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junho’20
número
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índice Editorial 3 Jaime Octávio Cardona Ferreira: o Senhor “julgados de paz” 4 Plano Justiça + Próxima 20|23 6 Súmula dos trabalhos em curso na UE em matéria de Justiça Eletrónica 8 A Transformação da Justiça em Portugal: construir sucessos e desafios 10 A adaptação dos sistemas judiciais e prisionais europeus 16 Estatísticas dos tribunais 20 Seis meses do novo sistema de consulta on-line 24 Implementação da Procuradoria Europeia 26 DGPJ reúne com representantes do Escritório das Nações Unidas para as Drogas e o Crime (UNODC) 30 XVI Conferência dos Ministros da Justiça dos Países de Língua Oficial Portuguesa 34 Seminário Internacional sobre Cibercrime e prova Eletrónica 36 A mediação familiar como instrumento singular de realização dos princípios orientadores dos processos tutelares cíveis 38 Newsletter Semestral Número 2 Junho 2020 Direção-Geral da Política de Justiça
dgpj.justica.gov.pt
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Política de Justiça e d i to ri a l
Bem-vindo à Política de Justiça, a publicação semestral da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), do Ministério da Justiça, que pretende ser um canal de divulgação das principais atividades desenvolvidas por esta casa. Somos um organismo com competências definidas em áreas tão distintas como a produção legislativa, o planeamento estratégico ao nível da definição e monitorização das políticas no setor da justiça, a promoção dos meios de resolução alternativa de litígios, a coordenação das relações internacionais e a produção das estatísticas da justiça, temos como principal objetivo a promoção e divulgação dos trabalhos desenvolvidos, dos resultados alcançados e das melhores práticas identificadas. Neste segundo número continuamos a destacar a utilização das novas tecnologias no setor da Justiça, desde logo com uma análise das conclusões do relatório “Justice Transformation in Portugal: Building on Successes and Challenges”, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), uma apresentação dos principais projetos em curso na UE em matéria de justiça eletrónica, bem como com o lançamento da nova edição do Plano Justiça + Próxima 20|23.
Destaque ainda, na área de atuação das Estatísticas da Justiça, para o balanço de seis meses de funcionamento do novo Portal do Sistema de Informação das Estatísticas da Justiça, onde já é possível consultar os dados estatísticos de 2019, nomeadamente relativos ao movimento de processos nos tribunais. Nas Relações Internacionais destaca-se a receção, nas instalações da DGPJ, dos representantes do UNODC, para uma reunião sobre o Programa Global para a aplicação da Declaração de Doha, na qual se destaca a importância da educação como ferramenta para prevenir a criminalidade e a corrupção e a reunião dos Ministros da Justiça dos Países de Língua Oficial Portuguesa, em Cabo Verde. São ainda de referir a análise da Procuradoria Europeia e, a nível nacional, a relação entre a Mediação Familiar e os princípios dos processos tutelares cíveis. Esperamos que goste e nos acompanhe em próximas edições. Quaisquer sugestões que possam melhorar este trabalho serão bem-vindas. O Diretor-Geral
Miguel Romão
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Jaime Octávio Cardona Ferreira: o Senhor “julgados de paz” Renato Gonçalves
Subdiretor Geral da Política de Justiça
Em 21 de janeiro de 2012, na cerimónia comemorativa dos 10 anos do Julgado de Paz de Lisboa, pouco antes das 15h00, dirigiu-se a mim um Senhor, de falar eloquente e modo austero como já há poucos, para me transmitir as posições que tinha sobre alguns aspetos do funcionamento dos julgados de paz. Apresentou-se, então, como Presidente do Conselho dos Julgados de Paz, mas foi imediatamente referindo que em boa verdade era juiz do judicial, fazendo logo ressaltar que fora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa. Ainda assim, sublinhou, acreditava indiscutivelmente nos julgados de paz, enquanto forma de administração de justiça mais próxima dos cidadãos, porque neles se pugna por prestar
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um acompanhamento constante aos cidadãos desde a apresentação da questão até à explicação do sentido do ato que põe fim ao litígio, seja este obtido na fase da mediação ou já na fase de julgamento, através de acordo de conciliação ou de decisão de julgamento. Como conversador que também sou, encontrando-me eu, na altura, enquanto consultor de política legislativa da Direção-Geral da Política de Justiça, a realizar um estudo de avaliação sucessiva sobre a organização e o funcionamento dos julgados de paz, embrenhei-me numa amena discussão sobre temas tão variados como a escassez de recursos afetos aos julgados de paz, fragilidades do modelo de parceria pública/pública em que assenta os julgados de paz, criação de uma instância de
recurso própria, dependência ou autonomia dos julgados de paz face aos tribunais judiciais, causas de patrocínio obrigatório por advogado nos julgados de paz e papel do, então, Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz. E o tempo voou: argumento após argumento, lá nos deixámos ficar na entrada das instalações, a debater de forma animada e com pontos de vista nem sempre coincidentes os julgados de paz. A partir desse momento, à medida que fui conhecendo o Senhor Conselheiro Cardona Ferreira, o que me foi propiciado pelas funções que mais tarde vim a assumir na DGPJ, posso dizer que nele encontrei quiçá o mais fiel cultor dos julgados de paz em Portugal, arauto sempre presente das maleitas dos julgados de paz, alertando, a cada dia, para a necessidade de se disponibilizarem recursos de toda a ordem para que os julgados de paz pudessem prestar um serviço cada vez melhor aos cidadãos que aos mesmos pretendem recorrer. Em defesa dos julgados de paz, o Senhor Conselheiro Cardona Ferreira publicou no nosso país a obra de maior fôlego que existe até à
presente data sobre estes tribunais, a qual já vai na sua 4.ª edição, funcionando para todos quantos trabalham nos julgados de paz como farol orientador de uma navegação que, pela novidade destes tribunais na época em que vivemos, nem sempre é livre de dificuldades. Ao longo dos anos, muitas foram as conversas mantidas com o Senhor Conselheiro Cardona Ferreira, partilhando as nossas visões sobre os julgados de paz, algumas das quais discordantes, mas sempre com enorme respeito e acima de tudo, pela minha parte, com a humildade de saber que no Senhor Conselheiro os julgados de paz teriam a todo o passo um defensor apaixonado, que colocou a defesa destes tribunais num estandarte que sempre cuidou de levar por diante. É, pois, com profunda saudade que escrevo estas linhas de homenagem ao Senhor Conselheiro Cardona Ferreira, em quem tive um parceiro de trabalho cujo lugar, certamente, ficará na história em defesa de uma justiça para todos, luta essa que devemos levar por diante, a cada dia, pois, como diz o poeta: “É preciso acreditar!”.
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Plano Justiça + Próxima
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No passado dia 2 de março, a Secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso, apresentou, no Hub da Justiça, o Plano Justiça + Próxima – 20|23 (PJ+P), o qual representa a 2.ª edição de um plano transversal de modernização e simplificação da Justiça, iniciado em 2016, que, na sua primeira edição, permitiu a conclusão de 122 medidas, das 197 que, ao longo do tempo, o integraram. A nova edição do PJ+P comporta, atualmente, um total de 140 medidas que traduzem opções que se espera mantenham o setor da Justiça na vanguarda da modernização administrativa e da simplificação, colocando sempre no centro das preocupações a melhoria da vida dos cidadãos e das empresas. A cerimónia contou com a presença do Primeiro-Ministro, da Ministra da Justiça, que intervieram na sessão, e de diversos membros do Governo, para além de altos dignitários do Estado provenientes dos setores da justiça e da modernização administrativa. Na cerimónia interveio também um representante da OCDE, que realçou que a primeira edição do PJ+P permitiu avanços significativos para a modernização da Justiça.
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Durante a cerimónia, através da apresentação de um vídeo explicativo do PJ+P, foi dado destaque a um conjunto de medidas que integram o novo plano. A primeira medida destacada intitula-se “Tribunal+ 360º” traduzindo-se no desenvolvimento de uma prova de conceito do “Tribunal do Futuro”, concebido sob o paradigma «Digital Only», ou seja, que deverá funcionar de forma totalmente digital e por via eletrónica. A organização deste tribunal deve facilitar as interações entre utilizadores que ao mesmo recorrem e os operadores que nele prestam serviços, como magistrados judiciais e do Ministério Público, oficiais de justiça e advogados. Esta medida permitirá que seja testada a tramitação exclusivamente eletrónica e a utilização de novas ferramentas digitais. Outra das medidas apresentadas naquela cerimónia foi o “Piloto de submissão online de pedidos de nacionalidade”. Com esta medida pretende-se desenvolver um piloto para desmaterializar o processo de pedido de nacionalidade, sendo primeiramente testada para os pedidos de nacionalidade referentes aos descendentes de judeus sefarditas. Com esta
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medida pretende-se eliminar o processamento em papel dos pedidos e dos documentos que os instruem, aumentando a eficiência e a capacidade de resposta dos serviços. Outra das medidas destacadas foi o “BUPi Balcão Único do Prédio” em todo o país, pela qual se preconiza o alargamento do sistema de cadastro simplificado a todos os concelhos, implementando os procedimentos em todos os municípios que não dispõem de informação cadastral e integrando toda a informação existente dos restantes concelhos, adotando novas soluções tecnológicas e experimentação de métodos, com vista à agilização da identificação dos proprietários, propriedades e seus limites e a um aumento do conhecimento e partilha de informação do território com todos os interessados, de forma simples e inovadora. Outra medida, designada “Projeto “Cidad@o Recluso+” destina-se a desenvolver um acesso digital para a população reclusa, com disponibilização de forma segura de um conjunto definido de sítios web com informação e serviços fundamentais, que facilitam o processo de reinserção na sociedade.
