Revista 440Hz - Edição 1

Page 1

440 Hz

A RELEITURA NEGRA DE

CHICO BUARQUE

CONHEÇA A MONTAGEM DE

GOTA D’ÁGUA {PRETA}

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA

XENIA Onde não tem espaço, ela faz

MUSIC SHOW EXPO e ROCK BEAT SHOW SAIBA O QUE VAI ROLAR

FRANÇA

ESCOLA DE LUTHIERIA

Aprenda a fazer sua guitarra e violão



08

SUMÁRIO 06 CENA E ENSAIO 08 Mammah Trindade a Cantora de corpo e alma Uma combinação elegante de voz poderosa e personalidade forte 10 E Então se fez Hip Hop O som que mudou o mundo a partir das periferias tem seu endereço visitado 14 COZINHA 16 Uma artista que toca baixo Carol Navarro encara sua atuação e responsabilidade ao entrar na vida das pessoas 20 Steve Shelley DNA de músico O baterista do lendário grupo Sonic Youth e sua ligação com o Brasil 22 ME ACOMPANHE SE PUDER 24 A silibrina do filho de Tonheta Gabriel Nóbrega encerra hiato com composições que dão um tom refinado à música instrumental brasileira

24

26 Das primeiras notas à harmonia complexa: o jazz de Berklee Chega às livrarias brasileiras o Método Moderno de Guitarra de William Leavitt 30 Música artesanal Aprendendo a construir seu próprio instrumento nas escolas de luthieria 34 QUEM TEM VOZ 36 CAPA - XENIA FRANÇA Voz, atitude e muito trabalho para fazer uma música respeitada por sua força e cada uma das suas palavras 40 Mundo Bita O circo encantado de Chaps Melo A obra autoral de música infantil que também reapresenta clássicos para a criançada 42 UM POUCO DE MÁGICA

30 64

44 Bixiga 70 Da levada do reggae às tradições dos pontos de Candomblé e Umbanda, tudo é inspiração para a banda 48 DENTRO E FORA DO ESTÚDIO 50 Disco do mês Titanium – Tita Lima 54 Planeta Fome O álbum de Elza Suarez que reúne talentos para cantar o povo brasileiro 56 MUSIC SHOW EXP Fique por dentro do que vai acontecer na maior feira de música da América Latina 58 RESENHAS 60 SOBRE O PALCO 62 A Percussão Criativa de Orlando Bolão A felicidade expressa sobre o palco que transparece em sua batida 64 A descontrução necessária de Chico Buatque Constelação de talentos na montagem de Gota d’Água {Preta} que conta com Juçara Marçal 68 Dinossauro Dimelo – A Volta do Imorrível


EDITORIAL

440 Hz

Edição 1 - Set 2019

Diretora de Redação Ana Sniesko Editor-chefe Fernando de Freitas Assistente editorial Ian Sniesko

OS MUITOS CAMINHOS DISSONANTES Esta é uma edição sobre caminhos artísticos. Caminhos que levam à música ou trazem a música. Começamos e terminamos a revista com forte influência do teatro. Iniciamos com Mamah Trindade, que trouxe dos musicais sua forma de cantar e terminamos com a montagem de Gota d’Água {preta} , em que a cantora Juçara Marçal, pela primeira vez, interpreta um texto.

Arte e diagramação Dupla Ideia Design Direção de arte: Camila Duarte Diagramação: Tatiana Carline Revisão: Luis Barbosa Colaboradores Anneliese Kappey, Erico Malagoli, Herbert Allucci, Matheus Medeiros

Conversamos com Carol Navarro (Subercombo), Gabriel Nóbrega (Silibrina) e Xenia França – nossa capa! Cada um a seu modo falou sobre essa inevitabilidade artística que os levou a ser músicos, quem tentou fugir, quem nunca pensou e quem nunca pensou em outra coisa.

Anuncie comercial@revista440hz.com.br

Os discos que ouvimos esse mês estão na íntegra em nossa playlist! Tita Lima demorou 5 anos para completar seu Titanium, mas seu lançamento marca tantas libertações quanto se pode imaginar. E liberdade e muito mais é o que grita e pede Elza Soares em seu Planeta Fome.

A Revista 440Hz é uma publicação da Limone Comunicação Ltda.

Nas nossas tão queridas matérias técnicas, entrevistamos os professores de guitarra de Berklee sobre o lançamento de seu método de guitarra em português e visitamos duas escolas de luthieria com um vídeo exclusivo testando as guitarras da EcoGuitar. Nós adoramos fazer esse caminho e contar para vocês, espero que gostem de nos acompanhar. Boa leitura! Fernando de Freitas redação

edição

Rua Maranhão 1326 São Caetano do Sul, SP, CEP: 09541-001 contato@revista440hz.com.br



CENA E ENSAIO

LUGGO BAND

ESTRÉIA COM EP

A

cantora e compositora Laura Lugo buscou entre seus amigos quem embarcaria com ela na criação de uma banda de rock com influências do metal, de bandas tais como Linkin Park, Flyleaf, Halestorm e Paramore. Não rolou. Então ela decidiu encarar a empreitada sozinha, mas com a companhia esporádica de alguns amigos. A Carox Gonçalves, da banda Miami Tiger, e o Fernando Sanches, das bandas O Inimigo e CPM22, foram os produtores do primeiro EP da banda Luggo, intitulado “My Soul”. Além deles, o baterista Thiago Babalu, o músico e produtor Rodrigo Marques e o rec enginner Éric Yoshino toparam participar e contribuir para o lançamento do projeto. Laura adiantou para a Revista 440Hz que João Gallo (Família Vende Tudo) e Renato Benício assumirão as guitarras, enquanto a bateria está nas mãos de Lucas Braga (Parasol Luke). Dois nomes disputam o baixo e embreve eles terão uma definição.

Vale ouvir: open.spotify.com

Se você pretende fazer uma visita ao Oeste do Pará, a dica é dançar um carimbó, o ritmo amazônico que faz requebrar o mais duro dos esqueletos. O Espaço Alter do Chão, que fica na praia que leva o mesmo nome, é a pedida para um bom som e uma deliciosa gastronomia paraense. Outra novidade é a retomada da vertente mais cultural do Saiba mais em: Espaço. Diversas oficinas vêm espacoalter.com.br acontecendo desde julho, entre elas brega e carimbó, para quem quer mergulhar no som que faz o Norte balançar. Já para quem está longe, o Selo Alter do Som promove o fortalecimento e a divulgação de artistas da região, como o Grupo Kuatá de Carimbó, a cantora Cristiana Caetano e o instrumentista Duka. “Desde 2011, trabalhamos com artistas da região e temos encantado muita gente com música, especialmente o carimbó. Agora, todos podem escutar esses artistas nas principais plataformas digitais”, comenta Borô, idealizador do Selo Alter do Chão.

Fotos: Shutterstock, Divulgação, Daniel Gutierrez Govino e Igor Preciso

PARA DANÇAR UM CARIMBÓ


SEJA O QUE VOCÊ QUISER Se você sonha em estudar na Berklee essa Se você sente que o seu talento musical precisa ser levemente lapidado, algumas escolas bastante peculiares podem te ajudar a encontrar um caminho artístico. Escolha qual faz mais o seu tipo e manda bala.

Escola de Covers:

não basta ter gritado muito “toca, Raul!” para te validar como um bom intérprete do maluco beleza. A Escola de Covers oferece cursos online para ensinar técnicas para a caracterização fiel dos artistas. O primeiro deles será (adivinha?) um especial sobre Raul Seixas.

Academia do Rock:

se ainda te falta aquela postura roqueira, a Academia do Rock pode dar aquele empurrão. “Surgiu pela vontade de ensinar música com qualidade, em um ambiente inspirador e preparado para treinar o aluno para tocar com banda”, explica Marcelo Freitas, criador do empreendimento.

PRIMEIROS ACORDES Desde novembro de 2018, seis músicos da Nomade Orquestra, Samuca e a Selva e outras bandas ministram aulas de instrumentos de sopro (madeiras e metais) e percussão para moradores de Rio Grande da Serra (SP). Ao final da primeira fase, os estudantes formarão uma orquestra. “Os estudantes estão divididos em três turmas: instrumentos de madeira, de metais e percussão. A teoria tem sido passada para eles com base em um arranjo feito pelo professor Marco Stoppa para a música ‘Primavera’, de Tim Maia”, conta Victor Fão, curador do projeto. A proposta do projeto é dar um impulso inicial à carreira de jovens músicos e mostrar que eles precisam continuar estudando para se tornar grandes instrumentistas. O Projeto Primeiros Acordes é uma parceria da Aprisco (Associação de Presbiterianos para Inclusão Social e Comunitária em Defesa da Vida), Carbono 60 e Cult Cultura, com apoio da Prefeitura de Rio Grande da Serra e patrocínio exclusivo da Unipar.

OUSADIA E REVOLUÇÃO Unidos pelo amor ao rock, o estudante de arquitetura Gérson Conrad e o jornalista João Ricardo tinham uma estratégia para burlar a censura militar: musicar poemas de autores consagrados, como Manoel Bandeira e Vinícius de Moraes. O encontro com Ney Matogrosso, um jovem ator apresentado por uma amiga, não daria apenas origem ao Secos e Molhados, mas colocaria em curso uma pequena revolução na cultura nacional. Em sintonia com o que acontecia nos palcos londrinos e nova-iorquinos, a banda importunava a moral conservadora da época e levava a antropofagia musical ao cenário brasileiro. Primavera nos Dentes (Editora Três Estrelas), do autor Miguel de Almeida, traz uma série de fotos e depoimentos que revivem a época. À venda por R$ 69,90.


NOITE Por Ian Sniesko

E D A D N I R T H A MAMM A M L A E O P R O C E D A R O T N A C A

presenta a ta s ti r a a , o tr tea Com raízes no gante de voz poderosa e ão ele forte uma combinaç personalidade


M

ammah Trindade é uma cantora que irradia paixão pela música em cada nota e nuance de suas performances. Sua voz marcante carrega a energia, a emoção e a segurança de uma artista que sabe que veio ao mundo para cantar. Mammah começou a trabalhar como atriz aos 16 anos. Atuou em produtoras famosas como a MTV, Walt Disney e Discovery Kids; além de ter atuado nos musicais Bark!, do renomado diretor José Possi, e New York New York, dirigido por Marconi Araújo. O pano de fundo teatral e suas atuações, que em sua maioria continham partes cantadas, contribuíram, segundo Mammah, para que ela descobrisse na música a sua verdadeira paixão. Paixão esta que despontou em 2011, quando montou a sua primeira banda. É imprescindível citar, portanto, que Mammah, além de cantora, é uma performer. Ainda criança, foi muito bem influenciada: “Meu pai ouvia blues em casa, no carro, no almoço de domingo”, conta a artista, que também enumera como influências as vozes femininas poderosas de Elis Regina, Rita Lee, Madonna, Janis Joplin, Amy Winehouse e Florence Welch. Mammah recentemente lançou o seu single Freedom. A faixa carrega uma produção misteriosa e atmosférica, porém intimista; recheada de efeitos bem colocados e texturas que pavimentam o caminho para a letra. Na instrumentação, talvez o que chame mais atenção é a guitarra minimalista e bem colocada, que confere um brilho adicional ao charme do trio de baixo, bateria e percussão. Os vocais de Mammah Trindade são um show a parte. A cantora possui um alcance vocal bastante vasto, e alterna bem entre os registros baixos e altos na mesma frase melódica. Também faz uso preciso do belting, técnica vocal na qual o artista imprime toda sua força nos músculos do diafragma, causando maior projeção da voz. Apesar da técnica estar presente em quase todos os gêneros e ser comum na música popular moder-

ASS I TA

BELTING A TÉCNICA VOCAL DOS MUSICAIS

Instigados pela conversa com Mamah, quisemos conhecer mais sobre a técnica belting. Para isso, entrevistamos Adriana Barea, que dedicou sua tese de mestrado ao tema: 440Hz – Qual a origem da técnica belting?

na, ela teve sua origem no teatro, assim como Mammah. Se você também é vocalista, vale a pena aprender o belting. Atualmente, a artista se apresenta em diversos festivais de blues do país, e é a cantora residente do hotel Tivoli Mofarrej. Junto com sua banda, toca desde canções de jazz tradicionais até versões inusitadas de músicas famosas do rock e do pop, adaptadas para o gênero. A cantora participou, em 2018, do programa Canta Comigo, televisionado pela Rede Record, e cita a apresentação como o ponto de início definitivo da sua carreira. Mammah Trindade transmite musicalidade, positividade, inspiração e uma história de superação em suas letras e performances. Vale a pena procurar assisti-la ao vivo. Nós, da 440Hz, estamos ansiosos para ouvir novos trabalhos da cantora. A artista no momento prepara a versão em português do seu single Freedom, que será lançado ainda este ano. Você já pode ouvir a versão em inglês nas principais plataformas de streaming.

Adriana Barea – Maneiras de cantar análogas ao canto belting podem ser encontradas em várias culturas, como na música africana, no flamenco espanhol, nos mariachi mexicanos e nas canções religiosas do Oriente Médio. Nos EUA, ele teve sua gênese no teatro musical, mas contemporaneamente ele é encontrado na música gospel, no country e no pop/rock. 440Hz – Em linhas gerais, em que consiste a técnica? Como ela funciona no corpo de uma pessoa? Adriana Barea – É a possibilidade de a voz soar em uma região mais brilhante, em outras posições acústicas. A emissão é diferente aos ouvidos da audiência: há a “aparência sonora” de uma voz clara, metalizada, com alta projeção e inteligibilidade. Continue lendo a entrevista aqui Adriana Barea é bacharela e mestra em canto pela Unicamp e especialista em belting (USA). Atua, também, como diretora musical, preparadora vocal e arranjadora.


ORIGENS POR ANNELIESE KAPPEY

Z E F E S O E ENTร

P O H HIP undo a m o u o d u m e O som qu s tem seu ia r e if r e p s a d r parti do endereรงo visita


C

indy, a irmãzinha mais nova, queria dinheiro para comprar roupas na Delancey Street, no Lower East Side, em Manhattan. Seu irmão, que ainda era conhecido como Clive Campbell, planejou uma festa para arrecadar a grana. No dia 11 de agosto de 1973, as meninas pagaram 25 centavos e meninos pagaram 50 centavos de entrada. A atração principal? Duas turntables e um mixer. Dois álbuns idênticos e sem rótulo, para que ninguém soubesse o que estava rodando ali. O menino, então com dezesseis anos, fazia essa coisa de marcar a parte legal da música, o groove, sem a cantoria ou enrolação. A parte legal era marcada em ambos os bolachões de vinil. Quando a parte legal acabava do lado direito, ele colocava a agulha no lugar certo do lado esquerdo e soltava a mão. O volume de um lado no máximo e do outro no mínimo, essa coisa ia por quanto tempo fosse. A galera amava. A galera dançava. A galera fumava maconha. A galera gritava, animada. E ninguém tinha a menor ideia de que um fenômeno mundial começava ali. Também não poderia imaginar que uma indústria multimilionária estava por nascer em um bairro nova-iorquino que era, literalmente, negligenciado e esquecido por todos. Um bairro pelo qual, de tão pobre e tão negro, ninguém do mundo imobiliário se aventurava. Os edifícios, que ficavam vazios sem ninguém para alugar os apartamentos, acabavam em chamas porque assim os proprietários ao menos arrecadavam dinheiro das seguradoras. Quem tocava fogo nos tais prédios eram meninos adolescentes que, soltos na rua, vendiam drogas e participavam de gangues. Veteranos da guerra do Vietnã estavam voltando para casa com todo o terror e nenhum apoio de quem os mandara à guerra.


ORIGENS Do Bronx ninguém saía e, certamente, ninguém tentava entrar. Era assim. Os azarados que por ali nasciam faziam o que dava, e isso não era muito. Para se divertir, as pessoas dançavam em festas, e para animar as festas, alguns poucos que conseguiam comprar vitrolas e discos tocavam o que estivesse disponível. Quando o menino Campbell inventou a moda de cortar as músicas da maneira que bem entendesse, ele não tinha a menor ideia de que estava, de fato, revolucionando a indústria da música, para sempre. Naquela noite, então, as pessoas dançaram e a festa estava cheia. O convite tinha sido feito à mão. O prédio era um conjunto habitacional destinado àqueles que precisavam de auxílio com moradia. A mãe deles fez sanduíches e serviu refrigerante e cerveja para alguns. O endereço era 1520, Sedgwick Avenue.

QUANDO A MÚSICA TRANSFORMA

Existe uma lenda urbana sobre quem estava e quem não estava lá naquela noite. Mas La Rock estava. Sem planejar, ele, amigo do menino Campbell, quis animar a festa. Então, pegou um microfone e começou a “falar” com a galera. Nada de especial. Começou a dar comandos de “hey”, “vamos”, “dance”, “levante”, “isso aí pessoal”, “agora”, “quero mais”, “vamos lá”, “hey”, “legal”. Ele repetia estas palavras curtas com intenção e seguindo a batida da música que seu amigo estivesse cortando e repetindo, cortando e repetindo. Com este ritmo e esta “fala”, o hip hop nasceu na noite de 11 de agosto de 1973, na Sedgwick Avenue, número 1520, no bairro do Bronx, na cidade de Nova York. Campbell dormiu desconhecido e acordou DJ Kool Herc. Passou a ser contratado para tocar em praticamente todos lugares, por $150 dólares por noite. Todo mundo o queria presente, e quem não queria contratá-lo, queria certamente imitá-lo. As festas “get

down”, um nome que aconteceu por causa das pessoas que adoravam dançar breakdance - literalmente, a dança do “break” na música - estavam por todos os lugares. As festas acenderam chamas por todo o Bronx, mais rápido que os meninos queimando prédios para sacanear as companhias de seguro. Levaria anos para que chegássemos até o ponto de conhecer a música gravada por The Sugarhill Gang, “Rapper’s Delight”, lançada em 1979. “Rapper’s Delight” tem mérito de ter sido a primeira gravação a atingir ouvintes fora dos limites do Bronx ou Harlem ou Brooklyn. E foi o blecaute que aconteceu no verão de 1977 que construiu uma ponte entre as festas underground que estavam acontecendo por todo o Bronx e a gravação e o lançamento de “Rapper’s Delight”. Por dois dias e noites inteiros, a cidade não tinha luz. Todos os bairros, com exceção de uma pequena parte do sul do Queens, estavam no escuro. O verão daquele ano foi um dos mais quentes já registrados e os verões na cidade de Nova York são famosos por serem absolutamente terríveis, quentes, infernais, úmidos, sem lugar para escapar além de algumas poucas praias lotadas. Nos dias 13 e 14 de julho, a utilização indiscriminada de ares-condicionados e ventiladores em todos os lugares, initerruptamente, provou ser mais do que a rede elétrica da cidade podia aguentar. Tudo se apagou. A cidade, que constantemente cortava fundos do Bronx antes de qualquer outro lugar (as pessoas de lá importam menos do que as pessoas de, por exemplo, Manhattan), havia cortado verbas dos departamentos de polícia e bombeiros. No escuro, no suor, no cansaço, na desmoralização, na falta de paciência, na falta de chance, na falta de educação e atenção adolescentes no Bronx quebraram vitrines com tijolos. Quais vitrines eles quebraram? As das lojas de eletrônicos e lojas de disco.

