Edição 4 Porto Alegre Dezembro 2015 Venda Proibida ESPM-Sul
Jornal da Faculdade de Jornalismo ESPM-Sul
Caminhos do
Centro
portaldejornalismo-sul.espm.br
1
O MAPA PARA AS HISTÓRIAS Confira abaixo onde estão as reportagens desta edição. Todos os textos estão pontuados por versos do poeta Mario Quintana, espalhados no alto das páginas.
20
6
18
Por dentro da Saraí
Artistas
Av.
uá Ma
8
do público
no passeio
a aíb Gu o Ri
No templo das Dores
9
Banheiros
o s d Cai
Personagens do Mercado
io úl . J Av
to Por
s Ca de
s ho
til
ia Pátr s da
io ntár Vol u Rua
os amp ra C
ei Siqu Av.
Rua dos Andradas
Rua
elo chu Ria a u R ias Cax de e u Duq
oa
Rua De métr
o ando Machad Rua Cel Fern
ss Pe
Rua
Rua Du que de Caxias
13
io Ribe iro
o
v.
A
17
Redescobrir o Museu
12
Cenário
para morar
3
Prateleiras do Sebo
10
Amizade na Banca
o oã .J Av
Aconchego no Bistrô
as rad And
Av. Bo rges de Med ei ros
4
dos
Lo
r ei ur
d
a
a lv Si
14 Futebol
Paraíso do
16
Sob os Arcos da Borges
Sétima arte no Capitólio
EDITORIAL
EM BUSCA DO POETA
N
os meus últimos anos de escola, lá por 1985, 1986, um dos meus maiores sonhos era cruzar com Mario Quintana em alguma esquina do Centro de Porto Alegre. Uma colega do colégio seguidamente me contava que havia visto o poeta caminhando pelo bairro. E eu percorria o Centro com o olhar atento, à procura, mas nunca o vi, nem de longe. Alguns anos mais
tarde, quando já trabalhava como jornalista, Quintana se foi. A cidade sentiu a perda de um poeta tão querido, tão presente, e eu lembrei que nunca o havia encontrado, mas sabia que contava com os versos publicados em livros. Quando esta turma da ESPM decidiu sair em busca de reportagens pelo Centro, o desafio era encontrar boas e surpreendentes histórias nas
ruas e nos espaços onde a cidade nasceu. A aventura resultou em 20 páginas feitas com carinho, dedicação, rigor e algum sofrimento, porque, de certa forma, ser jornalista é um pouco de tudo isso. A quarta edição do Blog de Papel reúne reportagens muito diferentes entre si, apuradas entre ruas, sebos, prédios, bares, cinemas, bancas de revista, igrejas, restaurantes,
mercados e banheiros. Como orientadora deste processo de descoberta, só posso agradecer a todos os estudantes, que se esforçaram para compor um jornal interessante, sonhador e informativo. Espero que cada leitor encontre a inspiração do poeta. Eu encontrei e já deixo uma dica: procure pelos versos de Quintana no alto de cada página. Ângela Ravazzolo
O jornal BLOG DE PAPEL é uma publicação semestral dos alunos do 4º semestre do curso de Jornalismo da ESPM-Sul. Direção do curso de Jornalismo: professora Dra. Janine Marques Passini Lucht. Equipe da Edição Número 4 (Dezembro de 2015): Bruna Jacquelinne Rohleder de Lima, Camila Ferreira de Oliveira, Carina Nardi da Silva, Clarissa Pires Müller, Diogo Zanella Prates, Edson Vitorio Haetinger, Eliane Patricia Staudt Aires, Emily Mallorca Wagner, Gabriela Senden, Isabela Rabelo Tomain, João Vítor Nunes Pereira, Kellyn Giuliana Boniatti, Luíza Buzzacaro Barcellos e Rafael Reggiani de Moraes. Coordenação Editorial: professora Ângela Ravazzolo. Foto da capa: Rafael Reggiani de Moraes. Orientação: professora Renata Stoduto. Coordenação do Design Editorial e Produção Gráfica: professora Carolina Fillmann. Criação do nome do Jornal Blog de Papel desenvolvido por Micaela Ferreira e Richard Koubik e projeto gráfico por Eduardo Diniz e Marcos Mariante. ESPM-Sul – Rua Guilherme Schell, 350 e 268 - Santo Antônio - Porto Alegre - RS, 90640-040 - (51) 3218-1300. Impressão: Gráfica Odisséia - Tiragem: 250 exemplares.
2
“HOJE ENCONTREI DENTRO DE UM LIVRO UMA VELHA CARTA”
Ivo A livraria de
N
em todo mundo lembra do primeiro livro que leu na vida. Muitos começaram a ler quando eram bem jovens, quando seus pais compravam livros infantis. Esse não é o caso de Ivo Alberto Almansa. Ele lembra muito bem do seu primeiro livro. Aos 12 anos, leu “Iracema”, de José de Alencar. Detestou. Nunca mais leu de novo. Apesar de ser um livro complicado, não desanimou da leitura. Hoje, é grande conhecedor de literatura gaúcha. Além disso, é proprietário de duas grandes livrarias no centro de Porto Alegre: A Martins Livreiro e a Erico Verissimo. A Martins Livreiro é o resultado de uma longa perseverança de Manuel dos Santos Martins, sogro de Ivo. Como sempre esteve muito próximo a livros, tinha o sonho de abrir a sua própria livraria, e conquistou
isso nos anos 40, quando conseguiu comprar uma biblioteca particular. Cada vez mais foi aprendendo sobre livros, autores e gêneros literários. Vinte anos atrás, quando pensou em se aposentar, vendeu o sua livraria para Ivo, para quem também passou grande parte de seu conhecimento literário. “Eu estava cansado de trabalhar no meu último emprego, que exigia que eu viajasse muito. Queria algo mais sossegado, e quando o Martins disse que queria vender a livraria, nem pensei duas vezes”, conta Ivo. Com o tempo, a Martins Livreiro foi se tornando uma das maiores livrarias da cidade. Atualmente, o acervo de livros conta com mais de 450 mil exemplares. Em uma caixa no fundo da loja, Ivo guarda os títulos mais valiosos. Nela estão livros raros como “Águas Correntes e Poesias Escolhidas”, de Olegário Mariano, que o antigo dono mandou
A Martins Livreiro Rua Riachuelo, 1291 Segunda a sexta, das 8h as 18h Sábado, das 8h as 12h
encadernar em Paris. De Dyonelio Machado, possui um exemplar de “Política Contemporânea”. O mais raro e precioso que possui também está nessa caixa: é o livro “Chispas”, de Assis Brasil, escrito em 1891, e Ivo diz que é o único livreiro no Rio Grande do Sul que possui o título. O volume é extremamente delicado, fino, de páginas amareladas, e Ivo o manuseia com o maior cuidado. Ele acredita que esse é o livro mais raro que possui atualmente. Nem gosta de deixá-lo fora da caixa por muito tempo, tanto que até havia se esquecido de colocá-lo no sistema da loja. Está à venda, mas Ivo não se lembra do valor atual do livro. Luciana Pereira, estudante de arquitetura da UFRGS, gosta da Martins Livreiro pois é calma e ela diz que se sente em paz para olhar os livros. Quando não tem nada para fazer, ocupa seu tempo entre as prateleiras. O achado mais legal que já encontrou em um sebo foi uma das primeiras edições de “O Tempo e o Vento”, de Erico Verissimo. Quando o viu, se apaixonou pelo livro amarelado e usado. “Eu pensei ‘vou ler de verdade esse livro’. Nunca li, achei chato, li só algumas páginas e desisti. Ainda não tive coragem para abri-lo de novo”, conta a estudante.
Fotos: Isabela
Isabela Tomain
Tomain
De sogro para genro, a Martins Livreiro tem moldado a história da família e de Porto Alegre
AS VENDAS FAVORITAS DE IVO Em 20 anos, alguns livros deixaram sua marca:
20 mil
dólares por manuscrito de Simões Lopes Neto
7 mil
reais por dedicatória de Dyonelio Machado
2,6 mil reais por edicatória de Pablo Neruda
2 mil
reais por dedicatória de Cecília Meireles 3
“QUE EU VOU PASSANDO E PASSANDO, COMO EM BUSCA DE OUTROS ARES...”
Refúgios para o paladar Fotos: Bruna Rohleder
Bruna Rohleder
Histórias marcantes em lugares pequenos. O que pode ser encontrado de interessante em três bistrôs com personalidade no centro de Porto Alegre? A vontade de estar perto das pessoas. O desejo dos proprietários do Nena Bistrô, do Café do Duque e do Bistrô do Caminho conectou outras pessoas com a mesma paixão pela gastronomia e pelos clientes. Separados por apenas quatro minutos de caminhada a pé, os bistrôs encontrados são como refúgios em meio ao movimentado e agitado centro da cidade. É muito mais do que gastronomia
Naila Pereira finalmente realiza o seu sonho na gastronomia e une o ambiente familiar, a comida de sítio e a da Espanha: ela busca em sua própria propriedade os ingredientes para o cardápio
Nena Bistrô: aconchego e sabor do sítio O Nena Bistrô nasceu diante de uma pia de pratos para lavar em um restaurante catalão em Barcelona. Naila era uma aspirante a bailaora de flamenco aos 19 anos de idade e foi à Espanha para aprimorar o talento. Um emprego, porém, a fez mudar os planos. “Pratos, panelas, copos, copinhos, copões, panelões”, descreveu ela sobre o que via todos os dias no trabalho. Aos poucos, Naila foi se oferecendo para cortar alimentos e auxiliar os chefes na cozinha. Mais tarde, a porto-alegrense conseguiu o cargo de subchefe. Naila aprendeu a gastronomia mesmo sem compreender a nomenclatura e as técnicas que os chefes catalães entendiam. Foi a saudade do aconchego da família, do seu sítio em Itapuã, no Rio Grande do Sul, que a fez voltar ao Brasil. O projeto de seguir com a 4
gastronomia se realizou depois que a mãe propôs um desafio: “Eu fecho o meu ateliê de costura e tu põe o teu restaurante ali, se tu quiser”. No início, era Naila na cozinha, a mãe e a irmã no salão e o pai tinha o papel de “faz tudo”. Pronto, o desejo de estar com a família foi realizado na pequena sala localizada na Rua Coronel Genuíno. A proximidade e o ambiente familiar são as características essenciais do estabelecimento de Naila: “Nena Bistrô significa comida de sítio. A palavra nena, em espanhol, é uma forma carinhosa de chamar uma pessoa de menina. Você tem que ter carinho e intimidade para chamar alguém assim”, complementa ela, sobre a identidade de seu bistrô. A lembrança boa da comida de sítio que ela tem desde criança, o aprendizado da gastronomia tra-
dicional em Barcelona e os pratos gaúchos resultaram no cardápio oferecido no bistrô. A refeição se divide em três pratos: a entrada, o principal e a sobremesa. Os ingredientes retirados do próprio sítio da família são prioridade na entrada do Nena Bistrô. O a la minuta é um dos pratos principais, entre os mais pedidos pelos clientes: o ovo poché e a batata caseira são os ingredientes diferenciados. Na sobremesa, os destaques são os doces caseiros, como o negrinho na colher. O local é feito para abrigar 20 pessoas. As mesas estão espalhadas no centro do ambiente, embaixo de toalhas rosas de bolinhas brancas. A música alegre e de volume baixo dão ao bistrô leveza e calmaria, diferente da agitação do outro lado da porta.
