INFOPHARMA
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO DE FARMÁCIAS DE PORTUGAL EDIÇÃO TRIMESTRAL | MARÇO DE 2021 | Nº3
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O papel das farmácias no acompanhamento do doente crónico
> DESTAQUE > DESTAQUE Além das paredes físicas das Bastonária da Ordem dos grandes instituições de saúde. Nutricionistas fala na necessidade A visão de José Inácio Faria, da prevenção no apoio ao doente Ex-Eurodeputado crónico no contexto da pandemia. Págs. 16 e 17 Págs. 12 e 13 AFP-ASSOCIAÇÃO DE FARMÁCIAS DE PORTUGAL
> SETOR FARMACÊUTICO O apoio a populações vulneráveis na doença crónica. A opinião de Fernando Anastácio, Presidente da Médicos do Mundo. Págs. 18 a 20 1
Sumário
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INFOPHARMA
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A importância da saúde oral em tempos de COVID-19
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Doenças crónicas e pandemia: prevenir para não ter que remediar
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Apoio a populações vulneráveis na doença crónica
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Impactos da pandemia COVID-19
• O acompanhamento do doente crónico.................................................................. 5 • O papel das farmácias no apoio ao doente crónico............................................... 6 • A importância da saúde oral em tempos de COVID-19 ...................................... 10 • Doenças crónicas e pandemia: prevenir para não ter que remediar ................. 12 • Além das paredes físicas das grandes instituições de saúde ............................ 16 • Apoio a populações vulneráveis na doença crónica ........................................... 18 • O acompanhamento do doente crónico pelas farmácias comunitárias ............ 22 • A saúde vem primeiro! ......................................................................................... 24 • Impactos da pandemia COVID-19 ........................................................................ 26 • Os efeitos da pandemia na saúde mental ........................................................... 34 • Quando o Bournout se instala .............................................................................. 36 •R astreamento da cadeia de valor da saúde: ganhos para o setor e o utente ..... 38 • O novo normal ...................................................................................................... 42 •A Farmácia de Sabóia e a Assistência Farmacêutica em meio rural (Parte I) ..... 44 • Farmácia APDP..................................................................................................... 46
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O papel das farmácias no acompanhamento do doente crónico
• Farmácia Charneca da Caparica.......................................................................... 49
Publicação: AFP-ASSOCIAÇÃO DE FARMÁCIAS DE PORTUGAL. DL: 466964/20
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Edição, Impressão e Publicidade:
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O acompanhamento do doente crónico Manuela Pacheco, Presidente da Associação de Farmácias de Portugal (AFP)
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e acordo com os mais recentes estudos divulgados, Portugal regista uma elevada prevalência de doenças crónicas, com mais de metade da população a sofrer de pelo menos uma doença crónica.
A importância da saúde oral em tempos de COVID-19 também é abordada nesta edição, através da reflexão de Joana Morais Ribeiro, Representante da Região Autónoma dos Açores no Conselho Diretivo da Ordem dos Médicos Dentistas.
Neste sentido, enquanto fornecedoras de um serviço de proximidade, as farmácias comunitárias não são alheias a esta realidade e, ao longo dos últimos anos, têm desenvolvido competências e disponibilizado um conjunto de serviços alargados com o objetivo de dar resposta às necessidades destes doentes, contribuindo para o seu bem-estar.
“Ao longo dos últimos anos, as farmácias têm desenvolvido competências e disponibilizado um conjunto de serviços alargados com o objetivo de dar resposta às necessidades dos doentes crónicos, contribuindo para o seu bem-estar”
A terceira edição da Infopharma, é por isso dedicada a este trabalho desempenhado pelas farmácias comunitárias no acompanhamento do doente crónico.
Também o ex-Eurodeputado José Inácio Faria faz uma análise sobre a urgente necessidade – que foi agudizada pelo contexto da pandemia – de acompanhamento e monitorização multiprofissional de longa duração da doença crónica, através da criação de um ecossistema de serviços que englobe todos os stakeholders da saúde.
Esta edição conta ainda com o contributo de diversos parceiros do setor da saúde, entre os quais o da Bastonária da Ordem dos Nutricionistas. No seu artigo de opinião, Alexandra Bento lembra que as doenças crónicas não só são um dos principais fatores de risco para a COVID-19 – abordando em concreto o caso da obesidade – como não entraram em quarentena neste período, tendo-se mesmo agravado e exigindo, por isso, a máxima atenção.
Esta edição dá ainda a conhecer a história e o percurso de duas farmácias associadas – a Farmácia Charneca da Caparica e a Farmácia da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal –, esta última orientada em concreto para o apoio aos doentes diabéticos, uma das doenças crónicas mais presentes em Portugal. Esperamos que todas as considerações contidas nesta edição da Infopharma contribuam para ajudar os farmacêuticos num melhor exercício da sua atividade, o que, consequentemente, se reflete no bem-estar e na qualidade da saúde não só dos doentes crónicos como da população em geral. •
Já o presidente da Médicos do Mundo fala no trabalho que a sua organização desenvolve junto das populações vulneráveis e carenciadas, nomeadamente na identificação de patologias crónicas relevantes, destacando ainda o papel das farmácias comunitárias como parceiras no acompanhamento destes doentes.
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> ARTIGO INSTITUCIONAL
O papel das farmácias no acompanhamento do doente crónico MAIS DO QUE SIMPLES DISPENSADORAS DE MEDICAMENTOS, AS FARMÁCIAS COMUNITÁRIAS ASSUMEM-SE CADA VEZ MAIS COMO UM ELEMENTO ESSENCIAL NO ACOMPANHAMENTO DOS DOENTES CRÓNICOS NO ÂMBITO DE UM MODELO INTEGRADO DE PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE.
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Autor: Associação de Farmácias de Portugal s farmácias comunitárias são fornecedoras naturais de medicamentos à população. Mas ao longo das décadas mais recentes o exercício da profissão farmacêutica tem vindo a adaptar-se, retirando de alguma forma o foco do medicamento, para passar a centrar-se fundamentalmente no doente. Esta alteração de posicionamento, coincide com o surgimento de um conjunto diferenciado dos serviços prestados pelas farmácias comuni-
tárias. Serviços esses que têm vindo a contribuir favoravelmente para o estado geral de saúde e bem-estar da população, e em particular dos utentes crónicos e idosos, tendo em conta as especificidades das suas doenças. O acompanhamento mais próximo que passou a ser feito pelas farmácias comunitárias à luz deste novo paradigma ganha especial relevância se for tida em conta a elevada proporção da população portuguesa que sofre de alguma doença de natureza crónica.
Um inquérito realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), cujos resultados foram divulgados no início de 2019, aponta para que mais de metade da população portuguesa (57,8%) sofra de pelo menos uma doença crónica
Um inquérito realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), cujos resultados foram divulgados no início de 2019, aponta para que mais de metade da população portuguesa (57,8%) sofra de pelo menos uma doença crónica, isto considerando uma lista de 20 doenças. Ou seja, estaremos a falar de um universo de em torno de 3,9 milhões de indivíduos que se assumem como doentes crónicos. Quando se fala em doença crónica estão em causa, por exemplo, a hipertensão arterial e o colesterol elevado, as mais apontadas pela população. Mas também a diabetes, a dor crónica, a osteoporose ou as alergias. Estes são apenas alguns exemplos. Naquilo que diz respeito aos serviços e ao trabalho desenvolvido pelos
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ARTIGO INSTITUCIONAL < farmacêuticos e pelas farmácias comunitárias no sentido de ir ao encontro das necessidades destes utentes, o campo de atuação é alargado (ver caixa na página seguinte). Uma das áreas essenciais da prestação de cuidados de saúde em que o farmacêutico tem vindo a demonstrar o valor da sua intervenção, com resultados positivos para a saúde dos doentes, prende-se com o apoio na gestão da polimedicação, muito ligada sobretudo aos idosos, e na garantia de que a toma/administração da medicação é feita de forma correta pelos doentes. Ao assegurar isso, o farmacêutico no fundo está a contribuir para que o utente consiga fazer um controlo mais eficaz da sua doença. Tal é possível, nomeadamente pelo facto de as farmácias terem acesso ao histórico dos doentes, com informação atualizada sobre os medicamentos que tomam periodicamente. Isso permite-lhes ainda avaliar se os doentes possuem a quantidade suficiente para assegurarem o cumprimento da terapêutica e evitar eventuais falhas na toma. O foco na proximidade a estes doentes permite ainda ao farmacêutico realizar um trabalho de aconselhamento durante as manifestações de episódios pontuais de doença crónica, ajudando-os assim a controlar melhor a doença entre consultas. Ou, perante a identificação de eventuais sintomas de risco, do agravamento da doença ou da sua descompensação, a fazerem o adequado encaminhamento dos doentes para o médico ou a urgência.
Uma das áreas essenciais da prestação de cuidados de saúde em que o farmacêutico tem vindo a demonstrar o valor da sua intervenção, prende-se com o apoio na gestão da polimedicação
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IMPORTANTES ALIADOS DURANTE A PANDEMIA Este tipo de acompanhamento prestado pelas farmácias comunitárias tem sido particularmente relevante no contexto da pandemia. Perante as dificuldades sentidas pelos doentes
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> ARTIGO INSTITUCIONAL em agendar as regulares consultas de especialidade ou consultas de medicina familiar em centros de saúde, os farmacêuticos comunitários constituíram-se como importantes aliados para garantir uma resposta às suas necessidades. Ao ajudarem os utentes a automonitorizarem as suas doenças crónicas têm contribuído para que o reencaminhamento para os cuidados primários e hospitalares ocorra apenas quando estritamente necessário, evitando exposições desnecessárias e riscos para a saúde dos utentes. Por outro lado, este serviço permitiu ainda descongestionar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), libertando-o para dar resposta às situações mais prioritárias. Um serviço prestado pelas farmácias que também se tem mostrado muito valioso, sobretudo em contexto de pandemia, é a entrega de medicação ao domicílio que evita deslocações e os riscos que tal acarreta para a própria saúde do doente crónico.
Perante as dificuldades em agendar as regulares consultas de especialidade ou consultas de medicina familiar em centros de saúde, os farmacêuticos comunitários constituíram-se “portos de abrigo” para os utentes durante a pandemia Esse papel foi ainda reforçado no contexto da pandemia através da “Operação Luz Verde”, ao abrigo da qual foi possível fazer chegar de forma mais fácil aos doentes os medicamentos hospitalares – muitas vezes sem terem de sair das próprias casas – através das farmácias comunitárias, prevenindo assim a interrupção da terapêutica. •
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CINCO SERVIÇOS QUE AS FARMÁCIAS PRESTAM AO DOENTE CRÓNICO 1. Acompanhamento do diabético É um serviço de gestão da doença, neste caso, focado na monitorização e controlo da diabetes. O objetivo é acompanhar a pessoa com diabetes, considerando duas perspetivas, nomeadamente, do ponto de vista farmacológico, garantindo a efetividade e segurança da terapêutica farmacológica, e do ponto de vista não farmacológico, salvaguardando uma alimentação saudável e a prática de exercício físico. 2. Acompanhamento Farmacoterapêutico Trata-se de uma prática profissional farmacêutica centrada no doente, desenvolvida com o objetivo de contribuir para a melhoria do seu estado de saúde e qualidade de vida. Com base numa abordagem global das necessidades de saúde do doente, o farmacêutico estuda, intervém e acompanha, de forma integrada, o perfil farmacoterapêutico, patologias e preocupações de saúde. Pretende-se identificar, prevenir e resolver resultados clínicos negativos da farmacoterapia. 3. Revisão da medicação É uma avaliação estruturada da medicação do doente com o objetivo de otimizar o uso dos medicamentos e melhorar os resultados em saúde. Implica a deteção de resultados clínicos negativos (inefetividades e inseguranças da terapêutica) e a realização de intervenções farmacêuticas no sentido de os resolver. Essa revisão da medicação pode ser efetuada por si
ou integrada noutro serviço, como por exemplo no âmbito do acompanhamento farmacoterapêutico ou da preparação individualizada da medicação. 4. Reconciliação terapêutica Trata-se de um processo de avaliação do regime terapêutico de um doente, sempre que ocorra alteração do mesmo, com o objetivo de evitar erros de medicação, tais como: omissões, duplicações, doses inadequadas, interações, ou problemas de adesão. Este processo deve incluir a comparação entre a medicação atual e o regime terapêutico prévio e deve ocorrer em cada momento da transição entre cuidados de saúde, em que a medicação é ajustada, tendo ainda em conta a automedicação. Trata-se de um serviço sobretudo aplicado ao ambiente hospitalar. 5. Preparação Individualizada da Medicação Está em causa um serviço a partir do qual o farmacêutico organiza as formas farmacêuticas sólidas, para uso oral, de acordo com a posologia prescrita, por exemplo, em um dispositivo de múltiplos compartimentos (ou em fita organizada por toma em alvéolos), selado de forma estanque na farmácia e descartado após a sua utilização. Inclui-se ainda neste serviço a informação – prestada sobre a forma escrita ou de pictogramas e oralmente – referente ao uso responsável do medicamento, tendo por objetivo auxiliar o utente na correta administração dos medicamentos e promover uma melhor adesão à terapêutica.