Levaram tudo o que puderam carregar. De repente, depois dos dois dias no escuro naquele verão dos infernos, a luz no fim do túnel apareceu para vários. O Bronx tinha agora vários DJs novos, do dia para a noite. O fogo do Bronx espalhou-se rapidamente. Nas comunidades negras em todo o país, ao final dos anos 70 e começo dos anos 80, se multiplicavam festas e DJs e nascia a “cena hip hop”. As diferenças regionais e estaduais começaram a aparecer, naturalmente, cada área refletindo seus próprios sons, experiências e influências culturais. A música sempre esteve diretamente ligada à dança, e os DJs muitas vezes criavam os nomes dos movimentos que viam nas pistas de dança. A arte do grafite e o “tag” de cada artista e gangue também indicavam quais territórios pertenciam a quem. Hip Hop nunca foi isolado. Sim, o som específico e o formato de ritmo e palavras foram criados naquela noite pelo DJ Kool Herc, mas a dança, as roupas, a arte de rua, a atitude são importantíssimos aspectos até hoje. É a voz de quem tem que gritar para ser ouvido. É o isolamento nos guetos e decadência de quem está exausto de viver num mundo que parece não ter sido feito para quem ouse vir a este mundo coberto de melanina. Aquela noite, aquela comunidade, aquele bairro, aquela cidade mudaram o mundo. Se hoje existe a menor chance de que um dia veremos igualdade num país incrivelmente racista como os Estados Unidos, a grande razão talvez esteja exatamente ligada ao fato de o Hip Hop ser hoje tão comum. Quando brancos começaram a ouvir, ou melhor, quando os filhos dos brancos começaram a ouvir, dançar, vestir e falar Hip Hop, a conversa teve que acontecer, mesmo que a contragosto. Agora estava ali, na casa do branco - a cultura tão diferente da sua, tão alta, tão explícita, tão cheia de cor e batuque - e o branco não teve mais


, então, Naquela noite çaram as pessoas dan a e a festa estav e cheia. O convit à tinha sido feito era um mão. O prédio acional conjunto habit eles que destinado àqu auxílio precisavam de A mãe com moradia. íches deles fez sandu te eran e serviu refrig alguns. e cerveja para 1520, O endereço era e u Sedgwick Aven como ignorar quem estava criando e vivendo esta cultura. Se o diálogo não está nem perto de ser resolvido, pelo menos o Hip Hop fez com que comunidades inteiras em todo o país fossem, forçosamente, vistas. Kool Herc só dá entrevistas se for pago. Cansou de ter essa história contada por quem quer que fosse da maneira que fosse e sem nenhum crédito verdadeiro a ele. A história se repete - teve um Elvis, um dia, que podia dançar do jeito negro, mas era branco, então podia. Agora tem Miley Cyrus com a língua de fora seminua e ela pode, porque é branca. As letras de música que outrora mandaram vários homens negros à cadeia, como no caso das festas em Miami, Flórida, agora são cantadas com os mesmos palavrões por vozes brancas. O prédio da Sedgwick Avenue o homem branco também quis comprar. Tombado pela prefeitura como lugar histórico, com a benção do New York Times, que reconheceu o endereço como o local de nascimento do Hip Hop, o prédio agora está seguro e famílias de trabalhadores moram lá, como sempre foi. Pelo menos por enquanto, esta batalha está vencida.

A colunista Anneliese Kappey visitou o endereço em que surgiu o Hip Hop.


COZINHA

CRIATIVIDADE

É P O U CO

O

paulistano Tony Daniel conta que sua carreira de músico profissional começou aos 13 anos. Depois de muitas andanças, ele criou um instrumento e, de quebra, um novo estilo musical. O Ripaton é um objeto de percussão que pode ser tocado em pé ou sentado. É uma espécie de atabaque cheio de recursos. Segundo o criador do Ripaxote, o instrumento pode ser adaptado a qualquer estilo musical. Tonico, que também já levou o Ripaton para a avenida com a X9 Paulistana, em breve lançará o EP Extravase.

Estamos acostumados a ver plugins de baterias acústicas com um formato padrão, mas o IK Multimedia Modo Drum vai além, ao possibilitar a personalização. O kit conta com 10 peças e você pode ajustar o tamanho e a tensão, bem como os perfis de concha e o estilo de reprodução. Também é possível ajustar os pratos, ajustar o amortecimento e alterar o espaço em que sua bateria está instalada usando a seção Sala. Os kits são projetados para serem usados em uma ampla variedade de estilos musicais - do jazz ao grunge. O Modo Drum também inclui um mixer abrangente, completo com 19 processadores de estúdio do software T-RackS e AmpliTube da Saiba mais em: IK. Está disponível para PC e Mac, sendo executado como um plug-in e de ikmultimedia.com forma autônoma. Está disponível pelo valor inicial de US$ 299,99.

Fotos: Divulgação

INOVAÇÃO NA BATERIA ELETRÔNICA


HEAVY METAL NO NORTÃO DO PAÍS Ao menos 200 músicos de Alta Floresta, Nova Mutum, Matupá, Colíder e Sorriso, entre outras cidades do Nortão, devem participar do curso intensivo com Aquiles Priester, que é considerado, há 17 anos, o melhor baterista de heavy metal do Brasil pelas principais revistas e sites especializados. Durante o workshop, Priester tocará músicas e falará sobre o mercado e como traçar metas para uma carreira musical de sucesso

RED HOT CHILLI PEPPERS NA LITERATURA Flea, baixista do Red Hot Chili Peppers, anunciou o lançamento da sua autobiografia, Acid For The Children, que acontecerá em novembro. Com prefácio escrito pela icônica Patti Smith, o livro de memórias promete muito mais do que fofocas do mundo do rock. Segundo Flea, a literatura é a sua paixão e os livros são sagrados. “O livro leva os leitores a uma viagem profundamente pessoal e reveladora dos anos de formação de Flea, indo da Austrália aos subúrbios de Nova York e, finalmente, a Los Angeles “, já anuncia a sinopse oficial da obra.

BATUQUE BRASILEIRO NA TELA Percussão é o tema do terceiro episódio da trilogia dedicada aos luthiers do país. Percussão – o som da biodiversidade nativa, documentário exibido pela TV Brasil, traz a história de nomes tipicamente nacionais. Toshiro, Zé Benedito, Foguete Barreto, Leandro César e Luhli (in memoriam), contam como a prática do ofício teve início, as técnicas adaptadas para os dias de hoje, além dos materiais utilizados para se construir um instrumento. Madeira, bambu, coco e sementes são amplamente utilizados nesta produção, além de outros como alumínio e PVC. Segundo Zé Benedito, muitos deles “soam o som da biodiversidade nativa”. O episódio conta, também, com a participação de Robertinho Silva, Lucina Carvalho, João Paulo Drumond e Ding Dong. A boa notícia é que dá para assistir pelo site da emissora.


CONTRABAIXO Por Fernando de Freitas

A M U M E O X I A B A C O T E U Q A T S I UMA ART

K C O R E D A D N BA

“F

oi por tesão que comecei a fazer música” diz Carol Navarro, “mas, atualmente, não quero somente ser a baixista do Lipstick ou do Supercombo. Quero poder fazer muitas outras coisas que me dão tesão”. E, embora não tenha nenhum projeto paralelo com a estrutura atual da banda, ela fundou e acompanha um grupo de mulheres musicistas, podendo, neste ponto da carreira, aconselhar as que estão iniciando. Também ataca eventualmente de DJ na noite, apresenta palestras sobre os assuntos que lhe afetam e ainda assume o papel de empreendedora e empresária junto de seus colegas de Supercombo. Sua atitude é clara, como musicista ela se expressa de uma forma que é possível e lhe dá prazer. É a busca de um caminho próprio. Mas não é uma musicista como outras, cujo trabalho é empregar seu talento tocando com uma banda de jazz numa noite, noutra com uma de samba, gravar com uma banda de rock num dia de sertanejo no outro. Ela olha para si mesma como uma artista, que toca baixo em uma banda de rock e tem nisso sua principal, mas não única ocupação. O caminho de Carol começou quando um professor da escola de música em Santo André, cidade da grande São

Paulo onde nasceu, juntou cinco meninas para tocarem juntas em aula de prática de banda. Esse grupo se tornou a base do que tornaria o Lipstick, a banda em que ela ficou por dez anos. “Nós começamos a querer tocar fora da escola, então passamos a frequentar a cena da cidade. A nossa vocalista acabou indo para uma outra banda, que estava começando um trabalho autoral e eu convidei uma menina da escola” e, aos poucos, a carreira foi tomando forma. “Quando acabou o colégio, eu já estava tocando com o Lipstick. Os meus amigos começaram a fazer faculdade e eu tocando na noite, viajando. Comecei a estudar no Conservatório de São Caetano, mas nunca fiz faculdade propriamente dita”. O Lipstick assinou com um selo de uma gravadora, que prometeu cuidar delas. Mas “cuidar delas”, nas palavras de Carol, acabou significando uma atitude condescendente que era agravada pelo fato de sua banda ser formada por mulheres. Se por um lado, ela se sentia confortável em lidar com assuntos “pouco artísticos” como ECAD, royalties, divisão de lucros, por outro, o desconforto apenas crescia com a sensação de falta de controle do próprio ganha-pão. Quando isso acontece, outros sentimentos afloram e, quando se tornou insustentável, recebeu o convi-

te para entrar no Supercombo. Ali a estrutura era outra. O controle era outro. A ponto de hoje a banda contar com seu próprio selo. “A primeira vez em que alguém chamou minha música de produto foi um choque. Era uma coisa, mano, isso é minha arte. Depois fui entendendo que tem um lado que é minha arte. Tem outro que ela se torna um produto que preciso vender” e, desse jeito, Carol mistura gírias do mundo musical com jargões do mundo de negócios para explicar que seu dia a dia “não é só ir lá e fazer o gig. É show numa noite, borderô no dia seguinte, show no outro, estrada, borderô na volta”. Mas, nessa estrutura, ela se desenvolveu como artista. Após a gravação de dois álbuns com o Supercombo, o ambiente parecia mais propício para Carol mudar algumas coisas. Ela aproveitou o momento em que abriram o novo selo para levar todo mundo junto ao estúdio. Os álbuns anteriores eram gravados em partes, pois, segundo ela, “eles são ótimos produtores” e era gravado tudo de forma caseira. Com todos juntos, ela também colocou mais de si nas canções. Era hora de a banda assumir responsabilidade sobre o que produzia, a música passou a ter mais esperança ao tratar da tristeza. Mas também os temas políticos e sociais

Fotos: Divulgação

a atuação e u s a r a c n e o r r Carol Nava a vida das n r a tr n e o a e d responsabilida ue produz. q pessoas com o


A primeira vez em que alguém chamou minha música um de produto foi a choque. Era um é so coisa, mano, is minha arte.” passaram a aparecer, reflexo de sua atuação fora dos palcos amplificados. E, em certo ponto, marcou posição: o lugar de fala da mulher é dela, certas músicas ela deveria cantar, ela não queria que outro homem a representasse no que lhe dizia respeito. Apesar de não esconder a admiração a seus colegas de banda - “Os caras são incríveis, ninguém chega com um riff para desenvolver! Quando vemos, os caras chegam com a música pronta. Arranjo de guitarra, levada de bateria, linha de baixo, timbres. As demos já são pré-gravações muito qualificadas!” -, o momento de Carol como artista a movia a ocupar um papel mais ativo. “Nesse álbum, com todo mundo lá, eu

me senti mais a vontade para brigar para timbrar meu baixo de um jeito diferente, para alterar uma linha ou outra de baixo que eu achasse necessária”.

VONTADE DE FAZER DIFERENÇA

Dizer que Carol é do ABC paulista significa muita coisa. A região é polo da indústria automotiva e, guardadas as devidas proporções, uma espécie de Detroit brasileira encostada na capital do Estado. As coincidências não se encerram com o chão de fábrica da Ford: o ABC é a casa de uma classe média operária intimamente ligada às variações econômicas do país. Não por acaso, também é celeiro de muitas bandas e músicos de rock. A música que o ABC e a periferia de São Paulo produziu a partir da década de 80 é a contraposição ao desbunde do pop-rock bem produzido, de classe alta e intelectualizado que predominou nas rádios e que, ainda hoje, é a grande referência de rock nacional. Apenas como exemplo, a banda Garotos Po-

dres é de São Bernardo do Campo e o guitarrista Andreas Kisser é de Santo André, tendo se mudado para Belo horizonte para tocar com o Sepultura. Três décadas depois, a reminiscência desse espírito está em Carol Navarro. Não há qualquer toque de deslumbre em sua posição de artista. Seu lugar no palco é transitório e ela se vê na plateia representada pelas pessoas que vão assisti-la, da mesma maneira que o seu público a vê sobre o palco. A relação de identificação é a mesma. E, ao saber que poderia estar ela mesma na plateia, sente-se responsável por sua música, “as pessoa ouvem as nossas músicas e se identificam, ela vêm nos dizer que aquela música ajudou em um momento ou em outro da vida, para mim se tornou importante transmitir uma mensagem positiva”. A estética, o contexto, as condições mudaram, mas o espírito de transformação social é exatamente o mesmo. Vem da consciência de que entre o artista e o público só há a diferença de escolha de ofício.


CONTRABAIXO

PAPO DE GEAR “Meu primeiro baixo eu comprei de um amigo. Era um Phoenix que custou 150 reais”, conta Carol com um certo carinho àquele instrumento. Passou a endossar algumas marcas, até que chegou o momento em que quis ter a liberdade de escolher seu instrumento. Quando encontrou um baixo Itália usado, foi paixão instantânea. O encontro com o baixo da marca californiana coincidiu com um momento em que a banda ganhou popularidade e Carol costumava taggear a marca nas redes sociais. A fábrica, que nunca teve representantes comerciais na América do Sul, percebeu um crescimento de popularidade na região diretamente relacionado à artista e, para surpresa dela, a convidaram

para fazer parte dos artistas da casa. Para se ter uma ideia, ela divide, de igual para igual, a página de abertura da marca com Jeffrey Foskett, guitarrista dos Beach Boys e, ainda que seu contrato tenha se encerrado e a marca nunca tenha se estabelecido no Brasil, a marca mantém boas relações com Carol e tem muito orgulho de estar relacionada à artista. São muitas as fotos de Carol com os modelos Imola e Maranello e é bem possível que eles tenham marcado a estética visual e musical dela nos últimos anos. Mas também é possível encontrar vídeos dela com um Yamaha em punhos. Mas sua mais nova paixão, e talvez a paixão de todo baixista em algum momento, é o Hofner Violin preto que ela

adquiriu recentemente. Como o corpo é oco e extremamente leve, ela ri: “parece até um brinquedo”. O caminho já ficou claro: para além dos modelos tradicionais, depois que encostou o Yamaha com o qual tocou muitos anos, “acho que não vou ter Fenders ou Gibsons, minto, acho que um Mustang talvez eu tenha um dia”. Carol também se empolga com os pedais. Atualmente, a banda usa pedais da Moeer e está experimentando pedais da Pink Snow Effects, que parecem divertir especialmente a baixista por conta dos fuzz. Assim, a sonoridade varia entre escolhas de efeitos de prateleira e outros handmade, o que combina com a própria proposta estética da banda, que está entre o pop e o alternativo.



BATERIA

Y E L L E H S E STEV

Por Ian Sniesko

O C I S Ú M DNA DE

O baterista do lendário grupo Sonic Youth e sua ligação com o Brasil.


Foto: Passetti on VisualHunt.com / CC BY-NC-ND

S

e você é fã de rock alternativo e/ ou viveu na década de 90, certamente conhece o Sonic Youth. Formado por Thurston Moore, Lee Ranaldo, Kim Gordon e Steve Shelley, a banda rompeu as barreiras entre o que é música e o que é apenas ruído e emplacou hits noventistas como “Kool Thing”. Hoje, é raro ir a um festival de música alternativa e não ver ao menos uma camiseta estampada com a capa do clássico álbum “Goo”. Também é provável que conheça a história de Moore e Gordon (do namoro, casamento e divórcio, principalmente depois da excelente autobiografia dela). Assim, enquanto integrantes trabalham em seus próprios projetos – Moore, Ranaldo e Gordon seguem carreira solo –, Shelley grava e viaja com as bandas Sun Kill Moon, Riviera Gaz e Gata Pirâmide; as duas últimas brasileiras. O baterista possui uma identidade digna de destaque, e muitas vezes subestimada – claro, é difícil concorrer com as guitarras barulhentas de Thurston Moore e Lee Ranaldo –, mas o ouvinte cuidadoso percebe que sem a percussão de Shelley não existiria uma base para o Sonic Youth. Os detalhes das batidas não podem passar desapercebidos, ora apresentando assombrosas arrastadas de baquetas com cerdas (ouça: “Hyperstation”, do álbum “Daydream Nation”), ora rápidas e precisas de punk (ouça: “Kool Thing”, do álbum “Goo”), que destacam o coração de uma banda vibrante. Sua identidade própria não vem do acaso, antes de integrar o Sonic Youth, em meados de 1985, Steve Shelley fez parte do Crucifucks, uma banda com um estilo que transitava entre o hardcore e o post-punk, de batidas rápidas, guitarras ardentes e letras de protesto. Depois de tentar obter, sem sucesso, uma vaga como baterista da banda L-Seven, o músico partiu para Nova York para assumir as baquetas do Sonic Youth.

A onipresente capa de Goo estampada na fachada de um bar na alemanha.

O BATERISTA DA CASA AO LADO A figura de Steve Shelley em nada se assemelha ao clichê de um músico do underground dos anos 80 e 90. Nossa imaginação voa entre Dave Grohl e Tommy Lees, mas Shelley parece mais o cara que ouve e toca música alta na sua vizinhança e que, depois, a gente encontra na fila do mercado. O corte de cabelo se assemelha ao dos fãs dos Beatles, muitas vezes combinados com óculos redondos e meio sem estilo e camisas de manga curta e xadrez. Os anos deixaram a aparência dele também mais rechonchuda, fazendo o baterista se tornar ainda mais “gente como a gente”, na contramão de outros músicos veteranos cujos anos parecem impor cada vez mais uma aparência flamboyant. Mas este jeito de ser combina com seus projetos paralelos, como a gravadora independente Smells Like Records ou a Vampire Blues Records, que são, no fim das contas, formas de usar as próprias conquistas para divulgar a música que ele ama. É com essa mesma liberdade que Shelley vem escolhendo os projetos dos quais participa ativamente como músico.

LIGAÇÃO COM O BRASIL

A ligação do baterista com o Brasil nasceu em 2013, quando o músico veio acompanhar Lee Ranaldo em turnê e acabou por conhecer o guitarrista Guilherme Valério. Já em 2015, na sua segunda vinda para terras brasileiras, Shelley foi convidado por Valério a integrar o seu projeto chamado Gata Pi-

râmide. O Gata Pirâmide é formado por Shelley, Guilherme Valério (HAB), Paulo Kishimoto (Forgotten Boys) e Jozé Barrichello (Jennifer Lo-Fi). Shelley é um nome de peso. Era, portanto, previsível que as apresentações do projeto de Valério atraíssem um número considerável de fãs da banda nova-iorquina. Nas divulgações do show, era o nome do baterista que aparecia em destaque, na maioria das vezes. Por essas e outras, a proposta improvável à primeira vista, é digna de causar dúvidas: “O que o baterista do Sonic Youth faz por aqui, em terras brasileiras?”; a resposta, inesperada: nada mais nada menos do que lhe é esperado como baterista do Gata Pirâmide. O ritmo conduzido pelo músico também traz a essência da diversidade de Shelley: em muitas músicas, a batida é suingada, suave e apresenta percussão, remetendo ao jazz, ao blues e até mesmo a sons tipicamente brasileiros. Todo esse suingue também concede um bom acompanhamento para a kalimba, instrumento atípico que frequentemente ganha destaque no som do grupo. Apesar do som atmosférico e mais suave do Gata Pirâmide, o baterista também consegue imprimir na bateria a força que desenvolveu em seus anos na cena punk. Sem demandar holofotes para si, sem solos complicados e demorados de bateria, Shelley está ali para participar da banda como um todo. E este é o ponto mais interessante do projeto: uma lenda humilde do underground tocando ao lado de jovens artistas brasileiros.