Para além das medidas destacadas na referida cerimónia, destacamos ainda duas medidas cometidas à DGPJ, pela importância que revestem para a transparência do setor da justiça e para a adoção de medidas de gestão modernas, por um lado, e para o desenvolvimento dos meios de resolução alternativa de litígios, por outro. Assim, no primeiro caso, a medida “Sistema de indicadores de gestão para os tribunais administrativos e fiscais” visa implementar um sistema de indicadores de gestão processual dos tribunais administrativos e fiscais, permitindo a esses tribunais, ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e à Procuradoria-Geral da República monitorizarem e avaliarem a atividade do tribunal, com dados permanentemente atualizados, contribuindo para uma atuação mais célere. No âmbito dos meios de resolução alternativa de litígios, irá ser disponibilizada a plataforma RAL+, medida que permitirá reformular os sistemas de informação e processos de suporte à tramitação processual no contexto daquelas formas de resolução alternativa de litígios.
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SOCIEDADE DIGITAL
Súmula dos trabalhos em curso na UE em matéria de Justiça Eletrónica Nos últimos anos, a construção de uma sociedade digital tem vindo, progressivamente, a assumir um papel de destaque na definição das novas políticas europeias, tornando-se cada vez mais importante aproveitar as possibilidades oferecidas pela inteligência artificial e pelas novas tecnologias. Neste quadro, é de referir que a Comissão Europeia publicou, em 19 de fevereiro último, o Livro Branco sobre a Inteligência Artificial1, onde se incluem propostas para promover o desenvolvimento da inteligência artificial na Europa, garantindo simultaneamente o respeito pelos direitos humanos fundamentais através de um quadro regulamentar adequado. O Livro Branco antecipa um quadro para uma inteligência artificial fiável, cujo objetivo é garantir que a UE se torne um modelo e assuma um papel de líder no quadro de uma sociedade habilitada pelos dados. Aguarda-se também o resultado de um estudo, realizado pela Comissão Europeia, dedicado à recolha de informações e à utilização das novas tecnologias inovadoras no domínio da Justiça. Este estudo consiste na verificação da utilização, por parte dos Estados-membros, das novas 1 ec.europa.eu/info/sites/info/files/commission-white-paper-artificial-intelligence-feb2020_en.pdf
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tecnologias inovadoras, entre as quais se inclui a utilização da Inteligência Artificial e do Blockchain. Nos últimos tempos os Estados-membros da União Europeia (UE) têm vindo a encetar esforços para minimizar o impacto da crise no setor da Justiça, provocada pela pandemia COVID 19. O Portal Europeu da Justiça2 passou a conter informação sobre o impacto que a crise COVID-19 teve no domínio da Justiça, disponibilizando informação sobre as medidas tomadas pelos Estados-membros em resposta ao vírus e à forma como afeta os sistemas da Justiça. Por outro lado, é de mencionar que os trabalhos em curso na UE em matéria de Justiça Eletrónica sofreram, à semelhança de todos os setores da União, um forte abrandamento. Contudo, apesar desta desaceleração, a justiça eletrónica e o aprofundamento da digitalização da Justiça parecem ser realidades cada vez mais próximas. Se atentarmos aos trabalhos em curso no âmbito da União Europeia, destacamos que se encontra pendente de decisão uma solução 2 e-justice.europa.eu/sitenewsshow. do?plang=pt&newsId=232
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para o e-Codex3 (e-Justice Communication via Online Data Exchange). O e-Codex é um projeto de larga escala desenhado para melhorar as comunicações entre os cidadãos e as empresas no âmbito dos mecanismos jurídicos em vigor na UE, em particular no que respeita ao tratamento online de processos transfronteiriços. A necessidade de criar uma estrutura permanente que garanta a sustentabilidade tecnológica e funcional da infraestrutura de comunicações e-Codex é um dos temas que se encontra em fase de decisão. Neste contexto, encontram-se em análise e discussão diferentes possíveis soluções para a gestão deste projeto, designadamente, a integração do e-Codex numa instituição ou agência da UE. Os objetivos do e-Codex visam propiciar o aumento da interoperabilidade dos sistemas de informação da Justiça, bem como o fornecimento de comunicações seguras, suportado em padrões e soluções comuns (por exemplo a utilização de building blocks). A propósito da interoperabilidade, estão ainda a ser abordados vários projetos entre Estadosmembros com o objetivo de evitar a dispersão de sistemas não comunicantes. 3 e-codex.eu/
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destaque RELATÓRIO DA OCDE
A Transformação da Justiça em Portugal
- construir sucessos e desafios O relatório da OCDE «Transformação da Justiça em Portugal: construir sucessos e desafios», recentemente publicado, em março de 2020, reconhece ao Estado português uma abordagem integrada para tornar o setor da Justiça mais centrado no cidadão, em resultado de uma aposta na simplificação administrativa, na melhoria dos serviços disponibilizados e na digitalização das soluções utilizadas. Na perspetiva de que o desempenho do setor da Justiça é fundamental para alcançar o crescimento económico, o bem-estar dos cidadãos e, mais amplamente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a OCDE, no âmbito da iniciativa sobre Igualdade no Acesso à Justiça, procede a uma monitorização dos sistemas de justiça dos seus Estados-membros. Neste âmbito, reconhece que o acesso efetivo aos serviços de justiça é um determinante crucial do crescimento inclusivo, do bem-estar dos cidadãos e da boa administração pública. Reconhece e afirma, também, que o Estado de direito, a segurança e a justiça influenciam diretamente o desempenho económico e a captação de investimento e que países com sistemas de justiça mais acessíveis e orientados para os cidadãos evidenciam níveis mais elevados de PIB per capita, reforçada proteção da propriedade e maior competitividade estratégica. Na mesma linha, sustenta que a segurança jurídica e confiança nos sistemas de justiça são promotoras e dinamizadoras do investimento e da concorrência.
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As avaliações nesta sede efetuadas incidem diretamente sobre os projetos e iniciativas em curso nos diversos Estados com vista à promoção de uma Justiça mais capacitada e orientada no que tange ao serviço prestado aos cidadãos, à inclusão e à promoção de uma utilização cada vez mais simples, fácil e acessível dos mecanismos do sistema. Na avaliação feita a Portugal a OCDE reconhece uma agenda ambiciosa no sentido de transformar o setor da Justiça, tornando-o mais transparente, acessível e eficaz. Este relatório faz um balanço dos esforços do Governo português para melhorar o desempenho do setor da Justiça, particularmente em áreas onde a tecnologia e a inovação foram introduzidas como ferramentas para facilitar a relação com os utilizadores do sistema. Para este fim, baseia-se num conjunto de critérios da OCDE para a prestação de serviços jurídicos e judiciários centrados nas pessoas, bem como em metodologias estabelecidas em matéria de simplificação legislativa e administrativa e de governo digital. Numa perspetiva de modernização e inclusão, o relatório fornece uma visão geral da agenda da reforma da Justiça em Portugal, avaliada em função dos critérios da OCDE, com particular atenção às medidas destinadas à modernização, à capacidade de inovação e ao fortalecimento das respostas centradas no cidadão e nas suas necessidades.
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Como pontos fortes este relatório destaca que Portugal tem investido ativamente na adoção de medidas particularmente focadas na modernização do sistema de Justiça, garantindo que este é mais inclusivo e capacitado para responder às necessidades das pessoas. São enfatizados os programas Justiça + Próxima, Tribunal + e Simplex +, no quadro dos instrumentos de modernização e capacitação. Estes são identificados como uma sólida base para o desenvolvimento das prioridades nacionais, tornando-se Portugal um dos únicos países a adotar uma abordagem integrada com recurso a um extenso pacote de medidas de simplificação administrativa, digitalização e inovação no setor da Justiça. Reconhece, ainda, que, com as medidas adotadas, Portugal demonstrou o seu compromisso com a disseminação de uma cultura de inovação transversal a todo o setor, evidenciando as iniciativas de justiça digital que nos na proa da inovação. Nesta dimensão, a OCDE destaca que, por exemplo, em 2018, na área de serviços públicos digitais, Portugal demonstrou um desempenho acima da média em comparação com os restantes Estados-membros da UE. Como elementos de melhoria, no plano das limitações e constrangimentos, é sinalizado que Portugal, à semelhança do que sucede com outros Estados europeus e não só, herdou sistemas que demoram a mudar, baseados em prá-
ticas complexas. Salienta que a crescente complexidade de alguns casos, designadamente no âmbito criminal, exige dos intervenientes do sistema uma crescente coordenação, eficiência e investimento na interoperabilidade entre os diversos sistemas de informação, com impacto nos tempos processuais. Também os constrangimentos financeiros são indicados como um fator de pressão que exige a identificação permanente de novas e inovadoras formas de prestar mais e melhores serviços com menos recursos. Nesta medida, Portugal é instado a continuar a investir, designadamente, na articulação entre os diferentes stakeholders com vista a ultrapassar e superar os obstáculos e constrangimentos existentes; na melhoria dos serviços prestados ao cidadão, incluindo no âmbito da governação, da construção de políticas públicas e da prestação de serviços públicos; na constante procura de métodos e procedimentos mais simplificados; e na inovação e digitalização ao serviço do cidadão. Rumo a um sistema de justiça inteligente em Portugal, o relatório descreve as principais estratégias e iniciativas impulsionadoras da transformação do sistema, focando-se na promoção de soluções mais simples, digitais, abertas e inovadoras e na otimização dos serviços prestados. Procede a um balanço dos progressos alcançados por Portugal, com base nas boas práticas identificadas em outros países da OCDE. Neste âmbito destaca o ambicioso programa adotado
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destaque nos últimos anos. Às iniciativas desenvolvidas, particularmente Justiça + Próxima, Tribunal + e Simplex +, é reconhecida a capacidade de tornar os serviços de Justiça mais eficientes, ágeis e inovadores, mas também acessíveis e humanos. É-lhes reconhecida a habilidade de capacitar os diferentes intervenientes, incluindo os tribunais, numa perspetiva promoção da interação, dando simultaneamente resposta às suas necessidades. Também ao programa Capitalizar, com impacto no setor da Justiça, é reconhecido um papel particularmente relevante no âmbito da captação de investimento e no relançamento da economia. É destacada uma sofisticada abordagem transversal para uma transformação de todo o setor público, reconhecendo Portugal como um dos países da OCDE que integra elementos de simplificação administrativa, melhoria dos serviços e estratégias digitais, com o intuito de aproximar a administração e particularmente o sistema de justiça do cidadão. Às iniciativas levadas a cabo é, assim, atribuído o potencial de:
• Criarem um ambiente propício para os negócios;
• Fortalecerem a confiança nas instituições de justiça e melhorarem a perceção da justiça;
• Reforçarem a transparência da Justiça através de um melhor serviço;
• Melhorarem a capacidade de resposta e a eficiência dos serviços e atenderem às restrições orçamentais;
• Aproximarem a justiça das pessoas. Concretamente no que tange ao Programa Justiça + Próxima e aos seus resultados, é salientado um pacote abrangente de digitalização e
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modernização assente em mais de 175 medidas em contínua expansão e adaptação, através de um processo de consulta pública on-line, com particular atenção aos custos envolvidos. O enfoque nos stakeholders do sistema judicial é particularmente valorizado no quadro de um sistema colaborativo que colhe no processo de mudança o input dos diversos intervenientes. Como decorrência direta, o relatório assinala a melhoria dos serviços, a simplificação dos processos e a inovação nos tribunais, num padrão digital de intervenção centrado nos interesses dos cidadãos e das empresas. A estratégia levada a cabo representa a visão mais lata do Governo português relativa à prestação de um serviço público que responda às necessidades dos cidadãos, incluindo respostas judiciais mais rápidas e uma maior confiança na Justiça com vista à promoção de um crescimento inclusivo. Estas estratégias são enfatizadas pela OCDE como elementos importantes visando melhorar a eficiência, a eficácia, a transparência e a orientação para o utilizador do sistema de Justiça português, numa perspetiva a longo prazo que deverá ir para além do ciclo governativo e que integra, numa ótica de inclusão, uma resposta às necessidades daqueles que se encontram nas margens do sistema com limitado acesso à justiça e ao direito. Neste plano, são destacados aqueles que a OCDE entende nesta análise serem os três principais pilares da intervenção no setor da Justiça:
d esta q ue • Simplificação, com particular enfoque no Simplex +, especialmente orientado para as soluções dirigidas aos cidadãos e às empresas;
• Digitalização, especialmente as soluções levadas a cabo no âmbito do programa Justiça + Próxima, como por exemplo a desmaterialização de processos e de informação e a multiplicação de plataformas online que disponibilizam diversos serviços de uma forma simples e acessível;
• Inovação, com destaque para os balcões únicos nas mais diversas áreas de prestação de serviços da Justiça, com recurso a plataformas digitais e informação estrategicamente integrada, bem como a criação do Hub da Justiça particularmente orientado para a modernização e a criação de soluções multidisciplinares e inovadoras. No âmbito da otimização dos serviços, o relatório destaca as medidas adotadas âmbito dos programas referidos para adequar o mapa judiciário às necessidades dos cidadãos; a especialização dos tribunais com vista à promoção da eficiência; as medidas em sede de gestão e organização dos tribunais com impacto nos tempos de resposta e na produtividade; a reforma do processo administrativo e fiscal; e o investimento nos meios de resolução alternativa de litígios. São ainda destacados os desenvolvimentos orientados para o apoio às empresas e aos negócios, proporcionando uma justiça businessfriendly assente na inovação e acompanhada das alterações legislativas que se mostraram necessárias, designadamente em matéria de insolvências e recuperação de empresas através do Processo Especial de Revitalização.
Também em sede da ação executiva são observadas as reformas do processo civil e os mecanismos orientados para a redução das pendências. A aplicação destes programas posiciona Portugal, na perspetiva da OCDE, entre os países com boas práticas em matéria de smart justice, salientando aquela entidade que os objetivos visados se encontram alinhados com as boas práticas internacionais nesta matéria. Destaca, ainda nesta sede, as iniciativas adotadas no sentido de promover os meios de resolução alternativa de litígios, através de plataformas online facilitadoras da sua utilização.
Com a transformação dos tribunais em foco o relatório refere expressamente que o sistema de Justiça português tem caminhado ativamente no sentido da aproximação ao seu utilizador, destacando aqui o projeto Tribunal +, no âmbito do qual os tribunais piloto constituem uma alavanca de transformação com base na utilização de tecnologia e racionalização de procedimentos, com um claro impacto nos juízes, magistrados do Ministério Público, oficiais de justiça e outros intervenientes. Este projeto é identificado como um mecanismo apto a introduzir mudanças conducentes à superação de constrangimentos identificados no setor da Justiça, nomeadamente a pendência processual, a insuficiência de recursos humanos, a necessidade de simplificação e maior eficiência, a necessidade de desmaterialização e a necessidade de
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destaque adaptação da comunicação e do relacionamento aos diferentes utilizadores. São abordadas as alterações estratégicas em sede de Front Office (Balcão +), de Back Office (processos de trabalho, organização, monitorização e especialização dos funcionários) e de introdução de tecnologias da informação, equipamentos e soluções práticas, reconhecendo a OCDE o impacto ao nível da redução de tempo e custos. Assim, no que tange à transformação dos tribunais, a visão veiculada é notoriamente positiva com identificação das diversas conquistas do Programa Tribunal +, com claros resultados ascendentes e significativos das intervenções relativas ao Balcão +, às iniciativas de Back Office e à introdução de tecnologias da informação, equipamentos e soluções práticas. O projeto piloto de Sintra é apresentado como modelo e são preconizadas as vantagens da sua extensão ao restante território nacional. São examinadas as diversas abordagens adotadas por Portugal com vista a melhorar a sustentabilidade da agenda de reformas no setor da Justiça, com particular ênfase na avaliação e monitorização, incluindo na aferição do desempenho do setor, adoção de indicadores, análise de custo-benefício e avaliação pelos utilizadores, com base numa estrutura analítica robusta, sustentada por uma detalhada teoria da mudança e em processos de recolha de dados melhorados. Neste quadro, destaca a aplicação de um conjunto de indicadores estratégicos de desempenho adotados pelo Ministério da Justiça em articulação com o Conselho Superior da Magistratura e a Procuradoria-Geral da República, com vista a medir a eficiência, a eficácia e a qualidade dos tribunais.
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Reconhece que Portugal desenvolve já uma abordagem particularmente ampla no que tange à avaliação, estando em curso o desenvolvimento de um novo sistema de indicadores mais amplo e que passará a incluir uma avaliação de recursos, eficiência operacional e simplificação dos procedimentos, tempo e qualidade, gestão e organização, e satisfação dos utilizadores. É salientado que, neste processo de melhoria, os tribunais portugueses conquistaram ganhos de eficiência substanciais, tal como foi reconhecido no relatório do FMI de 2018. São reconhecidas particulares melhorias ao nível dos tempos médios de resolução processual, o que demonstra que os tribunais aumentaram a sua eficiência encurtando os tempos de espera e tornando a justiça mais célere, contribuindo, nos últimos anos, para um aumento da confiança no sistema de justiça. Nesta senda, a OCDE aferiu, junto dos diversos intervenientes judiciários e utilizadores do sistema de justiça, que existe consenso relativo ao impacto positivo da introdução das tecnologias da informação e da comunicação (nomeadamente relativo à nova versão do Citius), da nova organização dos back offices e do novo modelo de front office – Balcão +. Todos são referidos com tendo contribuído para melhorar substancialmente o funcionamento dos tribunais. Na perspetiva dos utilizadores, a OCDE sinaliza que também as empresas reconhecem os benefícios introduzidos pelos mecanismos de relacionamento online com o setor da justiça. É, também, positivamente notada a monitorização e acompanhamento feito aos Programa Justiça + Próxima e Tribunal +, assentes em reportes periódicos que avaliam as concretiza-
d esta q ue ções dos indicadores e objetivos, bem como os custos envolvidos. Sublinha considerar importante a contínua aposta na monitorização e acompanhamento dos Programas, com recurso a um modelo analítico geral integrando uma abordagem mais compreensiva. Ainda que reconheça que os tempos médios de resolução processual foram encurtados, tornando-se a justiça mais célere, identifica que persistem alguns constrangimentos particularmente na jurisdição administrativa e fiscal. É também nestas que é sinalizada a necessidade de maiores mudanças, com vista a ganhos de eficiência. Ainda no que tange à monitorização e avaliação das reformas concretamente implementadas, a OCDE refere que a prática internacional aponta para a importância de estender a análise a outros aspetos do desempenho dos tribunais e a outros elementos do setor da justiça numa ótica alargada. Sinaliza, contudo, que Portugal já está a desenvolver estratégias inerentes a uma medição mais abrangente. Neste âmbito, recomenda a adoção de uma abordagem mais compreensiva, com recurso a um modelo analítico geral, para o qual a OCDE sugere uma estrutura assente na articulação interinstitucional. É dada uma nota particularmente positiva do esforço do setor Justiça no cumprimento do Memorando de Entendimento celebrado com o Fundo Monetário Internacional e com a União Europeia, o qual impôs a Portugal um conjunto de medidas de austeridade que vieram a resultar em ganhos de eficiência, conforme veio a ser apontado no último Semestre Europeu de 2019. Não obstante o reconhecimento de todos os progressos alcançados, a OCDE formula um conjunto de recomendações ao Estado português, centrando-se estas em eixos estratégicos
do setor da Justiça em linha com os trabalhos que têm já vindo a ser gizados e executados. Trata-se de orientações que compreendem um reforço particularmente positivo do esforço desenvolvido nos últimos anos, reconhecendo à estratégia adotada para o setor a capacidade para aproximar a Justiça dos cidadãos e para melhorar os níveis de confiança no sistema. A estratégia a longo prazo deverá passar, na visão da OCDE, pelo investimento nas soluções já iniciadas, com aposta no seu desenvolvimento e continua melhoria. O cidadão como destinatário último do sistema de Justiça e a garantia de que o acesso é assegurado a todos de forma a que ninguém fique excluído são desafios constantes aos quais a estratégia em curso procura dar cada vez mais e melhor resposta. Em suma, este relatório, particularmente analítico, evidencia o reconhecimento internacional da estratégia projetada para a Justiça portuguesa, sem deixar de apontar caminhos e de reforçar a necessidade de contínua aposta nas soluções digitais e nos mecanismos de simplificação administrativa, bem como na melhoria dos serviços disponibilizados.