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> DESTAQUE
A importância da saúde oral em tempos de COVID-19 UM ESTUDO RECENTE SUBLINHOU A IMPORTÂNCIA DA SAÚDE PERIODONTAL NA PREVENÇÃO E EVENTUALMENTE NA GESTÃO DAS COMPLICAÇÕES DECORRENTES DA COVID-19. Autor: Joana Morais Ribeiro, Representante da Região Autónoma dos Açores no Conselho Diretivo da Ordem dos
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Médicos Dentistas
egundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças crónicas resultam da combinação de fatores genéticos, fisiológicos, ambientais e comportamentais. As mais prevalentes são as doenças cardiovasculares, diabetes, alguns tipos de cancro e doenças respiratórias, sendo responsáveis por mais mortes e incapacidade que todas as outras doenças juntas.
sanguíneos aumentados de biomarcadores associados a resultados piores da doença. Atendendo a que 10% dos adultos são afetados por periodontite severa, caracterizada por perda óssea acentuada que pode resultar em perda dentária, o estudo sublinha a importância da saúde periodontal na prevenção e eventualmente na gestão das complicações decorrentes da COVID-19.
As doenças orais configuram um importante desafio de saúde pública, já que afetam mais de 90% da população mundial e têm um enorme impacto, sobretudo se considerarmos as sequelas psicossociais, fonéticas e nutricionais. A doença periodontal e a cárie dentária são as principais doenças orais crónicas que, partilhando fatores de risco com as quatro patologias já mencionadas, beneficiam de uma abordagem integrada.
Um estudo recente associou a periodontite ao maior risco de admissão em unidades de cuidados intensivos, necessidade de ventilação assistida e morte em pacientes com COVID-19
Um estudo recente de Sanz e Cai “Association between periodontitis and severity of COVID-19 infection: a case–control study” associou a periodontite ao maior risco de admissão em unidades de cuidados intensivos, necessidade de ventilação assistida e morte em pacientes com COVID-19, bem como a níveis
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Muitas vezes, a presença de gengivite leva o paciente a procurar o conselho do farmacêutico antes de consultar o médico dentista, na esperança de que seja algo pontual que não exija maiores cuidados. Nestes casos, o farmacêutico deve acentuar o seu papel orientador, recomendando a visita ao médico dentista para avaliação das questões periodontais, que muitas vezes beneficiarão dos tratamentos coadjuvantes disponíveis nas farmácias.
Em relação à gestão das odontalgias, o papel pedagógico do farmacêutico é extremamente importante ao alertar para que a analgesia conseguida com o medicamento poderá não ser um tratamento por si só, mas uma terapêutica complementar ao tratamento efetuado pelo médico dentista. Há pouco tempo, recebi de uma amiga farmacêutica um e-mail reencaminhado de um doente em isolamento que fotografara as suas lesões intraorais e pedia orientação. Fiz as recomendações que considerei apropriadas, reiterando a importância de ser avaliado por um médico dentista mal tivesse alta. Questionei-me sobre o motivo da mensagem ter sido enviada à sua farmacêutica e não ao seu médico dentista. A resposta provável será proximidade e acessibilidade. Aquele paciente tinha uma farmacêutica, mas não tinha um médico dentista… O farmacêutico conhece o paciente que não tem médico. É sobretudo junto destes pacientes que o farmacêutico desempenha
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DESTAQUE <
O despertar de consciências em prol do estilo de vida saudável sempre foi uma batalha de todos os profissionais de saúde. E se o era antes da COVID-19, atualmente é muito mais difícil. Partilho algumas situações que acompanhei de perto e para as quais só é viável uma atuação conjunta e integrada: a gestão da doença ligeira em pacientes que se encontram em isolamento profilático, a desastrosa possibilidade de a única farmácia de uma comunidade isolada poder ser encerrada por doença/isolamento profilático dos colaboradores, o receio exacerbado que muitas pessoas têm da COVID-19 e que as leva a adiar as suas consultas médicas e, também, a diminuição da atividade assistencial decorrente da alocação de recursos para a pandemia.
“O despertar de consciências em prol do estilo de vida saudável sempre foi uma batalha de todos os profissionais de saúde. E se o era antes da COVID-19, atualmente é muito mais difícil”
um papel determinante na promoção da literacia em saúde. Nomeadamente na gestão e reconciliação da terapêutica (tão importante em pessoas que transitam entre diferentes instituições de saúde), na promoção do uso responsável do medicamento, na promoção de esti-
los de vida saudáveis, na prevenção da doença e suas complicações, na orientação dos utentes no sistema de saúde, motivando a procura de cuidados e apoiando a desmistificação de ideias pré-concebidas que muitas vezes inibem o doente de procurar o médico.
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A OMS refere que a colaboração interprofissional acontece quando profissionais de saúde de diferentes áreas trabalham em conjunto com pacientes, famílias, cuidadores e comunidade para providenciar a excelência na prestação de cuidados. Sem dúvida que a resposta integrada de proximidade, cada vez mais abrangente e centrada no cidadão, permite ganhos em saúde, com a melhoria do acesso, segurança e comodidade, contribuindo ativamente para a estabilização da doença crónica. •
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> DESTAQUE
Doenças crónicas e pandemia: prevenir para não ter que remediar DOZE MESES VOLVIDOS DESDE O INÍCIO DA PANDEMIA HÁ DUAS LUTAS PARA TRAVAR AO NÍVEL DA SAÚDE MUNDIAL. É PRECISO ENVOLVER TODOS NA CONTENÇÃO DA PANDEMIA E, POR OUTRO LADO, É URGENTE OLHAR COM ATENÇÃO REDOBRADA PARA AS DOENÇAS CRÓNICAS, COMO A DIABETES, A OBESIDADE, O CANCRO OU A DOENÇA CARDIOVASCULAR. Autor: Alexandra Bento, Bastonária da Ordem dos Nutricionistas
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ssinala-se um ano desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a COVID-19 como uma pandemia global. Doze meses volvidos, os portugueses, como toda a população do mundo, adaptaram-se de alguma maneira. Passámos a trabalhar a partir de nossas casas, nas profissões em que tal é possível, e muitos outros viram-se confrontados com o conceito de layoff. Alguns setores paralisaram, outros abrandaram, outros reinventaram-se ou intensificaram, outros quiçá nunca mais voltarão a existir. Muitas vidas ficaram em suspenso, mas o mundo não parou. Continuamos a ter as outras doenças, com a particularidade de que, com todas as alterações decorrentes da pandemia COVID-19, ser elevada a probabilidade de que estas se tenham agravado. O confinamento obrigatório e as respetivas medidas de isolamento social, apesar de evidentemente necessárias, podem ter sido uma das causas a agravar a situação para os doentes crónicos que, previsivelmente, diminuíram a atividade física e deterioram os seus hábitos alimentares, a par da redução da
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atividade assistencial aos “doentes não-COVID”. Acresce que, no início desta pandemia muitos portugueses teriam receio de regressar às consultas. Ora, sabemos que inicialmente o medo era maior, a doença era desconhecida e a desinformação crescia pelo mundo fora. No entanto, um ano volvido continuamos a viver com esta doença, podendo inferir que este receio continue a afastar os portugueses do acompanhamento das outras doenças, transmissíveis e não transmissíveis. É o caso de muitas doenças crónicas, imensamente prevalentes no nosso país, com destaque para a obesidade, também considerada como pandemia pela OMS.
“O mundo não parou: as doenças crónicas, como tantas outras, não ficaram de quarentena. Agravam-se, agravaram-se certamente, e precisamos de lhes prestar a nossa máxima atenção” Este facto é particularmente preocupante quando vemos que as doenças crónicas são um dos principais fatores de risco para a COVID-19. Como temos visto, pessoas com obesidade, por exemplo, correm maior risco de internamento hospitalar em caso
de infeção e apresentam uma maior mortalidade. Por isso, doze meses volvidos, temos duas lutas para travar ao nível da saúde mundial: é preciso estarmos todos envolvidos na contenção desta nova pandemia; e, por outro lado, é urgente que olhemos com atenção redobrada para as doenças crónicas, como a diabetes, a obesidade, o cancro ou a doença cardiovascular. O mundo não parou: as doenças crónicas, como tantas outras, não ficaram de quarentena. Agravam-se, agravaram-se certamente, e precisamos de lhes prestar a nossa máxima atenção. Este panorama lembra-nos que para melhor vencermos as antigas e as novas preocupações é fundamental que a estratégia de saúde que tem vindo a ser implementada não negligencie os anteriores problemas, sublinhando a alimentação saudável e adequada como um grande determinante de saúde pública e a prevenção como a sua chave de sucesso.
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Contudo, no nosso país, continuamos a gastar em tratamento e a poupar em prevenção. Por cada 100 euros gastos em saúde, apenas entre 1 e 2 euros correspondem à prevenção, de acordo com dados do Eurostat. Em muitas circunstâncias prevenir é melhor do que remediar! E, no momento particular que atravessamos, conseguimos melhor compreender esta circunstância. Para que daqui a um ou dois anos não nos estejamos a lamentar pelas ações não tomadas ou esquecidas por força da pandemia, é necessário agir já, e agir bem.