ME ACOMPANHE SE PUDER

VOCÊ VAI QUERER ESSA

TELECASTER

D

epois do sucesso da linha American Acoustasonic Telecaster, a Fender anunciou três novas tonalidades para o modelo – koa ziracote e cocobolo. Além do novo corpo com esses tons, as novas guitarras carregam as mesmas características originais – um corpo Tele totalmente oco, com um contorno integrado no antebraço, além do sistema de ressonância de instrumentos de cordas característico da marca. Ainda leva um motor acústico projetado por Fender e Fishman, que traz um botão giratório Mod que seleciona e combina vozes. Essa belezinha ainda não é vendida no Brasil, mas vale dar aquela namorada se você for para a gringa.

Desde que anunciou sua recuperação judicial, todas as notícias sobre a Gibson são acompanhadas com lupa pelos adoradores de guitarra. A empresa causou polêmica recentemente, após o vazamento de um vídeo onde centenas de guitarras do modelo Firebird X foram completamente destruídas. O CEO, James Curleigh, se apressou em dizer que os instrumentos apresentavam problemas técnicos, o que impossibilitava uma doação para instituições filantrópicas, por exemplo. Para os seguidores da marca, eles anunciaram uma nova coleção que promete arrebatar corações. Estamos de olho!

Fotos: Divulgação

UMA GIBSON DESTRUÍDA? OH CÉUS!


ORQUESTRA DE UM PIANO SÓ

Fotos: Arquivo Pessoal/Adriane Singh

Se você pensa que uma orquestra precisa de muitos instrumentos para acontecer, engana-se. A PianOrquestra mostra que Acompanhe a agenda em: basta apenas um exemplar para pianorquestra.com.br conquistar plateias e até mesmo prêmios. O grupo carioca formado por quatro pianistas e uma percussionista leva ao palco o espetáculo “Timeline”, que reúne clássicos da MPB e sucessos internacionais. Na apresentação, os criativos instrumentistas transformam o piano em uma orquestra extraindo a dez mãos timbres diversos com o auxílio de vários objetos.

11 ANOS E UM PRÊMIO EUROPEU

VIOLA VERDE E AMARELA

Théo Siqueira de Proença Singh tem 11 anos e poderia ser só mais um estudante do Ensino Fundamental. Porém, o pequeno morador de Sorocaba (SP) tomou gosto pelo piano e surpreendeu os pais ao ser convidado para participar do 9º Concurso Internacional de Piano Maria Herrero, em Granada, Espanha. O prodígio levou o primeiro lugar na categoria infantil B, de 11 a 13 anos, além do prêmio de musicalidade. Orgulhosa, a mãe contou que passou um filme na cabeça lembrando dos CDs do ‘Baby Mozart’ que ele ouvia ainda na barriga.

Depois de se debruçar sobre o tema em sua tese de doutorado, o músico e pesquisador Roberto Corrêa transformou o trabalho no livro Viola caipira: das práticas populares à escritura da arte (Editora Viola Corrêa). Na obra, Roberto apresenta a trajetória recente da viola, dando ênfase ao que o autor chama de ‘avivamento’ dos últimos anos, mostrando a força do instrumento no Brasil. “O nosso objetivo é mostrar o percurso da viola caipira, das práticas musicais populares, incluindo as tradicionais, à escritura da arte, identificando as ações que nortearam sua grande difusão em um movimento cultural que teve início na capital do estado de São Paulo e se alastrou por todo o país”, conta. O livro pode ser encontrado em lojas virtuais com entrega para todo o Brasil.


PIANO Por Fernando de Freitas

A N I R B I L A SI

A T E H N O T E DO FILHO D

Depois de crescer em meio as artes e o palco, Gabriel Nóbrega encerra hiato com composições que dão um tom refinado à música instrumental brasileira


G

abriel se sentou ao piano e mostrou ao pai, o artista Antônio Nóbrega, suas composições que viriam a ser o primeiro álbum do Silibrina. Ele havia abandonado a música aos 18 anos por um “emprego sério”, a contragosto do pai. E, naquele momento que marcava o seu retorno ao universo ao qual este tanto o queria trazer, uma coisa ficou bem clara: seu pai não gostou das músicas. “Meu pai me moldou no músico de que ele precisava. Ele me levava nas rodas para eu aprender e com 12 anos eu passei a tocar na banda dele”, conta o líder do Silibrina. “Eu tinha uma formação clássica de piano, tocava frevo e outros ritmos com meu pai e rock numa banda de amigos, que era uma forma de me enturmar, mas eu nunca tocava aquilo que ouvia”. Os seus pais são os multiartistas que fundaram o Instituto Brincante. A mãe, Roseane Almeida, é bailarina de formação, mas também atuou como atriz e artista circense. Seu pai é violinista, dançarino, ator, professor, pesquisador, entre tantos talentos que lotam casas de espetáculo. E nessa família, Gabriel precisou de um hiato após a adolescência nos palcos.

SILIBRINA: UMA BANDA ESCOLHIDA A DEDO

Tendo composto e arranjado todas as músicas de seu primeiro álbum, O Raio, Gabriel Nóbrega passou a procurar os músicos para gravar as músicas de acordo com o som que ele procurava. “Eu não conhecia nenhum músico antes de contratá-los, nem eles se conheciam entre si. Da formação que gravou primeiro álbum para a que gravou O Estandarte, praticamente todos os músicos mudaram, mas a banda adquiriu entrosamento e os músicos passaram a se sentir mais confortáveis dentro daquilo que compus”. Após a gravação do segundo álbum, o Silibrina fez alguns shows no Brasil e partiu para uma turnê internacional, que incluiu Canadá e Europa. No Festival de Jazz de Toronto, recém-chegados de viagem e ainda meio amassados pelo voo, os músicos não se

avexaram e botaram para quebrar. A música instrumental de cores completamente diferentes de tudo que era tocado ali começou a chamar atenção, talvez pelos ritmos ou pelos arranjos, mas o inusitado aconteceu. Aquela banda brasileira, quase desconhecida, ofuscou a atração que tocava no palco principal e Gabriel e sua trupe foram chamados para mais uma apresentação no dia seguinte, com status de banda grande e um belo destaque. Mas o que o som do Silibrina tem de tão diferente? “É música brasileira instrumental”, diz o compositor e pianista. “É um apanhado de tudo que ouvi na vida, que estudei”, e se sente à vontade quando chamam de jazz. Uma das comparações mais comuns é com a banda de jazz fusion Weather Report, o que surpreendeu Gabriel. “Até parece mesmo, mas eu não conhecia a banda antes da comparação. Aí fui ouvir e fiquei com a sensação de que tinha algo em comum”. Claro que tem! Na superbanda de jazz tocaram uma porção de percursionistas brasileiros, tais como Airto Moreira e Dom Um Romão, e a percussão é exatamente onde ele iniciou sua carreira musical. Existe uma identidade que se forma, ainda que agora se apresente no piano. Na Europa ele se sentiu acolhido. Tocando ora em festivais, ora em pequenas casas que eram bares de música. Sempre causando estranhamento por onde passava, mas garantindo a conquista do público. As pessoas nunca esperavam o que eles entregavam, o Brasil ainda é um país meio idílico em alguns lugares, associado ao samba e à bossa nova. Mas sempre existia uma identificação. “No Leste Europeu, eles têm as fanfarras”. Gabriel Nóbrega deixou a percussão e se sentou ao piano para compor música instrumental que conquista o público por onde passa. E Antônio? Se rendeu? “Quando meu pai viu o primeiro show, com a banda completa, ele gostou. Ali ele entendeu o que eu estava fazendo”.

oldou Meu pai me m e u no músico de q Ele ele precisava. as rod me levava nas er para eu aprend eu e com 12 anos na passei a tocar banda dele.”


ESTUDOS Por Ian Sniesko e Fernando de Freitas Entrevista e tradução Ian Sniesko

Chega às livrarias brasileiras o Método Moderno de Guitarra de William Leavitt

S A T O N S A R I E M I R P DAS A X E L P M O C A I N O M À HAR E E L K R E B E D O JAZZ


Q

uando um livro como o Método Moderno de Guitarra, de Willian Leavitt, da Berklee, é editado em português, há motivo para se comemorar. Quando esta edição é realizada pelas mãos cuidadosas da Passarim Editora, o momento é de organizarmos uma “festa de arromba”, como diziam os precursores do iê-iê-iê no Brasil. Tão rica quanto a MPB eram os songbooks dedicados a ela, como, por exemplo, os organizados por Almir Chediak. Porém, quando saíamos um pouco dela, a solução era os livros importados, o que fazia dos estudantes não apenas bilíngues em português e inglês, mas também em cifras, além de aprender a ler partituras. Ou seja, era um estudo que envolvia praticamente cinco “línguas”. As traduções, escassas, eram, na maior parte das vezes, feitas por revistas. Algumas cifravam como os anglo-saxões, outras usavam o sistema brasileiro. Apesar de muitos méritos e esforços, as traduções nem sempre tinham qualidade, eram confusas e caiam em falsos cognatos. E na internet, logo que começamos a estudar por ela, descobrimos que tem muita coisa errada na rede, para desespero dos professores mais sérios. Assim, logo no primeiro contato com o livro, percebemos que os tradutores - Álvaro Kapaz, Cleber Alvez e Peter Dietritrich - são fluentes nessas cinco línguas e capazes de trazer para o Brasil uma obra como essa em um formato acessível à leitura do estudante de música. Também é impressionante, na empreitada, a disposição de se publicar todo o método em um só tomo e agradável para quem já está acostumado a encontrar volumes alternados de outros livros anos após sua publicação.

ESTUDE NA ORDEM E APRENDA A LER MÚSICA

Ao adquirir um método, estamos entrando no universo e temos que ter confiar em quem o criou. É um trato que firmamos com o autor, ele nos guiará pelo que ele acredita ser a melhor forma de estudar. Logo no índice está expresso “É importante que você estude o material que segue na ordem apresentada”, e deixa a impressão de ser um pedido sem concessões, permissões, ou seja, mesmo que você seja um estudante avançado, que tal voltarmos um pouco e reaprender para entrar nesse universo de aprendizagem? Originalmente lançado em 1966, o Método Moderno para Guitarra, de William Leavitt, professor da renomada Berklee College of Music, se estabeleceu como o padrão dentro da instituição.

O método é dividido em uma coleção de três livros e conta com guias e informações úteis tanto para o guitarrista iniciante quanto para o músico experiente. As seções tratam desde o posicionamento dos dedos até escalas e acordes avançados. Logo na introdução, o autor descreve seu objetivo com a obra: “Ensinar os estudantes a lerem música e o desenvolvimento gradual da destreza em ambas as mãos”. Outra característica da obra que devemos apontar: todas as músicas apresentadas ao longo das centenas de exercícios e 120 faixas de áudio (disponíveis para download mediante senha) são de autoria do autor e exclusivas da publicação. Segundo Leavitt, “não se aprende a ler música tocando melodias que já conhece”. As músicas contam, ainda, com a vantagem de terem sido com o propósito do ensino do instrumento.


ESTUDOS

LARRY BAIONE

Larry Baione é professor emérito do Departamento de Guitarra da Berklee College of Music. É membro da faculdade desde 1974 e é professor titular desde 1990. Estudou com Lenzy Wallace, Mick Goodrick, Bill Harris, Willians Leavitt, Bucky Pizzarelli e Jim Hall. É bacharel em música pela Berklee e tem mestrado pela New England Conservatory. Após se graduar na Berklee, Larry foi o guitarrista principal na banda do exército, em Washington D.C. Tocou por todos os Estados Unidos, até mesmo na Casa Branca, com os Army Blues. Larry é o autor dos livros A Modern Method for Guitar Scales e Berklee Practice Method for Guitar. Gravou 14 horas de vídeo instrucionais e mais de cem horas de faixas de áudio que acompanham os livros de autoria de seu mentor, William Leavitt. Baione já se apresentou em inúmeros conjuntos de jazz, shows e gravações, variando de solos de guitarra a participações em big bands. Ele continua a atuar e dar clínicas em todo o mundo. Sua recente gravação, Playing Time, consiste em composições originais no formato power trio.

ENTREVISTA

Para o lançamento no Brasil, os professores Larry Baione e Jim Kelly foram convidados a virem ao país realizarem clínicas e se apresentarem. A Revista 440Hz conversou com eles por e-mail durante a preparação do lançamento sobre a história do método, seu lançamento em português e dicas para um bom aprendizado do instrumento. 440Hz – O método foi originalmente publicado pelo professor Leavitt em 1966. Como e por que a publicação virou a norma para o ensino de guitarra na Berklee? – Bill Leavitt foi nomeado para a cadeira do Departamento de Guitarra em 1965. Na época, havia apenas 10 estudantes do instrumento. Bill sabia que seu departamento possuía o potencial de crescer e virar algo maior. Infeliz com os métodos já publicados até então, decidiu escrever um livro que familiarizasse com o braço da guitarra

através de escalas e estudos de acordes. Leavitt queria que a publicação mostrasse aos guitarristas o que poderiam esperar ao tocar em situações profissionais: ler linhas de melodia e símbolos de acordes, ler estruturas de harmonia, improvisar e tocar guitarra rítmica. Conforme o Departamento de Guitarra cresceu em tamanho, Bill já tinha um currículo para os professores através de seus livros. 440Hz – Em que pontos vocês acham que os estudantes possuem mais dificuldade hoje em dia?

– A maioria dos livros de guitarra hoje em dia possuem tablaturas para tudo. Os livros do Bill não possuem tablaturas. Isso dá aos estudantes a oportunidade de se acostumar a ler escrita musical tradicional, uma habilidade bastante importante. Os estudantes, à primeira vista, acham mais difícil ler música através de escrita tradicional ao invés de tablaturas. 440Hz – Ambos os mestres lecionam na Berklee há bastante tempo. Que diferenças e similaridades vocês percebem entre as dificuldades, demandas e deficiências dos estudantes de hoje em dia e aqueles do século 20 em geral? – Uma das partes mais bonitas dos livros de Bill Leavitt são sua escrita de solos de acordes e estudos (nota: do francês etudes) tocados com uma palheta. Não existem muitas gravações


os Eu espero ver guitarristas continuarem a os descobrir nov sons, novas harmonias, métodos e pegadas rítmicas.”

atuais de guitarristas tocando nesse estilo. Estudantes são novos e não possuem muita experiência ouvindo guitarra solo de jazz tocada com uma palheta. 440Hz – E sobre outros professores? Como vocês pensam que os educadores de guitarra deveriam agir sobre esses pontos? – Os tutores precisam ter conhecimento pleno do braço da guitarra, escalas, harmonias etc. Em adição a um ou mais estilos próprios. É necessário um livro de método, junto com o material pessoal do professor, para ser oferecido aos estudantes que estão aprendendo a tocar este incrível instrumento multifacetado. 440Hz – Depois de uma queda de popularidade, as vendas de guitarra sofreram uma alta considerável nos

últimos anos e muitos músicos jovens estão aprendendo a tocar o instrumento. Como vocês veem esse grupo e o que esperam dos futuros guitarristas? – Eu espero ver os guitarristas continuarem a descobrir novos sons, novas harmonias, métodos e pegadas rítmicas. Enquanto também honram a boa música do passado e do presente. 440Hz – Por último, mas não menos importante, qual é a dica mais valiosa que vocês gostariam de compartilhar com nossos leitores e guitarristas? – Continuem tocando as músicas que vocês amam, continuem aprendendo seu instrumento, praticando, ouvindo aos grandes (em qualquer instrumento) e sempre toquem com outros músicos.

JIM KELLY

Jim Kelly é professor de guitarra na Berklee College of Music desde 1974. Um dos pilares do departamento de guitarra, Jim viajou ensinando e se apresentando por toda a Europa, América do Sul e Japão, como parte do programa On the Road da Berklee. Em suas mais de 4 décadas como professor, Jim participou ativamente da formação de milhares de guitarristas aspirantes, auxiliando na construção de sua técnica, sentimento e confiança. Por muitos anos, ele tem sido um dos professores de guitarra mais requisitados no corpo docente da faculdade. Jim toca numa variedade de cenários, o que ajuda a dar uma vantagem diversa, mas prática, ao seu ensino. Ele já tocou com o guitarrista de blues Dulce Robillard, com o cantor de rock Peter Wolf, tocou no musical contemporâneo Rent, além de ter colaborado com muitos ex-alunos da Berklee, incluindo Makoto Ozone, Stu Hamm, Bill Frisell, Gary Chaffee, John Abercrombie e Gary Burton. A banda das suas gravações consiste no seu grupo Sled Dogs, que tem sido um canal para suas composições, incluindo The Music of Jim Kelly, da RAM Records. O lançamento mais recente de Jim é a gravação de guitarra acústica solo, Would Be Soundtracks, disponível no iTunes.


REVIEW Por Fernando de Freitas

: L A N A S E T R A A C I S MÚ U E S R I U R T S N O C A O D N E D APREN O T N E M U R T S PRÓPRIO IN luthieria e d s la o c s e s a Por dentro d

O

instrumento musical é um objeto de arte em si. Os elementos mais diversos do que pode ser considerado arte estão inclusos nele. Do design à teoria técnica de tensão que faz som e timbre ressoarem. Produzir música em um instrumento é fazer arte a partir de um objeto de arte. Em algum estágio da relação com a música, todo entusiasta deseja um dia possuir um instrumento que lhe sirva como um costume de alta costura e, para isso, passa avaliar seus custos. Outros investem em uma relação ainda mais profunda, a de construir seu próprio instrumento e aprender a arte da luthieria. O ofício artesanal remonta a uma tradição outrora cercada de segredos transmitidos de mestre para discípulo, senão, de pai para filho. Não à toa,

grandes construtores de instrumentos de pianos a violões eternizavam o nome de suas famílias.

O MAIS DIFÍCIL É CONSTRUIR UM BRAÇO

É um trabalho de marcenaria feito de detalhes e escolhas. A escolha dos modelos e da madeira. Walter Gabriel indica seus fornecedores para que o aluno compre material de qualidade, mas a escolha final é inteiramente do aluno. Já Pedro Machado, da Ecoguitar, tem a proposta de trabalhar com reaproveitamento de madeira, com material de demolição. Um de seus alunos, Zé Elias, volante símbolo do Corinthians na década de 90, usou madeira retirada da casa de seu avô para construir um modelo Les Paul. A força de uma guitarra está em ela

ser bem construída e ter bons componentes de ferragem e elétrica. “Nós começamos pelo principal, que é definir a escala” diz Pedro em sua oficina, na Vila Beatriz, idílico bairro entre a Vila Madalena e Alto de Pinheiros. Para ele, é na definição da escala que está a alma da guitarra, a partir disso se define o modelo e tem início a construção das peças. Para ele, as madeiras mais utilizadas pelo mercado influenciam pouco no som, sua escolha foi feita por adequação de disponibilidade e preço no mercado norte-americano nos anos 40/50. Para Gabriel, é importante ensinar o aluno a construir um instrumento acústico. “Quem constrói um violão de qualidade, depois faz uma guitarra. O contrário não é necessariamente verdadeiro. O som do violão é só dele, sem


amplificador, efeitos e distorções, não tem como enganar”. Em sua marcenaria, é possível aprender a construção de diversos instrumentos de corda, tais como violões, violinos, contrabaixos, violoncelos e até guitarras, porém, do modelo archtop, ou seja, de corpo acústico. A apenas alguns quarteirões de distância da rua Teodoro Sampaio, onde o ex-aluno Henrique cuida da loja W. Gabriel, está a escola de luthieria onde os alunos aprendem, como numa antiga corporação de ofício, em um curso de 18 meses durante o qual, sob sua supervisão direta, os estudante trabalham em seus instrumentos e ajudam uns aos outros. “É uma forma de terapia para a maioria dos alunos. Mas muitos se tornaram profissionais, outros já trabalhavam na

área, mas não sabiam construir e vieram aqui para se aperfeiçoar” diz Gabriel com orgulho de professor. Pedro, apesar de bem mais jovem, tem a mesma experiência na escola: “Algumas pessoas não se contentavam em comprar minhas guitarras, queriam participar do processo. Com isso, também passei a ensinar outros profissionais”. A diferença entre eles está na metodologia: na Ecoguitar, você termina a construção em 5 dias de aula, geralmente divididas em uma aula por semana. Apesar das diferenças, há muita coisa em comum nos processos de ambos. Ao se proporem a ensinar todos que querem aprender, contrariam uma tendência de um mercado cheio de segredos. Também deixam bem claro, mais especificamente na hora de es-

culpir o braço, de dar o seu raio, que este é o ponto em que o aluno tem mais dificuldade e no qual precisa mais de sua atenção.