O relatório pode ser consultado na versão original em:
oecd-ilibrary.org/governance/justicetransformation-in-portugal_184acf59-en e em língua portuguesa em:
dgpj.justica.gov.pt/Portals/31/Noticias/ Relatorio_OCDE_PT.pdf
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euro pa PANDEMIA DA COVID-19
A adaptação dos sistemas judiciais e prisionais europeus O surto de covid-19 na Europa, com inicio em março de 2020, teve consequências a diversos níveis. A proteção da saúde e da segurança dos cidadãos evidenciou-se como a principal prioridade. No entanto, paralelamente, urgiu tomar medidas decisivas para atenuar o impacto socioeconómico da pandemia. A Justiça, tal como outras áreas teve que se adaptar rapidamente atuando sobre duas premissas fundamentais, por um lado a segurança e por outro a prestação de um serviço público adequado, funcional, preferencialmente, com diminuição de contactos, a fim de ser possível conter o contágio. Assim, a generalidade dos Estados europeus adotou planos de contingência mais do que numa perspetiva reativa, ainda mesmo numa perspetiva preventiva. As consequências evidenciaram-se em todas as áreas processuais, nomeadamente ao nível dos prazos, do exercício dos direitos processuais, do sistema prisional, entre outros. Com um regime de confinamento imposto em quase toda a União Europeia, a prestação dos serviços de Justiça aos cidadãos alterou-se necessariamente. A desmaterialização, já em curso em muitos Estados, impôs-se de forma inequívoca e a virtualidade dos contactos intensificou-se na medida do possível. No entan-
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to, tornou-se evidente a necessidade de adotar algumas regras transitórias, mas eficazes que permitissem a proteção dos cidadãos numa época em que a deslocação aos serviços públicos e a concentração de pessoas num mesmo espaço se tornou um risco para a população.
Processos judiciais A suspensão e interrupção dos prazos foi uma das medidas mais adotadas pelos Estados europeus, a par do adiamento de atos e diligencias, necessariamente impostos pelo encerramento de tribunais. A maioria dos Estados adotou regras especificas para serem aplicadas em sede da pandemia (e.g. Itália, Portugal, França, Estónia, Letónia, Eslovénia, Espanha, Luxemburgo, Malta, Polónia, Roménia), embora com exceções relativas a processos urgentes, nomeadamente processos relativos às responsabilidades parentais e à guarda de menores. Ainda assim, alguns Estados optaram por proceder a adiamentos, mas não adotar normas especificas relativas prazos judiciais. Por exemplo na Dinamarca não foram introduzidas quaisquer medidas nesta matéria. Os tribunais passaram ao regime de teletrabalho desempenhando a maioria das suas incumbências à distância e tramitando presencialmente ape-
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nas os casos considerados críticos, sem prejuízo de adiamentos que se verificaram necessários. Foi, no entanto, criado neste país um comité de crise (constituído pela administração judicial e por um grupo de presidentes de tribunais), que visa, nomeadamente, monitorizar a atuação do sistema de justiça na perspetiva do Estado de direito. Também na Finlândia não foram adotadas medidas relativas aos prazos processuais, restringindo-se as diligencias presenciais aos processos urgentes. A tramitação processual continuou através de meios remotos e a suspensão de processos foi feita ao abrigo das normas pré-existentes e não específicas para esta situação.
A desmaterialização, já em curso em muitos Estados, impôs-se de forma inequívoca e a virtualidade dos contactos intensificou-se na medida do possível.
A Alemanha não adotou, medidas relativas a prazos em processo civil (intervindo apenas no processo penal), mas recorreu aos meios já anteriormente disponíveis para adiar os atos e diligências necessários. A Hungria optou por apenas admitir a suspensão fundada na pandemia quando os atos processuais não pudessem ser praticados por escrito e/ ou via eletrónica. Na Irlanda, foram adotadas apenas regras relativas à prescrição permitindo que, embora com funcionamento, os tribunais admitissem necessariamente a entrada de processos com prazo limite. No caso da República Checa, as audiências presenciais não foram adiadas, mas foram realizadas com a participação em exclusivos dos intervenientes processuais. As inquirições
de testemunhas, interrogatórios de arguido e outras diligências decorreram por videoconferência.
Intensificou-se a utilização dos sistemas de comunicação à distancia, como a videoconferência e os recursos digitais, nomeadamente para a realização de audiências e diligências processuais. Esta medida foi transversal à generalidade dos Estados. As comunicações passaram, também, na quase totalidade dos Estados europeus, a poder ser feitas por email ou telefone. No caso dos Países Baixos, com exceção de casos de extremas urgência, os restantes foram objeto de procedimento escrito ou de áudio/ videoconferência. Na Polónia, para além de regras relativas aos prazos foi admitida a transferência de processos entre tribunais (tal como em França) e foi simplificado o destacamento de juízes, permitindo intensificar o apoio onde este se revela mais necessário. No geral, o trabalho realizado nas instalações judiciais sofreu uma redução significativa. Foram disponibilizadas ou reforçadas soluções e ferramentas informáticas de comunicação, a fim de facilitar o teletrabalho dos magistrados e funcionários dos tribunais. O regime presencial ficou restrito aos casos urgentes ou em que os direitos em causa merecessem tutela especial (caso da proteção dos menores).
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euro pa
…no que se reporta à organização do sistema, as principais medidas utilizadas pelos Estados europeus incluíram o encerramento ou limitação do funcionamento presencial dos tribunais.
Num quadro mais específico, atento o impacto da pandemia na economia e nas empresas, uma área que mereceu particular atenção por parte dos Estados foi a dos mecanismos de insolvência e recuperação de empresas. Neste âmbito a maioria dos Estados europeus introduziu moratórias ou regras especificas sobre as ações executivas; adiamento dos prazos de pagamentos, nomeadamente de empréstimos; regras sobre a suspensão da rescisão de contratos e mecanismos de proteção de devedores, nomeadamente alargamento dos prazos para requerimento de insolvência. Uma das medidas amplamente utilizadas foi a suspensão (e.g. Bélgica, Luxemburgo) ou adiamento por um prazo específico do dever de apresentação à insolvência pelo devedor (e.g. Áustria, Espanha, Estónia, França, Roménia, Eslováquia). Neste domínio houve, contudo, outras abordagens, com opções de não intervenção nos prazos, como foi, por exemplo, o caso dos Países Baixos, cuja opção foi adotar medidas de intervenção visando a restruturação, não adiando os direitos dos credores.
Em suma, no que se reporta à organização do sistema, as principais medidas utilizadas pelos Estados europeus incluíram o encerramento ou limitação do funcionamento presencial dos
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tribunais. Consequentemente, foram adiados atos e diligências e em alguns Estados foram introduzidas regras relativas à suspensão ou interrupção com fundamento na pandemia. Foram agilizados os meios de comunicação à distância, como a videoconferência ou outras ferramentas digitais e o envio desmaterializado de documentos substituiu a entrega presencial. O teletrabalho foi utilizado em larga escala com recurso a ferramentas informáticas já disponíveis ou entretanto disponibilizadas.
Sistema prisional O surto de Covid-19 teve um forte impacto no âmbito da administração prisional, atentas as características desta área da Justiça. A contenção da propagação do vírus no ambiente prisional, fechado e vulnerável tornou-se, desde o início, uma prioridade. Neste contexto, as medidas adotadas pela generalidade dos Estados europeus incluíram a suspensão ou restrição temporária das visitas e das atividades com pessoas exteriores aos estabelecimentos, nomeadamente atividades desportivas e de formação académica e profissional. No que tange às visitas, a maioria dos Estados da União Europeia optou pela restrição, investindo em meios alternativos de contacto. Os
e uro p a
que não enveredaram por essa opção impuseram medidas de segurança sanitária adicionais, designadamente, controlo da temperatura à entrada (República Checa, Hungria, Irlanda e Polónia), preenchimento de declaração ou formulário relativo ao estado de saúde (Roménia, França, República Checa, Croácia, Estónia, Irlanda e Itália) e, em alguns casos, foi introduzido um sistema de registo de visitas para efeitos covid-19 (e.g. Bélgica e Itália). Os espaços de visita foram também alterados, quer criando-se distância entre visitante e recluso (e.g. Chipre), quer mudando-se as visitas para cabines especialmente adaptadas para o efeito ou, no sentido oposto, para espaços abertos (e.g. Eslovénia e Croácia). Foram também impostas medidas de higiene adicionais com disponibilização, em muitos casos, de desinfetantes para as mãos a serem usados pelos visitantes (e.g. Luxemburgo, França, Roménia e Chipre) e Estados houve que optaram por fornecer equipamento de proteção aos visitantes (e.g. Luxemburgo, França, Espanha, República Checa, Chipre). Na generalidade dos Estados em que as visitas foram permitidas, procedeuse à desinfeção frequente das áreas de visita. A imposição de distância física foi também
uma medida genericamente adotada. Verificam-se situações em que as visitas foram limitadas em número (Luxemburgo, França, Itália, Espanha, Bélgica, Roménia e Croácia) e tempo, com duração entre 30 a 60 minutos, (e.g. Luxemburgo e Chipre). Na abertura tem sido genericamente dada prioridade à família direta com imposição de medidas sanitárias e de proteção.
…as medidas adotadas pela generalidade dos Estados europeus incluíram a suspensão ou restrição temporária das visitas e das atividades com pessoas exteriores aos estabelecimentos,...
A transferência de reclusos entre estabelecimentos prisionais também foi totalmente restringida ou limitada a estabelecimentos específicos, na maioria dos Estados. Nos novos ingressos, alguns Estados optaram por um isolamento ou quarentena profilática de 14 dias.