Os portugueses contam com os nutricionistas para a implementação, in loco, de uma estratégia de saúde que não se esqueça que o mundo não para. Esperamos contar com todos para nos protegermos a todos das consequências colaterais desta pandemia. •
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“No nosso país, continuamos a gastar em tratamento e a poupar em prevenção. Por cada 100 euros gastos em saúde, apenas entre 1 e 2 euros correspondem à prevenção, de acordo com dados da Eurostat”
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> DESTAQUE
Além das paredes físicas das grandes instituições de saúde QUANDO VIVEMOS UMA CRISE DE SAÚDE SEM PRECEDENTES É MAIS DO QUE NUNCA URGENTE QUE HAJA UM ACOMPANHAMENTO E UMA MONITORIZAÇÃO MULTIPROFISSIONAL DE LONGA DURAÇÃO DA DOENÇA CRÓNICA, CRIANDO-SE UM ECOSSISTEMA DE SERVIÇOS QUE ENGLOBE TODOS OS STAKEHOLDERS DA SAÚDE. Autor:
José Inácio Faria, Ex-Eurodeputado
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e acordo com o Perfil de Saúde em Portugal referente ao ano de 2019 (num trabalho conjunto da OCDE e do Observatório Europeu de Políticas e Sistemas de Saúde, em cooperação com a Comissão Europeia), cerca de metade das pessoas com 65 anos ou mais comunicaram sofrer de pelo menos uma doença crónica e muitas outras de duas ou mais afeções crónicas. Nos dias que correm as doenças crónicas são responsáveis por mais de 80% da carga assistencial dos cuidados de saúde primários, bem como pela maioria dos internamentos hospitalares e por grande parte dos episódios de urgência. São elas ainda as principais destinatárias da quase totalidade dos cuidados continuados. A grandeza destes números e os custos sociais e económicos que lhes estão associados vêem-se agora agravados pela pandemia devido à particular vulnerabilidade dos doentes crónicos às complicações da COVID-19, ao impacto da restrição de recursos e da interrupção de rastreios, tratamentos e acompanhamento (quer de rotina, quer de
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carácter urgente) nas situações não COVID-19, à suspensão da entrega de proximidade da medicação hospitalar. E ainda ao facto das medidas adotadas para conter a pandemia, em particular o confinamento, terem aumentado certos comportamentos de risco de doentes crónicos, como o sedentarismo, as dietas pouco saudáveis e o consumo abusivo de álcool. Mas a verdade é que só agora começamos realmente a ter a perceção das consequências do confinamento, do distanciamento social e do medo generalizado que se instalou, com doentes a chegarem às unidades de saúde com quadros clínicos gravemente descompensados que, em condições de normalidade, seriam largamente evitados. Perante este cenário preocupante que vivemos, torna-se cada vez mais imperioso que os profissionais de saúde mais próximos dos doentes crónicos, como é o caso dos farmacêuticos comunitários, possam garantir que estes mantêm as suas enfermidades o mais estabilizadas possível, que não interrompem as suas medicações crónicas e que possam continuar a recorrer aos serviços de atendimento permanente
em caso de descompensação da sua situação clínica. Dados divulgados pelo Eurostat em setembro de 2020, apresentam Portugal como o oitavo país da União Europeia com mais profissionais na área da Farmácia em 2018 (cerca de 91 farmacêuticos por cada 100 mil habitantes) e indicam que os farmacêuticos comunitários realizam mais de 120 milhões de atos por ano, atendem cerca de 4,2 milhões de cidadãos e dedicam a esse trabalho mais de 11 milhões de horas. Toda esta atividade contribuiu efetivamente para uma redução do consumo anual de cuidados de saúde, como consultas não programadas, urgências e internamentos hospitalares, estimada em mais de seis milhões de intervenções. Outro estudo recente, promovido pela Ordem dos Farmacêuticos, estima que a intervenção dos farmacêuticos nas farmácias comunitárias gera uma poupança anual de cerca de 880 milhões de euros. A possibilidade destes serviços poderem vir a ser prestados nas mais
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DESTAQUE < de 3000 farmácias espalhadas por todo o país justificam um maior aproveitamento e a sua progressiva inserção em novos modelos de prestação de serviços complementares no âmbito do Serviço Nacional de Saúde e nas estratégias de imunização da população (estabelecendo, como é óbvio, um preço adequado ao serviço a ser prestado), em estreita articulação com as prioridades definidas pelas autoridades sanitárias nacionais e evitando nesta abordagem multissectorial o desperdício ou a duplicação de recursos. Mas, enquanto que nalguns países assistimos ao aparecimento de projetos-piloto baseados em modelos de boas práticas onde o farmacêutico integra as equipas multidisciplinares de cuidados de saúde primários, atuando essencialmente como clínico na prestação de cuidados ao doente (um bom exemplo disto é o programa “GP super clinics program”, financiado pelo governo australiano, que integra o farmacêutico na prática clínica prestando serviços de revisão da terapêutica como “Home Medicines Review” ou ”Residential Manage-
Um estudo recente, promovido pela Ordem dos Farmacêuticos, estima que a intervenção dos farmacêuticos nas farmácias comunitárias gera uma poupança anual de cerca de 880 milhões de euros ment Review Services”), em Portugal iniciamos com alguma timidez experiências de serviços farmacêuticos críticos para a saúde dos portugueses, com processos que se arrastam no tempo e sem qualquer investimento público, desperdiçando quer o fator proximidade, quer o potencial na prestação de cuidados primários no alívio das urgências hospitalares, dos internamentos e das listas de espera. E o facto insofismável é que a realidade nos tem demonstrado que a
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prestação de cuidados de saúde se estende muito para além das paredes físicas das grandes instituições de saúde. E que hoje, quando vivemos uma crise de saúde sem precedentes com os hospitais sob enorme pressão, com milhares de pessoas internadas e os cuidados intensivos no limite, é mais do que nunca urgente que haja um acompanhamento e uma monitorização multiprofissional de longa duração da doença crónica, criando-se um ecossistema de serviços que englobe todos os eholdrstak da saúde (médicos, pa cientes, farmacêuticos, associações de doentes crónicos e órgãos reguladores). Seja como for uma coisa é certa, nenhum doente, crónico ou não, pode ficar para trás neste momento de emergência médica! •
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> DESTAQUE
Apoio a populações vulneráveis na doença crónica É PRÁTICA DA MÉDICOS DO MUNDO, NAS COMUNIDADES EM QUE TRABALHA, COLABORAR COM OS VÁRIOS ATORES NO TERRENO COMO FORMA DE CRIAR UMA REDE DE APOIO QUE PREVINA, RESOLVA OU MITIGUE OS PROBLEMAS QUE SE LHE DEPARAM. AS FARMÁCIAS COMUNITÁRIAS SÃO UM PARCEIRO IMPORTANTE NESSA MISSÃO. Autor: Fernando Vasco, Presidente da Médicos do Mundo
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Médicos do Mundo (MdM) é uma Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento (ONGD), sem fins lucrativos, de caráter independente que se norteia por um conjunto de valores éticos – ativismo, responsabilidade, justiça social, transparência, cooperação e proximidade. Presta cuidados de saúde a populações vulneráveis e carenciadas que pela sua condição não têm acesso a cuidados de saúde – Pessoas em Situação de Sem Abrigo (PSSA), refugiados, requerentes de asilo, imigrantes retidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, idosos, trabalhadores de sexo e utilizadores de drogas. Nos seus projetos de desenvolvimento ou de ajuda humanitária em emergência e catástrofe, inclui habitualmente consultas médicas e de enfermagem, sessões de literacia em saúde, distribuição de materiais de prevenção, testagem (VIH, Hepatites virais e Doenças Sexualmente Transmitidas), despiste de diabetes e hipertensão, e apoio medicamentoso. Pode também disponibilizar
apoio domiciliário, fisioterapêutico, psicológico, social, ajudas técnicas e vacinação quando solicitada por uma entidade. Em cada projeto, procura sempre captar a confiança dos indivíduos como forma de os motivar para a adesão às terapêuticas e para a sua integração social. É prática da MdM, nas comunidades em que trabalha, colaborar com os vários atores no terreno como forma de criar uma rede de apoio que previna, resolva ou mitigue os problemas que se lhe deparam. No início da pandemia, a MdM elaborou um plano de contingência que tem seguido à risca, nomeadamente no que se refere ao teletrabalho. As equipas centraram a sua atenção nos locais de confinamento definidos pelas câmaras municipais para as PSSA. Foram reduzidas algumas atividades, nomeadamente a testagem, que posteriormente se retomaram. Ocorreu grande adesão de voluntários que foi necessário organizar. Houve reforço das medidas de proteção individual aos profissionais com recurso a FFP21 e a apoio psicológico.
No acompanhamento daqueles que cuida, a MdM identifica um conjunto de patologias crónicas relevantes, tais como, entre outras, a doença mental, as dependências, a infeção pelo VIH/SIDA, hepatite C, diabetes e hipertensão. A MdM reconhece nas farmácias comunitárias um parceiro importante pela sua inserção nas comunidades que servem e pelo papel que desempenham enquanto recurso acessível a qualquer indivíduo com um problema de saúde, particularmente doentes crónicos. Consideremos o papel das farmácias no apoio a populações que a MdM acompanha: São o parceiro mais importante do Programa Troca de Seringas “Diz não a uma seringa em 2.ª mão” o qual contribuiu para o reconhecimento de Portugal como um exemplo de boas práticas na adoção de
1. Semi máscara de proteção respiratória
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SAÚDE <
“O Serviço Nacional de Saúde deve promover processos de cooperação saudável e negociada, em que não seja permitido que interesses privados e o denominado preconceito ideológico se sobreponham ao interesse público e aos direitos dos cidadãos”
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políticas de abordagem aos comportamentos aditivos e dependências, verificando-se “na última década, uma redução de 90% no número de casos de infeção por VIH e de sida em utilizadores”2. O Programa contribui também para a redução dos óbitos por overdose e de situações patológicas associadas ao consumo de drogas injetáveis, tais como a hepatite C, tromboflebites, endocardites; Fazem controlo do peso e da tensão arterial, medição dos níveis de glicemia, colesterol e, algumas delas, visitas domiciliárias a doentes para verificação da medicação; lgumas colaboram como parceiras no apoio medicaA mentoso a doentes carenciados; Desempenham um papel de aconselhamento nas mais diversas situações de doença aguda e crónica; Colaboram na vacinação contra a gripe, estando em estudo a colaboração na campanha de vacinação contra a COVID-19; êm um papel integrador, ainda que residual, na aproT ximação de alguns indivíduos com vivências marginais à sociedade.
No contexto da pandemia, as populações, para além do receio que têm de se infetar ao entrarem num serviço de saúde, confrontam-se com a incapacidade de resposta daqueles, resultante da afluência dos doentes COVID. Daí que procurem apoios de proximidade onde se incluem organizações como a MdM e as farmácias, que demonstram mais uma vez a sua utilidade, que nem sempre é valorizada ou mesmo reconhecida.
“A MdM reconhece nas farmácias comunitárias um parceiro importante pela sua inserção nas comunidades que servem e pelo papel que desempenham enquanto recurso acessível a qualquer indivíduo com um problema de saúde” Assim, é minha convicção que o Serviço Nacional de Saúde, espinha dorsal do nosso sistema nacional de saúde, não pode dispensar ninguém. Deve promover processos de cooperação saudável e negociada, em que não seja permitido que interesses privados e o denominado preconceito ideológico, diria antes os preconceitos ideológicos, se sobreponham ao interesse público e aos direitos dos cidadãos. Ao Estado cabe assegurar a cobertura universal em saúde aos cidadãos, enquanto instrumento de garante de um Direito Humano fundamental, o Direito à Saúde. •
2. S egundo a Dr.ª Isabel Aldir, Diretora do Programa Nacional para a Infeção VIH e SIDA e do Programa Nacional para as Hepatites Virais, nas comemorações dos 25 anos do Programa. Dezembro de 2018.
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> DESTAQUE
O acompanhamento do doente crónico pelas farmácias comunitárias EM TEMPOS COMO OS QUE ATUALMENTE SÃO VIVIDOS PELA POPULAÇÃO, AS FARMÁCIAS COMUNITÁRIAS SÃO OS PRIMEIROS ESTABELECIMENTOS AOS QUAIS OS DOENTES RECORREM POR FORMA A GARANTIREM A CONTINUIDADE DA SUA MEDICAÇÃO E A QUALIDADE DA SUA SAÚDE. Autor: Carolina Simão, Presidente da Associação de Estudantes de Farmácia - APEF
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e acordo com o inquérito conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, cujos dados foram apresentados no ano de 2019, 3,9 milhões de portugueses revelam ter pelo menos uma doença crónica de uma lista de 20 doenças citadas. Fruto da preocupação com a saúde dos doentes, a GFK Metris realizou um estudo no âmbito de uma iniciativa criada conjuntamente pela Ordem dos Médicos e a Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) denominada ‘‘Saúde em Dia – Não mascare a sua Saúde’’
que demostrou que mais de metade dos portugueses, com especial incidência nos idosos e nos doentes crónicos, considera que a pandemia dificultou o seu acesso aos cuidados de saúde. O referido estudo também indica que cerca de metade da população não se sente segura para usufruir dos cuidados de saúde, por receio de contágio. No entanto, demonstra que 83% dos inquiridos confirma a confiança nas deslocações às farmácias para adquirirem os seus medicamentos, evidenciando que, principalmente em tempos como os que atualmente são vividos pela população, as farmácias comunitárias são os primeiros
estabelecimentos aos quais os doentes recorrem por forma a garantirem a continuidade da sua medicação e a qualidade da sua saúde.
“Numa altura em que os centros de saúde e os hospitais, fruto da pandemia de COVID-19, continuam saturados e sobrelotados, as farmácias comunitárias continuam a exercer um papel exemplar na monitorização de parâmetros bioquímicos essenciais para os doentes crónicos” O despacho publicado no dia 7 de abril pelo Ministério da Saúde, o qual autorizava o fornecimento de medicamentos hospitalares aos doentes em regime ambulatório através das farmácias comunitárias, permitiu que estes estabelecimentos estivessem, como já é habitual, na linha da frente no tratamento dos doentes crónicos. É, através das farmácias comunitárias, que é assegurada a monitorização contínua do tratamento destes doentes que viram, e
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DESTAQUE < monitorização de parâmetros bioquímicos essenciais para os doentes crónicos, não só possibilitando um maior controlo da evolução da patologia, mas também permitindo que o doente se sinta seguro e acompanhado, contribuindo para a manutenção da qualidade da sua saúde física e mental.