Uma apaixonada
“Desde aquele dia, eu nunca mais saí daqui”, conta Lisiane Alvez, funcionária do Nena Bistrô. Quando o trabalho no bistrô termina, ela corre para o seu segundo emprego, como atendente de nutrição no Hospital Santa Casa. A sua função é entregar as refeições para os pacientes internados. Com a voz cansada, mas sem conter a alegria, Lisiane confessa: “Se eu tivesse que escolher entre um dos trabalhos, eu ia ficar com o Nena”. Os clientes a conhecem pelo nome, e a atendente sabe muito bem do que cada um gosta: “As pessoas se sentem em casa, e quando comentam isso comigo, eu digo ‘Eu também, eu também!’”.
Nena Bistrô
Rua Coronel Genuíno, 183 (51) 3226-1729 | Seg-Sex (11h30 – 14h) e Sáb (12h – 14h30)
Café do Duque: amor e arte Pedro Fernandes é apaixonado por café. Não há necessidade de ouvi-lo falar exatamente essas palavras, pois o entusiasmo da voz e a expressão facial comunicam isso. Ele e a sua esposa sempre gostaram do ambiente dos cafés. Fernandes é design e Nathalia é farmacêutica, mas ambos estavam insatisfeitos: “Nós nunca víamos o resultado do nosso trabalho nas pessoas. Sempre produzíamos, mas nunca víamos a reação do público sobre o produto final”. Com essa motivação, o Café do Duque foi a forma que eles encontraram para, finalmente, estar perto das pessoas. Com a ajuda de amigos arquitetos, o casal empreendedor fez de seu café um local com personalidade. O café fica na Rua Duque de Caxias, no centro de Porto Alegre. Por estar localizado em um lugar onde há concentração de turistas, muitas pessoas de diferentes culturas frequentam o café-bistrô. Com orgulho, Pedro diz que artistas como Renata Sorrah e Denise Fraga já vieram conhecer o estabelecimento.
O Café do Duque é sofisticado e colorido. Há cores vivas, como verde, vermelho e amarelo, espalhadas por móveis, paredes e objetos de cozinha. A equipe é pequena: dois ficam no caixa, um no atendimento ao cliente e outro na cozinha preparando os alimentos. Os clientes são pessoas que apreciam um lugar descolado e tranquilo para trabalhar, para ler um livro ou simplesmente para conversar. Como Pedro Fernandes é um apaixonado por arte, ele fez do café também um lugar para expor quadros artísticos. “A proposta original é não escolher pessoas renomadas, mas aquelas que não têm um espaço para expor suas obras”. Os cafés diferenciados são a especialidade do estabelecimento. Técnicas como Hario V60, french press e aeropress permitem que os produtos se diferenciem no mercado. Isso é resultado do amor de Pedro Fernandes e Nathalia Viegas por essa bebida energizante. O Café do Duque pode ser traduzido em três palavras: café, amor e arte.
Pedro e Nathalia apreciam o ambiente característico do bistrô, e a proximidade com os clientes é uma realização profissional
O cardápio quem faz é o chef
Cristiano Moraes é o atual chef do Café do Duque. A paixão por cozinhar surgiu nas madrugadas em que ficava na cozinha com o avô. Moraes hoje tem um espaço para criar cardápios para os clientes descolados do café bistrô de Fernando e Nathalia. “Eu busco pesquisar as minhas referências: o que eu comia na infância, os lugares que eu viajei. Acabo, também, trazendo um pouco da culinária do Brasil e do Rio Grande do Sul”, afirma. O cardápio muda mensalmente, e, durante a semana, os clientes têm duas escolhas para o prato principal. O complemento é salada e arroz e feijão, servido à vontade. Quanto ao prato principal favorito dos clientes, Cristiano responde sem hesitar: lasanha de carne de panela.
Café do Duque
Rua Duque de Caxias, 1354 Fone: (51) 3254-0308 | Seg-Sex (10h – 19h30) e Sáb (12h – 19h30).
Bistrô do Caminho: rústico A casa antiga de três andares abriga centenas de objetos antigos. Alex Ribas, chef porto-alegrense, durante uma longa viagem à Europa, coletou esses utensílios que servem de enfeite – e alguns para venda, na Rua dos Antiquários. O Bistrô do Caminho é como a casa de uma grande família. A rotina de atendimento do lugar segue esse clima familiar. Os clientes batem na pesada porta de madeira e esperam a atendente abrir. Eles entram sorridentes, cumprimentam todos os funcionários com intimidade e sentam em suas mesas de costume. E logo se sentem à vontade para pedir ao chef Ribas que coloque mais comida no prato. A refeição de um dia da semana é massa penne ao basilico. Com uma
quantidade pequena de salada, o prato principal vem logo em seguida acompanhado de carne de gado ou de frango, que fica à escolha do cliente. As trufas, a ambrosia e os “gelatos” são as opções para a sobremesa. “Eu tenho 25 anos de experiência com gastronomia. Enquanto viajei à Europa, pude aprender muito sobre a culinária italiana. O cardápio do bistrô tem uma forte influência dessa cultura”, afirma Alex. O almoço no Bistrô do Caminho é pitoresco, acolhedor e pessoal. O estabelecimento segue a tradição dos bistrôs franceses, que prezam pela proximidade do chef com os clientes em um local pequeno. É um bistrô europeu em meio ao centro de Porto Alegre.
Bistrô do Caminho
Os cardápios criados pelo chef Alex Ribas são inspirados na cultura europeia, e os dias da semana são dedicados a um país
Rua Mal. Floriano Peixoto, 766 Fone: (51) 3286-3793 | Seg-Sex (11h30 – 14h) e Sáb (12h – 14h30).
5
“O QUE IMPORTA É O CÉU AZUL”
Dois anos de resistência
pela moradia Prédio que já foi escritório da Caixa Econômica Federal e utilizado por facção criminosa hoje é ocupado por famílias que convivem com a incerteza de não ter um lar definitivo
Camila Oliveira
O
brilho que preenche os olhos ao observar da janela do quarto a dança do lago Guaíba toda vez que ele se encontra com o vento faz com que tudo pareça um sonho. Quando a janela é fechada, Cleusa Maria Medeiros, 40 anos, volta à realidade e à incerteza de ainda não ter um teto definitivo. Assim como os demais moradores da Ocupação Saraí, que são movidos pela liberdade, a mulher baixinha e de cabelo enrolado já morou em mais de sete “casinhas, casas e casarões” em Porto Alegre. Há cerca de cinco meses, ela e cinco dos seus seis filhos habitam uma peça de pouco mais de 50 metros quadrados no quarto andar do prédio localizado na Rua Caldas Júnior, esquina com a Avenida Mauá, no Centro. As dificuldades financeiras que se agravavam cada vez que chegava a conta do aluguel foram os principais motivos que fizeram a antiga moradora do Partenon procurar um novo lar. Quando Cleusa ficou sabendo sobre a Saraí, algumas incertezas faziam ela se questionar se valia a pena ou não mudar de residência outra vez. “Ficava me perguntando: Será que vai dar certo? Será que é uma coisa real? Mas medo eu não tive, porque não tenho medo de nada. E era minha única opção. Vim e não olhei para trás.” Todos que desejam morar na Saraí primeiramente precisam participar de uma reunião com os moradores da ocupação, que votam se a família será aceita ou não. Nesse encontro, é questionado por que aquelas pessoas precisam de mora6
dia, quantos membros compõem a família, se já morou em ocupações e se estão dispostos a conviver naquele grupo. Quando ingressam na Saraí, os moradores passam a desempenhar papéis que auxiliam no convívio em grupo, como fazer a faxina, cuidar da cozinha coletiva ou organizar as atividades da Ciranda. Esta última é motivo de orgulho dos moradores, principalmente da filha mais velha de Cleusa, Márcia Juliana, 20 anos, que aos sábados, durante a tarde, cuida das crianças enquanto voluntários promovem oficinas com elas. “Queria que decidissem logo” A mudança e adequação às regras do local não foram fáceis. As duas camas de casal, geladeira, fogão, sofá e armário de cozinha tiveram que passar pelos quatro lances de uma escada escura, úmida e estreita, enquanto as tábuas frágeis que cumprem o papel de paredes e delimitam os espaços do apartamento tiveram que entrar pela janela. Ainda em fase
de adaptação com o lugar, Cleusa sente que ali é seu lar, mas, assim como a filha Márcia, sonha com a casa própria. Ao contrário dos outros irmãos que dormem no mesmo quarto que a mãe, Márcia tem o seu cantinho reservado no apartamento. A menina de sorriso tímido e voz doce é mãe de Derik Matheus, 2 anos. Para garantir a qualidade de vida do filho, que é o seu bem mais precioso, ela trabalha como auxiliar de limpeza e dedica parte do salário aos custos de vida e guarda o restante para comprar uma casa. Por outro lado, a incerteza sobre a desapropriação do prédio, que se perpetua há mais de seis anos, faz com que ela tenha medo do que está por vir. “Eu queria que decidissem logo se a gente pode ou não ficar aqui, porque é muito difícil viver assim. Só de pensar em ter que sair... Imagina os policiais entrarem aqui, invadirem, coitado do meu filho. Deus me livre. Eu só penso nele”, desabafa. Fotos: Camila Oliveira
Márcia e seus irmãos moram na Saraí há pouco tempo, mas temem o dia em que terão de sair
“Polícia não entra” O medo da represália da polícia assombra todos os moradores da ocupação, os quais, embora pareçam estar cientes de que provavelmente tenham que deixar o prédio, se preocupam em como irão sair. Há mais de um ano, o quinto andar da Saraí é a casa de Luís Ricardo de Souza e de sua família, que, assim como a maioria dos moradores, foi parar lá por não ter condições de pagar aluguel. Embora já seja veterano na ocupação, toda vez que deita para dormir, acaba sendo tomado por sentimentos de insegurança sobre o destino. Ele relembra que, em 2014, o Estado entrou com uma ordem de despejo, e no dia 24 de dezembro todas as famílias teriam que deixar o prédio. “Foi um susto, embora 99% de nós não fôssemos sair nesse dia, tinha uma ordem judicial para abandonarmos nossa casa. E todo o ano é assim, é sempre uma incerteza e insegurança sobre o que vai acontecer”. Aos 39 anos, ele já demonstra estar cansado de conviver com essa instabilidade. Precavido, já começou a organizar as contas da família para, se possível, ir para uma moradia com aluguel social e ter um lar definitivo. A insegurança do local é um ponto que preocupa parte dos moradores, que temem a entrada de estranhos em suas residências. Cada apartamento tem uma chave do cadeado que mantém fechado o frágil portão de ferro da entrada, e é através de uma pequena janelinha no portão que eles indagam, com desconfiança e medo, todos os que batem à porta querendo entrar. Pelo lado de fora, o aviso é objetivo: “Polícia não entra”.
