Correntes D’Escritas 19
A Obra de Luis Sepúlveda na Edição Portuguesa A história é por demais conhecida: em 1988, com o romance O Velho que Lia Romances de Amor, Luis Sepúlveda, um jovem chileno exilado em Hamburgo, vencia o Prémio Tigre Juan, criado por destacadas personalidades da vida cultural de Oviedo. O livro foi publicado pelas Ediciones Júcar, cuja distribuição era muito deficiente, pelo que passou completamente despercebido em Espanha (soube, entretanto, que no mesmo ano apareceu uma edição chilena). É nesse momento que entram em cena duas mulheres que vão ser fundamentais no percurso do autor: a agente literária alemã Ray-Güde Mertin e a editora francesa Anne Marie Métailié. Ray-Güde Mertin é procurada em sua casa pelo jovem autor, percebe imediatamente a qualidade do livro e recomenda-o à editora francesa, cujo catálogo privilegiava muito a literatura latino-americana. Esta não demora a concluir que tem nas mãos uma verdadeira joia e decide traduzir e publicar o livro. O êxito em França é retumbante e a fama do romance começa a ser, como hoje se diria, “viral”. Os direitos são imediatamente vendidos para Itália, Portugal e Espanha (agora na Tusquets de Beatriz de Moura). Tive (tenho) a sorte de ser amigo de Anne-Marie, num tempo em que os editores partilhavam as suas descobertas e os seus entusiasmos. “Tens de publicar este livro!”, disse-me ela. Li-o de um jacto e publiquei-o, recorrendo aos talentos de um poeta e tradutor como Pedro Tamen. Em 1991, eu tinha entrado para a Asa com o encargo de criar a partir do zero e com total independência um catálogo literário. Entre as várias colecções que fui criando, tornou-se icónica a “Pequenos Prazeres”, esses livrinhos pretos concebidos pelo (grande) designer João Machado. Foi aí que saiu Um Velho que Lia Romances de Amor, em Setembro de 1993. O livro teve em Portugal um êxito imediato, com edições atrás de edições, o que se intensificou com as visitas que Luis Sepúlveda foi sucessivamente fazendo ao nosso país, a partir daquela primeira em que, entrando por Vila Real de Santo António, vindo de Huelva, nos fez parar em Grândola, para, de punho erguido junto à placa toponímica da terra, registar para a posteridade a sua homenagem ao 25 de Abril. (Segundo os
arquivos, incompletos, que conservo, em Janeiro de 2001 o livro ia já na 18ª edição, com cerca de 90 000 exemplares vendidos). Como não tenho diários, e mesmo as agendas vão para o lixo mal o ano termina, não me é fácil hoje reconstituir todos os passos do percurso português de Sepúlveda. Mas para lá das suas inúmeras presenças na Feira do Livro de Lisboa e da sua participação, desde o primeiro ano (e com poucas excepções) nas Correntes d’ Escritas da Póvoa de Varzim, lembro-me de três momentos particularmente significativos: uma sessão na Biblioteca de Guimarães, a presença na Guarda, em 2016, para receber o Prémio Eduardo Lourenço e, sobretudo, a sua vinda a Portugal, em 2003, para sessões evocativas do 30º aniversário do golpe de Pinochet e lançamento do livro O General e o Juiz. Vale a pena desenvolver este ponto. O programa desta visita consistia basicamente em três acontecimentos: uma sessão no Teatro Garcia de Resende, em Évora, pelas 18h30 do dia 15 de Setembro, com apresentação do Professor Antonio Sáez Delgado; uma passagem pela Livraria Fonte das Letras, em Montemor, às 21h30 do mesmo dia; e, no dia seguinte, uma sessão no Museu da República e Resistência, em Lisboa. Apesar do êxito de todas as sessões (recordo particularmente as dezenas de pessoas que se acumulavam, já de noite, para receber o autor em Montemor), demorar-me-ei um pouco mais no caso de Évora, por ter sido um dos momentos mais memoráveis da minha vida de editor. Tínhamos sido contactados pela livraria Som das Letras (era um tempo em que ainda havia livrarias!) no sentido de levar a Évora Luis Sepúlveda. Combinada a data (o tal 15 de Setembro), partimos de Lisboa pensando que a sessão decorreria nas instalações da livraria. Só que, à chegada, os proprietários informaram-nos de que a sessão decorreria no Teatro. Dirigimo-nos a pé até lá e sentámo-nos numa mesa do bar, pensando que era ali que a sessão decorreria. Quando, chegada a hora, nos disseram que era altura de entrarmos na sala, o meu coração gelou – o Garcia de Resende tinha uma lotação a rondar os 400 lugares e seria uma humilhação confrontar o autor com uma sala quase vazia. Entrámos pela porta principal, percorrendo todo o corredor central que dava acesso ao palco. E de repente
Dossier
Manuel Alberto Valente