“Os farmacêuticos comunitários privilegiam de um contacto próximo com a comunidade e têm, continuamente, assegurada a manutenção da terapêutica dos doentes com patologias crónicas”
continuam a ver, por fruto da pandemia, o acesso aos cuidados de saúde condicionados. Assim sendo, esta revela-se essencial para a manutenção do bem-estar e estabilidade clínica da pessoa que vive com doença. Também as farmácias comunitárias estiveram presentes no sucesso da ‘‘Operação Luz Verde’’ criada com o intuito de garantir a continuidade da terapêutica em doentes com inúmeras patologias que requerem um tratamento contínuo. Em articulação com os farmacêuticos hospitalares, os distribuidores farmacêuticos e, com o apoio da Ordem dos Farmacêuticos e da Ordem dos Médicos, as farmácias comunitárias proporcionaram cuidados de saúde de qualidade, evitando a deslocação desnecessária dos doentes às instalações hospitalares, diminuindo o
risco de estes contraírem a infeção causada pelo SARS-CoV-2. Tais iniciativas permitiram reiterar aquilo que já era dado adquirido: a disponibilidade e a centralização da ação das farmácias comunitárias e dos farmacêuticos que nelas exercem funções, na pessoa com doença. Mantendo sempre as suas portas abertas, com um esforço heróico e extraordinário daqueles que são especialistas na área do medicamento, foi possível a adaptação, quase imediata, à situação que, em março de 2020, era nova para todos. Adicionalmente, numa altura em que os centros de saúde e os hospitais, fruto da pandemia de COVID-19, continuam saturados e sobrelotados, as farmácias comunitárias continuam a exercer um papel exemplar na
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Por outro lado, e conscientes da ligação entre o estilo de vida da população e os fatores de risco das principais doenças crónicas, os farmacêuticos comunitários assumem um papel de promotores de saúde, garantindo que, numa altura que requer distanciamento físico, os hábitos alimentares e de exercício físico, dos doentes crónicos, e da população em geral, se mantêm alinhados com as recomendações. O contributo destes profissionais é assim uma força motriz no combate à tendência ao sedentarismo e hábitos de vida pouco saudáveis que a situação que vivemos comporta. Os farmacêuticos comunitários privilegiam de um contacto próximo com a comunidade e têm, continuamente, assegurada a manutenção da terapêutica dos doentes com patologias crónicas, a manutenção de um estilo de vida saudável de toda a população e, acima de tudo, têm provado que aconteça o que acontecer, nunca deixarão sozinhos aqueles que mais precisam deles: os doentes. •
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> SAÚDE
A saúde vem primeiro! A ATUAL PANDEMIA PODE E DEVE SER UMA OPORTUNIDADE PARA REFORMAR O SNS. É NECESSÁRIO INVESTIR MAIS NA PROMOÇÃO DA SAÚDE E NA PREVENÇÃO DA DOENÇA E UMA POLÍTICA INTEGRADA E TRANSVERSAL A VÁRIAS ÁREAS, NOMEADAMENTE NA EDUCAÇÃO E AÇÃO SOCIAL. Autor: Andrea Lima, Membro Executivo do Fórum Saúde XXI
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aumento da esperança média de vida à nascença – 81,5 anos em 2017 – é um indicador de saúde positivo. Porém, se considerarmos a expetativa do número de anos com saúde aos 65 anos, verificamos que em Portugal este número é de apenas 6,7 anos, o que compara mal com a média da OCDE26 que é de 9,6 anos e com os 15,9 anos da Noruega. Isto significa que em Portugal temos um problema relativamente ao envelhecimento em saúde da população, cujos últimos 12,9 anos de vida são vividos com limitações de atividade, principalmente física. Se a este facto associarmos o elevado índice de envelhecimento da população, podemos com alguma certeza antecipar as seguintes ameaças para a saúde dos portugueses e para a sustentabilidade do SNS: umento das comorbilidades e da A polipatologia; Aumento das doenças mentais com especial relevância para a demência; Aumento da procura de cuidados continuados; umento da despesa corrente do A Estado em saúde;
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Aumento da despesa das famílias em saúde. Procurando responder aos riscos perspetivados e tendo por fim a melhoria da saúde dos portugueses e a sustentabilidade social e financeira do SNS, o Fórum Saúde para o Século XXI publicou em 2020 um position paper em que defende e propõe as seguintes medidas: 1. Transformar o atual sistema centrado na produção de serviços de saúde, num sistema baseado em resultados para o doente e para a comunidade. 2. A umentar o investimento na educação e prevenção em saúde sem que isso signifique desinvestimento na prestação de cuidados de saúde primários, hospitalares e continuados. 3. A dotar um Registo Clínico Nacional único e universal que inclua o setor público, privado e social. 4. A proveitar e rentabilizar os recursos existentes no setor público, privado e social, promovendo a subsidiariedade e equidade na
prestação de serviços, diminuindo o desperdício do sistema nacional de saúde e melhorando a satisfação dos cidadãos. 5. A umentar o nível de vigilância sanitária junto dos grupos de maior risco, nomeadamente em lares e centros de dia. Nos últimos seis anos temos vindo a defender a necessidade de Portugal integrar o tema saúde na governação e nas políticas nacionais e locais em áreas como a educação, segurança, trabalho e segurança social, transportes, habitação, urbanismo e infraestruturas. Infelizmente, foi necessária uma pandemia para o país perceber que a economia depende mais da saúde do que a saúde da economia. Nos últimos anos assistimos ao resgate sucessivo de vários bancos
“Em Portugal temos um problema relativamente ao envelhecimento em saúde da população, cujos últimos 12,9 anos de vida são vividos com limitações de atividade, principalmente física” AFP-ASSOCIAÇÃO DE FARMÁCIAS DE PORTUGAL
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“Infelizmente, foi necessária uma pandemia para o país perceber que a economia depende mais da saúde do que a saúde da economia” nacionais que custaram milhares de milhões de euros aos portugueses. Foi-nos dito que o dinheiro dos nossos impostos era necessário para evitar a derrocada do sistema financeiro e salvar a economia. Entretanto, como o dinheiro não estica desinvestiu-se na saúde, quiçá porque sempre foi vista como uma despesa e não como um investimento. Já em plena pandemia o governo decide gastar mais uns milhões do dinheiro dos contribuintes para salvar uma companhia de aviação. Mais uma vez nos é dito que se trata de uma empresa estratégica para a economia. E a saúde dos portugueses, não é estratégica para a economia? Qual o plano do governo para acabar com as listas de espera para consultas e cirurgias? Como pensa o governo promover o envelhecimento ativo? E a saúde mental?
Precisamos de pensar global e agir local. Neste sentido, o papel dos municípios é fundamental. Por isso criámos uma Academia Fórum Saúde XXI cujo propósito é ser um centro de produção e transmissão de conhecimento na promoção da saúde e na prevenção da doença, através de programas de formação orientados para a gestão de risco integrado em saúde e do desenvolvimento da literacia e cidadania ativa da população. Neste contexto acreditamos que a Farmácia é um stakeholder essencial de qualquer política de promoção da saúde e prevenção da doença. As farmácias são o spot de saúde por excelência. É às farmácias que o cidadão recorre em primeiro lugar — é mais fácil
obter um conselho do farmacêutico do que agendar uma consulta com o médico de família. A par do seu papel ao nível da saúde, as farmácias também têm um importante papel social. São elas muitas vezes que estão mais bem posicionadas para identificar problemas de pobreza envergonhada, abandono e violência doméstica. Assim sendo, deveríamos pensar na criação a nível local de uma rede de contactos que possibilitasse às farmácias reportar estes casos de cariz social às instituições com competências para os resolver. Em suma, o Fórum Saúde para o Século XXI defende uma reforma do Sistema Nacional de Saúde que integre o setor público, privado e social, tendo como primeiro objetivo a satisfação do cidadão e não de interesses políticos, ideológicos, económicos ou corporativos. •
No Fórum Saúde para o Século XXI acreditamos que a atual pandemia pode e deve ser uma oportunidade para reformar o SNS. Como já disse é necessário investir mais na promoção da saúde e na prevenção da doença. É preciso uma política integrada e transversal a várias áreas, nomeadamente na educação e ação social. É preciso criar uma verdadeira rede de cuidados integrados que abranja as instituições do setor público, privado e social.
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> SAÚDE
Impactos da pandemia COVID-19 A ELEVADA PRESSÃO ADICIONAL SOBRE AS INSTITUIÇÕES QUE FOI GERADA PELA ATUAL PANDEMIA E O SEU IMPACTO NA ATIVIDADE NÃO-COVID IMPÕE A PREPARAÇÃO E ARTICULAÇÃO DE RESPOSTAS DE GOVERNAÇÃO E DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA, DE MODO ARTICULADO, QUE CRIEM CONDIÇÕES PARA UMA RESPOSTA E MITIGAÇÃO QUE ASSEGURE ACESSO E EQUIDADE. Autor: José Carlos Fernandes Pereira, Administrador Hospitalar 1. I MPACTO NA PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE O período de emergência internacional de saúde pública e de pandemia pelo vírus SARS-CoV-2, declarado pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020, está a impactar profundamente na atividade das instituições prestadoras de cuidados de saúde.
Iniciando pelos cuidados de saúde primários, relativamente a consultas ou contactos médicos nos centros de saúde, este estudo assinala em 2020 um crescimento global de 4,7% (+1,4 milhões) face a 2019:
A concentração de uma elevada quantidade de recursos materiais e humanos na gestão da pandemia alterou a atividade dos hospitais e dos centros de saúde e sobrecarregou os profissionais alocados a atividades COVID-19, muitas delas invisíveis, gerando maior redução da procura, agravada por barreiras autoimpostas (receio de contágio ou isolamento) ou que resultaram de cancelamento ou adiamento de atos clínicos.
Redução de 38% das consultas médicas presenciais nos centros de saúde (-7,8 milhões), com maior discrepância em abril; Crescimento de 101% dos con tactos médicos não presenciais ou inespecíficos, passando de 9,1 milhões para 18,5 milhões, com maior discrepância em novembro; Redução de 37% das consultas médicas ao domicílio (-72 mil), com maior discrepância em abril; e Mais de 7,8 milhões de contactos presenciais médicos por realizar em 2020.
O impacto na prestação de cuidados de saúde em Portugal foi analisado pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) e pela Ordem dos Médicos, no âmbito da iniciativa conjunta, denominada de Movimento Saúde em Dia (www.saudeemdia.pt). Através dos dados de 2020 (janeiro a dezembro), disponíveis no Portal da Transparência do SNS, comparados
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com o período homólogo de 2019, foram analisadas diversas áreas de prestação de cuidados.
Relativamente aos contactos de enfermagem nos centros de saúde, de registar em 2020 uma redução global de 13% (-2,7 milhões) face a 2019: Redução de 18% dos contactos presenciais de enfermagem (-3,6 milhões), com maior discrepância em abril; Crescimento de 62% dos contactos não presenciais de enfermagem
(+844 mil), com maior discrepância também em abril; e Mais de 3,6 milhões de contactos presenciais de enfermagem por realizar em 2020, comparativamente a 2019. Em termos de MCDT (meios complementares de diagnóstico e terapêutica), globalmente, foram realizados em 2020 menos um quarto dos exames e análises: edução de 25% de exames conR vencionados (-25 milhões de atos realizados), com maior discrepância em abril; Maior expressão desta redução em áreas como a Medicina Física e de Reabilitação (-12,4 milhões), Análises Clínicas (-9,9 milhões), Radiologia (-1,6 milhões), Cardiologia (-414 mil) ou endoscopia gastroenterológica (-366 mil), entre outras. No âmbito do Programa de Rastreios Oncológicos, foram igualmente observadas quebras: Redução de 21% de mulheres com registo de mamografia nos últi-
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SAÚDE < mos dois anos, com mais de 169 mil rastreios por realizar; Redução de 12% de mulheres com colpocitologia atualizada, com mais de 140 mil rastreios por realizar; e Redução de 7% de utentes inscritos com rastreio do cancro do cólon e reto efetuado, com mais de 125 mil portugueses sem rastreio. Na análise dos cuidados de saúde hospitalares, foram observados os dados das principais linhas de atividade. Globalmente, entre consultas, cirurgias e urgências houve em 2020 menos 3,4 milhões de contactos comparativamente com 2019: edução de 11% das consultas exR ternas (-1,3 milhões), com maior discrepância em abril, das quais se desdobra numa diminuição de 16% de primeiras consultas (-584 mil) e de 8% nas subsequentes (-726 mil); Redução de 18% das cirurgias (-126 mil), com maior discrepância em abril, das quais se desdobra numa diminuição de 19% das intervenções programadas (-115 mil) e de 11% das intervenções urgentes (-10 mil); e Redução de 31% de episódios de urgência (-2 milhões), igualmente com maior discrepância em abril, dos quais se desdobra numa diminuição de 30% dos atendimentos por Triagem de Manchester emergentes, muito urgente ou urgentes (-1 milhão), e de 28% nos pouco urgentes ou não urgentes. O relatório deste estudo pode ser consultado no site da APAH (www.apah.pt). Em sentido semelhante seguem as conclusões de um outro estudo rea-
lizado pela IASIST Portugal. A partir dos dados disponibilizados pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), foi comparada a atividade hospitalar dos meses de março a setembro dos anos de 2019 e 2020, tendo concluído por uma redução de 14% das consultas externas (-1 milhão), uma queda de 35% de observações urgentes (-1,3 milhões de atendimentos), menos 23% de internamentos (-72 mil altas), uma redução global de 30% de intervenções cirúrgicas e uma redução generalizada na atividade de transplantação.
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Num inquérito realizado entre os dias 28 de agosto a 8 de setembro de 2020 à população portuguesa pela GfK Metris, sobre o acesso a cuidados de saúde durante a pandemia, aproximadamente 2 milhões declararam sofrer de uma ou mais doenças crónicas. Doze por cento destes doentes sentiu um agravamento da sua doença, dos quais 76% recorreu a cuidados médicos. Os restantes (um em cada quatro doentes) não procuraram cuidados médicos por desvalorização da gravidade ou receio de contágio.
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> SAÚDE Destaque positivo neste inquérito da GfK Metris para o acesso seguro e agilizado ao medicamento durante a pandemia, com realce para a não ocorrência de rutura de stocks, facilidades no acesso às prescrições ou no pedido/renovação de receituários à distância (por telefone ou email, com comunicação direta para as farmácias comunitárias). O fornecimento de medicamentos dispensados pelas farmácias hospitalares aos doentes em regime ambulatório, através das farmácias comunitárias e da entrega ao domicílio, foi ainda positivamente percecionado por 60% dos doentes crónicos inquiridos. Esta medida permitiu manter continuidade no fornecimento de medicamentos, suplementos, nutrição clínica – entre outros dispensados em regime ambulatório da farmácia hospitalar –,
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manter as terapêuticas e incrementar acesso e proximidade. Apesar de empiricamente percecionarmos impactos na saúde pública que resultarão do cancelamento ou adiamento da resposta, não é ainda possível determinar a dimensão ou os efeitos desse impacto na saúde dos portugueses, designadamente nos 3,9 milhões (57,8%) que reportaram ter pelo menos uma doença crónica (INSEF 2015).
constatamos aquando do aumento da incidência das infeções respiratórias na população, designadamente as devidas à epidemia sazonal da gripe. A elevada pressão adicional sobre as instituições que foi gerada pela atual pandemia e o seu impacto na atividade não-COVID impõe a preparação e articulação de respostas de governação e de organização do sistema, de modo articulado, que criem condições para uma resposta e mitigação que assegure acesso e equidade.