Todos os dias, quando volta da escola, a menina se encanta com uma vista privilegiada de dois dos cartões-postais da cidade: o Cais Mauá e o Guaíba
Ao entrar no prédio, já é possível encontrar outro alerta: “Todo cuidado é pouco”. Os avisos precisam ser constantes porque nem todos os moradores parecem comprometidos com a segurança de seus apartamentos. Alguns saem e deixam as portas abertas, livres para quem quiser entrar. Outros acreditam, ou esperam, que as portas de madeira frágil, fechadas com um cadeado fino, sejam o suficiente. Para reforçar a democracia e a pluralidade do local, os moradores promovem reuniões semanais nas quais debatem os pontos problemáticos, o que precisa ser reformado ou o futuro da ocupação. O local desperta a curiosidade de quem é de fora e o visita pela primeira vez. Por dentro, as mensagens de resistência como “Se morar é um privilégio, ocupar é um dever”, ou outras mais incisivas, como “Desistir jamais”, servem de inspiração ao professor de teatro e morador do sexto andar Carlos Baroni, 43 anos. Logo que foi morar na ocupação, em 2014, percebeu que, além de inter-
pretar William Shakespeare, Friedrich Nietzsche ou Carlos Drummond de Andrade, também poderia contar a história do prédio a partir de uma peça de teatro. O professor escreveu e planejou para que os próprios moradores fossem os atores e a Saraí fosse o palco. A ideia, porém, não saiu do papel. O homem de fala rápida e olhos atentos aos detalhes de tudo que o cerca é um dos poucos moradores que não têm filhos e moram sozinhos na ocupação. Quando
jovem, tinha uma vida estável, com casamento, emprego em uma empresa multinacional e faculdade, mas o sonho pela liberdade fez com que ele abrisse mão de coisas que pudessem segurar suas asas e rodasse o país acompanhado da arte. As trocas de experiências e os aprendizados adquiridos na ocupação superam o medo de que, em alguma noite, o frágil cadeado e a tranca de ferro da porta não sejam suficientes para garantir a segurança das famílias.
Baroni, que já foi estátua viva na Redenção, tem a rua como palco e nela aproveita a liberdade
Futuro incerto Com a recessão econômica do Estado e a mudança de gestão, a insegurança voltou a tomar conta dos moradores. Segundo a defensora pública Dirigente do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (NUDEAM), Adriana do Nascimento, há três alternativas: • O Estado pagar desapropriação e reforma do prédio. • O Estado pagar desapropriação e o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) pagar a reforma por meio do Minha Casa, Minha Vida Entidades • O Estado não desapropriar o prédio e os moradores serem despejados, com a possibilidade de irem para um aluguel social. O Diretor de Habitação da Secretaria de Saneamento, Obras e Habitação do Governo do Estado, Eduardo Fiorin, explica que não há dinheiro para fazer a desapropriação e a reforma, que custariam cerca de R$ 13 milhões, valor que ultrapassaria em 7 vezes o que é destinado a uma unidade de moradia popular. O advogado Jorge Kern, que representa os proprietários do prédio, foi consultado e preferiu não comentar o caso.
Entenda o caso Anos 1990
2000
2005
2006
2007
2013
2014
Prédio é construído para servir como moradia popular.
Após ser escritório da Caixa Econômica Federal, é vendido para iniciativa privada.
Ocorre a primeira ocupação pelo MNLM, que dura apenas 48 horas.
Polícia prende membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) que cavavam túnel no local para assaltar bancos. Prédio volta a ser ocupado.
Policiais bloqueiam as quadras próximas ao prédio e expulsam as famílias.
Em cinco anos, ocorrem pequenas ocupações. Em 2013, novas famílias ocupam o prédio, batizado de Saraí.
Estado declara prédio como bem de interesse social para fins de desapropriação.
7
“VIAJAR É MUDAR O CENÁRIO DA SOLIDÃO”
Os estrangeiros que fazem o
Fotos: Rafael Moraes
Mercado Público A vida de seis pessoas que largaram tudo e escolheram o Brasil como palco para sorrir mais
Rafael Moraes
O
Mercado Público faz a cidade de Porto Alegre. O coração, as tradições e a cara do Rio Grande do Sul estão espalhados pelas mais de 100 bancas do prédio. Mas quem faz o Mercado? Não são somente os vendedores gaúchos. Os que vêm, ou vieram, de fora, acrescentando cultura e valor à nossa sociedade, também compõem esse espaço. Seu Manuel, Dona Desa e o Senhor Annulziato vieram da Europa há mais de 50 anos e já estão estabilizados em Porto Alegre, com família, emprego e comida em cima da mesa. Trabalharam duro nos primeiros anos longe de casa e hoje são os permissionários de suas bancas. Já Alex e os irmãos Wiiguinsone e William, haitianos, chegaram há pouco no Brasil em busca de uma vida nova e estão se empenhando para, um dia, poderem afirmar que a vinda não foi em vão.
Os três europeus chegaram na década de 1960 e tinham um denominador comum: foram acolhidos por parentes, que já habitavam solo brasileiro. Seu Manuel desembarcou de Portugal, dona Desa, da Croácia e Annulziato, da Itália. Os haitianos, em contrapartida, chegaram há menos de um ano para começar uma vida nova. Sozinhos. Sentem saudade de casa, mas não querem voltar. Alex chegou somente com o passaporte em mãos e veio direto para o Mercado. Os irmãos trabalham na cozinha de um restaurante italiano e, por enquanto, vão bem. O mais velho tenta ensinar a nova língua ao caçula. As histórias são diferentes, mas os motivos e as razões são os mesmos. Mudar de vida. Construir uma nova família. Construir uma nova identidade. Seis histórias. Uma vida nova.
Seu Manuel tem duas prioridades: os clientes e o bom humor. Vende artigos para festas em sua banca no Mercado Público
Pra não sentar praça No depósito do Armazém do Mercado, trabalha Manuel Selecino Azevedo Carvalhal. Entre caixas e mais caixas, o senhor de 70 anos, com rugas na testa, óculos quadrados e camisa xadrez, faz as contas e controla a mercadoria da banca. Veio para o Brasil fugindo da guerra nas colônias de seu país e começou a trabalhar no Mercado Público aos 17 anos. “Eu teria que sentar praça, mas não queria. Os soldados que retornavam da África voltavam ou com doenças ou aleijados. Eu não tinha que defender aquelas colônias. Não eram a minha pátria”, conta Manuel. A partir de uma carta de cha-
mada do tio, que já morava em Porto Alegre, veio trabalhar com o parente no Café Municipal, banca do Mercado que não existe mais. Juntou dinheiro e virou sócio de outro estabelecimento no Centro, ao mesmo tempo em que cursava Ciências Contábeis na PUCRS. Voltou para o Mercado e não saiu mais. “Estou há 52 anos em Porto Alegre. Dos portugueses, eu sou um dos que mais perdi o sotaque. Portugal agora? Só a passeio”. Ao confessar que a ideia principal não era ficar permanentemente, nasce um sorriso no rosto do português. Manuel encontrou sua casa no coração de Porto Alegre.
