ALBUM
VERSUS E X I ST E NC E: V O I D «Anatman»
(Gruesome Records/Nox Liberatio Records)
Depois das primeiras rotações de «Anatman» a interrogação que nos assalta de imediato a mente é esta: por que raio esteve um trabalho deste calibre guardado numa gaveta durante dez anos? Ao que parece, parte dele chegou a ser apresentado ao vivo em 2011, mas, por algum estranho motivo, os seus criadores não quiseram apostar seriamente nele, na altura, adiando a sua gravação até 2019. Felizmente o atraso não afectou muito o impacto da música que soa hoje (quase) tão excepcional como soaria há dez anos atrás. Suportado numa inusitada mescla conceptual que junta Nietzsche, ideias budistas e mitos do folk luso-galaico, os conimbricences Existence:Void (que são 3/4 do line-up dos Antichthon mais o baixista Filipe Gomes, dos Destroyers of All) apresentam aqui um trabalho claramente ancorado numa variedade de influências black metal, mas que convergem numa fusão de estilo coerente e num resultado final que está aí para resistir ao teste do tempo. A erupção desenfreada de “Eternal recurrence”, com subtis arranjos orquestrais (recorrentes, aliás, ao longo do disco) pode remeter de imediato para o black norueguês, mas depois as mudanças de tempo bem colocadas e o apelativo trabalho de guitarra revelam algo bem mais galvanizante. “Paragons of fury” reitera inclinações progressivas (à lá Akercocke), ao passo que o tornado de riffs em “Sword of overman” introduz referências a Mayhem a par de alguma dissonância. Ao contrário do que fez no álbum dos Antichthon, o vocalista Alex Mendes dá aqui preferência a um registo mais limpo, de quem apregoa manifestos a plenos pulmões, o que parece exprimir melhor as temáticas filosóficas subjacentes. Elementos contemporâneos de post-black (e.g. Cult of Luna) surgem em “Old saint” sem com isto comprometer a integridade e o traço progressivo (e não propriamente avantgarde) que volta a evidenciar-se no sofisticado “Resplendent sun”, particularmente nas tiradas criativas da parte final. A terminar em tom heróico, “Metamorphosis of man” sugere uma evidente vénia aos franceses Blut Aus Nord, sendo pois o número mais cerebral em oferta. Com um estilo de composição inteligente e apelativo e beneficiando de uma produção ao nível do que sai dos estúdios mais badalados do mundo, os Existence:Void acabam de apresentar um trabalho colossal com uma capacidade de impacto semelhante ao que os Sirius conseguiram em 2000 com o histórico «Aeons of Magick». Esperamos é de não ter de aguardar outros dez anos para ouvir o próximo disco da banda. [9/10] ERNESTO MARTINS
42 / VERSUS MAGAZINE