O MESTRE JÁ FOI APRENDIZ

Filho de um luthier de violinos, começou a aprender com o pai, mas Walter Gabriel gostava mesmo era do violão. Foi pesquisando os instrumentos que tocava, os “violões de fábrica” que começou a desenvolver seus próprios instrumentos. Até que um espanhol de Valência chamado Antônio foi até sua oficina conhecer seu trabalho. “Rapaz, ele tocava muito. Ele achou tanto defeito no meu violão e eu fiquei assim, ó! O cara achou defeito em tudo. Eu tratei bem porque a opinião dele era importante para mim. Aí passou uns 15 dias e ele voltou na minha oficina com


REVIEW

um case e um livro debaixo do braço. Foi muito engraçado, eu achei que ele nunca ia voltar, mas por isso que é importante tratar bem as pessoas. Quando abri a porta, ele falou: teu violão está ruim, mas tua mão é boa”. No case ele trazia um violão Romanillo e o livro, em inglês. Gabriel foi direto para a máquina de fotocópia, copiá-lo para ser estudado e traduzido tendo o dicionário como melhor amigo. A partir desse momento, o luthier construiu mais quatro violões, a encomenda do quinto foi do próprio Antônio. Daí para frente, mais de 20 violões foram enviados para Espanha e muitos outros para uma loja em Nova York. Foi assim que começou a dar aula. “Eu vi a dificuldade que a gente tinha para achar a informação. Quem quer aprender, aprende, mas o caminho de aprender sozinho é muito comprido. Então

a gente acaba diminuindo o caminho, ensinando” e em 1990 ele começou a ensinar o ofício.

UM CURSO PARA TODOS

Pedro nem pensava em dar aulas quando decidiu fundar a Ecoguitar. Seu objetivo era continuar o ofício que aprendera com Eduardo Ladessa - e já estava começando a construir um certo nome no mercado. Foi quando um conhecido fez uma estranha encomenda que sua perspectiva começou a mudar: não bastava comprar a guitarra, o pedido era para participar do processo ativamente. Pedro não sabia como ensinar e teve que descobrir a fazer isso da sua própria maneira, e deu certo. Assim lançou seu curso e começaram a aparecer pessoas que ele nunca imaginou para construir suas próprias gui-

tarras. Era gente com graus bastante diferentes de conhecimento sobre o instrumento e ele entendeu que era necessário ensinar todos os passos e conceitos, pois quem estava ali não necessariamente se tornaria profissional, mas queria aquela experiência. “No começo, o que mais assusta são as máquinas, mas logo as pessoas se acostumam” diz Pedro. Na escola de W. Gabriel, as aulas funcionam à noite e aos sábados. ““A grande maioria vem do zero, sem conhecimento nenhum, não sabe nem pegar no formão. São médicos, advogados e até desembargador que vêm aqui. Para muitos, é um tipo de terapia. Tem gente de todo jeito. Semana passada começou um luthier de São Caetano do Sul a aprender a fazer a Archtop”, conta sobre os 30 anos de experiência de ensino.

Fotos: Fernando de Freitas

a “Quando abri u: porta, ele falo teu violão s está ruim, ma ”. tua mão é boa l Walter Gabrie


CONHEÇA OS CURSOS

CAPTADORES Por Érico Malagoli

Na hora de construir sua guitarra, você terá uma ideia de como gostaria que ela soasse. Um elemento importante disso é saber escolher o captador pelo ganho, para dar ao instrumento seu timbre ideal. Há um tipo de ganho melhor que outro? Claro que não, o que existe é aquele mais adequado ao som que você busca. A Malagoli e alguns outros fabricantes disponibilizam a saída do captador, expressa em mV. Essa é a única medida que determina seu ganho real. O ganho dos captadores está relacionado ao uso que se fará deles. De modo geral, captadores de ganho moderado são mais indicados para estilos mais suaves, como Jazz, Blues, MPB. Já captadores de ganho mais alto são indicados para estilos mais pesados, como Metal, Thrash, Death Metal. Isso porque captadores de maior saída, por terem mais compressão e um pico de ressonância menor, se portam melhor com distorção e com os

eco guitar

wgabriel

GANHO ALTO, MÉDIO E MODERADO

equipamentos utilizados para os estilos mais pesados, da própria guitarra ao amplificador. Naturalmente, combinam melhor com estilos mais encorpados e, em alguns casos, sujos. Por outro lado, captadores de ganho moderado (ou baixo), muitas vezes chamados também de ganho vintage, têm um timbre mais aberto, por conta do pico de ressonância mais alto, muito mais definição e timbre mais suave, o que combina melhor com os estilos citados. Há também os de médio ganho, que ficam em um nível intermediário, legais para Hard Rock e Classic Rock. Captadores de alto ganho costumam ter a sonoridade mais fechada, mas não necessariamente sem brilho, pois hoje, na fabricação, já utilizam imãs de alnico 8 e neodímio, que já possuem frequência mais alta como característica.

O mesmo vale para a definição sonora, usando os ímãs acima ou mesmo alnico 5, conseguimos captadores de alto ganho com ótima definição e clareza. Por outro lado, guitarristas como Slash e Yngwie Malmsteen fazem sons pesados e distorcidos com captadores vintage de baixo ganho. Uma dica legal é pensar de forma diferente para o captador da ponte e do braço, pois na posição BRAÇO as cordas movimentam mais do que na ponte, justamente por estarem mais distantes da fixação. Então, nessa posição, captadores de ganho moderado soam mais fortes do que na ponte, onde você pode colocar um captador de maior ganho para um set mais versátil, por exemplo. É o que fazemos quando indicamos os sets mais famosos: Custom 84 ponte e Custom 59 braço. No fim, acaba sendo acima de tudo uma questão de gosto, portanto, pesquisar é muito importante.


QUEM TEM VOZ CANTANDO A VIDA

Com seu terceiro trabalho, o single “Down by the River”, Luciana Zogbi dá voz a um dos trágicos mitos gregos em uma bela canção. A letra remonta a história do barqueiro de Hades, Caronte, que transportava os mortos pelo rio que os separava dos vivos e recebia ao final uma moeda, depositada na boca do falecido. Se não houvesse o pagamento, o morto era condenado a permanecer um século às margens do rio. Caronte é personagem da “Divina Comédia”, de Dante Alighieri. O tom acústico deixa em evidência voz e arranjo de violão, além da letra, composta pela artista. O resultado é uma sonoridade quase folk, que faz referência aos seus primeiros trabalhos, mas já flertando com o pop. Vale ouvir!

ELA SÓ QUER SE DIVERTIR Uma garota novaiorquina de roupas e cabelos coloridos, vivendo no início dos anos 80, que ouviu da gravadora que aquele ambiente não era para mulheres. Em Cyndi Lauper: Minha História (Editora Belas Letras), a cantora conta em sua autobiografia, escrita ao lado de Jancee Dunn, todos os perrengues que precisou enfrentar para cantar que as garotas só querem se divertir. Cyndi se tornou um dos maiores nomes da música. Ela já vendeu mais de trinta milhões de discos ao redor do mundo, atua na defesa dos direitos da comunidade LGBT e criou, em 2007, a True Colors Tour, para rodar o planeta mandando seu recado. À venda por R$ 65,66.

Fotos: Divulgação

LUCIANA ZOGBI CANTA A MITOLOGIA

Se, na composição de um coral, as vozes são classificadas de acordo com a extensão de notas que cada componente consegue emitir, do mais grave ao mais agudo. Para os membros do Coral Sua Voz a classificação é outra: vale aqui a diversidade vocal e a celebração da capacidade de voltar a se expressar. Formado por pacientes que passaram por cirurgia de laringectomia e que fazem uso de prótese para a emissão de sons que simulam as cordas vocais, o Coral foi criado pela equipe de fonoaudiologia do A. C. Camargo Câncer Center. A ação celebra a retomada da possibilidade não apenas de falar, mas também cantar. Espie o vídeo e se emocione!


O FUTURO DO

RAP

YZALÚ E SHIRLEY CASA VERDE LANÇAM CLIPE

A

faixa “Ovelha Negra”, que integra o EP “Quântica”, lançado recentemente por Yzalú e Shirley Casa Verde, acaba de ganhar videoclipe. Com estética retrô e transitando pelas décadas de 70, 80 e 90, o clipe apresenta as duas artistas protagonizando cenas inusitadas e irreverentes, interpretando personalidades negras dessas épocas. A dupla, que roteirizou e produziu o vídeo, quer ir além da música. “Queremos que este clipe transmita a leveza da nossa amizade, a cumplicidade que temos uma com a outra, uma irmandade mesmo e, para além disto, honrar os nossos ancestrais que, há muitos anos, fomentam a arte e a música”, relata Yzalú, que também assina a direção artística e executiva do videoclipe. Outro ponto a destacar e enaltecer é a maneira como a dupla tem atuado em todo o projeto, desde a construção do EP até o videoclipe, assumindo a frente de cada processo, atuando em funções há muito tempo realizada pelos homens. “Eu sou formada em artes visuais, sou fundadora do espaço Cinescadão na quebrada do Jardim Peri, zona norte. Já a Yzalú estudou marketing e há mais de dois anos é proprietária de uma produtora artística. Valorizamos muito as nossas conquistas e fazemos questão de falar, então já estamos num momento de aplicarmos toda a expertise que adquirimos em nossa caminhada nos projetos que desenvolvemos. Até porque mulheres, como nós, descobrem seu próprio potencial indo pra cima mesmo, de forma muito natural e genuína”, destaca Shirley Casa Verde.

O Red Bull Station, no centro de São Paulo, recebeu uma ocupação musical reunindo coletivos de artistas jovens e veteranos para discutir o futuro do rap. Liderados pelos curadores Akin Bicudo, Mayra Maldjian, Nyack, Jéssica Caitano e Rappin Hood, os 25 rappers e MCs trocaram experiências, participaram de workshops, gravaram músicas inéditas e fizeram apresentações, revelando um pouco quais caminhos o estilo está percorrendo nos dias de hoje e amanhã. O resultado, repleto de experimentações, pode ser ouvido, na coletânea exclusiva que acaba de ser lançada via SoundCloud.


CAPA

A I N XE A Ç N AANCESTRALIDADE FESR TO DE

Por Ana Sniesko

UM MANIF

“D

e jeito nenhum!”. Quem ouve Pra que me chamas? não imagina que essa foi a resposta de Xênia França para o primeiro convite para integrar uma banda. A negação, assim como a que ela recebeu do mercado da moda quando de sua chegada a São Paulo, em 2004, deu o tom e abriu os caminhos da música para essa voz guiada pela raiz e pela ancestralidade. Com o primeiro choro em Candeias e os primeiros passos em Camaçari, a baiana viu o sonho de virar modelo estampado na banca de jornal. Era ali, em uma capa de revista, que ela desejava estar. “Aquele pulo, que já não faz mais sentido, me trouxe para cá. Ainda bem que não deu certo”. Era o caminho no espaço e no tempo para receber dos céus o motivo da sua estada na Terra. As melodias, que antes eram ouvidas apenas pelos mais chegados, passaram a ter um novo sentido. “Sequer cantava por hobby. Uns amigos estavam sempre na minha casa, alguém puxava um violão e eu cantava.” E as-

sim, com toda essa simplicidade, ela demorou a entender que a música era o seu caminho. Quando finalmente aceitou o convite para soltar a voz, na sua frente se abriu uma trilha que parecia óbvia. Estamos em 2008, quando ela colocou seu timbre em covers, mas a sementinha do projeto solo estava ali, sendo cultivada. Pouco depois, Emicida cruzou seu caminho e outro convite apareceu. Veio a primeira gravação em estúdio, uma participação na faixa Volúpia, do EP Sua Mina Ouve Meu Rep Também (2010). “Nos conhecemos no VMB e muita coisa começou a partir daí”, relembra. Foi um passo para o encontro com o Aláfia começar a nascer. Única mulher em uma banda de 12 pessoas, Xenia aproveitou o palco e o microfone para entoar a sua força e se encontrar diante do público.

UM ROMPIMENTO

Corta para 2016. “Eu reuni tudo o que me tocou musicalmente na vida e que eu não consegui colocar para fora no

Aláfia, por mais que eu estivesse dando tudo de mim ali”. Dessa maneira, se despediu de um coletivo para ser única. A produção do seu disco começou em outubro daquele ano, 2017 foi de mergulho em letras, melodias e acordes para, em novembro, ele vir ao mundo. “E estamos falando dele até hoje”, se diverte ao constatar. O que mudou nessa trajetória? “Tudo! Eu tenho total autonomia, total direção do meu trabalho musical. Queria me sentir mais possível, no sentido de fazer um projeto musical que saísse totalmente de dentro de mim, desse momento de transição, desse portal por que passei”, conta. Numa banda, muitas cabeças pensam sobre cada detalhe e o espaço nem sempre é justo com todos. “Em todo esse tempo que passei no Aláfia, eu era apenas intérprete, já que todo mundo ali era compositor. Eu estava me sentindo menos, com aquele monte de gigantes compondo, mostrando que é genial e eu parecia um coelho acuado na parede, sem coragem de me expressar”, relembra.

Fotos: Filipa Aurelio / Divulgação

Voz, atitude e muito trabalho para fazer uma música respeitada por sua força e cada uma das suas palavras



CAPA Com essa potência e expressão que são a sua marca hoje, é quase difícil acreditar nessa sensação. Ela faz questão de ressaltar que para o álbum Xenia nascer, foi preciso esforço, trabalho e dedicação. “Peguei as melodias que eu criei e me debrucei em cima delas para escrever. Foi como fazer uma prova para o vestibular. Eu não me considerava compositora e, de repente, eu estava compondo”.

UM MERGULHO

“Eu peguei tudo”. Desde a música que mais fazia sentido quando era criança, até as influências que foram sendo introjetadas na sua personalidade musical. “Pude fazer simbioses de todos os tipos. Liguei os tambores que escutei na Bahia, os toques de Candomblé, como os de uma visita que eu fiz a Cuba em 2014, onde aquele som fez todo sentido para mim. Eu preciso usar essa ligação que está dentro de mim, está dentro do meu corpo, que está dentro do meu DNA, dentro do meu trabalho. Isso está traduzido em Pra que me chamas?, que é a faixa principal do meu disco e foi o norte para todas as outras”, diz. Tudo o que veio antes, o não ao primeiro convite, os amigos que naquela voz confiaram, foram ponte para que Xenia se firmasse como cantora e, mais do que isso, aceitasse o seu poder. “No meu trabalho, eu tô falando em primeira pessoa, eu tô dentro do meu lugar, eu tô sentada na minha cadeira, com o meu próprio microfone, dizendo tudo de que eu preciso, tudo o que eu quero. É muito diferente ter todas as escolhas, tudo passar pelo meu crivo”. Pequenina, ela grudava o ouvido no rádio enquanto a mãe saía, onde podia ir além dos tambores que tocavam nas ruas da sua Bahia. “Tudo é muito musical. As pessoas falam cantando, andam meio dançando. A expressão artística na Bahia é muito forte”. E deixou marcas na menina que sonhava com arte, só não sabia de cara exatamente qual seria seu caminho de expressão. “Quando eu decidi fazer um disco, tudo isso veio como uma grande tempesta-

de”. Tudo estava ali, guardado para ser colocado para fora no momento certo. Ainda assim, levou tempo para entender onde sua voz se encaixava. “Quando comecei a ouvir cantoras com um tom mais médio agudo, começou a me dar um certo conforto. Não que eu esteja totalmente confortável... Hoje, passei a manhã inteira com a minha fonoaudióloga contando sobre a minha frustração com relação a minha voz, que está em processo de aceitação ainda”. Chegaram até os ouvidos de Xenia Erykah Badu e Esperanza Spalding e esse timbre se tornou mais confortável. Nas suas referências, Michael Jackson aparece com força. “É uma fonte na qual eu bebo muito”, conta. Mas, mais do que técnica, ela busca emoção. “Tudo o que me interessa na música, tudo o que me emociona, tem a ver com a diáspora negra. O som do Milton, o som do Djavan, o som de Gil, que é Deus! Eu quis fazer um disco que reverenciasse, não apenas no sentido de cultuar e ir até o passado para saber quem eu sou no presente, mas um disco que falasse a minha língua, a língua do meu tempo, que mostrasse quem eu sou agora: Xenia, uma cantora jovem que quer se expressar. O meu disco é uma mistura de muitas referências, mas, principalmente, de uma visão de mundo musical”, afirma. É do alto dessa emoção que ela fala com sentimento de cada uma das músicas que deram forma ao Xenia. “As músicas que compus são aquelas pelas quais eu tenho mais afeto”, diz. E fala quase como um presente do universo. “Não fui eu que escolhi, foram elas que me escolheram”, diz sobre as faixas do disco. “Toda vez que eu as ouço, fazem tanto sentido...”, filosofa. Não foi obra do acaso que Para que me chamas? foi indicada ao Grammy Latino de 2018 na categoria Melhor Canção em Língua Portuguesa, além de o disco ter sido indicado como Melhor Álbum Pop Contemporâneo. No mesmo ano também foi indicado ao Women Music Award 2018. “Foi um presente estar junto aos grandes, como Chico [Buarque]”, lembra. Chico, aliás, levou o prê-

mio com a canção Caravanas. O mundo entendeu a que ela veio. Xenia França foi a primeira artista brasileira a participar do Colors, a plataforma musical que criou live sessions intimistas e despretensiosas que são transmitidas pela internet e reúne grandes nomes da música contemporânea. Para esse palco, a escolhida foi Miragem. “Foi uma das músicas que deu mais trabalho, porque tinha a ver com uma crença limitadora que tenho. Passei meses amadurecendo cada linha”, conta. Já Perfeita para você chegou com suavidade. “A melodia veio no banho, com algumas palavras. Eu estava de saída, peguei um Uber e não desisti dela, fui escrevendo no caminho. Em três dias ela estava pronta. Foi quase um presente de Deus para mim para dizer: relaxa!”, ri.