A libertação antecipada de alguns dos reclusos evidenciou-se como medida especialmente apta a, numa lógica de equilíbrio, diminuir a densidade populacional, restringindo-se o risco de contágio. Foi a opção de Portugal, de Espanha, da Finlândia, de Itália, da Eslovénia, da Irlanda, da Suécia, da França. Foram medidas fundamentais para proteger a saúde dos reclusos e de todos os que exercem funções no sistema prisional.
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estatí sticas d a ju st i ç a RESULTADOS 2019
Estatísticas dos tribunais estatisticas.justica.gov.pt
A DGPJ disponibilizou, em finais do mês de abril, os primeiros resultados estatísticos de 2019 relativos aos tribunais judiciais e tribunais administrativos e fiscais de 1.ª instância (poderá consultar os diversos destaques
Tribunais judiciais de 1.ª instância
Processos pendentes a 31 de dezembro (1996-2019)
Em consonância com estes resultados, a taxa de resolução processual (que mede a capacidade do sistema num determinado ano para enfrentar a procura verificada no mesmo período), foi, nestes tribunais, de 114,4%, sendo 2019 o sétimo ano consecutivo em que a taxa de resolução pro-
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estatísticos da DGPJ aqui), os quais, entre outras conclusões, revelaram um decréscimo do número de processos pendentes nos tribunais portugueses ao longo desse ano. No que respeita aos tribunais judiciais de 1.ª instância, o número de processos pendentes a 31 de dezembro de 2019 era de 756 714 processos, o que representa um decréscimo de 11,1% face a 31 de dezembro de 2018 e é o valor mais baixo de processos pendentes desde 1995.
Taxa de resolução processual (1996-2019)
cessual é favorável (ou seja, superior a 100%). Já o saldo processual foi favorável em 94.173 processos. Poderá consultar o destaque referente ao “Movimento processual dos tribunais judiciais de 1.ª instância em 2019” aqui.
estat íst i c a s d a j ust i ç a Tribunais administrativos e fiscais de 1.ª instância
Nos tribunais administrativos e fiscais de 1.ª instância, a 31 de dezembro de 2019 encontravam-se pendentes 67 240 processos, sendo 21 782 administrativos e 45 458 fiscais, o que representa um decréscimo da pendência, face a 31 de dezembro de 2018, de 2,4% em termos globais, e de 4,7% na matéria administrativa e 1,3% na matéria
Taxa de resolução processual, por matéria (2015-2029)
Deste modo, a taxa de resolução processual nestes tribunais foi, em 2019, de 111,3% para os processos administrativos e de 103,4% para os processos fiscais, correspondendo a um
valor global de 106,2%. Este valor favorável corresponde ao quarto ano consecutivo com uma taxa superior a 100%. O saldo processual, por sua vez, foi favorável, correspondendo a menos 1.683 processos (menos 603 processos na área fiscal e menos 1.080 processos na área administrativa). Pela primeira vez foi possível apresentar, também, estatísticas oficiais relativas à duração média dos processos findos nos tribunais administrativos e fiscais de 1.ª instância, neste caso para os anos de 2018 e 2019, sendo a duração média global dos processos findos, em 2019, de 39 meses. Poderá consultar o destaque referente ao “Movimento processual dos tribunais administrativos e fiscais de 1.ª instância em 2019” aqui.
Processos executivos – 4.º trimestre de 2019 No âmbito do acompanhamento trimestral que a DGPJ realiza da ação executiva, foram também divulgadas as estatísticas referentes ao último trimestre de 2019.
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estatí sticas d a ju st i ç a Neste período, o número de ações executivas cíveis findas foi superior ao número das entradas, contribuindo para que a 31 de dezembro de 2019 o número de ações pendentes fosse de 527 806, o valor mais baixo desde 2002 e que representa uma diminuição de 12,7% face a 31 de dezembro de 2018. A taxa de resolução processual foi de 154,1% e o saldo processual, favorável, correspondeu a menos 16 698 processos face ao trimestre anterior. Poderá consultar o destaque referente às “Estatísticas trimestrais sobre ações executivas cíveis”aqui.
No que respeita aos processos de insolvência e de recuperação de devedores, no 4.º trimestre de 2019, o número de insolvências decretadas foi de 2 496, o que corresponde a uma diminuição de 7,1% do número de insolvências decretadas face ao mesmo período de 2018 e é o valor mais reduzidos dos períodos homólogos desde 2011. Das 2 496 insolvências decretadas, 78,3% corresponderam a pessoas singulares, 21, 6% a pessoas coletivas e 0,2% a outros.
Ações executivas cíveis pendentes, por trimestre
Processos de falência, insolvência e recuperação de empresas – 4.º trimestre de 2019
Tipo de pessoa envolvida nas insolvências decretadas nos tribunais judiciais de 1.ª instância (4.º trimestre)
Poderá consultar o destaque referente às “Estatísticas trimestrais sobre processos de insolvência, processos especiais de revitalização e processos especiais para acordo de pagamento” aqui.
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estat íst i c a s d a j ust i ç a Outros processos cíveis – 4.º trimestre de 2019
Relativamente às ações cíveis não abrangidas pelos dois destaques anteriores, o número de ações pendentes a 31 de dezembro de 2019 era de 133 004, o que corresponde, simultaneamente a uma redução de 11,1% durante o 4.º trimestre de 2019, a uma redução de 50,6% face ao período homólogo de 2007 e ao valor mais reduzido desde esse ano. A taxa de resolução processual foi, para este tipo de processos de 113,3%, correspondendo a um saldo processual de menos 6 549 processos.
Ações cíveis pendentes (4.º trimestre)
Já a duração média das ações cíveis findas no 4.º trimestre de 2019 foi de doze meses, representando uma diminuição de dois meses face ao valor do período homólogo de 2018. Poderá consultar o destaque referente às “Estatísticas trimestrais sobre ações cíveis” aqui.
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estatí sticas d a ju st i ç a INFORMAÇÃO ESTATÍSTICA
Seis meses do novo sistema de consulta on-line estatisticas.justica.gov.pt
Desde o passado mês de setembro, está disponível o novo sistema de consulta on-line das estatísticas da Justiça, no endereço estatisticas. justica.gov.pt. Neste novo sistema a consulta da informação passou a ser mais fácil e intuitiva, através de formas gráficas, amigáveis e interativas, bem como de novas ferramentas de pesquisa. A atualização da informação passou também a ser feita de forma mais célere, tendo já se iniciado a divulgação trimestral de indicadores, até agora anuais, sobre o desempenho dos tribunais judiciais de primeira instância. A consulta em língua inglesa de toda a informação foi também uma novidade importante, para resposta à crescente procura de dados estatísticos por parte de investigadores, entidades de outros países e organizações internacionais. Decorridos mais de seis meses da sua disponibilização, é feito um balanço muito positivo deste projeto, o qual é revelado por um aumento da procura de informação estatística on-line e pelas opiniões muito favoráveis, recolhidas, em grande parte, nas diversas sessões de apresentação realizadas nos primeiros meses, as quais contaram com a presença de mais de 300 participantes.
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Até 31 de março de 2020, o novo sistema contou com 12 131 visitantes, que iniciaram 24 714 sessões e visualizaram 89 497 páginas, das quais 20 191 relatórios de exploração dinâmica. Por dia, em média, o sistema teve 121 visitas e 439 páginas visitadas. Em comparação com o anterior, no novo sistema foram efetuadas, por dia, em média, mais 40 consultas a relatórios, representando um aumento de 67%. Sendo disponibilizada uma versão integral do site em língua inglesa, foi facilitado o acesso a partir do estrangeiro, também potenciado por diversas iniciativas de divulgação junto de entidades de outros países e de organizações internacionais. Não obstante 93% dos acessos estarem localizados em Portugal, os restantes 7%, correspondentes a cerca de 1 500 sessões, distribuíram-se por 77 países diferentes, localizados em todos os continentes. O país estrangeiro com mais acessos foi o Brasil (291), seguido dos Estados Unidos (95) e da França (85). O acesso é feito preferêncialmente através de desktop e apenas em 13% das sessões, na maioria realizadas durante a fase inicial de divulgação do sistema, através de equipamento telefónico móvel ou tablet.
estat íst i c a s d a j ust i ç a Oceania
Africa
2 0,1%
60 4,0%
Americas 410 27,4%
Europe 754 50,3%
Asia
273 18,2%
Segundo os continentes de origem No que toca às demais novidades do sistema, destacam-se as visualizações de páginas com dashboards (48 885, correspondendes a 240/ dia) e de páginas de temas, em que o utilizador vê um retrato estatístico transversal de alguns dos assuntos mais procurados no âmbito das estatísticas da Justiça (6.325, correspondentes a 31/dia). A ferramenta de pesquisa, em que o
utilizador pode procurar a informação que pretende através de expressões ou palavras, foi utilizada, neste período, 2 360 vezes. As pesquisas mais frequentes são de termos associados à justiça económica, tema em preparação, que reunirá diversos indicadores disponiveis relacionados com essa matéria, e que muito em breve se espera poder disponibilizar.
