HISTÓRIAS PARA SUSPENDER O CÉU SOBRE OS INÍCIOS Nem sempre está claro onde as coisas começam. Muito dessa percepção se deve ao fato de que raramente algo tem início num instante preciso, numa centelha que traça um muro impermeável entre o momento em que aquilo nunca havia existido, em nenhum grau ou variação, e o momento seguinte, em que a centelha se estabelece e queima suas primeiras moléculas de oxigênio, transformando o mundo à sua volta pela primeira vez. O mais comum é que os nascimentos das coisas sejam processos, que elas existam antes, mesmo que em partes, em fragmentos que carreguem outras formas da substância do que virá a ser. Afinal, na natureza, nada se cria, tudo se transforma. Mesmo o Big Bang é só o marco fundador do universo como o viemos a conhecer. Se toda a matéria estava concentrada em um único ponto, havemos de reconhecer a sua existência, mesmo que instável, ainda antes da explosão. No caso deste relato, as coisas poderiam começar em muitas quartas-feiras diferentes. Talvez pudesse vir de uma noite de maio de 2021, em meio a diálogos inquietos com Ailton Krenak. Ou poderia partir da tarde em que experimentamos a dinâmica de uma oficina de escrita, restrita à equipe do programa, na intenção de investigar e testar as premissas da ação que estávamos desenvolvendo. Poderia até mesmo ser em uma outra noite de quarta-feira, mais de dois meses adiante daquela conversa desassossegada, quando nossa oficina de escrita recebeu os primeiros participantes da ação, produziu com eles, compartilhou de suas reflexões e inaugurou a fase aberta da ação Cartas para adiar o fim do mundo. Nenhum desses momentos, no entanto, foi a opção que escolhemos tomar aqui como ponto de partida. Optamos, antes, por uma proposta mais ousada, que busca marcar o início deste relato não pela pesquisa e circunscrição do momento de origem absoluto da ação das cartas — o seu 150