UMA VOZ EM LUTA

É quase impossível sair de uma conversa com Xênia sem falar sobre política, ativismo e luta. “Na construção da minha identidade não haveria como me tornar uma artista negra, com a minha visão de mundo e ser uma pessoa que não reflete o próprio tempo”. As palavras de Nina Simone são mantra para ela. “Escolhi refletir o tempo e as situações em que me encontro. Para mim, isso é o meu dever e, neste momento crucial de nossas vidas, quando tudo é tão desesperador, quando tentamos apenas sobreviver a cada dia, não tem como não se envolver. Jovens e negros sabem disso e é por isso que estão tão envolvidos com a política. (…) Não se tem escolha… Como ser artista e não refletir a época?”, declaração que está no documentário What happened, Miss Simone?. “O mundo está cheio de mulheres negras que fizeram trabalhos incríveis, obras magníficas, mas que morreram sem o lugar de fala, sem lugar na sociedade, sem lugar econômico, é uma coisa que me fez pensar bastante”, ela diz. E é desse lugar, cantando as suas próprias questões, que ela resgata a sua ancestralidade e dá voz a tantas outras mulheres. “Estou no meio do olho do furacão, não dá pra ser alheia a tudo isso. Como uma


“No meu trabalho, eu tô falando em a, primeira pesso eu tô dentro do meu lugar, eu tô sentada na minha cadeira, com o meu próprio microfone, e dizendo tudo d , que eu preciso tudo o que eu quero.” mulher negra, como uma figura preta no país em que vivo, tudo o que eu faço é política. Se eu tivesse feito um disco falando só de amor, ainda assim estaria fazendo política. O amor sempre foi negado ao meu povo, ao meu grupo”, reivindica. A sua arte também é ferramenta de autoafirmação, que ela relembra todo santo dia. “Estou mostrando a mim mesma que sou capaz de criar, com o meu próprio corpo. Tenho informações nos meus [registros] akáshicos que dizem: você tem chão, você tem lastro, você

tem plataforma, você tem retaguarda. Pegue isso e use isso a seu favor. Esse é o meu manifesto de ancestralidade”. Sobre o futuro, vem muito mais. Mas ela adianta que não temos tempo. “A última música do meu disco chama Nave é justamente isso. Se nada der certo, tchau. Se ninguém consegue ter ao menos um senso de empatia, de se respeitar, a gente pega uma nave a vai embora”, diz sobre a vida. A Xenia capa de revista, antes de tudo, é uma musicista que coloca a mão na

massa e rala (e muito!) para fazer a magia acontecer. “O meu processo de criação é imersivo. Preciso sair do mundo, das pessoas, das redes sociais, senão eu não consigo criar”, conta. Mas deixa claro qual é a sua certeza. “Se tudo acabar, eu vou continuar sendo uma artista da música. Isso é inegociável. Se eu misturar as estações, eu não sei quem é a Xenia que decide tudo, de uma coisa que é externa, que está sujeita à aprovação dos outros.” E, não, ela não precisa.


CRIANÇAS Por Fernando de Freitas

O L E M S CHAP

O D A T N A C N E O CIRCO E

Mundo Bita propõe obra autoral de música infantil e, também, reapresenta clássicos para a criançada em fenômeno de todas as mídias

B

om dia! O sol já nasceu lá na fazendinha, canta um marmanjo barbudo de moletom na padaria sábado pela manhã. Ele é pai. Papais e mamães repetem os versos de Mundo Bita mesmo quando estão longe de seus filhos. Eles adoram mundo Bita. Pelo menos, adoram que exista esse apresentador de circo bonachão de bigodes fartos e ruivos e seus amiguinhos para cantar uma infinidade de canções para seus filhos.

Chaps Melo, o criador de Bita, não é músico de formação. Sua mãe era professora de piano e ele trabalhava com animação e tinha uma start up de aplicativos de celular. Existia um projeto de um app para crianças e ele apresentou o personagem. Saído da parede do quarto de sua filha, Bita foi criado para dar forma a uma decoração alternativa àquilo que ele encontrava no mercado. Com a aprovação do personagem, foi apenas um passo para se aventurar


na composição - por uma limitação no orçamento, ele criou as primeiras músicas, entre elas A Fazendinha. A música foi introduzida no aplicativo, mas o sucesso foi tanto que se tornou o ponto de virada da empresa e do modelo de negócios. Focando na produção de músicas e clipes autorais com mais ênfase do que os aplicativos, abriu um espaço em um mercado dominado por regravações de músicas de domínio público.

BITUCA ABRIU CAMINHOS PARA BITA

Certo dia, almoçando com o produtor de seus shows, perguntou a ele se podia entregar algum material do Mundo Bita para Milton Nascimento, que também é produzido pelo mesmo profissional. Diante da resposta positiva, pegou uma bitamochila e encheu dede bitaobjetos. “Eu coloquei tudo que eu tinha dentro dela, fiz um kitbita para o Milton. No dia seguinte, recebi uma foto do Milton com as coisas”. Chaps ficou feliz em ter reconhecimento de seu ídolo e, passado um tempo, resolveu arriscar: “Será que o Milton não quer gravar com a gente?”. Para sua surpresa, a resposta foi positiva. Quase um ano se passou até conciliarem as agendas sob cobrança constante de Milton. A música composta especialmente para ele, O Trem das Estações, conta, inclusive, com a versão animada de Milton. “Dessa parceria eu ganhei um amigo. Sempre que posso, eu visito o Milton na casa dele. Foi uma coisa muito especial. Depois ele quis que gravássemos uma música dele, Bola de Meia Bola de Gude. E assim se abriram as portas para as parcerias que vão se somando com Pitty, Lulu Santos, Ivete Sangalo, Casuarina e Bia Medeiros, entre outros.

A RETOMADA DA MÚSICA INFANTIL AUTORAL

Para Chaps é difícil dizer quais são suas influências. Sua proposta de apresentar música para crianças o permite navegar entre os mais variados

estilos, do rock ao axé, passando pelo sertanejo, bossa nova e samba. Ele diz que buscou ouvir os clássicos de sua própria infância como Plunct, Plact, Zuuum – que contava com Raul Seixas, Maria Bethania, Jô Soares, Zé Rodrix, Lulu Santos, Fafá de Belém e Eduardo Dusek –, O Grande Círco Místico – de Edu Lobo e Chico Buarque – e Arca de Noé – Toquinho e Vinicius -, mas que existem inúmeras outras referências possíveis, como o Djavan e Fábio Júnior, que contribuíram com discos infantis. “A lista é tão grande que vou esquecer alguém”. É fato que houve um tempo em que pessoas como Edgar Poças compunham e produziam álbuns de sucesso no universo infantil com a possibilidade de incluir gigantes como Roberto e

Erasmo como colaboradores. Depois desse período, e talvez na esteira desse sucesso, apresentadores infantis passaram a gravar álbuns sem o mesmo rigor musical. Com o declínio deste modelo, com uma forte influência do mercado estrangeiro, o mercado passou a apostar em regravações de músicas de domínio público associados a animações. Mundo Bita faz parte de um fenômeno crescente que ganha força pois tem a vantagem de agradar, simultaneamente, pais e filhos, como acontece com outros projetos, tais como Palavra Cantada, Adriana Partimpim e Pequeno Cidadão. O que faz de Mundo Bita diferente entre esses citados é esse casamento da animação com personagens e música.

Sempre gostei de fazer parte de projetos que envolvem o universo infantil, mas já fazia um tempo que eu não gravava coisas para criançada. Até que veio o convite do “Mundo Bita” e foi um lance que me deixou muito feliz. Eu fiquei ainda mais fã deles! Espero que ainda tenhamos muitas coisas a fazer pela frente! Milton Nascimento – participação em Trem das Estações e Bola de Gude A minha família tem uma relação deliciosa com o Mundo Bita, por tudo o que eles representam: o diverso, o respeito para com o outro, para com a música, o respeito à criança como indivíduo. Ivete Sangalo – participação em Nessa Dança Eu adorei fazer parte do Mundo Bita, pois o Mundo Bita provavelmente é o futuro. É o maior sucesso entre todas as crianças, então vou gostar muitos que elas aprendam «Como uma onda» para durar mais 20, 30 anos, quem sabe. Eu to com tudo com o Bita! Lulu Santos – participação em Como Uma Onda


A

Casa da Ópera de Ouro Preto, considerada o teatro mais antigo em atividade no Brasil, recebe uma série de concertos no decorrer deste ano. A cidade mineira, famosa pelo carnaval de rua, abre espaço para artistas renomados da música erudita para únicas apresentações, todas com acesso livre e entrada franca. No próximo dia 28 de setembro, Chico Lobo, Márcio Malard e Paulo Sérgio Santos apresentam o espetáculo 3 Brasis. O espetáculo mostra o encontro inusitado entre viola caipira, violoncelo e clarineta. A temporada de Concertos na Casa da Ópera é uma realização do grupo UN Music e parceria com a Holofote Cultural a partir de recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais. A última apresentação do ano está marcada para o dia 26 de outubro.

MÚSICA PARA SER VISTA A exposição Sons de Silício reúne experimentações sonoras que conversam com as artes, a música e as ciências, incluindo performances e oficinas. A mostra fica em cartaz até 15 de dezembro, no Centro Universitário Maria Antonia da USP. A exposição faz parte da série ¿Música?, organizada desde 2005 pelo NuSom, que vem refletindo as pesquisas desenvolvidas pelo grupo em luteria digital (termo que se refere à construção de instrumentos), instalações interativas, design sonoro e criações artísticas. A mostra reúne instalações sonoras e interativas e ambientes imersivos, onde o instrumento musical se torna máquina, dispositivo, arranjo, escultura, sistema interativo, estrutura ressonante, meio para explorar a informação, extensão do corpo, circuito, escultura, canal e experimento. A entrada é gratuita.

Fotos: Divulgação

ENCONTROS INUSITADOS NA CASA DA ÓPERA

Letícia Passarinho

UM POUCO DE MÁGICA


Os fãs de jazz sabem que o instrumento que o músico toca é quase a extensão da sua mente criativa. E é essa peça, um único trompete de laca azul profundo projetado e tocado por ninguém menos do Miles Davis, que será leiloada. A ação acontecerá no evento The Exceptional Sale, da Christie, em Nova York. Um dos três trompetes de “Moon and Stars”, que Davis encomendou à Martin Company em 1980, o instrumento apresenta estrelas douradas e luas crescentes estampadas por todo o corpo, com seu primeiro nome inscrito na campainha da buzina. Para quem quer saber dos outros dois, o vermelho ainda está com a família Davis, enquanto o preto foi enterrado junto com o mestre, em 1991.

FIM DE UMA ERA V ic V ogel, vibrafonista e trombonista, nos deix ou neste mê s. O canadense, que fez apresentaç ões ao lado de Ella F itz gerald, P aul A nk a e C eline Dion, alé m de tantos outros, faleceu ao lado do seu adorado piano S teinw ay . O seu primeiro instrumento foi o piano, que V ogel aprendeu a tocar aos cinco anos, de ouvido. S eu trabalho inclui mais de 2 .000 peç as, arranjos e composiç ões; seu nome está em mais de 60 álbuns, e ele já fez mais de 1 0.000 apresentaç ões.

Heloisa-Bortz

O TROMPETE AZUL DE MILES DAVIS PODE SER SEU EMESP EM FESTA A série Os Tons da EMESP celebra a música e os seus mais diferentes formatos trabalhados na EMESP Tom Jobim (Escola de Música do Estado de São Paulo – Tom Jobim). Ao longo da série são mostradas formações distintas, como práticas de conjunto, big bands e grupos de música de câmara, que interpretam repertório variado, do erudito ao popular. O encerramento acontece no dia 29, com a apresentação de Os Cafumangos, formado por bolsistas e ex-bolsistas da Orquestra Jovem e da Banda Jovem do Estado. O grupo apresenta O Avesso do Ódio, com composições próprias que misturam música popular e contemporânea, que propõe uma reflexão social e política. Todas as atrações são gratuitas.


BIGBAND

0 7 A G I X I B Por Ana Sniesko

L A S R E V I N U M O S E O SEU

Da levada do reggae às tradições dos pontos de Candomblé e Umbanda, tudo é inspiração para a banda que saiu do bairro homônimo para ganhar o mundo. E lá se vão dez anos de história!

Q

uando as lojas de discos eram uma parada em nosso caminho, as placas sobre as gôndolas indicavam onde cada qual se encaixava. Como se não existisse espaço para pluralidade, um determinado disco precisava ser rotulado. Pop, soul, jazz, música erudita. E pra quê? “A divisão entre a música instrumental e a popular não pode existir. Ela só existe para servir à elite e desacreditar as pessoas”, defende Maurício Fleury, tecladista e guitarrista do Bixiga 70, banda

que acaba de completar dez anos e que faz música que toca o coração – os deles e os nossos. A banda, que começou a partir do encontro de diversos músicos no estúdio Traquitana, endereço onde os integrantes ainda se reúnem religiosamente todas às terças-feiras, no bairro do Bixiga (claro!), em São Paulo, faz questão de se desvencilhar de rótulos. “Nós podemos tocar tanto num festival de jazz, quanto em um de música eletrônica ou de música brasileira”, diz.

Como bem disse o maestro João Carlos Martins na última edição da revista 440Hz, só existe música boa. E é esse o som do Bixiga, com um mix de referências que permite um mergulho no som do Mali ou uma viagem através dos timbres até a Índia. “A gente vai desenvolvendo várias linguagens. Tudo sempre foi bem coletivo. No começo, tinha muita inspiração do afrobeat, do Fela Kuti e da música nigeriana, música de Gana, do Mali, da Guiné... O Décio, que é o baterista, e o Rômulo, que é o percussionista, tocaram muito tempo com a Fanta Konate, que é uma dançarina e cantora da Guiné”, justifica. É sobre esse mix que eles se debruçam para criar um som para ser sentido, livre de obrigações e fórmulas prontas. “Reunimos tudo o que faz sentido, o que nos emociona. Como falar de Airto Moreira, de Hermeto Pascoal... Não dá para rotular a música desses caras. É muito mais do que um som, eles lidam com a gênese da música dentro dos povos”, diz. O que diz muito sobre a própria banda paulistana, que já é cidadã do mundo. Neste contexto, a ponte entre o popular e o instrumental é uma só e Maurício


traz como exemplo o trabalho de Sebastião Bianco, músico da Banda de Pífanos de Caruaru, que recém completou 100 anos e ainda segue emocionando. “Ela tá aí fazendo música instrumental, tocando flauta... Como dizer que isso não é popular também? A música vem do ar que eles respiram, de onde eles vêm, da mata, dessa origem. É uma fluidez que deixa qualquer rótulo para trás”, conta.

SALADA MISTA

Quem vai em um show do Bixiga sente a sincronia como uma característica do grupo, mas por trás dessa harmonia existe uma reunião de músicos com origens e referências distintas. “Apesar de não parecer tanto, nós somos uma banda heterogênea. Cada um veio de um canto”, comenta o tecladista. O baterista Décio 7 e o guitarrista Cris Scabello tinham uma banda de reggae chamada Afetos. Dali partiram para o dub, onde foram duas figuras das mais proeminentes desse cenário. Já o saxofonista Daniel Nogueira tem uma big band de música brasileira, o Projeto Coisa Fina. Maurício conversa ainda com o rock e com a música eletrônica, como DJ.

O baixista Marcelo Dworecki também toca com Alzira Espíndola e é um dos integrantes do Canções Velhas para Embrulhar Peixes. Douglas Antunes, o mais novo dos integrantes, é um prodígio do trombone e, há pouco, foi convidado para se apresentar ao lado de João Donato. “São vários diálogos paralelos. Tem uma galera que gosta de jazz, que gosta de rock, que curte o dub... A música indiana é uma influência que veio para todos, porque a gente foi para a Índia tocar. Ainda assim, cada um recebeu essa referência de uma maneira. Eu fui atrás dos discos de Bollywood, outros caras foram atrás da percussão”, relembra, ao se referir a uma temporada de shows no país ao lado da cantora Tulipa Ruiz, em 2013. Esse mix garante novidades sempre frescas, onde tudo o que vale a pena ser ouvido é tinta para a nova pintura. “É um negócio bem caleidoscópico. Pode soar como qualquer coisa. A gente não tem outra intenção que não seja soar divertido, animado, é essa a nossa essência”, diz. Como uma raiz comum para todos, os pontos de religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, também foram alimento nessa história.

“Uma banda que foi muito importante pra gente no começo foram Os Tincoãs, um grupo vocal dos anos 1960 e 1970, do qual faz parte o Mateus Aleluia, que é o único que está vivo e na ativa. Eles fazem a transposição dos pontos de Umbanda para a música e é uma inspiração para nós”, conta Fleury. O percussionista Pedro Santos, conhecido como Pedro Sorongo, é outro com presença marcada na bagagem inspiracional do Bixiga. “Ele é um percussionista maravilhoso que fez um trabalho sem precedentes, isso nos idos de 1950 e 1960”, dizem, se referindo principalmente ao álbum Krishnanda, um disco experimental lançado em 1968.

DO PALCO AO ESTÚDIO

Como fazer para organizar todas essas ideias e esses sentires diferentes? “Não faz. É o caos que é criativo. A gente só precisa de organização para pegar um voo, fazer um show... Criativamente a gente não tenta organizar, cada um vai colocando o que acha. Vai soando diferente para cada um”, fala sobre o processo de composição. E assim, livres e leves, as ideias chegam


BIGBAND e o som da big band sai. “Vamos somando as ideias e às vezes desafiando um ao outro. Toca uma coisa assim, faz um som diferente... Hoje em dia não tem mais essa de quem cria. Quando vem uma música, a composição é coletiva”, comenta. Depois de três álbuns encarando a espontaneidade das gravações ao vivo, Quebra Cabeça foi criado com a precisão das gravações de estúdio. “Somos uma banda de palco, mas a gente se formou no estúdio. No começo, gravamos bem à moda antiga, tudo valendo, sem overdub. Depois de três discos assim, nós fizemos uma versão dub do terceiro, chamado The Copan Connection, pelo nosso selo Glitterbeat”, conta sobre a obra que foi lançada na Europa. Produzida por Victor Rice, foi o encerramento, em grande estilo, de uma parceria que começou no primeiro álbum. “A gente achou que era hora de fazer um disco diferente, mais linear, com a produção do Gustavo Lenza. Ele foi uma figura bem importante, porque não sabíamos muito para onde ir. E ele foi fundamental para dar esse tom”, comenta sobre o trabalho do produtor, que algum tempo antes levou o Grammy Latino de melhor engenharia de som com o álbum Tropix, da Céu. Sobre o resultado, Maurício considera um disco melhor para ouvir. “Tudo a gente foi testando e ampliando o leque de possibilidades. Tem uma música chamada Camelo que é quase um house, uma música bem reta, como uma música eletrônica”, exemplifica. Embora a catarse da gravação ao vivo seja uma injeção de adrenalina, eles já estavam cansados. “Gravar ao vivo é legal pra caramba, mas exige muito. Dessa vez foi com muita atenção para cada detalhe. É mais um disco que vale por si do

É o caos que é te criativo. A gen só precisa de ara organização p pegar um voo, ... fazer um show a Criativamente gente não tenta a organizar, cad ndo um vai coloca i o que acha. Va te soando diferen .” para cada um que o cartão de visita de uma banda de palco”, comenta. Lenza conduziu o trabalho do coletivo com respeito às vontades, embora a horizontalidade natural do grupo tenha sido comandada desta vez. “Era hora de alguém ajudar a gente a bater o martelo. O Lenza não cortou nada. Ele deu as ideias dele, mas não nos proibiu de nada”, conta. “Agora a gente quer um barulho de reverbe, que é aquele barulho de molas nas guitarras. E ele ligou o reverbe dele de molas, deu uns tapas lá e saiu o som. É esse, é esse... Vamos! Sem medo e sem julgar. Sem pudores. Ele não foi um produtor nada careta. Ele só quis saber de tocar e seremos eternamente gratos por isso. A gente aprendeu muito sobre cada etapa do processo, sobre a gente... Foi incrível”, fala sobre o nascimento de Quebra Cabeça.

