crescente e cada vez mais digitalizada?
O aumento da produtividade no sector agrícola e a sua modernização sustentará o agro-processamento e diversos serviços a montante e a jusante das organizações agrícolas, o que fará intensificar a empregabilidade e, consequentemente, aumentará a renda média das famílias. Por sua vez, um sector agrícola mais produtivo, ao atrair mais jovens, irá desacelerar a crescente urbanização. Por outro lado, um ecossistema agrícola modernizado também criará oportunidades para que os profissionais jovens se tornem prestadores de serviços para este sector e estimulará a indústria.
Embora ainda altamente informal, os serviços são um sector de crescimento rápido no que toca à criação de empregos e no valor agregado ao PIB na maioria das economias subsaarianas, com uma previsão de aumento (3,8% em média a cada ano) até 2030. Quando impulsionado por novas tecnologias, o sector de serviços apresenta claros ganhos: é
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ENTREVISTA RUBRICA DA FELICIDADE
ÁFRICA EDUCAÇÃO, SKILLS, DIGITALIZAÇÃO
comercializável, apresenta maior produtividade, absorve um grande número de profissionais moderadamente qualificados e beneficia de economias de escala. A economia criativa representa também uma das áreas mais resilientes e de mais rápido crescimento em África. Este sector abrange as artes e os seus outputs, bem como, os desportos, os espaços de lazer, os softwares de jogos e a restauração. Uma recente pesquisa da ONU realçou o valor global deste sector em mais de 2,2 trilhões de dólares. Diferentes pesquisas demonstraram também que, quando a economia criativa e o sector de media se juntam à digitalização, potencializam a empregabilidade de forma transversal. O desenvolvimento deste sector em África pode desencadear uma cadeia de valor entre artistas, empresários, distribuidores e serviços de apoio e, assim, disponibilizar oportunidades mais inovadoras, especialmente para os jovens e para as mulheres.
A transformação tecnológica no contexto subsaariano, embora díspar pelas diferentes características locais, incluirá inevitavelmente uma elevada preponderância na agricultura e nos serviços informais. A tecnologia deverá ser
facilitadora para que as economias de cada país transformem a manufactura em serviços de maior produtividade e agronegócio. No entanto, para que este cenário aconteça de forma sustentável, e para que tenha naturalmente um impacto efectivo nas oportunidades profissionais da população, será necessário reforçar três factores:
Criação de novas “skills” e novos desafios profissionais
A formação em competências digitais é necessária na maioria dos países da África Subsaariana, para que os sistemas educacionais possam contribuir com percursos académicos que dêem resposta às necessidades crescentes do sector agrícola, dos serviços e da economia criativa.
Disponibilização de novas formas de protecção social
A modernização dos serviços informais trará mais oportunidades aos seus prestadores/profissionais, mas será necessário garantir a existência de plataformas de apoio social, financeiro e educacional, para que a transformação seja sustentável.
Acesso à infraestrutura
Para criar igualdade e inclusão dentro desta crescente população jovem, e para que digitalização seja economicamente benéfica, é essencial a disponibilização de infraestruturas físicas de acesso digital.
O cenário actual é claro e transparente. No momento actual, grande parte da população jovem não tem acesso à possibilidade de desenvolver as competências necessárias que garantam uma oportunidade profissional produtiva. A maioria dos empregadores na região subsaariana identifica, de forma consistente, uma força de trabalho inadequadamente qualificada como um dos maiores obstáculos para a sustentabilidade do negócio. Com o crescimento natural e inevitável da economia e dos seus sectores integrantes, a probabilidade que o cenário actual se torne endémico e imutável é grande. Uma abordagem estratégica, ao nível do investimento em competências, desde a alfabetização, passando pelo ensino médio e terminando no ensino superior e na formação profissional, que esteja alinhada com as crescentes exigências do mercado de trabalho, é crucial para a transformação bem-sucedida e para que a região subsaariana recolha dividendos do seu crescimento demográfico.
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DO LATIM CONSERVATIO, A CONSERVAÇÃO É A ACÇÃO E O EFEITO DE CONSERVAR (MANTER, CUIDAR OU PRESERVAR ALGO, CONTINUAR UMA PRÁTICA DE COSTUMES). O TERMO É APLICADO NO ÂMBITO DA NATUREZA, DA ALIMENTAÇÃO E DA BIOLOGIA, ENTRE OUTROS. IMPORTA, NO QUE DIZ RESPEITO À NATUREZA, QUE SEJA ESCLARECIDA A DIFERENÇA ENTRE CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO, DADO QUE MUITOS AS TOMAM COMO SINÓNIMOS. A DIFERENÇA É QUE A PRESERVAÇÃO SE PREOCUPA EM MANTER A NATUREZA NO SEU ESTADO ORIGINAL, NATURAL, SEM QUE HAJA A INTERFERÊNCIA DO HOMEM. JÁ A CONSERVAÇÃO
DIZ RESPEITO AO USO DOS RECURSOS DE UM LOCAL, DE MODO RESPONSÁVEL. A PARTIR DESSES DOIS CONCEITOS, É POSSÍVEL DESENVOLVER UMA RELAÇÃO SAUDÁVEL COM A NATUREZA.