Segundo os países de origem
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re l a ções internacio nais
COOPERAÇÃO
Implementação da Procuradoria Europeia Em 12 de outubro de 2017, Portugal fez parte do conjunto de países que aderiu ao mecanismo de cooperação reforçada destinado à implementação da Procuradoria Europeia. Esta instituição, estabelecida através do Regulamento (UE) n.º 2017/1939 do Conselho, terá sede no Luxemburgo, na vizinhança do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Tribunal de Contas Europeu. A criação desta entidade encontrava-se já prevista no n.º 1 do artigo 86.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nos termos do qual o Conselho poderia criar uma Procuradoria Europeia, com competência para investigar, processar judicialmente e levar a julgamento os autores e cúmplices de infrações lesivas dos interesses financeiros da União. As referidas infrações, conforme definidas na Diretiva (UE) 2017/1371 do Parlamento Europeu e do Conselho de 5 de julho de 2017, e vulgarmente designadas por crimes PIF, são responsáveis por elevados prejuízos aos orçamentos dos Estados-membros e da União Europeia. Com efeito, estima-se que a fraude transfronteiriça ao IVA cause uma perda anual de cerca de 50 mil milhões de euros, tendo, em 2017, os Estados-membros comunicado irregularidades fraudulentas no valor aproximado de 500 mi-
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lhões de euros. Ao infligirem graves prejuízos a um vasto leque de agentes económicos, os crimes PIF têm um impacto direto na vida quotidiana dos cidadãos e minam a credibilidade da União e do projeto europeu. A Procuradoria Europeia caracteriza-se pela sua independência e, ao funcionar como instância única em todos os participantes - atualmente 22 Estados-membros -, não dependerá dos instrumentos tradicionais do direito da União Europeia para a cooperação entre as diversas autoridades judiciárias, o que contribuirá para o objetivo de assegurar maior eficácia à investigação de tais crimes, por regra complexos e frequentemente envolvendo diferentes jurisdições. Para que possa exercer a sua missão, as autoridades nacionais competentes, bem como todas as instituições, órgãos e organismos da União devem, sem demora injustificada, comunicar à Procuradoria Europeia qualquer conduta criminosa que se enquadre no âmbito das competências que lhe foram conferidas pelo Regulamento (UE) n.º 2017/1939. A sua estrutura está organizada a nível central e, a nível local, nos diversos Estados-membros. O nível central, que funcionará a partir da sede no Luxemburgo, é constituído por um ProcuradorGeral Europeu, que preside à Procuradoria Europeia e ao Colégio de Procuradores Europeus,
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pelas Câmaras Permanentes e pelos Procuradores Europeus. O nível descentralizado é constituído pelos Procuradores Europeus Delegados, sedeados nos Estados-membros. O Colégio da Procuradoria Europeia é constituído pelo Procurador-Geral Europeu e por um Procurador Europeu por cada Estado-membro e é responsável pela supervisão geral das atividades da Procuradoria Europeia, tomando decisões de natureza estratégica, especialmente no intuito de assegurar a coerência, eficiência e coesão da política de ação penal seguida pela Procuradoria Europeia em toda a União. As Câmaras Permanentes, compostas por Procuradores Europeus, acompanham e orientam as investigações e ações penais conduzidas pelos Procuradores Europeus Delegados, asseguram a coordenação das investigações e das ações penais nos processos transfronteiriços, assim como a aplicação das decisões tomadas pelo Colégio. Têm o poder de emitir ordens em matéria de inquérito (abertura, tramitação e encerramento), nomea-
damente no que diz respeito à condução das investigações e à recolha de prova, cabendo-lhes a decisão final sobre as propostas apresentadas pelo nível hierárquico inferior, ou seja, pelos Procuradores Europeus Delegados e pelos próprios Procuradores Europeus que as compõem. Os Procuradores Europeus, além de membros do Colégio e das Câmaras Permanentes, veiculam as ordens das Câmaras Permanentes aos Procuradores Europeus Delegados nos casos que tenham ligação direta ou indireta com o seu Estado-membro de origem. As investigações da Procuradoria Europeia, nos Estados-membros, deverão ser realizadas, em regra, por Procuradores Europeus Delegados, os quais, desempenhando as suas funções sob a supervisão do Procurador Europeu supervisor e seguindo a orientação e as instruções da Câmara Permanente competente, têm os mesmos poderes que os procuradores nacionais, promovendo a ação penal perante os órgãos jurisdicionais dos seus Estados-membros até ao termo do processo.
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Atualmente em processo de estabelecimento, a Procuradoria Europeia não iniciará funções em data anterior a novembro de 2020, três anos após a entrada em vigor do Regulamento. Na sequência de um processo de seleção que incluiu um concurso aberto, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, Laura Codruta Kövesi, nacional da Roménia, foi designada Procuradora Geral Europeia, tendo iniciado funções a 1 de novembro de 2019. O processo de designação de Procuradores Europeus ainda se encontra em curso e, uma vez designado o Colégio, será tempo de indicar os Procuradores Europeus Delegados – pelo menos dois por Estado-membro. Em simultâneo, avança-se com a operacionalização de instrumentos fundamentais, como o Sistema de Gestão de Processos, desde logo necessário para a articulação entre o Procurador Europeu Delegado e o nível central da Procuradoria Europeia. Também os aspetos ligados ao orçamento merecem especial aten-
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ção por parte da Procuradora-Geral Europeia, a qual tem vindo a sensibilizar os Estados-membros e as instituições para a necessidade de um reforço orçamental da entidade que lidera. A Comissão tem afirmado o seu empenho em que esta instituição inicie funções em novembro de 2020 e sublinha que o papel da Procuradoria Europeia é ainda mais relevante no âmbito da pandemia provocada pela COVID-19, uma vez que terá um papel a desempenhar no combate a eventuais ofensas aos interesses financeiros da União cometidas no âmbito do pacote de auxílio aprovado pela União Europeia para o seu combate e das medidas destinadas a fazer face às consequências económicas provocadas pela crise sanitária. No âmbito da preparação necessária a nível nacional e na certeza de que múltiplos desafios se colocarão ainda, Portugal transpôs a Diretiva PIF, pré-requisito essencial ao início das atividades da Procuradoria Europeia e publicou, a
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A Lei n.º 112/2019, de 10 de setembro, adapta a ordem jurídica interna ao Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia.
10 de setembro, a Lei n.º 112/2019, que dispõe sobre a articulação e a cooperação entre as autoridades nacionais e a Procuradoria Europeia no exercício das funções desta entidade em território nacional e sobre a representação nacional na Procuradoria Europeia, regulando o procedimento interno de designação dos candidatos nacionais a Procurador Europeu, bem como a designação e o estatuto dos Procuradores Europeus Delegados nacionais.
Até ao presente, apenas as autoridades nacionais podiam investigar e exercer a ação penal relativamente aos crimes PIF, tendo de lidar com as diversas dificuldades emergentes da natureza, amiúde transnacional, deste tipo de ofensas. Por outro lado, os organismos da União como a Eurojust, a Europol e o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), não dispõem dos poderes necessários para realizar investigações criminais e instaurar processos penais.
Pela sua natureza supranacional, a Procuradoria Europeia constitui, não só num projeto pioneiro na luta contra a criminalidade que afeta o orçamento da União, mas também um passo fundamental no desenvolvimento de um verdadeiro espaço comum de justiça penal na União Europeia. Pela importância de que a sua missão se reveste e pelas competências que exercerá, uma Procuradoria Europeia, capaz de desempenhar as suas tarefas com independência, rigor, eficácia e transparência, será essencial para garantir a confiança dos cidadãos europeus.
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PROGRAMA GLOBAL PARA A APLICAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE DOHA
DGPJ reúne com representantes
do Escritório das Nações Unidas para as Drogas e o Crime (UNODC) A DGPJ recebeu no dia 14 de fevereiro de 2020, representantes do UNODC, no âmbito do Programa Global para a aplicação da Declaração de Doha. Na reunião de trabalho foi efetuada uma breve apresentação das quatro componentes do Programa Global para a aplicação da Declaração de Doha, com enfoque particular na sua importância para a construção de uma cultura de legalidade nos Estados que são membros da ONU. A Declaração de Doha é o documento político aprovado no 13.º Congresso da ONU para a Prevenção do Crime e a Justiça Penal, realizado em 2015 no Qatar, na qual se destaca a importância da educação como ferramenta para prevenir a criminalidade e a corrupção. Na Declaração é sublinhado que a educação das crianças e dos jovens se afigura
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fundamental para promover uma cultura que apoie o Estado de Direito, a prevenção da criminalidade e a justiça penal, além de ter como referência central que o Estado de Direito e o desenvolvimento sustentável estão inter-relacionados e se reforçam mutuamente. Para tornar realidade a Declaração de Doha, o UNODC, com o apoio financeiro do Estado do Qatar, lançou o Programa Global destinado a ajudar os países a alcançar um impacto positivo e sustentável na prevenção da criminalidade, na justiça penal, na prevenção da corrupção e no Estado de Direito. Procura-se, com esta iniciativa, promover sociedades pacíficas, livres de corrupção e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, através de uma abordagem
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centrada nas pessoas, que faculta o acesso à justiça para todos e cria instituições eficazes e responsáveis a todos os níveis. O Programa Global centra-se em quatro componentes, que estão interrelacionados:
A Declaração de Doha é o documento político aprovado no 13.º Congresso da ONU para a Prevenção do Crime e a Justiça Penal, realizado em 2015 no Qatar, na qual se destaca a importância da educação como ferramenta para prevenir a criminalidade e a corrupção.
- Instituições resilientes, confiáveis e transparentes: fortalecer a integridade judicial e prevenir a corrupção no sistema judiciário. - Sistemas de justiça criminal justos, humanos e eficazes: fomentar a reabilitação e a integração social das pessoas privadas de liberdade, para oferecer uma segunda oportunidade na vida. - Prevenção da criminalidade juvenil: prevenir a criminalidade juvenil através de programas desportivos e desenvolvimento de capacidades para a vida.
- Educação para a Justiça: apoiar a integração da prevenção da criminalidade e do Estado de Direito em todos os níveis de educação.
Os representantes do UNODC, responsáveis pela “Educação para a Justiça (E4J)”, referiram que esta componente foi desenvolvida para criar e disseminar materiais educacionais nas áreas do UNODC de prevenção da criminalidade e da justiça penal para o ensino primário, secundário e superior e promover, assim, uma cultura de legalidade. Estas atividades ajudam os educadores a ensinar a próxima geração a entender e resolver melhor os problemas que podem prejudicar o Estado de Direito e a incentivar os alunos a envolverem-se ativamente nas suas comunidades e futuras profissões com essa finalidade.
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Na Declaração é sublinhado que a educação das crianças e dos jovens se afigura fundamental para promover uma cultura que apoie o Estado de Direito, a prevenção da criminalidade e a justiça penal...
A E4J disponibiliza gratuitamente ferramentas online e recursos académicos, além de organizar outras atividades, como simpósios e workshops para professores para aprendizagem e troca de ideias. Um conjunto de produtos e de atividades para os níveis primário e secundário está a ser desenvolvido em parceria com a UNESCO.