2. RESPOSTA E MITIGAÇÃO
O Plano da Saúde para o Outono-Inverno 2020-21, uma estratégia em vista a dar resposta à evolução da pandemia COVID-19 e às necessidades de saúde da população noutras áreas, foi apresentado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2020.
As instituições do SNS há muito revelam fragilidades como as que
Em termos de resposta não-COVID-19, esta estratégia previu: (i) a formaliza-
Certo é que os cancelamentos ou adiamentos limitaram o acesso à prestação de cuidados de saúde ou a meios de diagnóstico e agravaram as listas de espera.
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SAÚDE < ção de uma task-force; (ii) a maximização da resposta nos cuidados de saúde primários, com atendimento presencial, não presencial e domiciliário; (iii) reforçar as respostas de proximidade, incluindo dispensa de medicamentos; (iv) maximizar a resposta nos hospitais através de maior articulação com cuidados de saúde primários, incluindo o encaminhamento de situações não urgentes; (v) incentivar a cirurgia eletiva e de ambulatório com avaliação pré-operatória em modelo drive-through; (vi) definir unidades hospitalares “COVID-19 free”; (vii) e continuar a expansão da hospitalização domiciliária.
o sacubitril + valsartan (73,7%) e o dulaglutido (62,3%). Relativamente ao consumo nacional de medicamentos em meio hospitalar em 2019 e 2020, igualmente acumulado a setembro, é possível observar um aumento de 2,8% da despesa do SNS (27,8 milhões de euros), representando uma aceleração da trajetória em 1% quando comparado 2019 com 2018.
Aguarda-se com elevada expectativa novos desenvolvimentos sobre este plano.
As áreas terapêuticas com maior aumento de despesa são a oncologia (10,6%), a esclerose múltipla (11,0%) e a amiloidose (16,5%). Os medicamentos com maior aumento de despesa são o darunavir + cobicistate + embicitabina + tenofovir alafenamida (64%), o dolutegravir + abacavir + lamivudina (14,5%), e o osimertinib (65%).
3. I MPACTO NO MERCADO DO MEDICAMENTO
4. C ONTRIBUTO DAS FARMÁCIAS COMUNITÁRIAS
Comparando os dados disponibilizados pela monitorização do mercado do medicamento (www.infarmed.pt), o consumo nacional de medicamentos em meio ambulatório em 2019 e 2020, acumulado a setembro, registou um aumento de 3,3% da despesa do SNS (32 milhões de euros) e uma redução de 0,8% (-4,1 milhões de euros) da despesa do utente. Tal poderá sugerir a manutenção do acesso ao medicamento no período pandémico, apesar de uma desaceleração da trajetória quando comparado 2019 com 2018 (+5,4%).
Os stakeholders da saúde passaram a adaptar-se a uma nova realidade e a reformular as suas atividades de modo a assegurar continuidade e respostas adequadas à pandemia.
As classes terapêuticas com maior aumento na despesa foram os antidiabéticos (11,9%), os anticoagulantes (6,1%) e os modificadores do eixo renina angiotensina (9,8%). Os medicamentos com maior aumento na despesa foram o apixabano (18,3%),
O setor farmacêutico não foi exceção e passou a seguir novas normas do INFARMED e da DGS em vista a assegurar medidas de segurança sanitária para colaboradores e utentes. Estas medidas permitiram salvaguardar o papel fundamental no sistema de saúde de uma rede de 2.804 farmácias comunitárias, assim como um efetivo acesso ao medicamento por todo o território nacional, dando um precioso contributo para a equidade na prestação de cuidados de saúde. Para muitos cidadãos, as farmácias são a estrutura de saúde mais acessível para prestar cuidados de
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proximidade. Pela sua abrangência geográfica e qualificação dos seus profissionais, as farmácias comunitárias assumem uma importância fundamental no ecossistema da saúde, designadamente no acesso e gestão da terapêutica, administração de medicamentos, determinação de parâmetros, identificação de pessoas em risco, deteção precoce de diversas doenças, promoção de estilos de vida saudáveis ou no processo de vacinação. No âmbito da COVID-19, as farmácias comunitárias passaram a contribuir diariamente para incrementar a literacia e o esclarecimento de dúvidas dos cidadãos sobre prevenção da infeção pelo SARS-CoV-2 ou a segurança das novas vacinas. Com acesso a uma operação logística robusta e um universo de farmacêuticos com formação e competência reconhecida pela Ordem dos Farmacêuticos em administração de vacinas e medicamentos injetáveis, as farmácias comunitárias portuguesas estão aptas a dar um contributo adicional significativo para o alargamento e diversificação dos locais de vacinação contra a gripe sazonal (desde 2007) e contra a COVID-19, alavancando a estratégia nacional de vacinação e libertando hospitais e centros de saúde. Após experiências bem-sucedidas (v.g. terapêuticas antirretrovirais), as farmácias comunitárias passaram a fornecer, em proximidade, os medicamentos dispensados nas farmácias hospitalares em regime de ambulatório, sem descurar a qualidade, eficácia e segurança, mantendo as boas práticas de distribuição de medicamentos de uso humano.
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SAÚDE < Através de Circular Normativa do INFARMED, de 7 de abril de 2020, foram emitidas orientações para o acesso de proximidade a medicamentos dispensados em regime ambulatório de farmácia hospitalar, no atual contexto de pandemia por COVID-19, tendo por objetivos assegurar a continuidade do fornecimento de medicamentos ou outros produtos, evitar deslocações aos hospitais e minimizar riscos de exposição, quer por dispensa na farmácia comunitária, quer por entrega dos medicamentos no domicílio do utente. Nesta matéria, a APAH promoveu um estudo populacional sobre a acessibilidade e dispensa de proximidade ao medicamento hospitalar, efetuado através de entrevistas online entre 20 de outubro e 4 de novembro. Em dezembro publicou as seguintes conclusões do estudo (nº 23 da revista Gestão Hospitalar): 5,8% dos inquiridos mudaram o 3 local de levantamento/dispensa da medicação hospitalar, do período pré-pandemia para o pós-confinamento; Dos 75,9% das pessoas que antes do confinamento faziam o levantamento através do modelo hospitalar, 41,1% mantiveram esse levantamento durante e após o confinamento e 23,2% mudaram para o modelo de proximidade durante o confinamento e mantiveram-se no pós-confinamento (farmácia comunitária ou entrega ao domicílio); Os doentes que mudaram para o modelo de proximidade manifestaram-se muito mais satisfeitos, com uma avaliação de 4,6 numa escala de 1 (nada satisfeito) a 5 (muito satisfeito);
Antes do confinamento, 61,2% das pessoas precisava da receita em papel para levantar a medicação, depois do confinamento as receitas eletrónicas ou por sms passaram a ser uma realidade para 61% das pessoas; Antes do confinamento, em 42,2% dos casos a dispensa era para um período mensal, depois do confinamento 65,9% das dispensas passaram a ser para períodos superiores a dois e três meses; Cada utente poupou em média 112km nas suas deslocações de ida e volta; Antes do confinamento, 28,6% gastava mais de 20 euros em deslocações, depois do confinamento 92% passaram a gastar menos de 5 euros; Antes do confinamento, 58,9% esperava entre 15 a 60 minutos no local de entrega (hospital), depois do confinamento 80,5% passaram a esperar menos de 15 minutos (farmácia comunitária ou domicílio); Antes do confinamento, 55% dos doentes que mudaram para o modelo de proximidade tinham que faltar ou tirar férias no trabalho, depois do confinamento 90% dos inquiridos deixaram de ter a necessidade de faltar ao trabalho ou tirar férias; Para o futuro, 82,9% dos inquiridos gostaria que o levantamento/ dispensa da medicação fosse feito numa farmácia perto de si (43,7%) ou em casa (39,2%); 65% dos inquiridos estão dispostos a pagar para receber a medicação no local que pretendem, independentemente do pagamento ou não de taxas moderadoras; Os meios de contacto com os profissionais de saúde sofreram alterações durante o confinamento e no pós-confinamento, privilegian-
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do-se o email, whatsapp, sms e chamadas telefónicas; No futuro, a utilização de uma aplicação para consultar o ponto de situação da entrega da medicação é considerada pelos inquiridos como muito útil, com uma avaliação de 4,17 numa escala de 1 (nada útil) a 5 (muito útil). Por sua vez, um estudo da NOVA Information Management School (NOVA-IMS) sobre a dispensa de medicamentos em farmácia hospitalar, divulgado em setembro de 2020, revelou que cerca de 6,4% dos portugueses que fazem terapêutica regular tomam medicamentos de dispensa exclusiva em farmácia hospitalar. Destes, 85,7% levanta os medicamentos no hospital onde tem a consulta e 14,3% noutro hospital. Para tal, cada doente faz 7,6 deslocações por ano ao hospital, para levantamento dos medicamentos, o que representa, para o utente 5h27 de tempo despendido e um custo de 14,30€/ida. Acrescenta que o custo total das idas dos doentes ao hospital, somado ao valor económico do tempo despendido, representa um custo anual de 185 milhões de euros para o seu bolso. Juntando o valor económico do tempo despendido por parte do hospital, no total, a dispensa de medicamentos em farmácia hospitalar tem um custo anual de 199 milhões de euros. Conclui este estudo que, no atual contexto pandémico, é possível retirar dos hospitais atividades como a dispensa de medicamentos e, consequentemente, reduzir pressão sobre os mesmos, reduzir custos e beneficiar a proximidade e o acesso ao medicamento. •
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> SAÚDE
Os efeitos da pandemia na saúde mental A INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA, DESDE O INÍCIO DA PANDEMIA, VAI OFERECENDO RESPOSTA ÀS DIFERENTES SITUAÇÕES REPORTADAS. PODE PASSAR PELO ACONSELHAMENTO, INTERVENÇÃO EM CRISE, INTERVENÇÕES BREVES E INTERVENÇÕES PSICOTERAPÊUTICAS. Autor: Dénis Valéria e Sousa, Psicóloga Clínica
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unca se falou tanto em saúde mental como agora. Após o momento em que foi decretado o primeiro Estado de Emergência, em Portugal, o estado psicológico da maioria dos portugueses sofreu alterações. A Saúde Mental, até aqui estigmatizada e rotulada, passa a ter uma valorização e importância significativa na gestão emocional da pandemia. Lidar com o estado constante de alerta, motivado pelo medo do desconhecido, a incerteza e preocupação com o futuro tornou-se o primeiro desafio. Transitou-se para a gestão do confinamento e o isolamento, seguido de todas as implicações familiares, profissionais e sócioeconómicas. A ansiedade da possibilidade de teste COVID-19 positivo, a gestão da doença individual e de familiares, e a perda de entes queridos trouxe alterações emocionais com respostas de mecanismos desadaptativos.
Tornou-se fundamental aumentar as respostas para a Saúde Mental, tanto para a população em geral como para os profissionais de saúde. Exemplo, é a criação da Linha de Aconselhamento Psicológico SNS24 e de outras linhas que, entretanto, foram criadas. Os pedidos de primeira consulta para a especialidade de Psicologia Clínica aumentaram, sendo mais frequentemente observados, nos primeiros três meses de pandemia, sintomatologia depressiva, ansiosa e de stress. Nos casos de consultas de seguimento a sua regularidade foi reforçada, de acordo com a avaliação de cada caso. A teleconsulta prevaleceu face às consultas presenciais e os meios tecnológicos passaram a ser uma ferramenta imprescindível. O desconfinamento, o voltar à “normalidade” e a convicção de que “Vai ficar tudo bem” trouxe a esperança e o ignorar de alguns sintomas. No entanto, o cansaço e a saturação
“A ansiedade da possibilidade de teste COVID-19 positivo, a gestão da doença individual e de familiares e a perda de entes queridos trouxe alterações emocionais com respostas de mecanismos desadaptativos” 34
sentidos revelaram um agravamento dos transtornos mentais já existentes, que exigiram respostas imediatas em situações de crise agudas. Decorridos seis meses de pandemia, o isolamento a solidão e a ausência do contacto social reforçaram sentimentos de angústia e desespero. Adveio um agravamento de sintomas depressivos, ansiosos e de stress, e o aumento de crises de pânico e maior frequência nos comportamentos aditivos e dependências (álcool, drogas, jogo, etc). A prevenção do suicídio assume um papel fundamental na área de intervenção do Profissional de Saúde Mental. Em dezembro assiste-se a um processo de descompressão, possivelmente associado ao desenvolvimento e chegada da vacina. Muitos dos processos psíquicos foram substituídos pela negação e a realidade do novo confinamento ficou muito próxima. Com o decretar do novo confinamento, e atendendo à fadiga da pandemia e dos seus impactos, os fatores associados ao stress elevaram.