A família do Mercado Na Banca Central do Mercado, trabalha um italiano com um bigode que entrega a sua nacionalidade. Annulziato Di Lorenzo é natural da Calábria e veio para o Brasil para se arriscar: “Eu estava na flor da juventude, com 18 anos, naquela idade que queremos nos aventurar e conhecer coisas novas”. Com o chapéu na cabeça para não mostrar os cabelos brancos, e a filha ao lado, no caixa da banca, para não sentir saudade da família, o senhor diz que o prédio é um comércio à parte da cidade. “Aqui criamos vínculos com os clien8
tes. No súper, pegamos o produto da prateleira e vamos embora. No Mercado, conversamos e ficamos amigos da clientela. O atendimento daqui é especial, não se encontra nem na Itália. Somos uma família”. No meio da entrevista, chega um cliente de anos, um amigo, cujos pais são compatriotas, perguntando: “E o seu time, como foi? Ganhou no final de semana?”. O empresário Roberto Marroni compra na banca desde que se conhece por gente. “Annulziato é meu amigo, estou sempre por aqui, comprando na banca dele”, conta Roberto.
Na Banca Central, não tem descanso: seu Annulziato assume o lugar da filha no caixa quando ela não pode ir trabalhar
De braços abertos Em frente ao Box do Alemão, ironicamente sem europeus, fica a banca de dona Desa Kolesar, croata que, aos 23 anos, veio acompanhar o marido em uma visita ao pai e se encantou. A Europa estava se reconstruindo da II Guerra Mundial e o Brasil estava de braços abertos. “Eu cheguei aqui e o pessoal me adorou, pediam para eu falar só para ouvir meu sotaque. Todos os brasileiros são amigos. Não são frios como os europeus”, conta a senhora de 77 anos. No início, vendia sementes, mas o comércio foi caindo. Hoje Desa vende artigos religiosos. Quando o movimento está baixo, vê fotos das praias croatas e mata a saudade das belas paisagens pelo iPad. Mas na hora que os clientes chegam, o carinho e a afeição vêm junto. É chamada de “dinda” por alguns clientes que frequentam o prédio há anos, mas mais parece uma mãe ao tentar ensinar sua língua aos funcionários da loja.
“CORAGEM NÃO É DOCUMENTO: OS GANGSTERS TAMBÉM SÃO HERÓIS”
O Submundo do
Terminal Parobé
É preciso muita coragem para enfrentar a insegurança que assola o banheiro público do ponto de ônibus mais movimentado de Porto Alegre Emily Mallorca
Dona Desa vem trabalhar todas as tardes no seu local preferido de Porto Alegre: o banquinho do caixa de sua banca.
Um novo idioma Aprender um novo idioma por prazer ou por obrigação são situações bem diferentes. Enquanto o funcionário Douglas, da Flora Kolesar, aprende a dar bom dia e boa noite em croata para os clientes, os irmãos haitianos Wiguinsonne e William têm que aprender português para poder se comunicar em Porto Alegre. O mais velho sabe pouco, e o pouco que sabe ensina ao mais novo. Ele traduz as conversas em francês para o irmão, que o acompanha em tudo. Sua sombra. Os irmãos trabalham na cozinha do restaurante Mamma Julia. Ainda não se adaptaram ao Brasil. São tímidos. Preferiram não posar para a foto. Alex Cassamajor, compatriota, está à procura de um emprego desde que foi demitido da banca Armazém Metropolitano, cinco meses após sua chegada ao Brasil. “O Haiti é um país difícil. Tem gente matando. Tem gente morrendo. Eu estudava Direito, mas minha mãe me deixou escolher: seguir estudando lá ou vir pra cá. Lá tem estudo, mas não tem trabalho. Aqui tem os dois”, comenta o jovem de 21 anos, que aprendeu a falar português assistindo à televisão em sua casa, em Esteio. A complicada adaptação de Alex se reflete no trabalho: por não conseguir acompanhar o ritmo dos clientes, foi demitido. Mas esse não era seu único medo: o haitiano vivia diariamente ao redor de insultos e preconceitos. “Vocês não podem ter um funcionário assim na banca.” “Um haitiano? Um negro? Sério?”, contam as irmãs Caroline e Mariana Santos, funcionárias da banca, que estão tentando ajudar o haitiano a encontrar outro emprego. Segundo elas, está sendo difícil, mas, para Alex, os obstáculos são invisíveis: “Eu sei que o Brasil é um país racista, mas isso não tem importância pra mim. Pra Deus, todo mundo é igual”, conta o imigrante.
Se um cidadão necessitar de um banheiro público no centro de Porto Alegre, vai precisar de coragem para enfrentar a insegurança que estes locais transmitem. No banheiro do Terminal Parobé, assaltos, furtos, prostituição e usuários consumindo drogas são situações comuns. Os funcionários que trabalham no local optaram por não se identificar para evitar possíveis confrontos com a empresa para a qual realizam a limpeza dos banheiros. Durante a apuração da reportagem, Francisco, auxiliar de limpeza que trabalha há sete anos no local, presenciou um assalto. Interrogado sobre os roubos no local, ele afirma: “Aqui dentro, ocorrem pelo menos uns dez assaltos por dia, menos que isso é impossível!”, alertou o funcionário. Segundo o Sargento Ubirajara Ramos, a Brigada Militar auxilia na segurança dos banheiros públicos da melhor maneira possível. “A rotina de furtos no Terminal Parobé é intensa, mas procuramos sempre agir da maneira mais rápida para que a situação de perigo seja amenizada”, conta. A auxiliar de limpeza Maria, que trabalha há seis meses no local, conta o que já encontrou no ambiente: “No dia-a-dia aqui, a gente depara com mulheres tendo relações sexuais umas com as outras, tomando banho nas pias e usando drogas”, relata. A placa escrita “Elas” em uma parede identifica que ali funciona o banheiro feminino. No final de setembro, durante a apuração da reportagem, em um dos três boxes, havia uma mulher praticando masturba-
ção, com a porta aberta, e a presença alheia não parecia lhe atrapalhar. Segundo o DMLU, o período de maior ocorrência de vandalismo e agressões a funcionários e usuários acontecia das 1h às 5h. Com o intuito de prevenir os cidadãos, desde janeiro deste ano os sanitários passaram a fechar às 20h. “O auxílio dado pelo DMLU é na orientação de seus funcionários, a fim de evitar que haja algum tipo de reação que possa colocar a própria integridade e a dos demais em situação de perigo”, salientou Lucas Pasquatto, responsável pela Comunicação do Departamento. Além de assaltos, outra situação bem comum é a procura de sexo por parte de homens da terceira idade. Engravatados, eles circulam no corredor em frente às portas dos banheiros femininos e masculinos em busca de parceiros sexuais. André Benites, mais conhecido como “Tio”, é auxiliar de limpeza no local há dois anos. Questionado sobre como agia quando via senhores buscando prazer, ele responde: “Eu mando vazar na hora, eles estão pensando o quê? Aqui é um banheiro e não ponto de prostituição!”, desabafa. No portão de saída dos banheiros, Danilo, que trabalha há 36 anos no lugar, passava a vassoura e sorria recepcionando os usuários que ali entravam. Questionado sobre a aposentadoria, ele afirma: “Eu ainda trabalho aqui pois eu aprendo diariamente sobre os limites de um homem e de uma mulher, aqui vemos tudo o que nós, seres humanos, somos capazes de fazer”, exclama o auxiliar. 9
“PUS MEUS SAPATOS NA JANELA ALTA”
Nas janelas dos Arcos da Borges
Um dos locais mais marcantes de Porto Alegre retratado pelo olhar de quem está do outro lado da janela Fotos: Clarissa Müller
Clarissa Müller
U
ma cidade do interior no centro histórico de Porto Alegre. É assim que os moradores ao redor do Viaduto Otávio Rocha, mais conhecido por Arcos da Borges, definem a convivência entre eles. O Viaduto divide-se em quatro escadarias, cada passeio tem o nome de uma estação do ano: verão, outono, inverno e primavera. Em uma das quatro esquinas da Avenida Borges de Medeiros com a Rua Duque de Caxias, está o edifício São Salvador, tombado pela prefeitura e o xodó dos moradores. Ao redor, muitos bistrôs e referências ao Viaduto e seus arcos. Todos os anos, os moradores comemoram o aniversário do Viaduto na primeira semana de dezembro. Cada um contribui com o que pode, mesmo que só com a presença pela janela. Assim como nas cidades do interior, os moradores e comerciantes do local se distraem e descobrem as novidades da capital apoiados no parapeito das janelas ou nos arcos das portas que dão para o Viaduto.
O viaduto Otávio Rocha foi inaugurado em 1932 com a função de ligar as zonas leste, sul e central de Porto Alegre. Entre os anos de 2000 e 2001, foi recuperado e as 36 lojas foram revitalizadas
«Todo mundo se conhece, acaba se tornando um bairro pequeno»
Clarissa assistiu pela janela à gravação de uma propaganda no edifício São Salvador, quando içaram um piano até uma sacada
10
Clarissa Ourique mora há 14 anos no oitavo andar de um dos prédios com janela para o Passeio Verão do Viaduto. Para ela, os Arcos da Borges são um marco da cidade. “Eu acho lindo. Ele tem a sua história”, conta. Pela janela, ela vê desde ensaios de fotos de casamento e de revistas até gente ajoelhada fazendo pedido de casamento ou namoro. Lembra também de ter assistido às pessoas pelo Caminho do Gol durante a Copa, assim como os protestos de 2013 na Capital. “Todas as manifestações, na verdade, passam por aqui. Então tudo o que acontece a gente fica sabendo pelo Viaduto”, explica. Porém, além do lado bom, Clarissa também vê os assaltos,
a violência e os suicídios, muito presentes nas arcadas do Viaduto. Ela conta que, com a crise no país, mais um problema apareceu: usuários de crack embaixo do viaduto. “Nós nunca tínhamos tido e agora tem uma turma que está bem complicada”, lastima. Além disso, a própria Clarissa já foi vítima, quando voltava da faculdade à noite. “Já fui assaltada, mas usei o spray de pimenta que meu marido trouxe de viagem.” No entanto, apesar da violência presente no local, os moradores acabam ajudando uns aos outros nos momentos difíceis. “Então, o bom disso aqui é que todo mundo se conhece, acaba se tornando um bairro pequeno”, explica Clarissa.
