Correntes D’Escritas 10
São de ar as palavras Manuela Costa Ribeiro
Manuela Costa Ribeiro | Póvoa de Varzim. 2008
São de ar as palavras que ainda me martelam o peito e me sufocam o “nó de sangue na garganta”. Desde final de fevereiro de 2020. Desde que recebemos a notícia de que o escritor Luis Sepúlveda estava com Covid-19. A bomba caiu-me no colo e não para de rebentar-me o coração. Por isso ainda não encontro palavras para falar do Luis Sepúlveda. Ainda não encontro um discurso coerente e que faça sentido para escrever da nossa amizade. Sei que sou sua amiga. E sei que é meu amigo. Sim, é, no presente. É como se o meu subconsciente se recusasse a falar no passado. Acredito que a amizade que começou um dia lá atrás e que se foi construindo, alimentando, não se perde com esta partida sem volta. Tece-se de presente e futuro a amizade. Persistirá para além da morte. É assim com os nossos, com aqueles de quem gostamos, que fazem parte da nossa vida, que deixam a sua matriz tatuada na nossa pele. É assim com os nossos, que nos faltam e vão acumulando vazios. Herdamos as suas marcas. Carregamo-los com as nossas.
Em fevereiro, no final de mais uma edição das Correntes, quando abracei o meu amigo Lucho, sabia que aquele era mais um dos muitos abraços que daríamos de todas as vezes que nos encontrássemos. E vamos continuar a fazê-lo. É desta forma que nos cumprimentamos. Desde que nos conhecemos, em 2000, na primeira edição destas Correntes que nos prenderam desde o primeiro instante. Gostamos de abraços o Lucho e eu. Somos feitos de toques e de sensibilidades, apesar da timidez que também nos caracteriza, embora ninguém acredite. São muitas as diferenças entre nós: cara fechada, ele, de sorriso fácil, eu, aparentemente distante, ele, e eu, com a presunção de estar sempre pronta para as dificuldades, os mimos, as extravagâncias dos outros. Com a pretensão (às vezes, certa) de que não tenho problemas e apenas soluções… Muito diferentes os dois, mas de gargalhada aberta, ambos. Cúmplices e costurados de verdade e emoção de quem se entrega às causas em que acredita, de corpo inteiro.