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SAÚDE < A intervenção psicológica, desde o início da pandemia, vai oferecendo resposta às diferentes situações que são reportadas. Esta intervenção pode passar pelo aconselhamento, intervenção em crise, intervenções breves e intervenções psicoterapêuticas. No aconselhamento psicológico, é importante promover a adopção de comportamentos pró-saúde e pró-sociais. Existe a necessidade de se facilitar a adoção de ferramentas emocionais (estar atento às emoções e conseguir identificar sentimentos), relacionais (reforço das relações, expressar e partilhar sentimentos) e de autocuidado e bem estar (hábitos de sono, alimentação saudável, prática de exercício físico e “filtrar” informação acerca da pandemia).
Estudos indicam que a ausência do contacto social provoca um aumento no organismo dos níveis de cortisol, hormona que está diretamente envolvida na resposta ao stress
A intervenção psicoterapêutica permite uma mudança nos processos de regulação emocional e na sintomatologia psicopatológica. Estudos indicam que a ausência do contacto social provoca um aumento no organismo dos níveis de cortisol, hormona que está diretamente en-
volvida na resposta ao stress. Por sua vez, isso vai interferir em sentimentos depressivos, ansiosos, abuso de substâncias, consumo abusivo de bebidas alcoólicas, obesidade, entre outros fatores. É previsível um crescimento na intervenção do trauma e do processo de luto “mal resolvido”. •
A intervenção em crise pressupõe a estabilização momentânea perante uma situação vivencial com impacto negativo. A intervenção breve funciona com um objetivo motivacional de redução e mudança de comportamentos, nomeadamente em comportamentos aditivos e dependências.
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> SAÚDE
Quando o Burnout se instala GESTORES E PROFISSIONAIS DE SAÚDE DEVEM TRABALHAR CONJUNTAMENTE, DE MODO A CRIAR ESTRATÉGIAS DE MELHORIA ORGANIZACIONAL E CONDIÇÕES LABORAIS, A FIM DE DESENVOLVER MEDIDAS QUE REDUZAM A EXAUSTÃO FÍSICA E PSICOLÓGICA, PREVENINDO O BURNOUT.
S
Autor: Luís Pinheiro, Licenciado em Administração de Unidades de Saúde desenvolveu o Maslach Burnout Inventory, caracterizando o Burnout através de três pontos: elevado esgotamento emocional, elevada despersonalização e baixa realização profissional, conduzindo ao desgaste pessoal, profissional e da saúde. Os seus efeitos podem prejudicar o indivíduo a três níveis: Individual (físico, mental, profissional e social); Profissional (atendimento negligente e lento, contacto impessoal com colegas de trabalho e/ ou pacientes/clientes); Organizacional (conflito com membros da equipa, rotatividade, absentismo e diminuição de qualidade dos serviços prestados).
Cristina Maslach, Professora e Psicóloga, através da sua investigação
Várias profissões apresentam vulnerabilidade a diferentes fatores in-
dutores de Burnout. Os profissionais da área da saúde estão sujeitos a contextos laborais e organizacionais bastante exigentes e stressantes que podem desencadear a síndrome. “A síndrome de Burnout, nos profissionais de saúde, é uma realidade preocupante, uma vez que compromete a qualidade do serviço prestado ao utente e à rede social envolvida (Rosa, 2005, cit in Santos, 2015)”. Devido às relações interpessoais tensas e hierárquicas nas instituições de saúde e ao contacto constante com pessoas debilitadas e/ou doentes, encontram-se mais expostos a esta síndrome. O Burnout reflete-se no desempenho individual, influenciando a rentabilidade e valor do trabalho, aumentando o cansaço e a des-
“A síndrome de Burnout tem sido constantemente descrita como um fenómeno complexo, resultado da interação de diversas variáveis com influência negativa para os prestadores de cuidados, para as organizações de saúde e para os próprios utentes” 36
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Burnout
índrome de Esgotamento Profissional ou Burnout é um “state of mental and physical exhaustion caused by one’s professional life” – definição atribuída pelo Professor e Psicanalista americano Herbert Freudenberger – como um conjunto de sinais e sintomas associados ao colapso físico e emocional que ocorrem após a exaustão extrema, diminuição de recursos e forças disponíveis para a realização de tarefas. Não surge subitamente devido a um único fator de stress, deriva de uma sequência prolongada de tempo.
SAÚDE <
“As organizações, hoje mais que nunca, devem estar atentas aos sinais que os seus trabalhadores apresentam, de maneira a implementar medidas preventivas e de ajuda, perante as primeiras manifestações do Burnout”
Burnout
motivação, em simultâneo, o que diminui os níveis de rendimento, de compromisso e satisfação profissional. Tendencialmente, tal irá afetar negativamente não só a organização como o trabalhador, refletindo-se na qualidade de vida, no trabalho e na deterioração da vida pessoal. O impacto é tal que o profissional diminui significativamente o seu desempenho e a qualidade do atendimento ao utente, existindo uma maior predisposição a erros, a ser menos cuidadoso e proativo na resolução de problemas. “A exaustão é a característica central do burnout e em simultâneo a manifestação mais óbvia desta síndrome complexa (Maslach et. al., 2001)”. São identificados cinco fatores de risco: a sobrecarga de trabalho, falta de controlo, ausência de recompensas, conflitos com os colegas e sentimento de injustiça.
A síndrome de Burnout tem sido constantemente descrita como um fenómeno complexo, resultado da interação de diversas variáveis com influência negativa para os prestadores de cuidados, para as organizações de saúde e para os próprios utentes. Devido à atual conjuntura pandémica, os profissionais de saúde estão sujeitos a uma enorme pressão. Turnos extremamente extensos, poucas ou nenhumas folgas, atingindo níveis de stress acima do comum, promovendo um desgaste físico e emocional nunca vivido. Num cenário anterior à pandemia, os fatores que catapultavam o desenvolvimento da síndrome partiam, diversas vezes, do seio das organizações onde o profissional está inserido e também do próprio contexto em termos individuais.
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As consequências e danos do Burnout, refletem-se negativamente na organização, no profissional, nos utentes e na qualidade de vida pessoal de cada um, conforme referido anteriormente. A prevenção é fundamental para mitigar todos os efeitos negativos que esta síndrome acarreta, a fim de melhorar a qualidade de vida, a prevenção de danos para o utente e a melhoria da prestação de serviço. As organizações, hoje mais que nunca, devem estar atentas aos sinais que os seus trabalhadores apresentam, de maneira a implementar medidas preventivas e de ajuda, perante as primeiras manifestações do Burnout, que se traduzem em elevada exaustão física, emocional e despersonalização. A intensificação do ritmo de trabalho, constantes mudanças, as exigências profissionais e a situação de pandemia que vivemos, têm como consequência novos riscos psicossociais, que comprometem o bem-estar e produtividade dos profissionais. Em suma, gestores e profissionais de Saúde devem trabalhar conjuntamente, de modo a criar estratégias de melhoria organizacional e condições laborais, a fim de desenvolver medidas que reduzam a exaustão física e psicológica. A 28 de maio de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovou, na Classificação Internacional de Doenças (CID), o Síndrome do Esgotamento Profissional enquanto problema associado ao emprego e desemprego. Esta classificação entrará em vigor em 2022, sendo definido por “uma síndrome que resulta de stress crónico no local de trabalho que não foi bem gerido […] refere-se especificamente a fenómenos no contexto profissional e não deve ser aplicado para descrever experiências noutras áreas da vida”. •
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> SETOR FARMACÊUTICO
Rastreabilidade da cadeia de valor da saúde: ganhos para o setor e o utente PERANTE UMA PROCURA PREMENTE, EM VOLUME E URGÊNCIA DE RESPOSTA, É NECESSÁRIO ANALISAR E REFORÇAR OS MECANISMOS DE RASTREABILIDADE DAS CADEIAS DE ABASTECIMENTO NA SAÚDE, POTENCIANDO AINDA POUPANÇAS PARA OS DIFERENTES AGENTES DO SETOR. Autor: João de Castro Guimarães, Diretor Executivo da GS1 Portugal
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o atual contexto pandémico, a sobrecarga registada sobre as cadeias de produção e distribuição de medicamentos e dispositivos médicos tem sido evidente, uma conjuntura lamentavelmente propícia ao aumento da contrafação e distribuição de produtos destas categorias não conforme com os requisitos legais previstos. Este risco é particularmente premente no que se refere à cadeia de distribuição e administração da vacina de imunização contra a infeção por COVID-19, em operacionalização.
Várias têm sido as denúncias, a nível global, de situações irregulares. Conforme destaca um estudo elaborado e recentemente apresentado pela consultora Deloitte, intitulado “Securing trust in the global COVID-19 supply chain”, a codificação de todo o processo de distribuição e administração de vacinas, a nível global, seria a chave para garantir a rastreabilidade de toda a cadeia de valor, identificando irregularidades e garantindo a segurança e saúde dos indivíduos vacinados. Para além de ser, evidentemente, um negócio ilícito, a contrafação de vacinas, medicamentos ou dis-
positivos médicos representa uma ameaça de saúde pública ao colocar em perigo a segurança e saúde dos pacientes e utilizadores destes produtos. Só é possível conter este tipo de atividade criminosa com o envolvimento de todos os agentes, sejam fabricantes, autoridades reguladoras e de fiscalização, profissionais de saúde, entidades alfandegárias, sistema judicial e, em última instância, cada um de nós, individualmente. Sobretudo nas atuais circunstâncias, em contexto pandémico, perante uma procura premente, em volume e urgência de resposta, é absolutamente necessário analisar e reforçar os mecanismos de rastreabilidade das cadeias de abastecimento. De forma geral, com o objetivo de melhorar a deteção de produtos falsificados na União Europeia, a indústria farmacêutica tem vindo a introduzir um sistema de serialização
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SETOR FARMACÊUTICO <
que prevê mecanismos de controlo em determinados pontos da cadeia de abastecimento, ao mesmo tempo que outros dispositivos garantem a inviolabilidade da embalagem de todos os medicamentos sujeitos a receita médica. Esta identificação automática e inequívoca de pessoas, locais, equipamentos, dispositivos médicos e medicamentos através de standards globais, como os que o Sistema GS1 integra, é essencial na prevenção da contrafação e de erros médicos, bem como na garantia da qualidade e segurança dos medicamentos disponibilizados ou administrados aos consumidores ou pacientes. Os benefícios potenciais de uma efetiva integração da cadeia de valor da saúde no nosso país, pela via da adoção de uma codificação úni-
ca, compatível com standards globais, conforme preconiza, a nível global, o estudo da Deloitte anteriormente referido, não constituem novidade.
“Os resultados projetados para a economia nacional para um horizonte temporal de 10 anos demonstraram um forte potencial de obtenção de ganhos líquidos com a adoção dos standards globais em Portugal” Foram estudados pela consultora Augusto Mateus & Associados, em 2014, e demonstrados no Hospital Dr. José de Almeida, do Grupo Lusíadas Saúde, de Cascais. Nesta unidade Hospitalar, em 2016, foi implementado o sistema integrado do medi-
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camento, assente na codificação, em parceria com a GS1 Portugal. Este sistema permitiu concluir que a adoção de codificadores únicos no circuito do medicamento, em contexto hospitalar, permite uma redução de 28% no tempo médio gasto na administração de medicamentos pela equipa de enfermagem, por utente. O que permitiu que cada enfermeiro, por turno de oito horas, passasse a dispor de mais 22 minutos e meio para a prestação de cuidados assistenciais e para o relacionamento com o doente, libertando-se de procedimentos administrativos. Em termos macro, o estudo da Augusto Mateus & Associados destaca outras poupanças para todos os elos desta cadeia de valor, transversais a todas as tipologias de operadores, cujo valor acumulado
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> Setor Farmacêutico
para a economia como um todo pode chegar, segundo apurou, aos 561 milhões de euros no cenário sem serialização ou 791 milhões de euros no cenário com serialização (considerando um horizonte temporal de 10 anos). Os resultados projetados para a economia nacional para um horizonte temporal de 10 anos demonstraram um forte potencial de obtenção de ganhos líquidos com a adoção dos standards globais em Portugal. Os benefícios suplantam entre 6 e 26 vezes os custos/investimentos da adoção dos standards globais, gerando uma poupança para a economia que poderá oscilar entre 239 e 561 milhões de euros. Com serialização, as poupanças líquidas poderão sair ainda mais re-
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“Um dos elos da cadeia de valor que previsivelmente mais tem a ganhar com a adoção simples dos standards serão as farmácias, no seu conjunto, podendo obter, no limite, poupanças de 129 milhões de euros”
para beneficiar desta alteração de paradigma. Seguem-se os grossistas, a indústria farmacêutica e a indústria dos dispositivos médicos, com poupanças acumuladas que podem atingir, respetivamente, 99 milhões de euros, 68 milhões de euros e 60 milhões de euros.
forçadas, entre 113,5 e 230 milhões de euros.