O GRANDE DESAFIO DA CONSERVAÇÃO DOS MEDICAMENTOS
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PERSPECTIVA ENTREVISTA RUBRICA REGULAMENTAR
Dra. Zola Mayamputo João
Técnica Média de Farmácia pelo IMS de Luanda. Licenciada pela Universidade Jean Piaget de Angola/Ciências Farmacêuticas. Agente de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho. Directora Técnica da Australpharma
Qual a solução para resolver este problema? Para o profissional e o paciente, deve conter as informações sobre os cuidados de conservação, conforme aprovado no registo do medicamento. Esta prática é adequada e deve ser seguida para manter a qualidade do medicamento. Para qualquer autorização da introdução no mercado, todos os medicamentos são submetidos a ensaios de estabilidade em condições normalizadas e internacionalmente reconhecidas. As condições de conservação dos medicamentos são fixadas em função dos resultados destes ensaios de estabilidade. Existem, nomeadamente, a conservação entre 2ºC e 8ºC, a conservação inferior a 25ºC ou 30ºC e a conservação à temperatura ambiente. Alguns medicamentos podem não possuir referências especiais de conservação e, na ausência de menção específica, é a conservação à temperatura ambiente que prevalece. A temperatura ideal para conservação à temperatura ambiente é de 15ºC a 30ºC. Mas, como não se deve passar de 30ºC, é bom evitar que o medicamento permaneça nessa temperatura.
(ANVISA)
Oestado de conservação é o indicador que reflecte a probabilidade que tem uma espécie de continuar a existir, a curto ou a longo prazo. A conservação, por outro lado, consiste em diversas técnicas para prolongar a vida e a disponibilidade de um produto.
Muitas instituições improvisam nas instalações dos seus locais de armazenamento de medicamentos, esquecendo que estes espaços devem garantir a qualidade, a disponibilidade nos pontos de distribuição, a segurança e o controle dos produtos em stock. O armazenamento é a etapa do ciclo da assistência farmacêutica que visa garantir a qualidade e a guarda segura dos medicamentos nas organizações da área da saúde.
Analisando o que gera preocupação ao farmacêutico, de um lado, existe a missão de realizar actividades para a prevenção de doenças e o uso racional de medicamentos e, por outro, há a necessidade de comercialização de medicamentos e a manutenção do negócio. Pode-se afirmar que ambos os lados devem ter o mesmo peso, para que o sucesso aconteça. O desequilíbrio entre os interesses de saúde e os económicos pode levar à falência da empresa ou quebrar a saúde.
Deve-se referir que um medicamento apenas é conservado em perfeitas condições até ao seu prazo de validade, caso não se tenha aberto a embalagem. Como se evidencia, existem alguns medicamentos, sob forma de pós, que têm de ser misturados com água antes de serem utilizados, xaropes, colírios e gotas ópticas. São conservados em boas condições durante um período limitado e, por vezes, são guardados no congelador, enquanto durar o tratamento, após o qual devem ser deitados fora, não devendo ser guardados para tratamentos futuros. Assim como os cremes e pomadas, sobretudo se estiverem em contacto com o ar. Os medicamentos podem ser alterados pela acção de agentes físicos, como o calor, a humidade e a luz. Perdendo a sua eficácia e sofrendo alterações, tornariam a sua utilização perigosa. “Costuma considerar-se que os medicamentos são eficazes e seguros até ao seu prazo de validade, indicado na embalagem de cada produto, mas apenas caso sejam conservados em boas condições”. As normas de boas práticas de armazenamento e distribuição aplicam-se à conservação de medicamentos e produtos sanitários, visando a protecção da saúde da população, porque os medicamentos somente são eficazes se houver garantia de que, desde o seu fabrico até à sua dispensa, sejam conservados nas condições exigidas ou adequadas. Faça a sua parte dentro da comunidade e tenha a qualidade que exige para uma boa saúde para si e todos que o rodeiam.
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COMPETÊNCIAS
Logística e Distribuição Farmacêutica
Soluções de Diagnóstico
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Gastáveis clínicos e hospitalares
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