Revista Kéramica n.º 368 Janeiro / Fevereiro 2021

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Editorial

DESCARBONIZAÇÃO O mundo vive hoje confrontado com uma situação delicada associada ao que os especialistas classificam de alterações climáticas, provocadas pelo aumento da concentração na atmosfera de gases com efeito de estufa, com destaque para o dióxido de carbono (CO2), resultante da combustão de combustíveis fósseis. Nos últimos anos a Europa tem mundialmente assumido a liderança das políticas do ambiente, da energia e do clima, tendo conseguido reduções significativas das suas emissões de gases com efeito de estufa, contribuindo assim para a sua descarbonização. Essas emissões europeias representam hoje cerca de 10% das emissões totais, contudo as emissões mundiais não têm decaído como era desejável, o que certamente evidencia que muitas dessas suas emissões foram deslocalizadas para outras geografias. Ora, a resolução global dos problemas relacionados com as alterações climáticas só é possível quando enfrentados e resolvidos de forma coordenada e justa, por todas nações. Visto num contexto global, parece-me ousada a decisão europeia de fechar as suas centrais termoeléctricas a carvão, enquanto, por exemplo, a China e a Índia continuam a ampliar as suas capacidades de geração a partir desse combustível fóssil. Neste capítulo, o que se passa em Portugal é paradigmático. Portugal decidiu antecipar para o ano 2021 o encerramento de todas as suas centrais a carvão, contudo há outros países europeus, por sinal bem mais ricos, que pretendem manter as suas em funcionamento. É incompreensível tamanha ambição, sabendo-se que as nossas emissões de gases com efeito de estufa representam cerca

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de 1,5% das emissões europeias. Se, amanhã, Portugal deixasse de emitir gases com efeito de estufa, a sua contribuição para a melhoria climática do planeta não representaria mais do 0,15% das emissões mundiais! O Plano Nacional Energia e Clima que Portugal aprovou, mostra uma visão estratégica ambiciosa, com indicadores e metas que superam em muito, as que a União Europeia apresentou no seu Pacote Energia Limpa para todos os Estados Membros. Agora, com a Estratégia Nacional para o Hidrogénio, Portugal insiste em assumir a liderança europeia, na produção de hidrogénio “verde” parecendo querer ignorar as consequências, para os consumidores, provocadas pelos actuais elevados preços de produção desse gás. Como é facilmente demonstrável, a incorporação de hidrogénio nas redes de gás natural, conduzirá inevitavelmente ao agravamento do preço, por unidade de energia consumida. O sector cerâmico, sendo o maior consumidor de gás natural da indústria transformadora, irá sofrer as consequências da implementação destas imprudentes políticas, indo perder competitividade e sustentabilidade. A produção de hidrogénio através da electrólise da água é uma tecnologia em crescente evolução, pelo que seria aconselhável e prudente que, um país pobre como nós aguardasse pelo seu desenvolvimento para então investir nesses futuros sistemas de produção de gases renováveis. Num passado recente Portugal cometeu erro idêntico ao apostar em tecnologias, imaturas e caras (eólica e solar), de produção de electricidade a partir de fontes renováveis intermitentes com tarifas garantidas, que geram enormes sobrecustos, contribuindo assim para preços de electricidade dos mais altos da Europa. Portugal, país com graves problemas de sustentabilidade económico-financeira, deveria ser mais prudente e menos voluntarista nestas matérias, promovendo antes sim políticas em prol do seu desenvolvimento, apoiando e fomentando a criação de empresas produtoras de bens e serviços transaccionáveis, isto é, gerando riqueza. Não pondo em causa a necessidade da promoção da descarbonização das sociedades e das economias, julgo contudo que as políticas ambientais, energéticas e climáticas europeias e mundiais, para produzirem os efeitos globais desejados, terão de ser concertadas e justas. Nenhum país conseguirá, isoladamente, resolver o problema climático do planeta!

Celso Pedreiras (Engenheiro, Administrador da Coelho da S i l v a , C o n s e l h e i r o d o C E N E d a C I P, C o n selheiro do CT da ERSE)

Editorial . Kéramica . p.3


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