Ora, sendo reconhecidos os benefícios – para a economia e para os cidadãos – de uma cadeia de abastecimento integrada e rastreável e estando estudado o respetivo impacto financeiro, o esforço de colaboração entre todos tem de continuar e carece de aprofundamento. A situação pandémica, apesar de ter agilizado muitos processos, por força da crise sanitária, veio demonstrar que há ainda muito por fazer. Estamos – como sempre estivemos – disponíveis para ajudar. •
Os resultados daquele estudo revelaram que um dos elos da cadeia de valor que previsivelmente mais tem a ganhar com a adoção simples dos standards serão as farmácias, no seu conjunto, podendo obter, no limite, poupanças de 129 milhões de euros, perfilando-se como o segundo elo mais bem posicionado, logo a seguir às unidades hospitalares,
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> Setor Farmacêutico
O novo normal AS FARMÁCIAS SÃO HOJE CONFRONTADAS COM UMA ESCOLHA QUE TERÁ PROFUNDAS IMPLICAÇÕES PARA O SEU FUTURO. PODEM IGNORAR AS VENDAS ONLINE? DEVEM ABRAÇAR ESTA NOVA REALIDADE E DEVOTAR TODAS AS SUAS ENERGIAS E INVESTIMENTOS AO SEU CRESCIMENTO? Autor: Ricardo Lopes Pereira, Diretor Executivo da Winphar
O
ano de 2020 foi um ano excecional: a pandemia alterou a forma como trabalhamos, sociabilizamos e consumimos, ameaçou a economia, adiou projetos e investimentos, e colocou em risco a vida daqueles que amamos. Sendo um serviço essencial, as farmácias sentiram um impacto económico menos acentuado, à custa de um grande esforço das suas equipas. Uma das consequências da pandemia foi a alteração do comportamento dos consumidores, com a aceleração da adoção das compras à distância, quer por uma questão de conveniência, quer por necessidade. É de esperar que esta alteração comportamental se torne permanente. As compras à distância podem dividir-se em vendas online e em vendas locais. As vendas locais não são mais do que uma extensão do balcão da farmácia, sendo solicitadas pelos utentes da farmácia por canais como o telefone ou WhatsApp e entregues ao domicílio ou recolhidas na farmácia. Podem ser facilmente implementadas com recurso às mesmas funcionalidades do software que a farmácia usa ao balcão: reservas e vendas a crédito. Os pagamentos podem ser efetua-
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dos com um terminal de pagamentos automáticos móvel ou uma plataforma online para pagamentos à distância (e.g. MBWay, referências MB, cartões de crédito). O software de gestão da farmácia pode auxiliar grandemente na implementação destes processos, ao automatizar alguns dos procedimentos, e.g. enviar SMS ao utente assim que o produto encomendado é rececionado na farmácia, ou dar automaticamente a encomenda como paga assim que o pagamento for realizado.
“Algumas das farmácias que investiram no online no passado gozam já de uma liderança significativa e quanto mais tarde uma farmácia entrar, mais consolidado estará o mercado” Implementar vendas online já não é uma decisão tão simples. As farmácias são hoje confrontadas com uma escolha que terá profundas implicações para o seu futuro. Podem ignorar as vendas online? Devem abraçar esta nova realidade e devotar todas as suas energias e investimentos ao seu crescimento? Embora possa parecer insensato ignorar uma tendência que pare-
ce imparável, há bons argumentos para não promover as vendas online. O relacionamento pessoal, a competência técnica, a oferta de produtos e serviços e a proximidade física são alguns dos fatores mais importantes na escolha da farmácia pelo utente, que é bastante fiel. Nas compras online estes fatores não são relevantes. A interação com o farmacêutico é nula ou reduzida. O tempo de entrega é o mesmo para todo o país. É fácil ter um portfólio alargado de produtos sem inventário. Assim, o fator preponderante é o preço, criando expectativas de preços baixos em todo o canal farmácia, com impacto nos clientes atuais da Farmácia. A legislação que garante às farmácias limitação da concorrência, na forma de capitação e distâncias físicas, não é igualmente eficaz online. Num canal onde a intervenção farmacêutica tem um papel residual, é mais difícil justificar a existência destas proteções legislativas. Caso estas não sejam aplicadas ou venham a ser removidas, é razoável esperar a concentração do merca-
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SETOR FARMACÊUTICO <
do em poucos atores, como acontece geralmente no comércio online. Não é razoável imaginar um futuro onde 3.000 farmácias desenvolvem vendas online com sucesso. Além de que, para muitos consumidores será indiferente comprar em Portugal ou no estrangeiro. Para muitas farmácias, o investimento em vendas online poderá não ter qualquer retorno. Mas não se pode negar a alteração de comportamento dos consumidores que, à medida que o tempo passa, vai abrangendo cada vez mais faixas etárias. Ou a farmácia dá resposta às necessidades dos seus utentes ou acabará por perder uma parte
significativa dos mesmos. Quando isto se tornará um problema crítico dependerá de cada farmácia e do seu contexto. Há ainda a questão da vantagem competitiva da entrada antecipada (early mover advantage). Algumas das farmácias que investiram no online no passado gozam já de uma liderança significativa e quanto mais tarde uma farmácia entrar, mais consolidado estará o mercado. Também existem assim bons argumentos para adotar o comércio online.
integração da loja online com o software da farmácia reduz a necessidade de formação, gestão separada de inventários e a duplicação de operações em diferentes softwares, sendo assim indispensável.
Para as farmácias que decidem entrar no mundo do comércio online, onde as margens são reduzidas, a eficiência da operação é crítica. A
Apenas uma coisa é certa. O futuro será cada vez mais online e digital e a farmácia necessita de parceiros para a ajudar nesta transição. •
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Mesmos nos serviços, que eram vistos como necessariamente presenciais e uma forma de defesa da farmácia física contra o online, existe hoje alguma aceitação para a utilização de videoconferência, eliminando as barreiras físicas.
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> Setor Farmacêutico
A Farmácia de Sabóia e a Assistência Farmacêutica em meio rural (Parte I) A HISTÓRIA DE UMA FARMÁCIA DO MUNDO RURAL DE MEADOS DO SÉCULO PASSADO QUE SE ESPERA TER CUMPRIDO PARA COM O POVO DE SABÓIA O SEU DEVER NA PRESTAÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA E CUJO ACERVO ESTÁ EM EXPOSIÇÃO NA BIBLIOTECA DA FFUL. Autor: José Cabrita, Professor Catedrático da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa A FARMÁCIA DE SABÓIA EM MEADOS DO SÉCULO XX (DÉCADAS DE 40 A 60) A Aldeia Sabóia é uma das freguesias mais antigas do concelho de Odemira. Situa-se no interior sul daquele concelho, nos contrafortes da serra de Monchique, em terras do Alto Mira. Em meados do século XX era uma das mais importantes freguesias rurais do concelho com uma população média superior a 4.500 habitantes entre 1940 e 1960.
E
m novembro de 2020 doei à Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL) o recheio da antiga Farmácia Popular, sita em Sabóia, que foi propriedade da minha família durante quase um século.
O seu espólio constituído por armários, balcões, centenas de frascos de vidro rotulados e contendo ainda os respetivos produtos medicinais, louças, balanças, equipamentos e material de apoio à prestação de cuidados de saúde, bem como livros técnicos e documentação, permitiu recrear parte da Farmácia Popular, tal como existia nas décadas de 40 a 70 do século passado na aldeia alentejana de Sabóia. Esta recriação deu origem a uma exposição permanente integrada no acervo da Biblioteca da FFUL no âmbito do seu projeto Memória & Património. Aquando da sua inauguração foi-me proposto que escrevesse um pequeno texto para enquadramento da exposição. É esse texto que aqui transcrevo.
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Embora tipicamente alentejana, a freguesia de Sabóia não pertence ao Alentejo latifundiário e da grande planície. Ao contrário, predominam aqui as herdades de pequena e média dimensão, as altas serranias e corgos profundos onde serpenteia o Mira e suas ribeiras. Naquela época, a maioria dos seus habitantes trabalhavam a terra como assalariados rurais, pequenos proprietários e rendeiros, ou eram artesãos, carpinteiros, ferreiros e outros artífices que produziam os utensílios e ferramentas indispensáveis à vida daquela pequena comunidade rural. No entanto, à sua dimensão, Sabóia tinha atividade comercial considerável, com dezenas de lojas, mercearias e tabernas. Existiam ainda algumas fábricas artesanais de moagem, cerâmica e cozimento de cortiça que empregavam algumas dezenas de trabalhadores. A partir da década de 60 a estrutura da aldeia, tipicamente agrária, alterou-se em consequência da construção da barragem de Santa Clara, do aumento da emigração para o estrangeiro e para as colónias, bem como das migrações para o Algarve, originando um progressivo abandono dos campos e da atividade agrícola.
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SETOR FARMACÊUTICO < A água dos poços e fontes da região era muito salobra e imprópria para consumo e a “água de beber” era distribuída por aguadeiros que a transportavam em pipas desde a Fonte do Vale Bispo, a cerca de 15 quilómetros, em carros puxados por mulas durante várias horas. Assim, em Sabóia, como na generalidade das aldeias alentejanas da época, as condições sanitárias e socioeconómicas eram muito precárias, o que criava condições desfavoráveis e era frequente a ocorrência de doenças entéricas, zoonoses e sobretudo de tuberculose. A assistência sanitária pública era muito deficiente. O contributo do Estado era exercido quase exclusivamente através da Casa do Povo que pagava, através de uma avença ao médico e à enfermeira, a assistência médica e custeava uma parte dos medicamentos dos seus associados. Sabóia dispunha na década de 40 e 50 algumas estruturas ou serviços muito pouco comuns em aldeias da sua dimensão, muito provavelmente devido à influência política de alguns dos seus habitantes mais ilustres. Entre elas salientamos: a estação ferroviária a funcionar desde o século XIX e onde paravam todos os comboios, de mercadorias e de passageiros, assegurando a ligação ao Algarve ou a Lisboa; a Casa do Povo, inaugurada em 1934, sendo a primeira criada no concelho de Odemira e uma das mais antigas do distrito de Beja e que dispunha de uma sala de espetáculos e de consultório médico apetrechado com um aparelho de RX; um Dispensário da Associação Nacional dos Tuberculosos (ANT) edificado em 1932, um dos 4 do Distrito de Beja e do total de 83 existentes em todo o país; um posto da Guarda Nacional Republicana; um jornal quinzenário regionalista, o “Ecos da Serra” editado desde 1925 e mantido, com algumas interrupções, até à década de 40. Por outro lado, as características orográficas da região e a deficiente rede viária tornavam Sabóia uma aldeia muito isolada. Não existia estrada alcatroada nem transporte público para a sede do concelho. No inverno, em tempo de chuvas, as cheias das ribeiras impediam o acesso a muitos pequenos povoados das redondezas. Até ao final da década de 60 a rede elétrica e o saneamento básico ainda não tinham chegado à aldeia. A maioria da população vivia em habitações exíguas, sem conforto e sem saneamento básico, esgotos ou abastecimento de água canalizada.