UMA CRIA COLETIVA

Ainda no quesito referências, Tim Maia é unanimidade entre todos os integrantes do Bixiga 70. “Ele foi uma figura

muito ímpar para a nossa música. Tim não foi só um grande músico, ele foi o maior produtor que o Brasil já teve. Os discos dele dão pau em muito disco gringo. Ele sabia exatamente o que queria. Por mais difícil que ele fosse, a indústria não conseguia ficar sem. A genialidade dele falava mais alto”, comenta. Com os relançamentos da obra nos Estados Unidos e Europa, Maurício acredita que, finalmente, ele conquistou o seu lugar no panteão dos maiores gênios da música mundial. “São poucos no mundo que tiveram a visão do Tim Maia. Ele conseguiu fazer uma obra primorosa. Os discos independentes dele são muito melhores do que obras das gravadoras com mais grana, com mais possibilidades”, opina. Fonte de inspiração para o Bixiga, Maurício conta que a banda Vitória Régia faz parte do crescimento do grupo. “É uma fonte inesgotável de inspiração. Quando chegou a soul music no Brasil, só o Tim Maia conhecia. Ele plantou sementes que nunca vão morrer, como o movimento Black Rio”, exemplifica. Assim como era para Tim, o Bixiga 70 acredita que música sem diversão não vale a pena. É por isso que cada apresentação do grupo é única e coloca todo mundo para dançar. “Toda música é instrumental. A letra é a poesia do negócio. Tudo inspira a gente a fazer músicas que não são um exercício de melodia e harmonia. São melodias simples, cantáveis... É uma questão do que emociona a gente”, comenta. “Sempre fomos uma banda de canções instrumentais. Pensamos em histórias sendo cantadas por melodia. A gente tem letras de brincadeira para quase todas as músicas”, ri. E para quem quer cantar, uma nota basta.



DENTRO E FORA DO ESTÚDIO

ESCUTA AS MINAS

A

casa Escuta as Minas, projeto encabeçado pelo Spotify, fica aberto até novembro em um espaço na zona oeste de São Paulo. A iniciativa conta com grandes nomes do mercado como Lahn Lahn, Mahmundi, Florência Akamine (mixagem e masterização), Bia Paiva (técnica de som), Lilla Stip (engenheira de som), Allyne Cassini (engenheira de som), entre outras experientes profissionais do mundo da música. Todas participam da produção e edição dos singles do projeto, que selecionou 12 jovens talentos para gravar no estúdio. Artistas como Negra Li, Liniker, Maiara & Maraísa ainda atuam como mentoras das novas vozes. Vale acompanhar!

MASTERIE A SUA MÚSICA COM UM CLICK Usando recursos de inteligência artificial, o serviço Schnalz masteriza a sua música, online e gratuitamente. O serviço analisa sua faixa e ajusta parâmetros como volume, compressão e equalização. Estaria o emprego dos engenheiros de masterização em perigo? Vamos ficar de olho nos avanços da tecnologia.

Saiba mais em: schnalz.com

Para incentivar a cultura da música no Norte paranaense, o Projeto Web Série “123 Sessions” reúne músicos em Santo Antônio da Platina. A ideia surgiu da conversa entre amigos, que limitaram num raio de 100 quilômetros a proposta de conseguir músicos que, muitas vezes, não têm o devido valor e espaço para mostrar o trabalho. Para dar visibilidade aos talentos da região, o estúdio recém-inaugurado decidiu abrir as portas para que os artistas possam gravar o seu som. Vale ressaltar que os artistas não têm custo algum para realizar a gravação, sendo o estúdio responsável pela captação de áudio e vídeo. Se você está por essas bandas, vale saber mais.

Fotos: Shutterstock e divulgação

PORTAS ABERTAS PARA O TALENTOS REGIONAIS


MIC HANDMADE PARA O SEU ESTÚDIO Com mais de 15 anos de carreira em estúdios, Felipe Mafra sempre buscou novas sonoridades para o seu trabalho. “Sempre fui apaixonado pela sonoridade dos microfones de fita, porém esses equipamentos sempre foram muito caros. De um tempo pra cá eu vim estudando, pesquisando e fazendo muitos experimentos pra conseguir produzir o meu próprio microfone de fita, com uma sonoridade específica e que me agradasse principalmente nas gravações de guitarra”, pontua. Após um ano de protótipos, ele lançou o Oldbox M1 Ribbon, um microfone de fita handmade produzido sob encomenda. Eles são muito usados para gravação de guitarras, overs de bateria, instrumentos de sopro e tudo que tiver uma fonte sonora alta e mais “aguda”.

Confira em: @oldboxribbon

PLAYLIST COLABORATIVA NO ROCK IN RIO Lançado pela Sony Music, o Filtr Game é um programa de fidelidade que usa gamificação para incentivar o engajamento dos usuários e criar experiências diferenciadas. O game terá ativação especial durante o Rock in Rio, onde os usuários poderão interagir com o palco Supernova e escolher as músicas tocadas nos intervalos dos shows. Para usufruir do clube de vantagens, os usuários devem completar missões relacionadas ao mundo da música para acumular Filtr Coins, moedas virtuais do jogo. As trocas podem ser feitas por produtos ou benefícios disponíveis na loja virtual Filtr Store. “A ideia é ser uma playlist colaborativa, criada em tempo real, legitimando a identidade original de ‘perfil curador de playlists’ da marca Filtr. O que reforça nosso propósito de criar momentos especiais para os fãs: imagine você ouvir a música que escolheu, amplificada, em um palco de um festival como o Rock in Rio...”, comenta Wilson Lannes, vice-presidente da Sony Music Brasil.


DISCO DO MÊS Por Fernando de Freitas


M U I N A T I T A M I L TITA O A R T N O C N E M E A FORÇA DE QU O H N I M A C O I R P Ó R P

É

um álbum de libertação. Tita Lima se redesenha como cantora no seu último trabalho, cuja produção arrastou-se por 5 anos em função das mais variadas intempéries. O título (e trocadilho com o próprio nome) se refere exatamente à resistência necessária para que ele fosse lançado. Dentre os muitos acontecimentos que marcaram esse período, um acidente de carro, cuja gravidade paralisou por mais de um ano as atividades de Tita, e fez com que a cantora precisasse de titânio em diversos ossos de seu corpo. De titânio também é a vontade de Tita, que abandonou a cena paulistana para viver no deserto californiano, uma nova vida que marca o álbum, que oscila entre a saudade e a esperança. Pode-se ir mais longe, e interpretá-lo como um recado para aqueles que a relacionam com seu pai Arnolpho Lima Filho, o Liminha, produtor de inúmeros artistas e sucessos da música Brasileira, entre eles os Titãs (banda essa cuja gravação do disco Cabeça Dinossauro a cantora lembra de frequentar). A partir do título é possível pensar

todo o álbum, porém, se trata de um trabalho tão próprio, de produção tão cuidada, que se levar apenas pelo título seria injusto.

O TRABALHO COM MIRANDA

Com dois álbuns anteriores (11:11 e Possibilidade), Tita fazia uma MPB que se enquadrava dentro da cena e tradições. Porém, nas primeiras conversas com o lendário produtor Carlos Eduardo Miranda (muito conhecido pelo programa Ídolos), a direção do trabalho começou a mudar. “Ele disse que eu devia assumir essa minha veia pop”. Assim surgiram as linhas de baixo pop bem marcadas. Aquele pop bom com soul e rhythm’n’blues, balançante que guia os instrumentos”. Assim a mão do produtor, que a conhecia desde pequena, ajudou em sua primeira libertação, e sua intervenção foi tão intensa em diversas músicas que ela o trouxe para a gravação em São Paulo, no Plug-in Estúdio. “Em Solitária solidão, Adrian Quesada, da banda Echocentrics, escreveu a base e o Miranda desconfigurou o arranjo original totalmente. A música


DISCO DO MÊS

tem uma vibe dark e de revolta, a letra fala sobre um dia chuvoso e sobre as chuvas em São Paulo, que destroem casas e alagam bairros, deixando muita gente desabrigada e sem nenhum suporte. Já El Amor del Perro por la Paloma, que é música do meu pai, era pra ser uma bossa, mas Miranda mudou o arranjo trazendo uma vibe pop anos 80. A letra fala sobre amores platônicos, é a paixão de um cachorro que sonha em ter asas para voar e ter um romance com uma pomba”, conta Tita sobre as intervenções do produtor nas composições que ela trazia. O álbum, ou pelo menos o núcleo, foi gravado em três dias. Sem a bateria, que seria acrescentada posteriormente nos Estados Unidos, Miranda comandou uma equipe de músicos para gravar teclados, baixo e guitarras, sem mencionar, claro, a voz de Tita. Assim também ficaram marcados em outras faixas os arranjos de Miranda que a cantora faz questão de ressal-

tar. “Com Você sabe muito bem o que me resta foi amor à primeira escuta. A versão que Miranda e eu fizemos teve influência de Korguis 1970 , everybody‘s got learn sometimes. E a letra, por coincidência, fala, também, sobre o autoconhecimento e o aprendizado de cada um em situações de vulnerabilidade. E em Novidade, música de Ricardo Kudla, minha e do Cris Cado fizemos a letra da parte em inglês, que encaixou perfeitamente. Ela fala sobre estar no pico da meia idade, feliz e satisfeito com a rotina, rodeado por experiências e pessoas incríveis. Sobre focar no positivo para se ter beleza e abundância diariamente. Nos arranjos de Miranda, adoro os teclados e a guitarra dessa música!” .

NOVAS PARCERIAS E SAUDADE DO BRASIL

Quando de mudou para os Estados Unidos, Tita primeiro se juntou à banda Echocentrics, no Texas, depois

mudou-se para a Joshua Tree, cidade no deserto Californiano. Tendo vivido entre São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York, o cenário mais árido e isolado também marca o disco. Seja por meio da sonoridade, seja por meio dos temas. É também uma marca de troca de parcerias. Tita se retirou da cena paulistana onde circulava entre os irmãos Tulipa e Gustavo Ruiz e a cantora Tiê, por exemplo, nas casas da Vila Madalena para uma cena inteiramente nova e com novos parceiros. E foi nos lá nos Estados Unidos que conheceu o brasileiro Peter Pedro, de quem fala com o maior carinho. Com ele escreveu uma música sobre uma saudade estranha chamada Sweet Sunday. “Ele me deu a base, a bateria e o syntch, aí coloquei a slide guitar e a percussão, o trombone também é dele. A letra fala sobre saudade de um grande amigo, daqueles para quem você telefona no domingo quando está triste


o os Essa letra (beij m iu seus lábios), fo r po poema escrito ellos Silvia Vasconc , que, para mim to assina tratava do ass . de um amante A original dizia ’ endo ‘sangue escorr ue g e eu cantei ‘san ue orq esquentando’ p não me sentia ma confortável co a letr imagem que a me trazia.”

ou saudosa, mas esse amigo, na época, havia me bloqueado nas redes sociais a mando da nova esposa que era super ciumenta e a letra fala sobre um possível reencontro que nunca aconteceu”. É dele também uma música importante para recuperação de Tita do acidente que sofreu durante o processo de mixagem do disco. “Go Beyond é tudo que precisava ouvir após o meu acidente. Durante os dias de dores, aprendi a meditar e a colocar minha mente em lugares lindos aos pra onde meu corpo não podia ir”. Foi também Peter Pedro que a ajudou a retomar o trabalho no álbum quando mais um fato a abateu, o falecimento de Miranda. Foi preciso reunir forças novamente para continuar, pois ela havia reassumido o projeto devagar e respeitando seus limites físicos, quando perdeu seu amigo e produtor. Tita também aproveitou o melhor que seu espírito cosmopolita pode lhe proporcionar: compôs com Ili Naldekova,

musicista brasileira/búlgara radicada em Los Angeles, a faixa Bittersweet. “Eu tinha a base e o refrão na cabeça prontos e mandei para Ili, que escreve lindamente em inglês. Gravamos literalmente tudo em um take, eu queria que fosse assim, a primeira valendo! A música fala sobre a contradição de ter um relacionamento à distância”. O mesmo aconteceu em Beijo os seus lábios e Cais, em que ela trabalha com pessoas de diversas nacionalidades. “Essa letra (beijo os seus lábios), foi um poema escrito por Silvia Vasconcellos que, para mim, tratava do assassinato de um amante. A original dizia “sangue escorrendo” e eu cantei “sangue esquentando” porque não me sentia confortável com a imagem que a letra me trazia. A base é de Baron Rétif & Concepción Perez, amigos do produtor francês Fulgeance. Os barítonos sax e clarinete foram todos tocados lindamente por Eva La Flamme. Cais escrevi indo para uma festa de ré-

veillon em Paraty, na ilha do Sapeca, aquelas festas históricas que a gente nunca esquece. Eu tinha vinte e poucos anos, não era mãe ainda, era livre como uma pluma e estava entre amigos maravilhosos. Uma das minhas viagens de ácido que deixam as cores mais vivas e os sentimentos mais aguçados. Eu guardei o refrão na cabeça e usei quando Evan Laflame e Bosq me trouxeram um loop como base”. Ao final, temos um álbum em que ouvimos Tita liberta por suas escolhas. Talvez ela tenha pago o preço, mas a recompensa é grande. É, sem sombra de dúvida, seu trabalho com mais personalidade. É um resultado de tudo que ela fez e colocou de si durante sua jornada como musicista, seus amigos, sua experiência com Tom Zé, ser filha de quem é, tudo isso está lá, não como aparência, mas parte da estrutura metálica que constitui sua obra. Se fosse no Brasil, seria tijolo e cimento, mas ela está lá e é feita de titânio.


LANÇAMENTO Por Fernando de Freitas

E M O F A T E N A PL O D A C R E M O D A T RA

E

A B S I A M E N R A CA A Ç A R G E D S I A NÃO ESTÁ M

lza Soares é o retrato mais poderoso, e por vezes cruel, do povo brasileiro. Seu novo álbum, Planeta Fome, é o espelho que nos estende para olharmos a nós mesmos. O baixo e a guitarra suingados e distorcidos precedem a frase de abertura, “Eu não vou sucumbir”, na faixa Libertação. Elza é quem ela é, esse álbum é sua própria fome. Da mesma forma como ergueu a voz para chamar de traidor a quem quer que fosse na abertura das Olimpíadas, a cantora deixa claro: ela não tem medo. Em contraponto a muitos artistas de sua geração, que permanecem no circuito musical se equilibrando entre velhos sucessos e gravações de elevado valor estético de temas abstratos, Elza Soares escolhe seu repertório a dedo para dar personalidade brutal a cada faixa. Seria possível buscar dezenas de referências para explicar a construção do som produzido neste álbum, todas mais novas que Elza. Seria possível adjetivar Elza para dizer que ela está “antenada com a juventude”. Mas Elza é o que é. Fato é que sua música soa como a música dos jovens deveria soar, ela é a referência por si, uma estrela de grandeza maior que brilha e atrai com seu poder gravitacional. Claramente é um álbum de forte conteúdo político. A capa foi desenhada pela

artista Laerte que, apesar de ter iniciado formação musical na universidade, afirmou que já não ouve música em sua vida privada, o que torna claro seu compromisso político-artístico. A cartunista, por outro lado, já colaborou com a Filarmônica de Pasárgada no clipe da música Fiu-fiu e é uma das vozes artísticas (e críticas) mais relevantes da atualidade, tal como pudemos comprovar durante a exposição Direito ao Avesso, na Avenida Paulista, em São Paulo.

MAIS POLÍTICA QUE NUNCA

Dizer que o álbum é autorreferente seria uma simplificação que ignoraria o caráter intrínseco da obra de Elza como arauto de um povo sem voz. Trata-se de uma atualização de seus cantos, de revisitar seus temas mais prementes e as feridas que não cicatrizam. O poder de sua rouquidão é o estouro das vozes represadas explodindo em uma só garganta. Assim é que sua composição Menino, dá uma primeira volta, a capella, e uma segunda, acompanhada de percussões, logo interrompida por Brasis (Seu Jorge / Gabriel Moura / Jovi Joviniano), no meio do verso “Você representa o futuro da nação”, omitindo a última palavra. Algo remete, de longe, à versão poderosa de Meu Guri, mas sem pedir licença ou permissão. Ao fim, atropelado. Das contradições de Brasis, de Seu

Jorge, Elza segue de mãos dadas com BNegão e Pedro Loureiro em Blá-Blá-Blá que olha para as palavras e frases repetidas à exaustão em consonância com os poderes político-financeiros em que um grito incidental de amor se ressignifica, politizando o melô de corno famoso no timbre de Tim: “me dê motivo / pra ir embora”. Entremeado com o Rap cortante de BNegão, está determinado que para Elza e seus parceiros que os discursos e bordões conservadores não lhes servem nem para o povo que cantam. A alternativa excludente não é uma opção, amar por vezes é motivo para deixar. Gonzaguinha marca presença duas vezes na voz de Elza. Essa figura-símbolo da redemocratização, filho do mais popular dos artistas brasileiros e que viveu o país em sua essência tem seu Comportamento Geral e sua Pequena Memória para um Tempo Sem Memória gravadas em arranjos impecáveis. Na primeira, voltam os baixos e guitarras suingados; no segundo, o trabalho com adição de samplers à banda dão um novo lugar às canções às vésperas da terceira década deste século. Seguindo como cancioneira, Elza não esquece de cantar a violência e lembra que “a carne mais barata do mercado não está mais de graça / o que não valia nada / agora vale uma tonelada / não


tem bala perdida / tem bala autografada”, em parceria com Rafael Mike. E faz sua crítica aos Che Guevaras de sofá. Elza sabe quem representa e quem não a representa. É nesse mesmo espírito que canta Virei o Jogo, em que reafirma aquilo que permeia todo o disco, ela é quem é e não tem medo. É uma música de resistência e afirmação, é força de

quem sabe que sua voz não lhe pertence, mas a todo o povo. Planeta Fome é o povo, em todas as suas facetas, marchando. Um retrato desnudo e desmascarado de todos nós, povo mestiço e pobre que segue enfrentando as mesmas questões do seu passado. Maldita Geni! Você tem fome de quê? Você tem sede de quê?


EVENTO Por Ana Sniesko

W O H S C I S U M E C N E I R E P EX ONORA S A T A N A E N REÚ

Antecipando tendências e se fortalecendo como um ponto de encontro do setor, a segunda edição da feira traz músicos, indústria e adoradores para o mesmo palco

U

m dos eventos mais aguardados do ano, a MSE EXP se fortalece como o grande encontro entre a indústria da música e o seu grande público. Inovações em áudio, instrumentos musicais, equipamentos para palco, tecnologia para eventos e tantas outras frentes de negócio estarão reunidas entre os dias 19 e 22 de setembro, no São Paulo Expo. “Acreditamos na música como cultura, festa, geração de conteúdo e principalmente como elemento importante na economia. Unindo o físico ao digital, o produto ao serviço, o conteúdo à inspiração, a música é a nossa vida e a Music Show EXP nosso meio”, comenta Daniel Neves, idealizador da MSE EXP. Kiko Zambianchi, um dos maiores hitmakers do pop-rock nacional, abre a agenda de palestras da feira, no dia 19 de setembro, a partir das 13:45. Ele fala

sobre inspiração, a liberdade de compor e seus atalhos, além dos cuidados com a música no momento da finalização. A feira contará com os grandes players do mercado de instrumentos musicais, que dividirão espaço com equipamentos e tantos outros produtos destinados ao setor. “A feira é fundamental para reunir fabricantes, importadores e lojistas em um único local. É a oportunidade de mostrar todas as novidades ao mercado, músicos e influenciadores, além de incentivar aqueles que nunca tocaram a comprar o seu primeiro instrumento”, destaca Dino Verdade, CEO da rede de escolas Bateras Beat. Alguns dos expositores ainda estarão fomentando conteúdo de qualidade nas palestras e workshops. Um dos destaques é a participação de James Laney, CEO da Laney Amplificadores, da Inglaterra. Laney vem ao país para falar sobre

o futuro do mercado da guitarra no ambiente digital. “A MSE hoje tem um papel fundamental na vida do músico, pois aproxima quem está produzindo algo no cenário musical, seja loja, fabricantes, handmade. Ela te conecta com o que realmente está acontecendo no mercado, além de criar um ambiente propício para networking, que só tendem a se fortalecer durante e após a feira”, destaca Daniel Neves.

