Correntes D’Escritas 22
Luis SEPÚLVEDA
Dossier
Anne Marie Métailié Abril de 1992, um sábado de manhã, soalheiro, no cais da gare de Montparnasse, diante do comboio para Saint Malo, aguardo um autor de quem sei apenas o que provocou em mim a leitura de um livro que acabo de publicar, em muito semelhante a um amor à primeira vista. Dele apenas conheço o seu talento para contar histórias, a sua escrita contida, seca, precisa. Nem uma palavra a mais nas suas frases, cada uma colocada no sítio certo, inalterável. Não sei ainda que este encontro vai mudar a minha vida e a deste homem por quem espero. Já falei com ele ao telefone porque não conseguia obter o visto para fazer esta viagem. Em Hamburgo, a Polícia do consulado, achando que era turco, não lhe autorizava a entrada. Contactei, então, Alain Rouquié, antigo embaixador de França no México, e, com a sua ajuda, este Turco Mapuche está para chegar. Uma silhueta enorme avança, alto, corpulento, cabelos fartos negros, muletas, e sobretudo uma postura à Eric Von Stroheim. Olhamo-nos e sabemos quem somos. Conduzo-o até à carruagem e apresentamo-nos. Bastam alguns minutos para perceber que seremos amigos, verdadeiros amigos. 28 anos depois confirmo que fomos amigos fraternos. Luis Sepúlveda sai do hospital com uma tuberculose óssea. Escapou ao médico. Usa uma cinta e vai aguentar-se durante 3 dias. Os 3 dias em que será decidido o futuro do seu romance O Velho que Lia Romances de Amor. Apresentámo-lo no palco do Café Littéraire, comigo a traduzir as respostas. Os leitores precipitam-se, compram o livro e no domingo de manhã as pessoas interpelam-no na rua, cumprimentam-no. É o ponto de partida. O romance ganha os seus primeiros leitores. A mensagem espalha-se de boca em boca e os livreiros fazem do livro um best seller. Quando surge o primeiro artigo na imprensa já o livro vendeu 36 mil exemplares. Atualmente é de 3,5 milhões o número de exemplares deste romance vendidos em França. Logo a seguir o livro é distinguido com o Prémio France Culture de Littérature Etrangère e o Prémio Relais du Roman d’ Aventure. É assim que, tanto para mim como para ele, tem início uma grande viagem. De facto, daqui em diante, as nossas vidas vão mudar: este enorme sucesso em França vai despertar o interesse de editores estrangeiros e fazer de Luis um autor internacional de best sellers que conquista milhões de leitores. A mim, esta publicação traz-me credibilidade junto dos livreiros e faz-me compreender, ao assumi-la, o mistério irredutível às estatísticas económicas que me incitou a lançar-me nesta aventura da edição. Ajuda-me a perceber que, ao construir um catálogo, vamos encontrando autores que acabam por constituir uma espécie de família eletiva de semi-deuses capazes de criar mundos que temos obrigação de
fazer chegar aos leitores. É graças ao Luis que, ao longo dos anos, vou conhecer um bom número desses autores. Não temos dinheiro mas viajamos por toda a França para apresentar o seu livro. O Luis parece que atrai os episódios mais caricatos. Quando fomos a Nantes para uma sessão de autógrafos numa Livraria, à chegada fomos recebidos pela Associação de Dentistas da cidade que acha que o “Velho” está muito bem mas que o dentista é uma personagem sem igual. O livreiro leva-nos a um restaurante especial. O Luis não diz nada, o livreiro também não, a minha conversa não é suficiente para quebrar o gelo e, de repente, estes dois gastrónomos descobrem, felizes, o gosto comum da degustação dos pratos e o cozinheiro acaba sentado à nossa mesa. Ao traduzir a conversa, dou-me conta de que o Luis é um cozinheiro exímio. O Luis curioso, na sua generosidade, começa a abrir-me portas e partilha comigo as suas leituras de autores desconhecidos. Sigo os seus conselhos e crio uma Biblioteca hispano-americana de enorme sucesso. Participo em Feiras do Livro na América Latina, acompanhando-o, e a sua presença e a sua amizade abrem todas as portas. Descubro os debates literários e as conversas à volta de uma mesa farta e de um copo de vinho e, desta forma, cimento uma forte relação de amizade com o Luis e o seu grupo de amigos ao ponto de me terem dito, un dia, que eu era um deles (!) Para celebrar o 20°. aniversário da editora disse-me: “agora que sou muito conhecido vamos aproveitar. Organiza uma tournée em livrarias e apresentarei latino-americanos desconhecidos ao público que vier ter comigo.” Durante 8 dias, à razão de uma cidade e de uma livraria por dia, onde éramos recebidos, o Luis conduziu uma carrinha, pelo sudoeste francês, onde seguiam 4 escritores latinoamericanos, Mario Delgado Aparaín (Uruguay), Santiago Gamboa (Colômbia), Hernan Rivera Letelier (Chile) e Antonio Sarabia (México), tal como esse grande cúmplice que é o fotógrafo Daniel Mordzinski. Foi uma tournée inesquecível de debates, de conversas, de verdadeira amizade e de grandes gargalhadas (uma sala de 300 pessoas às gargalhadas ao ponto de um espectador vir ter comigo para me dizer: “não vai conseguir continuar a traduzir. Venho ajudá-la!”) Ao longo das nossas viagens para apresentações dos seus livros, descubro que adora conduzir e que é necessário alimentá-lo com intervalos regulares, sobretudo antes das entrevistas na rádio, sob pena de se recusar a falar com quem quer que seja e ficar de péssimo humor. Mas também que é bem humorado. Rimo-nos muito com ele. Percebo que passou pela aventura da luta contra as ditaduras da América Central, pela militância