«É a maneira de elas se comunicarem com o mundo, através de suas janelas» Gerente do Hotel Everest há 20 anos, Joseane Pinto ama seu trabalho, assim como ama o Viaduto. Em seu primeiro dia no hotel, apaixonou-se pela vista da cidade do décimo sexto andar. “Eu pensei: minha nossa, como eu quero trabalhar aqui”, conta Joseane, orgulhosa. Com muitas janelas, houve situações curiosas vistas através delas. Elas são baixas, permitindo que as pessoas que passam por lá vejam o que acontece dentro do hotel. “É quase uma vitrine. Tu vai ver as pessoas como elas querem ser vistas. Porque as pessoas se deixam ser vistas. É a maneira de elas se comunicarem com o mundo, através de suas janelas”, comenta a gerente. Jose lembra que, durante a
Copa, uma banda holandesa se hospedou no Everest. Na volta de um dos jogos, eles começaram a tocar na Rua Duque de Caxias. “Todo mundo veio ver da sua janela. Então dá uma interação, dá uma sinergia quando essas coisas acontecem.” Porém, nem tudo no Viaduto é bonito. Muitas pessoas dormem e consomem drogas embaixo dele. Porém, para Jose, o primeiro passo na direção de resolver o problema é reconhecendo-o. “É melhor que todas as pessoas enxerguem. Existe um problema que nós precisamos tratar. Não é bonito o turista ver, mas lá na cidade do turista isso também existe”, ela explica. Em 2014, o hotel completou 50 anos, mesmo ano em que o Viaduto
O restaurante do hotel fica no último andar e conta com uma vista panorâmica da cidade, um dos lugares preferidos de Jose
fez 82. Buscando atrair olhares dos jovens, o hotel, juntamente com a Secretaria Municipal de Cultura e o Núcleo Urbanóide, grafitou um painel 3D na parede Passeio Primavera. “Nós precisamos que a juventude também ame o viaduto e quei-
ra lutar por ele”, explica a gerente. Diante da vista do último andar do hotel, onde as cores do céu e das ruas se misturam, a gerente reforça o motivo de tanta dedicação. “Entendeu agora por que eu amo isso aqui?”, reflete Jose.
«Ficamos muito tempo na sacada, é um lugar para repor as energias»
No bar, quase tudo é artesanal: desde as cervejas produzidas no sul do Brasil aos paninis de costela e aos pãezinhos com alho
«Venho fazendo trabalhos voluntários em prol da valorização do Viaduto» Renato Pereira Júnior é publicitário e dono do Armazém Porto Alegre, no Passeio Outono do Viaduto, embaixo do prédio São Salvador. O pub leva como tema a capital do Rio Grande do Sul. Desde que morou na Rua Duque de Caxias, há 10 anos, se apaixonou por esse canto da cidade. “Achei que morar no centro seria uma coisa ruim, sempre fui da zona sul, e, bá, curti pra caramba! E, desde então, eu venho fazendo trabalhos voluntários em prol da valorização, do cuidado do Viaduto”, comenta. “A beleza arquitetônica, única, que resgata ares europeus da
cidade. Não tem outra obra que traga esse ar. O pessoal se apaixona, adora esse canto aqui.” O pub também atrai os amantes por fotografias, pela decoração do local, com imagens da cidade. “É ponto para fotógrafos. Eles adoram ficar por aqui”, comenta. Renato conta que a noite ali surpreende muitos. “Tem o estigma de que é um espaço abandonado e nada seguro de passar. Então o pessoal acaba se surpreendendo com um espaço público tão bem frequentado”, explica o publicitário. “Esse canto a gente cuida para trazer vida nesse horário.”
No térreo do prédio São Salvador, Sérgio Luís da Silva trabalha no Salão de Beleza Núcleo Estética. Ele sempre cede o espaço para espetáculos e eventos. “Tiveram algumas peças de teatro que usaram a nossa sacada. Uma foi a prefeitura que fez sobre a Rapunzel, fizeram uma encenação com bailarinos. Bandas também já tocaram na nossa sacada, fizeram uma serenata ao contrário”, conta. Serginho lembra também que o Porto Alegre em Cena passou por ali, com teatro e dança de rua, quando ele pôde assistir de camarote. Outra vantagem da região é a
facilidade de pegar transporte coletivo, a variedade de bistrôs e a Igreja Matriz de N. Sra. da Madre de Deus. “É com as batidas do sino da Catedral que a gente vê as horas”, comenta o cabeleireiro. Além disso, para ele, a Rua Duque de Caxias é um local diferenciado em Porto Alegre. De sua sacada, ele vê quem passa por ali. “Gosto da vista, acho muito bonita, os prédios, o visual daqui de cima é muito bom. As pessoas aqui são mais elegantes também. Ficamos muito tempo na sacada, é um lugar para repor as energias”, acrescenta Serginho, sorrindo.
De sua sacada, Serginho assiste a rua e as escadas serem usadas como cenário para fotografar modelos e noivas para revistas
11
“E ELES SONHAM, IMÓVEIS, DESLUMBRADOS”
Endereço
cheio de encantos Centro conquista moradores e valoriza o estilo agitado da vida contemporânea. É a incrível – e criativa – fusão entre a tradição e as maravilhas dos dias atuais
Kellyn Boniatti
U
m centro com bossa, onde o charme da arquitetura e a beleza das ruas históricas dão vida a um cenário encantador. É no bairro onde Porto Alegre nasceu, formado por uma população de quase 37 mil moradores, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que o passado ganha força, revelando um Centro cada vez mais valorizado e procurado pelos gaúchos. Criado há 56 anos pela Lei 2.022, o bairro é uma das mais importantes referências da Capital e serve como cartão-postal para o Estado. Toda essa fama resultou, nos últimos anos, no crescimento da procura pela região nas imobiliárias da cidade. “A facilidade de deslocamento, o transporte público, os serviços oferecidos na região, eventos culturais e o charme que o bairro possui são atrativos do Centro de Porto Alegre”, considera Tiago Cação Martinelli, gerente geral de vendas da Imobiliária Crédito Real. E foram todas essas qualidades que
Clarissa Muller
A vista para o Guaíba é um detalhe que atrai os futuros moradores. Somado ao fácil deslocamento, o cartão-postal da capital ajuda a valorizar o Centro
encantaram a arquiteta Aclaene de Mello, moradora do bairro há 25 anos. “Morar no Centro favorece o meu deslocamento e aumenta a minha segurança, pois este bairro vive 24 horas”, diz ela. Esses também foram os atributos que fizeram a psicóloga Vivian Hamann trocar a Zona Sul, onde morou por uma década e meia, pelo Centro. “Vim para cá em função da localização. Sentia
falta de estar perto de cinemas, teatros e bares”, conta. Há quatro anos morando na rua Duque de Caxias, Vivian encontra lazer e praticidade no endereço. “Fico a meio caminho do Parque da Redenção, da Usina do Gasômetro, e junto ao Guaíba. Além disso, essa é uma parte tranquila e segura do Centro, próxima ao Palácio Piratini e à Assembleia Legislativa”, diz.
«Aqui vivemos livres, é um lugar democrático, que aceita todos os perfis de pessoas.» Aclaene de Mello, moradora do Centro há 25 anos
A procura intensa é uma das características De acordo com Tiago Martinelli, embora o cenário atual da economia tenha causado uma queda de até 20% nos valores gerais dos imóveis neste ano, a valorização de casas, apartamentos e imóveis comerciais no Centro da capital crescia desde 2011 – em um total de 56%. “Hoje, tudo depende do estado de conservação dos imóveis. Atualmente, o metro quadrado no Centro varia entre R$ 4 mil e R$ 6 mil”, diz. Já os bairros mais nobres, como Bela Vista e Jardim Europa, por exemplo, têm seus valores entre R$ 8 mil e R$ 13 mil 12
o metro quadrado. Porém, Fernando Piva Chim, sócio-diretor da Porto do Sol Imóveis, lembra que não há uma fórmula exata para calcular o valor do metro quadrado. “Precisamos considerar diversos fatores em uma avaliação, como a localização, o estado de conservação do prédio e do apartamento, o andar, a posição solar, a área privativa e se possui ou não garagem”, explica. Independente da época do ano, o Centro é um bairro, para Martinelli, no qual a procura é sempre grande – de estudantes, que optam pelo local
devido à facilidade de deslocamento, a moradores que simplesmente valorizam sua estética. “Nele temos muitos imóveis antigos e sem vagas de garagem, o que se torna uma característica comum. Mas há opções com excelente área privativa e vista para o Guaíba, o que encanta os clientes.” Durante um ano procurando o apartamento perfeito, a psicóloga Vivian encontrou em um antigo prédio da Duque de Caxias o lar que idealizou para viver com a filha. Com ótimo isolamento acústico e construção sólida, o imóvel de aproximadamente
150 m² proporciona conforto às moradoras. “Dificilmente o trocaria por outro imóvel ou por outro bairro.” Enquanto isso, a arquiteta Aclaene optou por um edifício de construção mais recente. Para ela, viver no Centro é sinônimo de praticidade no dia a dia – item indispensável para quem tem uma rotina agitada como a sua. “Aqui vivemos livres, é um lugar democrático, que aceita todos os perfis de pessoas. Essa miscigenação é incrível. Sem dúvidas, esse é o grande diferencial, não troco o Centro por nada”, finaliza.
