Josefa 4

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CORPO

gordas

E MARAVILHOSAS

R

ainha de bateria, professora, dançarina, modelo e blogueira. Verdadeiramente empoderada, bem resolvida e dona de si. Como você imagina essa mulher bem sucedida: loira, branca, alta, extrovertida, bem humorada e, o mais importante de tudo, magra? Doris Macedo, de 43 anos, é uma mulher gorda, branca, com 1,79 cm de altura, cabelos longos, ondulados e pretos, e com uma risada inconfundível. Como algumas mulheres, não sentia medo de ser o que era, do que pensava e muito menos do que queria. Professora formada em Letras, com habilitação em Literatura e Espanhol, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nunca se limitou a ter apenas uma ocupação. “Sempre me permiti, sempre fui muito plural”, define. A história de Luana Carvalho, de 21 anos, é diferente. Porque ela sempre se entendeu assim, desde pequena, quando ainda estudava na Escola Estadual de Ensino Básico Gomes Carneiro, no bairro Jardim Europa em Porto Alegre. E também seus vizinhos do bairro, classe média alta com condomínios fechados, não deixavam passar um dia sequer sem dizer o quão inadequada Luana era por ser negra e gorda. “Eu sempre fui uma pessoa gorda. As pessoas têm a mania de entender que as pessoas nascem essencialmente magras, e todo mundo que não é assim está errado”, conta Luana sobre suas observações ao longo dos anos. Mas toda essa pressão vinha da rua, dos outros. Pois, em casa, Luana nunca sofrerá com a gordofobia. Entendia que a diferença dos corpos era normal, pois sua mãe também era uma mulher gorda. Muito amada por sua família, sempre recebia elogios, falavam que era linda do seu próprio jeito, inteligente e que não havia nada de errado com sua aparência. Os pais de Doris, professores do estado, na época considerados uma família de classe média, sempre a incentivaram em suas “loucuras”. Sempre manteve seu corpo ativo. Avalia que, por esse motivo, talvez, o mundo do teatro, da dança, do Centro de Tradições Gaúchas e do carnaval fosse tão próximo, pelo incentivo às atividades físicas. 22

Pensar que mulheres gordas não são felizes ou bem sucedidas é tão errado quanto não admitir suas potencialidades Texto

Josi Skieresinski

O conflito interno de Luana não era porque ela não se gostava, mas porque dentro de casa era recebida com tanto afeto e fora dela com tanta hostilidade. Já na adolescência, reparava que todo seus amigas começaram a ter namoradinhos e ela não. Após esse período, começou a perceber que o mundo de suas amigas e seu mundo eram diferentes, pois a gordofobia fazia parte do seu. Doris também viveu momentos complicados na juventude, quando os meninos com quem se relacionava colocavam como premissa encontros escondidos, para não serem visto ao seu lado.

Mais visibilidade

Mas foi com um grande incentivo do amigo Fábio Verçosa que Doris aceitou o convite para ser

rainha de bateria da Bambas da Orgia. No ano seguinte, Doris também desfilaria na mesma posição, mas não esperava pelo episódio de cyberbullying que sofreria. Em mais uma noite de ensaios, a escola postou em sua página do Facebook um vídeo de Doris dançando em frente à bateria, e isso causou alguns comentários ofensivos e gordofóbicos. A partir deles, uma onda de comentários incentivadores e diversos compartilhamentos chamaram atenção. Ganhou visibilidade e decidiu usar sua exposição para ressignificar o ato gordofóbico para inspirar outras mulheres. Começou sua trajetória de palestrante na luta anti gordofobia e de amor próprio, mas sentiu a necessidade de criar uma ação mais efetiva de conscientização e combate à gordofobia. Em 2019, surge o Fórum de Combate à Gordofobia no Rio Grande do Sul, “espaço de discussão entre a sociedade civil gaúcha e poder público do RS, que busca criar estratégias conjuntas de prevenção e combate à Gordofobia”. Para Luana, foi entre os 17 e 18 anos que identificou que esse tipo de tratamento estava errado e que tinha nome. Foi através do canal da youtuber e jornalista Alexandra Gurgel que descobriu que existiam outras pessoas gordas que também passavam por isso e num curto espaço de tempo absorveu todo o conteúdo possível sobre empoderamento, body positive e gordofobia. “Depois que eu entendi o que tava


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