Tendo por referência a vasta experiência do UNODC na prestação de assistência aos Estados membros nesta área, foi referido que a inicia-
tiva Integridade Judicial visa auxiliar os magistrados no fortalecimento da integridade e na prevenção da corrupção no setor da Justiça, em conformidade com o artigo 11.º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Para alcançar esse objetivo esta componente do Programa Global facilitou a criação da Rede Global de Integridade Judicial. O UNODC presta assistência aos Estados no fortalecimento da integridade judicial, responsabilidade e profissionalismo desde 2000, apoiando o desenvolvimento dos Princípios de Conduta Judicial de Bangalore e produzindo várias ferramentas para ajudar o judiciário nesse sentido. Na reunião falou-se sobretudo desta componente “integridade judicial”, na qual, numa primeira fase, se poderá envolver o CEJ, para ser feita uma formação de formadores, para num segundo momento se utilizar o Curso «Ética e integridade judiciária» (com certificação) como de frequência prévia relevante
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para os candidatos à magistratura ou, com a sua integração nas atividades de formação daquele Centro. Falou-se ainda na possibilidade de disseminação deste curso nos países africanos de língua oficial portuguesa e Timor-Leste. Estas iniciativas foram bem acolhidas por parte da DGPJ, que assumiu ir explorar a possibilidade de organização do aludido curso e da sua disseminação, bem como o interesse em ajudar nas tarefas do Programa Global que se
encontram em desenvolvimento, além de ter aproveitado a ocasião para reafirmar a disponibilidade da continuação dos apoios ao UNODC, nomeadamente a tradução de documentação e a disponibilização de peritos. Mais informação sobre o Programa Global pode ser encontrada em:
unodc.org/dohadeclaration
Legenda (imagens das páginas 30, 32 e 33): Usar o poder do desporto para prevenir a criminalidade e o uso de drogas pelos jovens, melhorando e desenvolvendo capacidades. Fonte: unodc.org/dohadeclaration
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REUNIÃO EM CABO VERDE
XVI Conferência dos Ministros da Justiça dos Países de Língua Oficial Portuguesa No passado dia 22 de novembro de 2019, teve lugar na cidade de Santa Maria, Ilha do Sal, na República de Cabo Verde, a XVI Conferência dos Ministros da Justiça dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CMJPLOP), na qual se procedeu à passagem da Presidência do Brasil para Cabo Verde, tendo este Estado apresentado como tema central do seu mandato “Combater o Cibercrime: um novo desafio para a justiça”.
Além de ter apresentado o seu plano de trabalho, a presidência Cabo-Verdiana propôs um conjunto de atividades para o próximo biénio, designadamente, a continuação das Comissões de Trabalhos existentes e das que foi proposto criar, o reforço da formação sobre o combate à cibercriminalidade em parceria com o Conselho da Europa e o seguimento do Projeto PACED, concretamente sobre a evolução das Plataformas.
Presidiu à sessão de abertura o Primeiro Ministro de Cabo Verde, que sublinhou que este fórum constituí uma oportunidade para a reflexão conjunta de questões importantes e atuais que dizem respeito ao funcionamento da Justiça, e que o comprometimento do Estado, enquanto principal promotor de políticas neste setor, deve ser demonstrado, em ações concretas e sistemáticas que possam acautelar e garantir a efetividade e eficácia no funcionamento da justiça. Destacou também o importante contributo que a cooperação judiciária entre os países de língua oficial portuguesa tem tido, com vista à troca de experiências, formação, capacitação técnica e harmonização legislativa.
Os representantes dos Estados concordaram com a criação da Comissão de Trabalho para a elaboração de um “projeto de Convenção que dispensa a necessidade de legalização de documentos emitidos por um Estado membro da CPLP e destinados a serem apresentados no território de outro Estado membro” e da Comissão de Trabalho para matérias relativas aos Assuntos Legislativos.
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Na sua alocução, o Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, em representação da Ministra da Justiça de Portugal, referiu que o combate à cibercriminalidade é um desafio de todos Estados membros, pois as novas tecnologias de informação e comunicação têm um
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profundo impacto no desenvolvimento, na interação e na governação, mas também facilitam atividades criminosas, ressaltando ter esperança que a XVI CMJPLOP, pudesse dar o impulso necessário para a criação de sistemas nacionais de combate a esta realidade. O Secretário-Executivo da CPLP reiterou todo o apoio ao processo de integração da CMJPLOP na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e destacou a Conferência como Reunião Ministerial da CPLP. Tendo sido convidada para participar nesta reunião, a Secretária-Geral Adjunta da COMJIB – Conferência de Ministros da Justiça dos Países Ibero-americanos, deu conta da proposta de realização de um evento conjunto entre a COMJIB e a CMJPLOP, iniciativa que foi bem acolhida e saudada por todos os representantes dos Estados presentes. Foram apresentados os desenvolvimentos do projeto LEGISPALOP+TL, base de dados jurídica oficial, o PACED – Projeto de Apoio à Consolidação do Estado de Direito e as principais conclusões do seminário internacional sobre «Cibercriminalidade e prova eletrónica: harmonização de legislação e a Convenção de Budapeste na comunidade dos países de língua portuguesa», que teve lugar nos dias que precederam a conferência de Ministros da Justiça e
foi organizado com a colaboração do Conselho da Europa. Os Ministros da Justiça dos Países de Língua Oficial Portuguesa, deliberaram a aceitação da titularidade definitiva da Plataforma de comunicação e cooperação entre os organismos da Justiça, criada no âmbito do PACED – Projeto de Apoio à Consolidação do Estado de Direito, passando a ser designada por Plataforma de formação e cooperação da CMJPLOP. A CMJPLOP deliberou ainda adoção da ata assinada em Lisboa, em 24 de novembro de 2017, do Grupo de Trabalho de Harmonização Legislativa, no que respeita aos modelos de harmonização legislativa relativos aos crimes de corrupção, branqueamento de capitais, tráfico de estupefacientes e aos regimes substantivos e processuais respeitantes à proteção de testemunhas e à perda de bens e recuperação de ativos, considerando que tudo deve ser feito para aprofundar as relações de cooperação no combate a estes tipos de criminalidade. Foi também aprovada a Declaração de Santa Maria, na qual é reiterada a vontade de combate à cibercriminalidade e a intenção de que os Estados-membros que ainda não aderiram à Convenção Cibercrime, do Conselho da Europa (Convenção de Budapeste), adotem os procedimentos necessários a essa adesão.
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DECLARAÇÃO DE SANTA MARIA
Seminário Internacional sobre Cibercrime e Prova Eletrónica
Harmonização de Legislação e a Convenção de Budapeste na CPLP Os participantes dos países da CPLP, reunidos na cidade de Santa Maria, Ilha do Sal, República de Cabo Verde, nos dias 19 e 20 de novembro de 2019, por ocasião do Seminário Internacional sobre Cibercrime e Prova Eletrónica, que antecede a XVI Conferência de Ministros da Justiça dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CMJPLOP), designadamente Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste Considerando: Que a XVI Conferência de Ministros da Justiça dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CMJPLOP) escolheu como tema central “Combater o Cibercrime – um Novo Desafio para a Justiça“; Que Cabo Verde anunciou como tema chave da sua Presidência da CMJPLOP o combate ao cibercrime; Que a arquitetura da Internet permite que se mantenham servidores de armazenamento de dados em qualquer parte do globo; Que o cibercrime comporta elementos de transnacionalidade, presentes na maioria das investigações, tanto ao nível da comissão dos ilícitos como da aquisição da prova;
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Que o crime cometido com o uso de meios informáticos pode ter conexões a qualquer parte do mundo e que a prova poderá encontrar-se alojada em jurisdição diversa que pode ou não viabilizar o acesso aos dados e de forma tempestiva e eficaz; Que a tecnologia, não obstante instrumento de progresso global, tem sido crescentemente utilizada como meio para a prática de inúmeros delitos, alguns de especial gravidade e impacto, como a fraude, a pornografia infantil, o branqueamento de capitais, o terrorismo e respetivo financiamento, o tráfico de pessoas, o tráfico de drogas ou os crimes de ódio através das redes sociais e outras formas de crime, cometidos ou não de forma organizada; Que a volatilidade das provas digitais acarreta a necessidade de adoção de diversos procedimentos específicos, como a preservação e divulgação expedita de dados, sob pena de se comprometer a eficácia da ação penal; Que o respeito pela soberania dos Estados e pelos direitos humanos, nomeadamente a observância de regras que protejam os dados pessoais e a privacidade, são valores fundamentais dos Estados que integram a CPLP;
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Que existe uma premente necessidade de promover a aproximação das legislações nacionais dos Estados Membros da CPLP neste âmbito; Que a Convenção sobre o Cibercrime conhecida como Convenção de Budapeste, assinada em Budapeste, Hungria, em 23 de novembro de 2001, no âmbito do Conselho da Europa, constitui o único quadro legal universal vigente de referência no combate ao cibercrime e à obtenção de prova eletrónica. Considerando que, nesta data, 64 países em todo o mundo já aderiram à Convenção de Budapeste, tendo-o feito também, no âmbito da CPLP, Cabo Verde e Portugal; Os participantes dos países da CPLP, reunidos no “Seminário Internacional sobre Cibercrime e Prova Eletrónica“, RECOMENDAM à XVI Conferência de Ministros da Justiça dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CMJPLOP) que: 1. Os Estados Membros adotem as providências necessárias ao fortalecimento de estruturas especializadas para combater o cibercrime, através da elaboração ou do aperfeiçoamento da sua legislação nacional, visando a harmonização legislativa penal e processual penal e a criação de mecanismos eficazes de cooperação internacional em
matéria penal, bem como de intercâmbio de conhecimentos especializados para a constante capacitação das autoridades judiciárias, policiais, advogados e outras entidades que participam no sistema de justiça penal de acordo com a realidade nacional de cada Estado Membro; 2. Visando estes objetivos, os Estados Membros que ainda não integram a Convenção de Budapeste, assinada em Budapeste, Hungria, em 23 de novembro de 2001, se empenhem em dar início a estudos e procedimentos necessários à sua ratificação ou adesão; 3. Os Estados Membros que já concluíram o seu processo de adesão disponibilizem apoio aos demais na concretização dos desígnios acima indicados; 4. Os Estados Membros solicitem e recebam apoio do Conselho da Europa, designadamente através do Projeto GLACY+, para alcançarem os objetivos acima mencionados. Tais compromissos e providências representarão avanços no desenvolvimento do combate ao cibercrime, incluindo-se a cooperação internacional entre os Estados Membros da CPLP, a proteção dos direitos humanos e a realização do Estado de Direito.