“PALAVRAS DESCONHECIDAS MAS COM TODAS AS LETRAS”
Um jornaleiro e suas paixões Carina Nardi
P
or favor, só uma informação!” Esta, talvez, seja a frase mais ouvida no passar dos dias de Carlos Baranzeli, dono da banca de revistas Fronteira, na avenida Borges de Medeiros esquina com a José Montaury, no centro da Capital. Esqueça por alguns minutos a pressa, pare e observe o interior da banca e será possível perceber que o que ela vende não é exclusivo, pode ser facilmente encontrado em shoppings e outros espaços de comercialização. Até mesmo a internet e a mudança no hábito dos leitores podem roubar clientes dos jornaleiros, mas ainda não se encontrou um substituto para o que somente eles têm a oferecer: uma boa e arrastada conversa. E nesse sentido, Noelly Castanheira, 85 anos, sente-se muito bem. Uma das clientes mais antigas, há mais de dez anos, tem encontro marcado toda semana na banca. Ela conta que este ponto do centro é a sua referência e que Carlos é um paizão com os clientes: “Aqui eu me sinto em casa, às vezes preciso ir ao médico, aí deixo minha bolsa e minhas sacolas aqui”. A razão das frequentes visitas de Noelly são as revistas de cruzadinhas, porém, ao entrar na banca, elas ficam em segundo plano. Noelly se perde no tempo, mergulhada numa conversa em que, visivelmente, não se apressa em terminar. Há 15 anos trabalhando na banca, Carlos ainda reflete o encantamento de um iniciante, e quando não tem o que o cliente procura, vem com a solução rápida, precisa e acompanhada de um sorriso ao falar “Mas eu sei onde encontrar”. E de forma acolhedora direciona e segue compartilhando informação com os que passam. Durante os anos em que trabalhou como representante comercial nos laboratórios Pfizer, Carlos ad-
quiriu experiência e segurança, então sentiu que era o momento de abrir o seu próprio negócio. No início, precisou contar com a ajuda de Sidineia Almeida. Ela conta que ensinou a Baranzeli tudo o que sabia, e diz: “Ele teve que fazer um estágio comigo, imagina? (risos) Com apenas 17 anos tive que ensinar tudo a ele”. Ainda tímida, Sidnéia resgata em sua memória aquele momento e volta aos seus 17 anos, quando ensinava o que havia aprendido a Baranzeli. Juntos iniciaram uma trajetória marcada pela cumplicidade e parceria, construídas diariamente ao longo desses 15 anos. Sidnéia lembra: “Uma vez fui chamada para outra oportunidade de emprego, contei pro Senhor Carlos e ele disse vai, se tu não gostar volta. E acabei voltando”. Hoje o carinho entre eles transcende a relação de trabalho, é praticamente familiar. Nas duas horas de entrevista, Carlos atendia os clientes, a maioria deles o chamava pelo nome. Amigos, que se conheceram em um lugar pouco maior e mais retangular do que um elevador.
Um homem emotivo ao falar sobre sua família, seus amigos, a paixão pelos filmes e pelos clássicos da literatura
«Aqui eu me sinto em casa. Às vezes, preciso ir ao médico, aí deixo minha bolsa e minhas sacolas aqui.» Noelly Castanheira Percebe-se que o trabalho, a família, os amigos, tudo se mistura num espaço de apenas seis metros quadrados. É notória a satisfação de Baranzeli: “Eu ouço as histórias e procuro ajudar, falando um pouco das minhas experiências”. Paulo Caminski, 52 anos, chega à banca trazendo uma sacola de viagem, grande e cheia de DVD’s lacrados. Caminski é colecionador de filmes clássicos desde 2001, afirma ser um dos maiores do Rio Grande do Sul, e foi assim que, no ano de 2002, descobriu na banca Fronteira a fonte de sua recém-iniciada paixão.
Com mais de 9 mil títulos, Paulo ainda lembra do primeiro filme que procurava na banca de Carlos: “Tarzan“, com o ator Norte-americano Elmo Lincoln, de 1918. Mesmo não o tendo encontrado, descobriu ali um grande acervo para iniciar sua coleção. Durante o tempo em que trabalha na banca, Carlos adquiriu algumas paixões, a principal delas é o cinema. Entre seus preferidos: “Era uma vez na América” e o “Mercador de Veneza”, com Al Pacino. “Ele faz um papel fantástico. Esses eu já assisti muitas vezes”, conta Baranzeli. Falando ainda sobre os filmes, Carlos deixa um brilho no olhar ao citar o cinema em preto-e-branco. Um jornaleiro emotivo ao falar sobre a família, a paixão pelos filmes, pelos grandes clássicos da literatura. Considerado um camarada por colegas e clientes, Baranzeli conquistou no centro mais do que um negócio, fez da banca uma extensão de sua casa. os que chegam pedindo “só uma informação” são acolhidos com um olhar que diz: “Entre e sinta-se em casa”. Carina Nardi
Carlos conversa com Luciano Pacheco, distribuidor de ZH. Entre recolher os exemplares antigos e reabastecer a banca, sobra tempo para colocar a conversa em dia e até tomar um cafezinho
13
“INVOCO UM TOM QUENTE E VIVO E SE O QUE TANTO BUSCAS SÓ EXISTE EM TUA LÍMPIDA LOUCURA”
Futebol: não basta ver.
É preciso sentir A paixão pelo esporte mais popular do mundo espalhada por cada detalhe no bar que retrata a atmosfera de um estádio
U
m lugar que deixa qualquer apaixonado por futebol perdido em uma atmosfera de estádio. Neste local, é possível ver os jogos, conversar com os amigos enquanto assiste e jogar sinuca ou fla-flu em um cenário cercado de diversas mantas, bandeiras, flâmulas, caricaturas, imagens de revistas e da internet de diversos jogadores, técnicos e dirigentes do futebol. O Brechó do Futebol, localizado no Centro de Porto Alegre, na Rua Fernando Machado, número 1188, busca manter a cultura do futebol viva entre os frequentadores. Tudo começou com Carlinhos Calogueiro, sócio do local, quando, em 2002, ele comprou uma camisa da Seleção da Itália, modelo de 2001, negociada com um colecionador de São Caetano do Sul. Calogueiro é torcedor do Grêmio, coleciona camisas do tricolor e tem cerca de 60 mantos do clube. Ele começou a negociar as camisas que comprava pela internet e trabalhava em casa, os clientes mais próximos visitavam, e ele notou que o quarto estava ficando pequeno para tantos produtos e foi para um local no bairro Cidade Baixa, onde permaneceu até 2009. Em conversa com os amigos André Zimmermann e André Damiani, hoje sócios do bar, surgiu a ideia de abrir uma loja e um bar. “Sempre pensamos em ter um bar pra ver jogo, pra curtir, falar sobre futebol e curtir um pouco da decoração. A gente via que aqui em Porto Alegre não tinha um lugar assim, era meio carente”, comenta Zimmermann. A decoração do primeiro andar, onde funciona o bar, conta com diversas mesas, quatro televisões, mesa de sinuca, mesa de fla-flu e algumas histórias peculiares que fazem parte do local. Ao longo do ano, o bar funciona das 18h até a 14
meia noite, mas, durante a Copa do Mundo de 2014, o Brechó do Futebol abria ao meio-dia e ficava até 1h ou 2h da manhã. “Durante a Copa do Mundo, a localidade nos favoreceu muito. Como tinha muita gente que ficava hospedada pelo Centro, Cidade Baixa, e o Caminho do Gol era aqui perto, tinham torcedores que passavam na frente, olhavam pra ver o que era e voltavam pra entrar. Ganhamos alguns presentes de alguns como mantas e até camisas lembra um dos sócios
do bar, André Zimmermann. Os dias de maior movimento no bar são os que têm jogos do Grêmio e do Inter. Há quem frequente seguido o local, como é o caso do torcedor do Grêmio Marcelo Maurente. “Eu venho aqui depois do serviço. É um ponto para senhoras, senhores, crianças, porque não tem briga. Aqui entra gremista, colorado e qualquer time do mundo. Todo mundo fica na paz”, destaca Maurente. Já a advogada Deize Machado começou a frequentar nos tempos de faculdade
por causa do clube do coração, o Grêmio. “Os jogos são sempre bem animados. Comecei a vir por causa do Grêmio e busco recomendar para quem vem de fora e, quando dá, venho junto”, lembrou Deize. Jorge Lunkes começou a frequentar a partir da Copa do Mundo de 2014. “A minha expectativa foi superada desde a primeira vez que eu vim. Só estando nesse ambiente para perceber os detalhes da decoração, da história, do futebol em si”, diz o supervisor de qualidade. Fotos: João Vítor Pereira
João Vítor Pereira
Diversas mantas e bandeiras espalhadas ao longo de todo o ambiente, além de fotos, pôsteres e caricaturas, caracterizam o ambiente do Brechó do Futebol
«Nós temos um cliente irlandês, torcedor fanático do Celtic, que nos trouxe essa placa. Como tínhamos a do Rangers, colocamos uma ao lado da outra. Aliás, tudo o que é do Celtic foi o Paddy Hughes quem nos trouxe.» Lado a lado no Brechó: Celtic e Rangers são times internacionais com uma intensa rivalidade
André Damiani
O Brechó do Futebol conta com aproximadamente 3100 camisas, que são separadas por nacionalidade
Camisas de todas as épocas
O
Brechó do Futebol ainda conta com outro ambiente, no segundo andar, e logo na entrada é possível perceber camisas de vários clubes de futebol do mundo inteiro. Separadas por nacionalidades, elas estão dispostas em diversas araras ao longo do espaço. Segundo o gerente da loja, Yan de Assunção, são, em média, 3100 camisas, que variam com preços entre R$ 90 e R$ 150. A mais cara custa R$ 7 mil e é considerada uma relíquia. Para quem coleciona camisas ou está atrás de alguma camisa antiga de algum clube ou seleção é possível encontrar lá, como é o caso da professora de Geografia da Rede Estadual do Rio de Janeiro Brunna Uchoa e do Professor de História da Escola Municipal Professor Leopoldo Machado David Goralski, que vieram do Rio de Janeiro para passar alguns dias em Porto Alegre e aproveitaram para conhecer o local e comprar uma camisa para um amigo. “Eu achei muito legal. Até para quem não gosta de futebol é
bem interessante. É diferente do que eu pensei. A gente veio com a ideia de comprar uma camisa do Grêmio, mas tem muita coisa”, comenta Brunna. Já David destacou o espaço destinado a camisas do clube do coração, o Botafogo. “Como torcedor do Botafogo, sou grande fã do Túlio Maravilha e vi que tem a camisa dele, com patrocínio da época, e isso me deixou muito feliz, por ver que tem um espaço inteiro, praticamente, do Botafogo”, elogiou Goralski. O assistente administrativo do Hotel Everest Pierre Costa Coutinho é um colecionador de produtos do Grêmio e lembrou que, antigamente, as pessoas colecionavam mais os produtos do clube. “Pessoal colecionava mais coisa, antigamente. Chaveiro, boné, flâmula, revista. Hoje em dia, não se vê mais esse tesão sobre futebol, sobre a história, e aqui é legal por conta disso. Tu traz a história do futebol, a raiz, todo o glamour, além de ver a história de tudo”, chama a atenção.