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Na época apenas os lavradores e os trabalhadores rurais poderiam ser sócios da Casa do Povo, e assim parte da população não era abrangida pela Previdência, por não estar ligada à atividade agrícola. Além destes, também muitos trabalhadores rurais, sócios da Casa do Povo, por não terem meios para pagar regularmente as suas quotizações, ficavam privados do acesso às consultas e da comparticipação nos medicamentos. Assim, para a maioria da população e principalmente para os mais carenciados, a assistência na doença a que tinham acesso era a que era prestada de forma solidária pelo médico, pela enfermeira e pela farmácia. As consultas e os tratamentos eram pagos quando fosse possível e na maioria das vezes em géneros: os ovos da capoeira, os peixes da ribeira, as perdizes ou lebres de uma caçada bem-sucedida, ou quando havia algum dinheiro disponível, geralmente depois das mondas e das ceifas. Havia pobreza, mas também honradez e as dívidas do rol de medicamentos, de consultas e de curativos, acabavam sempre, ou quase sempre, por ser saldadas. Nas décadas em análise, em Sabóia houve sempre um médico residente, uma enfermeira dedicada e uma farmácia com porta aberta todos os dias. Os saboianos desses tempos recordarão os médicos Dr. Damas Mora, Dr. Pratas, Dr. Amaral, Dr. Tito e Dr. Nata, a enfermeira D. Rosa e os ajudantes de Farmácia, o Sr. Joaquim Talhinhas e o Sr. José Cabrita. • (Continua na próxima edição)
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> FARMÁCIAS COMUNITÁRIAS
Farmácia da APDP: pela saúde dos diabéticos NAS INSTALAÇÕES DA ASSOCIAÇÃO PROTETORA DOS DIABÉTICOS DE PORTUGAL ESTÁ INTEGRADA UMA FARMÁCIA CUJO SERVIÇO E FARMACÊUTICOS ESTÃO ORIENTADOS PARA O ATENDIMENTO DE UTENTES QUE SOFREM DE DIABETES. Autor: Associação de Farmácias de Portugal
Foto: Luís Ribeiro
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uem passa na Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa, é possível que nunca se tenha apercebido da existência de uma farmácia logo no início desta artéria no centro da capital. Não exibe a habitual cruz das farmácias, não tem montra nem porta aberta para a rua, daí a dificuldade de identificação. Mas há algo que a torna ainda mais distintiva face às tradicionais farmácias de rua. A farmácia está inserida no mesmo espaço que a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), e orienta o seu serviço preci-
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“Os utentes sabem que têm uma farmácia que é especializada em diabetes e, portanto, encontram ali muitos produtos e em maiores quantidades que são específicos para a sua doença crónica” samente para o apoio aos portadores deste tipo de doença crónica. Apesar de ter aberto portas há pouco mais de uma década, no final de 2010, a história desta farmácia “prende-se um pouco com a história da própria
APDP”, tal como enquadra a sua diretora técnica, Filipa Cabral. A origem da APDP remonta a 1926 quando surgiu a antecessora Associação Protetora dos Diabéticos Pobres, fundada pelo médico Ernesto Roma. O especialista em diabetologia esteve nos EUA na altura em que foram ministradas as primeiras injeções de insulina e decidiu trazer para Portugal este tipo de tratamento. Face ao elevado preço da insulina criou esta associação como forma de conseguir ministrar este medicamento gratuitamente aos mais
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FARMÁCIAS COMUNITÁRIAS < enorme em termos de variedade e quantidade de insulinas, dispositivos médicos, de cosmética associada ao tratamento da diabetes – como, por exemplo, o pé diabético e a neuropatia diabética – ou acessórios para conservar a insulina do frio. Portanto, tem uma série de produtos que são muito específicos”, concretiza. Apesar dessa especificidade, quem se desloca à farmácia encontra a generalidade dos medicamentos e produtos que estão disponíveis em qualquer farmácia de rua. Até porque, como salienta Filipa Cabral, a pobres, o que conseguiu com o apoio de mecenas, na maioria, grandes comerciantes da baixa de Lisboa ou doentes com mais posses. Mais de oito décadas desde a fundação da APDP, surgiu então a farmácia gerida por Filipa Cabral, que se distingue das tradicionais farmácias comunitárias por ter um alvará de farmácia social privativa, razão pela qual não pode ter porta aberta para a rua e fazer publicidade dos seus serviços. UMA GAMA ALARGADA DE PRODUTOS PARA DIABÉTICOS Essa restrição não a impede, contudo, de prestar um apoio valioso sobretudo aos utentes que todos os dias se deslocam à APDP para recorrer ao vasto leque de serviços clínicos que são disponibilizados aos portadores de diabetes de tipo I e II.
Aí são servidos por uma equipa relativamente pequena, composta por duas farmacêuticas e uma técnica de farmácia, que diariamente fazem cerca de 100 atendimentos com utentes que vêm de diferentes pontos do País. “Os utentes sabem que têm uma farmácia que é especializada em diabetes e, portanto, encontram ali muitos produtos e em maiores quantidades que são específicos para a sua doença crónica”, refere Filipa Cabral, sintetizando assim uma das principais vantagens do serviço prestado pela farmácia que gere desde 2014. “É uma panóplia
UM PONTO DE RECOLHA DO AGULHÃO Um dos serviços que a farmácia da APDP presta é a disponibilização de um Agulhão, onde os diabéticos podem depositar as seringas usadas na administração de insulina. Lançado no final de junho de 2019 pela Associação de Farmácias de Portugal em parceria com a Stericycle, o projeto “Seringas Só no Agulhão” é uma iniciativa inovadora que procura dar resposta ao problema da falta de soluções seguras e ecológicas para a recolha deste tipo de seringas.
O grosso dos utentes que frequentam a farmácia são os diabéticos associados da APDP que após as consultas periódicas – de três em três meses, seis em seis meses, ou de ano a ano, conforme os casos – vão lá aviar a sua medicação.
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“Aquilo que nos distingue face às farmácias de rua é que, muitas vezes, estas são a porta de entrada do utente no Serviço Nacional de Saúde, e no nosso caso somos o fechar de um circuito”
diabetes é uma doença multifatorial, e quem tem este tipo de doença crónica pode também ter outras, como muitas vezes é o caso da pressão arterial alta ou da colesterolemia. UMA FORMAÇÃO ORIENTADA PARA A DOENÇA Para além disso, os seus farmacêuticos distinguem-se por ter uma formação específica em diabetes feita pela associação, o que acaba por ser também uma vantagem para os utentes que recorrem aos seus serviços. Os utentes da farmácia sabem ainda que pelo facto de esta estar integrada na APDP é fácil o contacto com os profissionais de saúde que lhes prescreveram um dado medicamento, caso haja dúvidas.
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O cariz social que está na sua fundação também joga em favor dos clientes da farmácia. “A nossa farmácia tem um caráter social e não temos objetivos de vendas. Oferecemos um desconto de 5% a todos os utentes e fazemos sempre um grande esforço – naquilo que nos é permitido escolher – em ter os genéricos mais baratos do mercado, e nos produtos de preço livre usamos as margens mínimas”, enquadra Filipa Cabral. O trabalho desta farmácia acaba por estar praticamente restrito à dispensa de medicamentos e ao aconselhamento, o que não é necessariamente uma desvantagem. “A nossa farmácia nunca é vista como um serviço isolado, mas como a complementaridade de uma equipa multidisciplinar que existe na APDP e há muitos serviços que não temos porque não são precisos”,
salienta Filipa Cabral. Dá como exemplo tudo o que é a avaliação de parâmetros bioquímicos, valência que explica não fazer sentido a farmácia disponibilizar dado a APDP ter um laboratório de análises clínicas. O mesmo acontece com a administração de injetáveis que pode ser feita por um dos 20 enfermeiros que trabalham na APDP ou o aconselhamento de nutrição que pode ser disponibilizado pela equipa de nutricionistas da associação. “Aquilo que nos distingue face às farmácias de rua é que, muitas vezes, estas são a porta de entrada do utente no Serviço Nacional de Saúde – já que é onde ele vai com as primeiras queixas e dúvidas – e no nosso caso somos o fechar de um circuito”, remata. •
FARMÁCIA DA APDP À LUPA Diretora Técnica: Filipa Cabral Nº de colaboradores: 3 Fundação: 2010 Morada: Rua Rodrigo da Fonseca, n.º 1 Lisboa Telefone: 213 816 113
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FARMÁCIAS COMUNITÁRIAS <
Farmácia Charneca da Caparica: 24 horas por dia a servir os utentes A FARMÁCIA DA CHARNECA DA CAPARICA ABRIU HÁ POUCO MAIS DE UMA DÉCADA, MAS AO LONGO DO TEMPO FOI CONQUISTANDO UM NÚMERO CRESCENTE DE UTENTES QUE PROCURAM O SERVIÇO PERSONALIZADO PRESTADO. TRATA-SE DA ÚNICA FARMÁCIA DA ZONA A FUNCIONAR 24 HORAS POR DIA. Autor: Associação de Farmácias de Portugal
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uando em 2011 assumiu a direção técnica da Farmácia Charneca da Caparica, Rita Varela tinha um grande desafio pela frente. Distavam apenas meses desde que em 2010 a farmácia se tinha instalado naquela que é a maior freguesia de Almada e a população ainda se revelava desconfiada e renitente em recorrer aos seus serviços. A solução foi “arregaçar as mangas” e avançar com um conjunto de iniciativas que permitissem dar a conhecer aos habitantes da zona o trabalho e a equipa da farmácia. A estratégia teve efeitos e hoje em dia a Farmácia Charneca da Caparica pode orgulhar-se mesmo de ser a única da zona a funcionar 24 horas por dia. Um marco que aconteceu em 2017. “Já existiam farmácias na zona com muitos anos, a concorrência era forte e as pessoas na Charneca são por hábito fiéis aos sítios onde vão”, diz Rita Varela relativamente ao cenário com que se deparou na chegada à farmácia. A solução foi começar desde logo por organizar rastreios mensais gratuitos – de diabetes, risco cardiovascular, de perda de densidade óssea – bem como promover apresentações em escolas locais.
“Fazíamos esses rastreios nas instalações da Junta de Freguesia em cooperação com a junta, com o objetivo de as pessoas conhecerem a nossa equipa que ia rodando todos os meses. Ao mesmo tempo era um serviço de que as pessoas também acabavam por usufruir”, explica a diretora técnica da farmácia. “Há pessoas que me lembro de ver nos rastreios dessa altura que ainda hoje são nossos clientes”, acrescenta, demonstrando assim o sucesso da estratégia utilizada. E é notória a aproximação que foi sendo conquistada com a população
da zona. “Temos pessoas que vão diariamente medir a pressão arterial só para conversar ou que nos trazem produtos da horta ou o queijo de cabra que fizeram com o coalho”, diz Rita Varela, lembrando ainda o exemplo do sr. Leonel que quando vai medir a pressão arterial leva sempre um pezinho de rosa do jardim dele para todas as funcionárias da farmácia. “Não temos mais produtos do que a concorrência, o que temos é disponibilidade total para que as pessoas saiam esclarecidas e isso faz com que voltem para serem atendidas por nós”, explica.
“Muitas pessoas que moram na Charneca da Caparica trabalham em Lisboa e chegam a casa já depois das oito horas da noite e começamos a perceber que muitas delas precisavam de apoio depois dessa hora”
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> FARMÁCIAS COMUNITÁRIAS te as que trabalham fora e que têm ali a sua residência já que é à noite que conseguem aviar a sua medicação ou pedir um conselho”.
“Enquanto há farmácias em Lisboa onde as vendas caíram com a pandemia, nós pelo contrário sentimos um aumento. As pessoas em teletrabalho podem estar nas casas fora de Lisboa e os moradores sazonais acabam por ficar mais tempo”
Para além da habitual dispensa de medicamentos e outros produtos, os clientes da farmácia têm a possibilidade de usufruir de um conjunto de serviços que incluem a determinação de vários parâmetros bioquímicos e fisiológicos – serviço que ainda se tornou mais relevante neste tempo de pandemia em que o acesso a médicos está dificultado –, administração de injetáveis, aconselhamento nutricional, promoção de cessão tabágica. Recentemente, a farmácia também começou a realizar os testes rápidos de antigénio para a COVID-19. A esses serviços, a farmácia gostaria ainda de acrescentar em breve a preparação individualizada de medicação e o seguimento farmacoterapêutico, especialmente em polimedicados, com Rita Varela a explicar que “há uma população cada vez mais idosa que precisa deste serviço”. IR AO ENCONTRO DAS NECESSIDADES DOS UTENTES Relativamente aos utentes que recorrem aos serviços da farmácia, o leque é muito abrangente. Inclui, desde pessoas ligadas à pesca e à agricultura, a outras que têm na Charneca
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da Caparica uma segunda residência e famílias mais jovens que apesar de trabalharem em Lisboa optaram por viver na freguesia, beneficiando de maior qualidade de vida. “Ou seja, dentro da mesma freguesia tenho clientes com realidades muito opostas e que exigem um perfil de atendimento diferente”, enquadra a diretora farmacêutica. Esse universo de clientes da farmácia é servido por uma equipa de nove pessoas – seis farmacêuticos e três técnicos de farmácia – que rodam entre si nos diferentes turnos, sendo que a partir das 22h00 há sempre um farmacêutico de serviço de modo a cumprir com o atendimento noturno. A decisão de estender o horário da farmácia para as 24 horas resultou da identificação de uma necessidade. “Muitas pessoas que moram na Charneca da Caparica trabalham em Lisboa e chegam a casa já depois das oito horas da noite e começamos a perceber que muitas delas precisavam de apoio depois dessa hora”, contextualiza Rita Varela. E a aposta revelou-se certeira. “As pessoas usam muito, principalmen-
Face ao aumento da procura nesses horários que se tornou ainda mais notório na pandemia, Rita Varela adianta mesmo que estão a pensar em melhorar o atendimento noturno. O objetivo é ir ao encontro das pessoas que devido à pandemia pretendem evitar filas, mas também corresponder a uma alteração de dinâmica da população da zona. O universo de população da freguesia é de um total de 50 mil pessoas, 30 mil dos quais residentes fixos e 20 mil sazonais. Contudo, essa dinâmica mudou devido à pandemia. Os clientes sazonais – que têm segundas casas e que se deslocavam para a zona muito durante o fim de semana e o verão – agora estão lá permanentemente porque querem fugir dos centros urbanos, com efeitos positivos sobre a clientela. “Enquanto há farmácias em Lisboa onde as vendas caíram com a pandemia, nós pelo contrário sentimos um aumento. As pessoas em teletrabalho podem estar nas casas fora de Lisboa e os moradores sazonais acabam por ficar mais tempo”, remata. •
A FARMÁCIA CHARNECA DA CAPARICA À LUPA: Diretora técnica: Rita Varela Nº de colaboradores: 9 Fundação: 2010 Morada: Rua da Brieira, 4, Charneca da Caparica Telefone: 212 963 900
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