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RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS
A Mediação Familiar
como instrumento singular de realização dos princípios orientadores dos processos tutelares cíveis Mais de 4 anos separam-nos da entrada em vigor do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, um diploma que não pode deixar de ser perspetivado como um marco, também do ponto de vista da Mediação Familiar. O Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), veio consagrar um feixe de princípios que deverão reger todos os processos tutelares cíveis, entre os quais avulta o inovador princípio da consensualização, tal como consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do mencionado diploma. De acordo com este princípio “os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito”. Por outro lado, determina-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 21.º que o juiz, tendo em vista a fundamentação da decisão, ordena, sempre que entenda conveniente, a audição técnica especializada e ou a mediação das partes, nos termos previstos nos artigos 23.º e 24.º do referido diploma.
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No que à mediação familiar respeita, cumpre referir que o regime até então acolhido na Organização Tutelar de Menores se manteve intocado, assim se prevendo no artigo 24.º do RGPTC que em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, designadamente em processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, oficiosamente com o consentimento dos interessados ou a requerimento destes, pode o juiz determinar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação. Para tais efeitos, compete ao juiz informar os interessados sobre a existência e os objetivos dos serviços de mediação familiar, sendo que caso o acordo obtido por via de mediação satisfaça o interesse da criança, o juiz homologa-o. No que respeita à audição técnica especializada, determina o artigo 23.º do RGPTC que “o juiz pode, a todo o tempo e sempre que o considere necessário, determinar a audição técnica especializada, com vista à obtenção de consensos entre as partes”, consistindo tal intervenção, em matéria de conflito parental “na audição das partes, tendo em vista a avaliação
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diagnóstica das competências parentais e a aferição da disponibilidade daquelas para um acordo, designadamente em matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que melhor salvaguarde o interesse da criança”. A audição técnica especializada inclui a prestação de informação centrada na gestão do conflito. Por outro lado, e com relevância central, estabelece-se ainda em sede de regulação da tramitação da providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais (a providência “modelo” do RGPTC) que, em sede de realização da conferência, “se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para: a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses; ou
b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses”. Temos, pois, a introdução de uma nova tipologia ou modelo de intervenção – a audição técnica especializada, assumindo esta natureza obrigatória para as partes, relativamente à qual se podem identificar claramente duas dimensões que diremos, porém, incindíveis: por um lado uma dimensão instrutória, materializada desde logo na avaliação diagnóstica das competências parentais a que se alia uma dimensão “potenciadora de consensos”, pautada pela prestação de informação centrada na gestão do conflito das partes e concretizada na aferição da respetiva disponibilidade para um acordo que melhor salvaguarde o interesse da criança. Mas porque numa perfunctória análise, a finalidade “potenciadora de consensos” da audição técnica especializada de algum modo comunga dos objetivos da mediação familiar, importa determinantemente identificar, neste específico contexto onde, quando e com que efeitos derradeiramente deste outro procedimento se afasta:
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Assim, a mediação familiar é conduzida por um mediador, um terceiro imparcial e independente, desprovido de poderes de imposição aos mediados, que os auxilia na tentativa de construção de uma solução mutuamente aceitável - um acordo - sobre o objeto do litígio que os opõe e que, nesta matéria, deverá privilegiar o superior interesse da criança (Cf. artigos 2.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 29/2013, de 19 de abril), podendo a mediação ser desenvolvida no contexto do sistema publico de mediação familiar ou a título privado. Já a audição técnica especializada é desenvolvida no contexto da assessoria técnica ao tribunal, estando em causa um profissional integrado no Instituto da Segurança Social, I.P. e determinantemente orientado para aferir e transmitir ao Juiz a disponibilidade das partes para um acordo que privilegie o superior interesse da criança, (Cf. artigos 23.º, 20.º e n.º 1 do artigo 39.º do RGPTC e alínea p) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 83/2012, de 10 de março); A voluntariedade do procedimento é um pressuposto essencial, inafastável da mediação familiar (cf. artigo 4.º da Lei n.º 29/2013), ao passo que a audição técnica especializada resulta de determinação do Juiz, sendo obrigatória para as partes (Cf. artigo 23.º do RGPTC); A confidencialidade da mediação é outra das características fundamentais deste procedi-
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mento, conhecendo as estritas exceções contempladas na lei e contemplando como corolário a proibição da valoração do conteúdo das sessões de mediação em tribunal (Cf. artigo 5.º do RGPTC). O mesmo naturalmente não sucede com a audição técnica especializada: o conteúdo e naturalmente o resultado desta intervenção, na medida em que releva da avaliação de competências parentais, bem como da aferição da disponibilidade das partes para um acordo, não estão nem poderão estar a coberto da confidencialidade, havendo que ser reportados ao Juiz e estando inclusive sujeitos a contraditório (Cf. artigos 23.º, n.º 1, 25.º e artigo 39.º do RGPTC). O objetivo da mediação familiar é só um: a obtenção de acordo entre as partes, e nesta matéria, que naturalmente salvaguarde o superior interesse da(s) criança(s) envolvida(s). Já a avaliação diagnóstica das competências parentais assume-se como finalidade inultrapassável da audição técnica especializada, ainda que a esta se junte aquela outra potenciadora de consensos. Analisando a atividade do sistema público de mediação familiar (SMF), é possível confirmar a mudança de paradigma operada pela entrada em vigor do RGPTC, concretamente no que respeita à origem dos processos submetidos ao SMF.
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Com efeito, se antes da entrada em vigor daquele regime a maioria dos processos submetidos ao SMF nascia da iniciativa das próprias partes, após a entrada em vigor do referido regime, os processos submetidos pelos tribunais ao SMF passaram a assumir o maior número. A comprová-lo, refira-se que em 2015 a maioria dos pedidos (64%) tinha origem em pedidos das partes, sendo que em 2016, primeiro ano completo de vigência do RGPTC, 79% dos pedidos foram remetidos ao SMF pelos tribunais. Contudo, nos dois anos subsequentes (2017 e 2018) verificou-se uma crescente diminuição dos pedidos de intervenção nesta matéria dirigidos ao SMF com origem na autoridade judiciária, a qual se inverteu novamente em 20191. Sucede assim e em qualquer caso que, ao contrário do expectável, a inicial tendência de incremento de pedidos de intervenção do SMF com origem na autoridade judiciária ditada pela entrada em vigor do RGPTC não se veio a manter nem intensificar, uma constatação que não pode deixar de convocar a nossa ponderação sobretudo se tivermos em consideração a óbvia desproporção entre o número de processos tutelares cíveis findos nos tribunais judiciais de 1.ª instância e o número de iniciativas dirigidas ao funcionamento do SMF com origem na autoridade judiciária (tendo em consideração 1 Eis os dados estatísticos que respeitam a pedidos de mediação familiar em ações tutelares cíveis, com origem em iniciativa da autoridade judiciária: 2016 – 386; 2017 – 285; 2018 – 249 e 2019 – 324.
o ano de 2018 falamos de 38305 processos tutelares cíveis em matéria de responsabilidades parentais e 249 iniciativas dirigidas ao SMF). Dito isto, não devemos desconsiderar também que a experiência destes primeiros 4 anos de vigência do RGPTC permitiu constatar divergências interpretativas e, ou, tão-só procedimentais na aplicação do regime previsto no artigo 38.º do RGPTC, conduzindo, nuns casos, a que a audição técnica especializada e a mediação familiar sejam apresentadas pelo Juiz às partes em desacordo como alternativas em idêntico plano, sendo que a participação numa ou noutra forma de procedimento é deixada à simples opção das partes e, noutros casos (como de resto nos parece dever ser) sendo conferida à mediação familiar uma primazia de princípio2, desde que obtido o consentimento das partes para o efeito e sendo que apenas nos casos em que falte o imprescindível consenso das partes para submissão a este procedimento, são as mesmas, por decisão do Juiz, encaminhadas para a audição técnica especializada. E com efeito, em nossa opinião é este segundo quadro o único que respeita o espírito do sistema, pois que a primazia de princípio da mediação familiar sobre a audição técnica es2 Primazia, por natureza afastada, caso o Juiz pretenda, fundadamente, uma avaliação das competências parentais dos envolvidos – resultado que apenas a audição técnica especializada lhe poderá devolver, naturalmente.
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pecializada deve encontrar fundamento na articulação conjugada dos princípios da consensualização, mas também da intervenção mínima, da proporcionalidade, da privacidade e da responsabilidade parental3 (estes últimos, 3 Cf. artigo 3.º da LPCJP: (…) b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; (…) d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo; e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade; f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem; (…) (Nossos negritos).
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consagrados na Lei de Proteção da Crianças e Jovens em Perigo e aplicáveis aos procedimentos tutelares cíveis ex vi do n.º 1 do artigo 4.º do RGPTC), afigurando-se-nos inquestionável, em qualquer caso, que o procedimento de mediação familiar será não só aquele que representa uma menor ingerência na vida dos envolvidos e respetiva família (já que a audição técnica especializada obriga a uma avaliação das competências parentais e prestação de informação ao tribunal), como também o que melhor logrará a assunção dos deveres dos mediados para com os seus filhos (já que são as próprias partes responsáveis pelas soluções encontradas em sede de mediação, sendo o mediador um simples facilitador) e, bem assim, o único que, em virtude da confidencialidade que lhe é inerente, melhor garante a preservação da reserva da vida privada dos envolvidos.
Imagem de Linus Schütz por Pixabay
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