Camisa de Pelé é a mais cara do Brechó do Futebol, custa 7 mil reais.
«Um colecionador de artigos da Seleção deu para o Carlinhos essa camisa de 1971. Como naquela época não se vendia esse tipo de camisa, certamente ela esteve no vestiário do Brasil, e é provável que o Pelé tenha usado.» Yan de Assunção 15
“DO CINEMA SILENCIOSO...”
Cinema à espera do público Foto: Luíza Buzzacaro
Uma das mais antigas salas de rua de Porto Alegre ainda não entrou na cena cultural da cidade, mesmo após um ano da reinauguração
Por que visitar o Capitólio? HISTÓRIA Hoje, um prédio tombado patrimônio histórico e cultural de Porto Alegre, o Capitólio foi inaugurado em 1928, sendo fechado na década de 60 e reaberto nos anos 80 exibindo apenas filmes pornôs.
ARQUITETURA O prédio chama a atenção por sua riqueza arquitetônica. Durante as obras de restauração, foram preservadas as características da arquitetura neoclássica.
No dia 30 de setembro, 5 minutos antes da sessão começar, a sala com 164 lugares ainda estava vazia, e após o filme iniciar, apenas uma espectadora estava na sala para a sessão das 16h Luíza Buzzacaro
A
o entrar em um dos prédios mais tradicionais de Porto Alegre, a sensação é de calmaria. Apenas poucos funcionários circulam pelo Capitólio, e o hall de entrada – que impressiona pela riqueza arquitetônica – continua vazio após alguns minutos. Na sala de cinema, a surpresa é maior: seja pela beleza ou pela solidão. A sala com 164 lugares costuma ter, em média, 30 frequentadores por sessão. O cinema de rua mais antigo de Porto Alegre ainda em funcionamento, após 10 anos de obras de restauração, reinaugurou há aproximadamente um ano e foi reaberto ao público há seis meses. Sendo considerado um espaço relativamente novo e que ainda não entrou na circulação cotidiana das pessoas, a Cinemateca Capitólio traz uma cinematografia diferente das outras salas de cinema distribuídas pela capital gaúcha. Segundo Marcus Mello, Coordenador de Cinema, Vídeo e Foto da Secretaria de Cultura de Porto Alegre, e, atualmente, diretor 16
da Cinemateca Capitólio, diz que é justamente por apresentar uma programação alternativa é que as sessões de cinema têm menos espectadores: “É uma média boa para uma sala com esse perfil. De programação alternativa que exibe clássicos, filmes brasileiros, mostras dedicadas a diretores específicos ou cinematografias específicas.” Por se tratar de um cinema de calçada e que, portanto, não tem estacionamento, o objetivo é investir numa mudança de hábito dos porto-alegrenses. “Nós acreditamos que o Capitólio é um dos novos espaços que o centro tem ganhado e que certamente vai contribuir pra mudar um pouco esse perfil, para que as pessoas voltem a se apropriar do centro da cidade”, disse Mello. Memória do cinema gaúcho A falta de frequentadores não é um problema exclusivo da Cinemateca Capitólio. Outros centros culturais, espalhados por todo o Brasil, sofrem com o problema do subaproveitamento. Segundo Luís Augusto Fisher, escritor gaúcho, ex-membro da Secretaria de Cultura de Porto
Alegre e professor da UFRGS, essa falta de público nos espaços se deve, essencialmente, por falta de prática por parte dos gaúchos, mas também dos brasileiros em geral: “Se tu não educas as pessoas a irem ao museu, elas não vão ao museu.” Mesmo não tendo entrado na corrente sanguínea dos porto-alegrenses, o Capitólio tem um papel importante para a memória do cinema gaúcho. O espaço foi adequado para receber a Cinemateca do estado do Rio Grande do Sul, que visa a abrigar toda a produção cinematográfica do estado: “A cinemateca é um projeto fundamental para a preservação da história do cinema do Rio Grande do Sul. É lá que vão ser guardados todos os filmes que estamos fazendo e fizemos em todo esse tempo de história, além de recuperar filmes que estão se perdendo. Esse trabalho é fundamental. Mas, para que isso exista, é preciso investimento” como ressalta Ana Luiza Azevedo, primeira secretária da Associação Profissional dos Técnicos Cinematográficos do Estado do Rio Grande do Sul e membro da Casa de Cinema de Porto Alegre.
INGRESSO O ingresso para todas as sessões de cinema custa R$10, mas, se você for estudante, paga apenas R$ 5.
CAFÉ A cafeteria chamada Ramalhete deve abrir as portas até o final deste ano e oferecerá serviço de alimentação.
BIBLIOTECA A biblioteca guarda um acervo de materiais como curtas e longas-metragens gaúchos, além de cartazes e fotografias desde a década de 80. Os materiais podem ser acessados desde que haja um agendamento prévio.
ONDE FICA? Av. Borges de Medeiros, 1085 HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO: Das 14h às 20h TELEFONE: (51) 3289-7458
“O MISTÉRIO FAZ PARTE DA BELEZA”
Um museu para ser
redescoberto
O Museu Júlio de Castilhos, fundado em 1903, foi a primeira instituição museológica do Rio Grande do Sul e ainda é considerado um dos mais importantes por estar profundamente ligado à história do Estado
Gabriela Senden
C
om um acervo composto por mais de 11 mil objetos regionais que caracterizam a diversidade cultural do Rio Grande do Sul, o Museu Júlio de Castilhos tornou-se hoje um local de pouca presença do público porto-alegrense. Tirando as excursões escolares do Ensino Fundamental, as visitas espontâneas são escassas, mesmo com a entrada franca. São em média 1.300 visitantes ao mês, segundo a diretora Vanessa Becker, número consideravelmente baixo comparado ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS), que recebe em torno de 500 visitantes por dia,
número que aumenta vertiginosamente com a Bienal do Mercosul (esteve em cartaz até 22 de novembro) de acordo com informações do relatório de visitas controlado pela portaria do local. A diretora Vanessa expõe sua opinião a respeito da média de visitantes do museu: “Este ano tivemos uma baixa devido às condições climáticas, que acabam interferindo diretamente no público. Mas, ainda assim, nos finais de semana, recebemos visitantes de outras cidades, que fazem passeios em pontos turísticos do Centro Histórico”. Como o casal de Mostardas (RS) Natália Braga e Roberto Frantz, que foi conhecer o museu na véspera do feriado da Revolução Farroupilha, dia 19 de setem-
bro, um dos principais temas do acervo da instituição. “Estávamos fazendo um passeio a pé para conhecer o Centro, aí a fachada nos chamou a atenção, entramos por curiosidade mesmo. As exposições são muito interessantes, até achei estranho estar vazio”, comenta Roberto. Para o historiador e coordenador do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre, Jorge Barcellos, são diversos fatores que justificam a falta de público do Museu Júlio de Castilhos.“As pessoas estão ficando cada vez mais exigentes, hoje na cidade há uma série de eventos ‘fenomênicos’, que usam recursos tecnológicos, multimídia, para atrair público. Por ser pioneiro, o Júlio de Castilhos sofre
desvantagem em relação aos mais novos, por tratar exclusivamente da história do Rio Grande do Sul.” Jorge também expõe sua opinião sobre os responsáveis pelo museu. “Ao meu ver, a administração do museu não está tendo sucesso nas estratégias para tornar o local mais atrativo. Outro fator são os cortes de recursos do governo, como agora, e infelizmente o setor da cultura é o primeiro da lista”, lamenta o historiador. O Museu Júlio de Castilhos está localizado na Rua Duque de Caxias, número 1205, Centro Histórico. Os horários de visitação são de terça-feira a sábado das 10h às 17h. Para agendamento ligar (51) 3221-5946 ou pelo email museujuliodecastilhos@gmail.com
Curiosidades do acervo As botas pertenceram a um sujeito chamado Francisco Ângelo Guerreiro (18921925), que ficou famoso nas arenas de circo e nos livros de medicina no início do século XX em função de seus 2,45 metros de altura. As botas são de numero 56.
Fotos: Gabriela Senden
A volta ao mundo de Lambreta
As botas do Gigante
O jornalista José Ferreira da Silva, gaúcho natural de Caxias do Sul, conseguiu um feito inédito. Deu a volta ao mundo em 359 dias a bordo de uma Lambreta no final dos anos 60. A aventura ganhou uma nota no Guinnes Book como feito incrível. O veículo está exposto no museu desde 1970.
Crânio Mumificado Encontrado no litoral de Torres, o crânio pertenceu a uma mulher indígena e tem cerca de 2 mil anos. Graças à ação do sal marinho, ele manteve-se em um estado de conservação surpreendente, pode-se observar cabelo e cartilagens em sua face.
Fama de mal-assombrado O museu tem fama de mal-assombrado devido a duas mortes trágicas que ocorreram em suas dependências — a do político Júlio de Castilhos, em 1903, consequente de uma cirurgia, realizada em seu próprio quarto, para a retirada de um tumor; e a de sua esposa, Honorina, em 1905, que se suicidou em um dos aposentos da casa.