CONTEÚDO PARA TODOS OS GOSTOS

A programação ainda contará com palestras e painéis sobre sound design, marketing digital, posicionamento e construção de carreira como músico, universo dos áudios para jogos, sonorização para igrejas, sincronização e ensino musical. Para os músicos, o evento abre uma oportunidade de conversa com pro-


O Rock Beat Show promete bater os recordes de eventos anteriores e proporcionar momentos como esse.

fissionais que têm dificuldade para ampliar os horizontes no dia a dia do mercado. “Na feira, o músico se depara com um momento em que todos estão dando o melhor de si, fortalecendo, assim, a profissão. Desse modo, o músico tem a oportunidade de acrescentar novas ideias e sair da MSE mais preparado para se posicionar frente às novas tendências do mercado nacional. Além disso, é possível aprender com os melhores no ramo a nível nacional e internacional, através de workshops e palestras gratuitas”, ressalta o Bruno Lima, músico e produtor. Os profissionais de áudio também contam com uma área planejada para recebê-los, com palestras e lançamentos que dialogam diretamente com as necessidades do mercado. Assim como os produtores musicais, que têm no evento a oportunidade de ampliar a sua rede de relacionamento.

CONSCIENTIZAÇÃO DO ENSINO MUSICAL

Já imaginou 1.500 músicos tocando ao mesmo tempo? É o que promete o Rock Beat Show, um dos momentos mais aguardados da programação da Music Show Exp. A iniciativa, que se inspira em uma ação realizada na Itália, tem como principal objetivo produzir um vídeo para uma campanha de conscientização do ensino musical. “Esse tipo de ação, de contornos épicos, causa interesse natural nas pessoas como um todo,

não só para aquelas do mercado da música, isso, consequentemente, atrai mídia e muita divulgação espontânea para a conscientização do ensino musical, que é o intuito da campanha”, comenta Érico Malagoli, diretor da empresa de captadores que leva o nome da sua família. Para participar da ação, qualquer músico pode se inscrever no site e levar seus próprios instrumentos no dia da apresentação coletiva, que acontecerá no Ginásio Municipal Pedro Dell’Antonia, em Santo André, a única atração que acontecerá fora do São Paulo Expo. “Paralelo a Music Show Exp, nós teremos o maior encontro de músicos da América Latina. Vamos gravar um clipe de Que País é Esse com mais de 1.500 músicos tocando ao mesmo tempo. E todo mundo que participar ainda vai ganhar um ingresso para a feira”, destaca Dino Verdade, CEO da rede de escolas Bateras Beat. Escolas, bandas e entidades parceiras já estão se movimentando para formarem alas especiais para a apresentação. É o caso do empresário Érico Malagoli. Em conjunto com a Revista 440Hz e com apoio da Fuzz Clothing, a Ala Malagoli reunirá amigos e parceiros para engrossar o coro e apoiar a campanha. “A expectativa é atingir o maior número de músicos possível, e gerar muito barulho para o mote da campanha e para a feira Music Show, que são os organizadores do Rock Beat Show. É para bombar no Youtube e todas as redes de televisão

mostrarem no horário nobre de domingo. Me senti obrigado a levar todos meus amigos para fazer parte disso”, comenta o empresário. Os guitarristas Paulo Toth, Eduardo Lira e Bruno Lima são alguns dos músicos convidados pela marca. O editor assistente da Revista 440Hz e produtor musical, Ian Sniesko, também marcará presença no grupo. Todos os músicos da ala usarão guitarras com captadores produzidos pela Malagoli e camisetas especialmente desenhadas pela Fuzz Clothing para o evento.

Music Show Experience 19 a 22 de setembro de 2019 São Paulo Expo - 1,5km, Rod. dos Imigrantes – Vila Água Funda 11h às 20h (5ª e 6ª feira) | 13h às 21h (Sábado) | 13h às 20h (Domingo) Ingressos a partir de R$ 15

Rock Beat Show

21 de setembro, às 16h Complexo Esportivo Pedro Dell’Antonia R. São Pedro, 27 - Silveira, Santo André (30 min do local da Music Show Exp).


RESENHAS

O Ã Ç A D E R A N S O M A T U C S E E QU HELP US STRANGER - A VOLTA TRIUNFAL DO THE RACONTEURS

D

epois de 11 anos de espera, o The Raconteurs está de volta com tudo. O supergrupo é formado por grandes nomes como Jack White (The White Stripes, The Dead Weather), Jack Lawrence, Brendan Benson, Patrick Keeler (The Afghan Wings) e, ocasionalmente, Dean Fertita (Queens of the Stone Age). A banda continua mantendo a fórmula já testada e aprovada dos discos anteriores. Em 2008, o hit Steady as She Goes chegou ao topo das paradas e consagrou o The Raconteurs. Agora, em 2019, o grupo conseguiu ir ainda mais longe: Help Us Stranger ficou em primeiro na lugar na Billboard Top 200 Albums. Um feito que é digno de respeito em tempos atuais, ainda mais se tratando de um álbum de rock. Musicalmente, o The Raconteurs apresenta no trabalho uma espécie de folk com roupagem do garage rock. Estilo reminiscente do The White Stripes, porém dessa vez mais maduro. A faixa de destaque, Help Me Stranger, serve de guia para entendermos o álbum: acordes abertos no violão pontuados, por linhas de guitarra distorcidas e precisas, dão suporte à voz de White e Benson. Na cozinha, um baixo sintetizado bem situado na mixagem e uma percussão de peso. Com o sucesso de Help Us Stranger, Jack White e companhia provam mais uma vez serem verdadeiros heróis modernos do rock, e proporcionam uma dose de confiança aos jovens artistas que também almejam fazer sucesso em tempos atuais.

APKÁ - CÉU

Fotos: Divulgação

A

cantora Céu percorre um caminho que deixa sua música mais hermética. É uma escolha curiosa, ela faz escolhas de composição e produção que são próprias do tropicalismo, sem esteticamente se parecer com o os jovens da década de 60. Isso pois ela mistura elementos de música pop atual navegando entre o intelectual e o popular sem filtros. O resultado é um disco estranhamente dançante, de bons temas melódicos, arranjos sintéticos e letras interessantes. Quando estreou nos rádios, mais de uma década atrás, Céu se firmou como uma das muitas belas vozes femininas brasileiras. Seu talento parecia que seria aprisionado em mixtapes (hoje playlists) de “vozes femininas”, um pouco indissociável. Porém os álbuns que se seguiram foram marcados por escolhas firmes que deram personalidade justa a sua bela voz. Os destaques ficam com as faixas Coreto, a qual ela dedicou um clipe de estreia, Forçar o Verão e a deliciosa Eye Contact, parceria com Tropkillaz, que encerra o álbum.


BOSSA GOT THE BLUES - A BOSSA NOVA MODERNA DE BOSSACUCANOVA E ROBERTO MENESCAL

E

m Bossa Got The Blues, Bossacucanova, uma banda que já está na estrada desde 1997, se junta a Roberto Menescal e apresenta ao mundo mais um dos seus trabalhos vanguardistas. A premissa do grupo sempre foi a mistura da bossa nova com elementos modernos e eletrônicos, e quem acompanha a cena musical tipicamente brasileira deve se lembrar do alvoroço causado pelo grupo no final dos anos 90, um alvoroço que chegou a importunar alguns puristas na época. Quase 20 anos depois, é difícil mesmo ao mais conservador dos ouvintes negar que o futuro da música esteja na mistura de ritmos e estilos que antigamente pareciam intocáveis. Bem produzido musicalmente, o álbum, apesar da premissa à primeira vista curiosa e sagaz, cumpre muito bem o que propõe. Os elementos eletrônicos dividem bem a composição com instrumentos acústicos: não há competição ou briga por espaço. O álbum possui faixas tanto pautadas em argumentos mais tradicionais, como Blues Bossa, que, como o próprio nome diz, é uma mistura dos dois estilos quanto faixas mais vanguardistas, como Laudir’s Theme, contando até mesmo com uma batida eletrônica que faz um bom trabalho em segurar o groove e o gingado tipicamente brasileiros. O álbum é, portanto, uma boa e amigável pedida para ouvintes de todos os níveis de conhecimento no mundo da bossa nova, especialmente para leigos que procuram conhecer o gênero musical de uma maneira fácil e divertida.

FREE - IGGY POP EM BUSCA DA LIBERDADE MUSICAL

É

cansativo ser uma lenda viva do rock: por mais que o gênero seja sinônimo de liberdade e rebeldia, as pessoas sempre esperam algo muito específico vindo de você. Em Free, Iggy Pop se liberta do fardo que carrega de sua longa e cansativa carreira e apresenta a nós um pouco do seu verdadeiro eu. As faixas, pessoais e atmosféricas, parecem se ligar entre si para formar uma história maior e nos mostrar um lado diferente de Iggy: uma faceta suave e até um pouco jazzística de alguém que é considerado o avô da música punk. Um ato, no mínimo, ousado. Ao ouvir a faixa introdutória, paira no ar uma sombra de dúvida e até estranheza sobre o que virá pela frente. Depois do breve momento de mistério, a identidade inconfundível do artista, mesmo de um jeito pouco visto antes, ganha forma e confere ao ouvinte um sentimento de familiaridade em Loves Missing, com uma linha de baixo forte, guitarras minimalistas, arranjos de metais simples e algumas camadas eletrônicas suaves. Outra música que merece destaque no álbum é o seu primeiro single, James Bond. Uma composição atraente e divertida, a faixa parece nos mostrar que, apesar de cansado, Iggy está feliz em sua nova forma. E o mais importante: livre para desbravar novos horizontes da música.

III – LUMINIEERS

T

ermine seu café orgânico, suba em sua bicicleta e vá comprar o novo álbum do Lumineers em vinil. A banda que cantou o amor hipster em 2012 e com seu belíssimo folk Ho Hey está de volta com o ambicioso álbum III. O terceiro na carreira da banda é formado por três EPs de três músicas que formam uma narrativa (I - Gloria Sparks, II - Junior Sparks e III - Jimmy Sparks). Complementam o álbum quatro “faixas bônus” que estão relacionadas a projetos paralelos (inclusive trilhas sonoras) dos quais a banda participou desde Cleopatra. Em tempos de lançamentos digitais e estratégias que cada vez mais se afastam da produção de álbuns conceituais, o Luminneers usa a própria lógica do mercado para contrapô-lo. O som é aquele que conhecemos, carregado nas cordas acústicas, vozes sofridas e até um pouco mais arrastado que os álbuns anteriores. É a música dos arredores da Washington Square em Nova York, das madrugadas inebriantes dos universitários que continua a se renovar.


SOBRE O PALCO JACK GREY:

UM ENCONTRO INUSITADO Jack White, ex-vocalista do White Stripes e líder do Racounters, destacou as novas músicas que lhe dão esperança em relação ao rock’n’roll. A lista faz parte de um convite da revista Rolling Stone, onde ele elogiou músicos como The Black Keys e Twenty One Pilots. Mas a última do músico foi um encontro inusitado com Jack Black, o lendário personagem do filme A Escola do Rock e vocalista da banda Tenacious D, em que eles fazem um duo apelidado de Jack Grey. A apresentação não foi divulgada. Será que se trata apenas de uma piada?

A linha Twinplex™ começou a ser testada pela Shure em alguns eventos bem “singelos”, como o programa The Voice, a premiação do OSCAR 2019, os Grammy Awards e a grande final da NBA. Depois de passar por esse crivo, os microfones omnidirecionais de lapela e headset subminiatura já estão disponíveis no mercado brasileiro. Os aparelhos oferecem qualidade de áudio e máxima durabilidade para desempenho em teatros, TVs e cinema. O TwinPlex foi projetado para suportar as condições mais difíceis e proporciona áudio natural nas frequências graves e agudas, garantindo um desempenho vocal profissional, sem ruídos. “No desenvolvimento do TwinPlex, nós coletamos valiosas contribuições dos mais importantes profissionais do mercado durante cada etapa do processo e testamos os protótipos intensamente para garantir o melhor produto”, declara John Born, gerente sênior de produtos globais da Shure. “Esse trabalho resultou em um amplo portfólio de mais de 60 versões com diversas cores, conectores, cabos, respostas de frequência e sensibilidades para atender a qualquer aplicação que necessite de um som com qualidade excepcional e durabilidade sem precedentes”, finaliza.

Para saber mais: www.shure.com

Fotos: Shutterstock e divulgação

MICROFONE DO THE VOICE CHEGA AO BRASIL


MÚSICAS NÃO TOCADAS

O

projeto ABQNE (A Banda que Nunca Existiu) é uma viagem pela trilha sonora de composições de diversos artistas do cenário musical. “Guardada no baú do tempo e redescoberta por uma lacuna na memória” como descreve a dupla de compositores Humberto Lyra e Luiz Pissutto, autores do projeto. A gravação do primeiro álbum tem a participação de Zeca Baleiro, Pedro Mariano, Paulinho Moska, Augusto Licks (ex-Engenheiros do Hawaii), Luanah Camarah (Malta/ex-The Voice) e do Projeto Chumbo. A dupla pretende destinar parte da renda arrecadada com o projeto para instituições que atendem pessoas com câncer, em memória de suas mães. “Juntamos vários sotaques da música brasileira. O maranhense, o carioca, o paulista, o gaúcho e o paranaense com o conceito de que se a canção é boa, ela não tem gênero: seja rock, pop, MPB, música latina ou erudita. É aquela sensação de ‘random’ ao ouvir as oito faixas que compõem o álbum, repletas de letras atemporais e algumas até redescobertas na nossa ‹Caixa de Pandora› com mais de 20 anos. É um trabalho que expressa antes de tudo o amor à música e como a canção é importante nas nossas vidas, já que quase todas as letras têm a palavra canção”, afirmam. O projeto A Banda que Nunca Existiu já está em fase de acabamento e tem previsão de lançamento para o 2º semestre de 2019.

VOZES NA TELA Novas promessas do cenário musical brasileiro estão na tela do Canal BIS com a estreia da 11ª temporada de “Experimente”. Sob comando do apresentador Guilherme Guedes, o programa reúne novos artistas e bandas de diferentes partes do país e de diferentes estilos musicais, para apresentações que misturam performances e entrevistas. A temporada conta com 12 episódios, sempre às terças-feiras, e mostrará ao público o trabalho de Duda Beat, Drik Barbosa, Pedro Mann, Edgar, Josyara, Illy, Luccas Carlos, Romero Ferro, Muamba, Jade Baraldo, Amelie e Bia Ferreira


NÓS FOMOS Por Fernando de Freitas e Ian Sniesko

E D A V I T A I R C O Ã S S U C R E AP

à L O B O D N A L OR A felicidade expressa sobre o palco que transparece em sua batida

S

ão Paulo tem dessas coisas, o Jazz nos Fundos fica ao lado do tradicional Bar do Biu. Os Correios chamam de Jardim América ou Cerqueira César, a alguns quarteirões da Vila Madalena, mas todo mundo sabe que é em Pinheiros. O Bar do Biu é um restaurante de comida nordestina que atrai gente interessante das artes, da música, do cinema, do teatro, das letras, jornalistas e intelectuais de toda sorte. A comida é boa, a cerveja gelada e nada sofisticado. Já o Jazz nos Fundos é uma das principais casas de música de São Paulo, seu público também é interessantíssimo e parte dele também poderia transitar no restaurante ao lado. O show de Orlando Bolão é um desses acontecimentos próprios de um retrato paulistano (ou de cidades cosmopolitas e contraditórias). À exceção do próprio percussionista, é difícil saber quem é plateia e quem será o próximo convidado a subir no palco. No espaço intimista da casa, Guga Stroeter conversava com amigos antes de subir ao palco para tocar, Graça Cunha, após mostrar sua voz,

voltou a circular entre o público e o DJ Dudão surgiu sabe-se lá de que canto do bar. Era um show entre amigos para amigos. O percursionista baiano sorria e se divertia, com o microfone na mão, contava dos amigos, explicava dos ritmos. Com uma leveza que poucas vezes um músico mostra ao estrear um álbum. A noite foi daquilo que propõe a música de Bolão: felicidade.

MÚSICA PARA TODOS

Quando um ritmista lidera uma banda, a tendência é de uma música generosa. No jazz os exemplos são muitos, como Gene Kruppa e Chick Webb. Os grandes bateristas e percussionistas são generosos, pois sabem a importância que tem na sustentação de uma banda e o seu barato (ou boa parte dele, pelo menos!) é poder dar a base em que os outros músicos podem se destacar. Os fora de série sabem o momento exato de elevar seu brilho sobre a banda e voltar. Foi com essa cumplicidade e olho no olho que Bolão comandou a noite com a banda dos seus sonhos para o show:

Cuca Teixeira na bateria, Augusto Albuquerque no baixo, Webster Santos na guitarra, Agenor Lorenzi nos teclados e no naipe de metais Rubinho Antunes (trompete), Tércio Guimarães (sax) e Paulinho Malheiros (trombone). E o espírito generoso também se estendeu ao público, a música tocada na noite era acessível a todos os ouvidos. Cada nota, por mais estudada, por mais planejada que fosse, era uma nota longe do hermetismo instrumental. Aquela música não é feita para poucos, para nichos ou ouvidos específicos, é música para ser tocada em qualquer lugar e a qualquer hora. Até Miles Davis e seu cool jazz ganham roupagem suingada e alegre diante da mixação do DJ Dudão e dos tambores de Orlando. O vibrafone sequer causa estranhamento na performance dançante se Guga Stroeter à frente do palco como convidado. Happiness parte agora para apresentações pelo Brasil e pelo mundo. A começar por Salvador. A Revista 440Hz deixará seu leitor informado nas redes sociais.


ÃO O ÁLBUM HAPPINESS Contando com participações de peso, o percussionista Orlando Bolão apresenta seu mais recente trabalho: Happiness. Influenciado pela cultura brasileira, altamente miscigenada, o músico explora sons percussivos inusitados produzidos através de objetos do cotidiano. O álbum também deixa em evidência, propositalmente ou não, influências do jazz e do reggae. A primeira faixa de Happiness já desperta forte curiosidade no ouvinte e deixa clara a proposta do disco. É interessante perceber a importância do berimbau para a harmonia da composição, e como ela trabalha em conjunto com os metais em movimentos de tensão e relaxamento precisos. Na segunda parte da música, o piano nos dá uma agradável e inesperada surpresa. Em algumas faixas, Orlando se utiliza também da alta maleabilidade sonora dos sintetizadores, que colorem as faixas e trazem uma atmosfera moderna e misteriosa para as composições. Outro ponto de destaque são as guitarras: o instrumento, que normalmente demanda toda atenção para si, no álbum é usado sem excessos ou virtuosismo desnecessário, algo que traz mais precisão à

mensagem que a música quer passar. Sem dúvidas, Happiness é um daqueles discos que dispensam rótulos. Além do mais, o trabalho emana a miscigenação e traz consigo uma mistura de texturas e sons que proporcionam uma verdadeira viagem sonora que parte dos ritmos brasileiros para conquistar o mundo.


TEATRO Por Fernando de Freitas

: E U G A P S E H L S U E D Jé de Oliveira reúne constelação de talentos na montagem de Gota d’Água {Preta} que conta com Juçara Marçal

uando dizemos “Chico”, sabemos estar falando de Buarque. Pelo menos foi assim, durante os muitos anos, em que ele foi uma aparente unanimidade. Falar mal de Chico era como falar bem da ditadura. Um tabu. Mas os tabus foram por água abaixo e o próprio Chico descobriu que não era tão amado assim. Ele continua gravando esporadicamente, ao que se seguem temporadas de shows esgotados, e focado em sua carreira literária. E nós, bom... nós descobrimos que Francisco Buarque de Holanda é um ser humano. A mitologia chicobuarqueana começa quando um rapazote carioca filho de

Fotos: Evandro Macedo e Fernado de Freitas

A I R Á S S E C E N O Ã Ç U R T S A DESCON Q E U Q R A U B DE CHICO


intelectuais e irmão de uma talentosíssima cantora de Bossa Nova se revelou, na transição entre o exclusivíssimo Colégio Santa Cruz e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, um compositor de sambas elegantes. E nesse começo promissor, ele escreveu um tanto de canções que pareciam transcender o entendimento que esperavam daquele rapaz de voz magra. Começaram as parcerias com Tom, Vinicius, Toquinho e Francis, entre tantos. Se enveredou no teatro (Roda Viva, Calabar, Gota d’água, Ópera do Malandro e O Grande Circo Místico, bem como as adaptações de Morte e Vida Severina e Saltimbancos) com o mesmo sucesso. Com cara de bom menino, ele tinha as letras censuradas pelos agentes da ditadura e, com o jeito maroto de seu sorriso, criava novas letras e enigmas que faziam a prestidigitação necessária para levar suas músicas para o acetato. Era tudo muito sedutor. Todos queriam

ser amigos do Chico, beber com o Chico, ser o Chico, transar com o Chico.

JUÇARA E JÉ

As protagonistas de Gota D’Água {Preta} são representadas por Juçara Marçal e Jé Oliveira (ele também diretor da montagem). Juçara é um nome conhecido dos palcos, mas não do teatro. Ela é a voz do grupo Metá Metá e, portanto, uma referência forte na música brasileira. De uma perspectiva de quem vê arte como a exploração do desconforto, ela se engajou no projeto de Jé sem jamais ter sido atriz profissional, e como os desconfortos são a força motriz do texto e da montagem, nada mais justo que estar ela mesma nesta posição sobre o palco. “Eu aceitei como desafio. Ainda estou descobrindo o que me ajuda e o que me atrapalha”. Diz Juçara. Mas Jé deixa claro a importância de ter Juçara no palco, a quem considera “a voz negra mais importante da atualidade”, e

da parceria que começou durante o trabalho de pesquisa para a montagem da peça. Pois, após o trabalho de Farinha com Açúcar, peça que trabalhava as canções de Racionais MCs, seu desafio foi de reapropriar-se de uma cujo “imaginário é nosso e que estava sem a gente” e viu a necessidade, nesta restituição, de firmar um princípio “nada de nós sem nós”. Juçara reconheceu a importância da proposta de Jé e do grupo que se formava. “Era um projeto que eu não podia deixar de participar. Por questões sociais e políticas que são importantíssimas nesse momento. E eu aceitei o convite do Jé apesar de todas as minhas limitações. Hoje eu acho que até faz sentido uma não atriz no papel”. Assim, Jé e Juçara não emprestam seus rostos e vozes aos textos, eles põem em prática a proposta de agarrar o texto com unhas e dentes para entregar a montagem que lhes pertence. Ele vem do Rap


TEATRO para o teatro, então seu teatro não pode deixar o Rap de lado. A conversa entre Racionais e Chico, para ele, se torna natural pela coerência política entre eles, e considera que faz uma “passagem de bastão oficial”. Do seu trabalho como musicista, Juçara trouxe algumas experiências que marcam a peça. “Faz parte na nossa linguagem musical e não é à toa que Flor da idade se torna um funk no final da peça”, diz ela. Mas ressalta: “hoje não penso que essas músicas integrem meu repertório. Muita gente gravou em versões quase definitivas: a Bibi (Ferreira), a Gal (Costa) e o próprio Chico, por exemplo”. Seu parceiro de palco lamenta: “nós estamos tentando convencê-la de que, pelo menos, ela grave Paó, que ela musicou”.

NÃO TÃO COADJUVANTES

Ninguém ofusca estrelas, mas Aysha Nascimento e Rodrigo Mercadante têm luz próprias. Se Corina e Creonte são personagens centrais, a atuação e sensibilidade dos atores os coloca em evidência. É a força da interpretação no sentido mais literal da palavra. Logo no início da peça, Aysha domina o palco com uma performance de dança que representa a pomba-gira de Joana. “Já me perguntaram se eu incorporo no palco. Mas não, imagina, a pomba-gira ia ter de saber a deixa” ri a atriz, mas ressalta que para a cena ela, que é adepta do candomblé, faz uma preparação espiritual, que começa antes mesmo de a peça estrear, pede licença ao santo, que está representado pela champanhe e três rosas presentes no palco. A atriz pensa no teatro integrado com as demais artes e a música é um elemento importante do teatro épico (linha estética que segue Aysha e o grupo que teve Brecht como um de seus principais expoentes). Assim, a música ao vivo e a dança entram em cena naturalmente nas montagens. Sendo atriz desde pequena e frequentando desde os 17 anos a Escola Livre de Teatro, cursou

Dança na faculdade como uma forma de expandir seus conhecimentos sobre o palco. Já a figura de Rodrigo Mercadante contrasta com a se sua personagem. O ator é boa praça, de modos gentis e conversa que se perde entre digressões. Enquanto se preparavam para apresentar a peça e cada um fazia seu aquecimento, o ator pegou emprestado o violão de cena e começou a tocar Foguete, composição de J. Velloso e Roque Ferreira. “É uma música de um nível de delicadeza poética e musical. Tem um verso lindo que diz você chegou no amiudar do dia. É lindo”. E nessa conversa poética ele, que na peça representa a face brutal da sociedade, conta como foi sua experiência: “a gente aprende a gostar de poesia pela música” e ele diz que foi um presente poder fazer esse texto de Chico Buarque e Paulo Pontes, “que é rimado e surpreende porque não parece rimado e seu ritmo tem a batida de samba canção”. Nessas presenças marcantes na peça, pelo texto e pela atuação Aysha/Corina e Rodrigo/Creonte também se destacam ao se contrapor na peça. Cada um representa um extremo, ela a lavadeira e a cultura popular, ele o empresário. Rodrigo revela na conversa, inclusive, suas próprias questões referentes à raça: “Tenho ascendência negra, por parte de mãe. Mas não me sentiria no direito de me dizer negro, uma vez que sou “lido” socialmente como branco. Não tenho na memória registro de ter sofrido racismo da maneira como relatam meus companheiros negros. Minhas memórias de opressão vêm mais pelo viés da orientação sexual. Isso não me impede de saber em que lado da luta eu quero estar”. Os atores contam sobre a experiência com Juçara no palco. “É uma loucura cantar Chico do lado da Juçara. Eu fico do lado dela, você viu!” diz Aysha. Já Rodrigo diz que “é um processo pelo qual ela precisa passar”.

PODE SER A GOTA D’ÁGUA

As linguagens musicais do funk e do rap invadem o samba-canção acadêmico de Chico Buarque na peça, a banda conta com um DJ e Instrumentistas de primeira linha. O sampler de Gota d’água é onipresente e as vozes de Chico e Bibi Ferreira aparecem durante peça em inserções. O músico Gabriel Loghitano, que assume guitarra, violão e cavaco (além de trabalhar com os atores o aquecimento de voz antes de entrarem em cena), conta que sempre se emociona quando toca Basta um dia com a estrutura da música e a linha do sax tocado por Suka Figueiredo. Embora tocar Chico Buarque não seja uma novidade para ele, que se apresenta com o projeto Dos Chicos tocando o Buarque, o César e o Science, se preparou para a peça com foco em alguns pontos específicos, estudou a peça, trabalhou as estéticas da montagem e estudou guitarra caribenha. Um recurso de cena é interessante. Apesar de todos os atores usarem microfone de lapela, em determinados momentos da peça, em especial naqueles em que os atores se desdobram no HipHop, eles usam microfones posicionados em pedestais no palco. O curioso é que os microfones precisam ser abertos para isso e os de lapela fechados pelo técnico de som no mesmo instante, sob o risco da proximidade entre eles os anularem. Apesar desta conversa entre o rap e a MPB ser uma linha que conduz a montagem, musicalmente é um diálogo que já vem sendo travado por muitos. Neste caso, o grupo o faz com a maior competência. Mas são duas intervenções que impressionam, a composição original de Juçara sobre Paó, que ela canta com a força dessa peça inteira em sua voz e a versão de Flor da idade em um funk. A música ganha novos ares, o que a renova do desgaste que o tempo, impele aos sucessos e a ressignifica, renovando toda a peça. É por meio dessas duas músicas que o grupo restitui ao imaginário popular a peça.


ASSI S TA

Já me se perguntaram o eu incorporo n palco. Mas a não, imagina, pomba-gira ia ter de saber a deixa.”

Acima Aysha dança sobre o Palco. Abaixo juçara e jé como joana e jasão se encaram. No vídeos. Chico descobre que não é tão amado, Rodrigo Mercadante toca violão em momento de descontração e os vídeos de divulgação da peça. Crédito Marilia Lino


DINOSSAURO Por Matheus Medeiros

! U O T L O V ELE

! L E V Í R O IMOR

N

o breu da noite paulistana, uma moto despenca de uma ponte. Era Roberto. Ou melhor, é Roberto. Entre erros e acertos, o cantor pernambucano de voz sedutora e roupas coloridas havia decidido sair do bar Avenida e seguir em busca de mais algumas horas de diversão. A morte o aguardava. No caminho, dois caminhões que se aproximavam na travessia não o deram escolha. A moto caiu da ponte e Roberto… também. Algumas lendas dizem que quando a morte chega, ela nos mostra os momentos mais marcantes da vida. Enquanto pendia no ar, Roberto Santos de Melo, ou para os mais íntimos, Di Melo, relembrou, no primeiro instante, a infância e adolescência em Recife e suas primeiras apresentações musicais nos bares Aroeira e Bumba Meu Bar. Outro flash mostrava o dia em que ele havia criado coragem para mostrar suas músicas a Jorge Ben e este lhe disse que fosse a São Paulo encontrar um empresário, Roberto Colossi. O terceiro, foi intenso e feliz. Ambientado no bar Jogral, uma das casas em que mais havia se apresentado na capital paulista, Di percebeu a voz de sua madrinha de carreira, Alaíde Costa: “Moacir, Moacir! Conheci um baiano que tem o total controle sobre o público em suas apresentações. O povo chega no início e aguarda até o final, disse a moça ao diretor da grande gravadora da época”. No final, a memória amarga. A da gravação de seu primeiro e mais famoso disco: “Di Melo”, na metade da década de 70. Só arrepios. E por mais que reconhecesse a importância dos 15 dias que sucederam o enorme sucesso, aqueles 11 cruzeiros recebidos pelo primeiro trimestre de vendas o fizeram sair de cena. O momento final se aproximava e, não satisfeito com o desfecho, clamou à Morte para que o poupasse. Após o último lapso de pensamento e num forte estrondo, Di afunda junto a sua moto em um rio. É o fim? Ele se perguntava.

Uma crônica sobre o cultuado Dimelo, seus sumiços e aparecimentos

Meses mais tarde, o barulho do telefone o faz acordar. Assustado, Di rapidamente vai de encontro à primeira pessoa que vê e pergunta: “Eu morri?”. Rapidamente a enfermeira o informa que ele havia ficado desacordado por 6 meses. Num suspiro aliviado, Di atende o telefone. “- Alô?”. Agoniado, Di percebe a voz de um antigo amigo no outro lado da linha. “– Tá todo mundo dizendo que você morreu, Di.” Com a voz firme, Di responde: “– Ledo engano, meu amigo, ledo engano” – e desliga. Anos mais tarde, após se recuperar do acidente, Di rumava, sob forte chuva, para mais uma de suas apresentações. Chegando ao local, um homem alto e de semblante misterioso se aproxima e diz: “– Você salvou a minha vida!” Confuso, Di o questiona sobre como ele pode tê-lo salvado. “– Quem, eu?” Em prontidão, o homem tira da mochila molhada um antigo exemplar em vinil de um de seus discos e com o dedo molhado aponta para “A vida em seus métodos diz calma”. “– Eu estava pensando em me matar. Ouvi essa música e não a consegui tirar da cabeça. Vim aqui hoje só para te agradecer, obrigado!” Com um sorriso no rosto e lágrimas sob o resto que se misturavam à forte chuva, Di responde em tom de recital: “– Eu costumo dizer que a vida é una e nela você não é aquilo que quer lhe prazerar. Se você está aqui e não sabe até quando irá ficar, não há como considerar o que possa vir a ser ou se chamar, viva!”

Nota do Editor: Di Melo, apesar de muita boataria não morreu. Continua se apresentando com certa parcimônia e dando entrevistas a jovens jornalistas. Sua música é descoberta e redescoberta no analógico e no digital e seus vinis disputados pelos DJs.


COXIA

DINOSSAURO

E D A T E R C E S A I R Ó T S I H A C I T S A FANTÁ ERÓIS

Por Fernando de Freitas

Anneliese Kappey

H R E P U S S O E É R D N A IRO

Importante! Essa é uma narrativa fictícia inspirada na maravilhosa série documental dirigida por André Barcinski “A História Secreta do Pop Brasileiro”.Este conto/crônica nada tem de documental ou compromisso com os fatos, pretende apenas de homenagear seu trabalho.

E L I S A R B P O P DO

“A

ndrei Barcinski, certo?”, disse o senhor de pernas cruzadas e costume impecável, levantando os olhos do jornal. “Conheci um Andrei Barcinski. Um polaco. Camareiro do Lido, em Paris”. Era Jorge Daniel, em perfeita postura portenha, como se em La Biela estivesse a tomar seu cortado aproveitando o sol de uma manhã na Recoleta. O sorriso sutil dava ambiguidade à afirmação. “Sente-se.” Daniel abaixou o jornal e, em sincronia com o movimento de André, da mesa atrás dele veio um homem baixo e corpulento, apoiando ambas as mãos sobre uma bengala em frente ao corpo após se sentar. Os nós impressionantes dos dedos alinhados com o queixo e o olhar fixo. “Você acha que ele é confiável, Jorge?” “No lo se, Prini. Mas o Andrei aqui está fazendo preguntas que um dia precisam ser respondidas”. Eles olhavam para André fixamente. Ele, que desde cedo assumira que as páginas do jornalismo cultural o deixariam longe das enrascadas que os amigos dos cadernos policiais se deliciavam em contar. ‘Ele’ significava um enigmático argentino que fora parceiro da Ava Gardner, contracenara com Oscarito e Grande Othelo, teve carreira em Paris e fez sucesso no Brazilian Ghengis Khan. Agora, em nada parecia com o homem sem camisa, careca e com a longa trança. O outro era Prini Lores, alguém que imitava tão bem Trini Lopez que, quando foi ao México, teve que enfrentar os rufiões que colocaram a cabeça do americano a prêmio. Pior para os rufiões, contava a lenda. “Escuchame Andrei! Você está chegando muy próximo de um segredo da indústria. Nós estamos aqui porque já fomos revelados, mas temos que proteger muitos outros”, disse Daniel sem titubear, e completou: “O que vamos te mostrar hoje só pode ser revelado una parte. Só a parte creíble”. André concordou acenando a cabeça. Antes que pudesse fazer qualquer pergunta, Daniel e Prini se levantaram e André os acompanhou. Entraram em um carro preto, enorme, parado em

frente ao restaurante, que ele jurava que não estava ali quando chegou. Os vidros eram escuros e sabia que ninguém poderia vê-lo na companhia daquelas lendas. Saíram das ruas quase portenhas da Santa Cecília, subindo a Consolação e seguindo pela Avenida Paulista com seus banqueiros e mendigos. Quando achou que ia parar no Paraíso, esboçou um sorriso, mas passaram direto. Perdeu o direito à ironia. Quando o carro parou em uma pequena rua da Vila Mariana, André percebeu que não havia ninguém sentado no lugar do motorista. E esse passeio, que começara estranho, com figuras POP falando de maneira misteriosa, estava se tornando assustador. A porta do casarão estava aberta e Daniel e Prini ficaram no carro. André entrou sozinho. Setas rosas de gaffer tape apontavam para a escada que levava ao subsolo. Era uma escada pouco íngreme e longa. Calculava André que devia atravessar o terreno e ultrapassar seus limites. E de sua saída brilhava uma enorme luz. Era tarde demais para voltar. Se era curiosidade ou uma atração além da racionalidade, não sabia. Era tarde demais para desistir. Empurrou a porta. Mudou de repente a incidência de luz. Alguns segundos para as pupilas e receptores se adaptarem. Recuperou a visão e se revelou uma enorme sala de controle. Um estúdio. Detrás do vidro ele viu Steve Crooper e uma versão envelhecida de Otis Redding cantando. Mal podia acreditar. Cada nota. Ao fim da canção, se distraiu e já estavam na sala Muddy Watters e Little Walter tocando. Ao fim da música, André não desprendeu o olhar e viu as figuras se transmutarem novamente em John e Paul. E a cada música aqueles seres mudavam diante de seus olhos. Quando acabaram, as pernas de André não se firmavam no chão, as figuras atravessaram a parede entre a sala de gravação e a de controle, estenderam as mãos e disseram: “Nós somos os irmãos Carezzato, mas nos conhecem como Os Carbonos. Somos as cópias de qualquer um que quisermos. Você vai contar nossa história, mas não vai contar toda a verdade”.

Ana Sniesko Erico Malagoli

Camila Duarte Fernando de Freitas

Herbert Allucci Ian Sniesko

Matheus Medeiros

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA

Tatiana Carline

440 Hz



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

Editorial e Expediente

1min
page 4

Cena e Ensaio

3min
pages 6-7

Mamah Trindade - A cantora de corpo e alma

2min
pages 8-9

E então se fez Hip Hop

5min
pages 10-13

Cozinha

3min
pages 14-15

UMA ARTISTA QUE TOCA BAIXO EM UMA BANDA DE ROCK

6min
pages 16-18

STEVE SHELLEY - DNA DE MÚSICO

3min
pages 20-21

ME ACOMPANHE SE PUDER

3min
pages 22-23

A Silibrina do Filho de Tonheta

2min
pages 24-25

LUTHIERIA - MUSICA ARTESANAL

6min
pages 30-33

QUEM TEM VOZ

4min
pages 34-35

XENIA FRANÇA - UM MANIFESTO DE ANCESTRALIDADE

7min
pages 36-39

MUNDO BITA, CHAPS MELO E O CIRCO ENCANTADO

4min
pages 40-41

UM POUCO DE MÁGICA

3min
pages 42-43

BIXIGA 70 E SEU SOM UNIVERSAL

6min
pages 44-46

DENTRO E FORA DO ESTÚDIO

3min
pages 48-49

TITANIUM - TITA LIMA

5min
pages 50-53

PLANETA FOME

3min
pages 54-55

MUSIC SHOW EXP Reúne a nata sonora

4min
pages 56-57

Resenhas: Álbuns que escutamos na redação

5min
pages 58-59

Sobre o Palco

3min
pages 60-61

A percussão criativa de Orlando Bolão

3min
pages 62-63

Deus lhes pague: a desconstrução necessária de Chico Buarque

7min
pages 64-67

Ele Voltou! O imorrível!

2min
page 68
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.