17
“TEUS SILÊNCIOS SÃO PAUSAS MUSICAIS” fotos: Diogo Zanella
Caracterizado como anjo, Abraham Ponce, o argentino que é estátua-viva há 18 anos em Porto Alegre, entrega mensagens positivas após contribuição voluntária das pessoas que passam pela Esquina Democrática de segunda a sábado a partir das 15h
Se a Andradas fosse nossa O Centro Histórico é repleto de personagens enigmáticos que fazem parte do cenário e da identidade da Capital. Entre eles, estão os artistas de rua, que são vistos diariamente em muitas calçadas e esquinas
18
Diogo Zanella
A
Rua dos Andradas é uma das mais ocupadas por artistas, onde encontramos figuras ícones na arte de rua da Capital. É ao longo desta rua que trabalham Abraham Ponce, Marco Antônio e Silvio Miguel. Pioneiro como estátua-viva em Porto Alegre, o argentino, de 43 anos, mora há 18 na Capital, desde que largou a Faculdade de Arquitetura, vendeu seu apartamento e entregou todo o dinheiro à mãe para conhecer o mundo, começando pelo Rio Grande do Sul. Entretanto, parou em Porto Alegre, desistindo de seguir adiante, e assim, autodidata, criou o anjo para ganhar a vida. Na Argentina, já era “artista de palco”, como costuma dizer. Atuava em espetáculos como ator. Foi em Porto Alegre que também encontrou o amor e a
segunda família. Ponce é casado, mas não gosta de falar sobre a vida pessoal. Não dá informações sobre o relacionamento ou quanto fatura como estátua-viva, mas revela que não depende mais economicamente do dinheiro da rua por ter amparo dos familiares que ganhou com o casamento. Entretanto, preferiu não deixar as ruas. Durante a semana fica no centro, na Esquina Democrática, entre 15h e 18h, de segunda a sábado, e, aos domingos, trabalha na feira do parque Farroupilha, o Brique da Redenção. É o amor pela arte que o faz ficar três horas em pé, imóvel na maior parte do tempo, distribuindo mensagens de autoajuda para quem faz alguma contribuição voluntária. Para Ponce, não é necessário preparo físico nem técnica alguma. Segundo ele, o segredo para ficar parado é ser calmo, concentrado, gostar de pessoas e de estar na rua.
Um mágico boa-praça Seguindo pela Rua dos Andradas, em direção ao Lago Guaíba, ao passar em frente à Praça da Alfândega, é possível conhecer Marco Antônio, 52 anos, que é paulistano e mora há 23 anos em Guaíba, na Região Metropolitana. Ele vende brinquedos de mágica, expondo sobre a mesinha que traz de casa, de ônibus. Passa o dia demonstrando os truques que aprendeu quando começou a trabalhar em uma loja de artigos de mágica na capital paulista. Mudou de cidade para fugir da concorrência que, segundo ele, não existe em Porto Alegre. Marco afirma não haver um outro profissional que venda e ensine as mesmas mágicas dos brinquedos, que chegam de uma fábrica de São Paulo.
Desenhos realistas Poucos metros adiante, em frente ao Shopping Rua da Praia, há 30 anos trabalha o desenhista Silvio Miguel Alves, 59 anos, natural de Porto Alegre. Ele lembra ter gosto pelo desenho desde os seis anos, quando, depois de acompanhar histórias em quadrinhos, começou a reproduzir os personagens que via nos gibis. Passou a infância em Canoas, estudou na Escola Santos Dumont, bairro Niterói. Recorda que não teve aulas de desenho quando era criança, aprendeu por
foto: Diogo Zanella
O sustento da família vem do trabalho realizado na rua, somado à renda da esposa, que cuida de pessoas idosas. Em 2005, com o boom na venda de DVDs falsificados chegou a ser notificado quando, na época, a Smic realizou ações em conjunto com a Brigada Militar para combater a pirataria, mas nunca teve algo apreendido. “Esse é o único lugar em que a Smic deixa trabalhar”, revela. Ele trabalha entre 9h e 18h, de segunda-feira a sábado. Deixou dois filhos que teve no relacionamento anterior, uma menina, hoje com 35 anos, que já morou no Estado mas voltou a São Paulo, e um menino, hoje com 33 anos, do qual Marco Antônio nunca mais teve notícias depois que deixou a cidade natal. “A mãe dele era policial, durona. Depois que terminamos, ela fez a cabeça dele. Quando vim pra cá, nunca mais os vi”, explica. O filho tem o mesmo nome: Marco Antônio.
Marco Antônio demonstra as mágicas dos brinquedos que vende em frente à Praça da Alfândega para chamar a atenção. Para quem comprar um produto, ele ensina como fazer
conta própria, mas aos 19 anos estudou na Escola Nacional de Desenho (ENDE), que funciona até hoje no mesmo local, na Rua Vigário José Inácio. Nunca casou nem teve filhos. Mora sozinho. Ele possui o cadastro da Smic, intitulado “Relação dos Artistas Plásticos e Ambulantes do Espaço Cultural Francisco Brilhante”, que garante o direito de expor e comercializar as pinturas que realiza a partir das fotografias dos clientes. Miguel deixa vários retratos de celebridades expostos ao longo do canteiro da praça, pintados a partir de imagens recortadas de revistas e jornais, para quem passar pelo local observar os desenhos e imaginar como ficaria um desenho realista a partir de uma fotografia.
Minuta da prefeitura tentou mudar a lei No dia 5 de março de 2014, foi sancionada, pelo prefeito José Fortunati, a lei 11.586, conhecida como a lei dos artistas de rua, que tornou menos burocrática e mais livre a ocupação dos espaços. Porém, em julho deste ano, houve uma tentativa de mudar o texto da lei, através de minuta do Executivo, que partiu do gabinete do vice-prefeito Sebastião Melo. As principais alterações eram a exigência de autorização, com dez dias de antecedência, para qualquer manifestação artística e cultural, alvará para comercialização de obras de arte e proibição do uso de instrumentos de percussão na rua. A medida, no entanto, não foi adiante devido à reação contrária dos artistas com apoio do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos de Diversões do Rio Grande do Sul (SATEDRS), que responde pelos profissionais de artes cênicas, circo e dança e pelos artistas de ruas que podem, inclusive, serem sindicalizados.
Sobre o SATED A sede fica na Praça Osvaldo Cruz, nº 15, sala 912, centro. Para informações sobre registro profissional na área artística e sindicalização, o atendimento é de segunda a sexta-feira, das 13h às 18h30min, pelo telefone (51) 3226-1921.
Sílvio Miguel Alves ocupa o Espaço Cultural Francisco Brilhante, onde faz retratos realistas de clientes
19
Fotos: Eliane Aires
“QUEM A TERIA ABENÇOADO?”
As Dores de Porto Alegre Dê o primeiro passo para conhecer os mistérios da igreja mais antiga da Capital
A Igreja das Dores é a única igreja de Porto Alegre remanescente do período colonial Eliane Aires
P
orto Alegre, a capital gaúcha de 243 anos, encontra no turismo uma grande saída para dar visibilidade aos encantos da cidade. Nela, as pessoas deparam com estádios de futebol, o mercado público e o centro histórico, museus e, ainda, igrejas com as mais variadas idades. Uma delas é a Igreja das Dores, a mais antiga existente em Porto Alegre. Sua construção teve uma longa trajetória. Até 1807, membros da irmandade adoradora de Nossa Senhora das Dores rezavam missas na Igreja Matriz, quando então resolveram construir o próprio templo, às margens do Rio Guaíba. “Esmolas” foram a base do levantamento da obra, que foi executada por operários contratados, mas também por escravos (na minoria). Reza a lenda que materiais de construção teriam faltado, o que condenou o escravo Josino, pertencente a Domingos José Lopes. No período da escravidão, muitos enforcamentos foram realizados no centro de Porto Alegre, e com Josino não foi diferente. Porém, no dia de sua execução, o escravo, alegando inocência, rogou uma praga ao seu senhor para que este jamais visse a conclusão das torres da Igreja. Lenda ou não, pois não há
nenhum documento que comprove a existência de um escravo chamado Josino, a praga se cumpriu e as torres só foram concluídas em 1901, quando Domingos já havia falecido. Atualmente, existe o Programa Monumenta, que foi implantado com o objetivo de restaurar o edifício, conservando seu valor cultural, já que a Igreja é a única do Rio Grande do Sul tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Segundo o historiador Fábio Kuhn, cabe destacar que ela é também a única igreja remanescente do período colonial, tendo sua construção finalizada no início do século XIX. Para a museóloga Caroline Zuchetti, responsável pela parte histórica das Dores, “a Igreja é um espaço diferenciado, pois possui um estilo eclético em que vários arquitetos deixaram um pouquinho de sua marca: luso-portuguesa colonial, gótica, rococó-barroca neoclássica”. Você também pode conhecer os encantos e as curiosidades da igreja mais antiga de Porto Alegre. Para isso, marque uma visita por telefone e confira ao lado tesouros que resistiram ao tempo e podem ser apreciados no local.
As peças sagradas e outros objetos, bem como o espaço reservado para o futuro museu, podem ser conhecidos pelo público em geral. Para isso, basta agendar uma visita na secretaria da Igreja das Dores pelo telefone (51)3228-7376. A igreja está localizada na Rua dos Andradas, número 387, no Centro da cidade.
20
Tesouros históricos 1. Castiçais:
Em 1871, a Igreja das Dores recebeu, diretamente de Portugal, 40 castiçais de madeira, dourados, que até hoje se encontram nos altares laterais e no trono do altar-mor. Seis deles foram adaptados, em 1872, para servirem de pedestais a crucifixos, postos em cada altar.
2. Imagem de Nossa Senhora das Dores:
Localizada na entrada lateral da Igreja, envolta por uma redoma de vidro, é uma imagem de roca, estilo barroco, com tamanho natural, medindo 1,25m, com rosto de porcelana, olhos de vidro e braços móveis. Foi doada em 1820, para substituir uma imagem de Nossa Senhora das Dores que incendiou no Consistório, no ano anterior.
3. Futuro museu
Este espaço será destinado à concretização de uma ideia antiga: um museu que guardará objetos de valor tanto econômico quanto pessoal de doadores. A realização da obra está em trâmite de aprovação pelo Iphan.