O papel da reconciliação no fortalecimento da liberdade de religião Alain Garay* “Sou eu o guardador do meu irmão?” (Génesis 4:9) Introdução A abordagem analisada aqui sob o tema da “reconciliação” no fortalecimento da liberdade de religião implica uma redefinição e uma crítica. Os organizadores deste encontro de peritos colocaram, logo à partida, este problema dizendo: “Não ignoram as questões jurídicas que dizem respeito ao exercício da liberdade de religião. O quadro dito da “reconciliação” […], que resulta de certos princípios derivados das próprias religiões, oferece uma outra forma de intervenção tendo em vista consolidar o exercício e a protecção da liberdade de religião.” Esta problemática actua como um recuo ideológico desde logo porque a priori o fortalecimento da liberdade de religião é de natureza estritamente jurídica e não religiosa 1. À partida, a noção de “reconciliação”, de origem religiosa, não é nem consensual nem unívoca, tendo em conta a sua origem ética e portanto, multicultural. De natureza moral, não é neutra, contrariamente à regra do Direito fixando, de forma universalista, o princípio da liberdade de religião. Por outro lado, assim solicitado no quadro de fortalecimento da liberdade de religião, pode tornar-se um instrumento de resolução das tensões e dos conflitos causando um impasse sobre as garantias essenciais da liberdade de religião que resulta do seu fundamento jurídico. Assim, podemos interrogar-nos sobre o recurso a esta noção de ordem moral (primeira parte) para chegar a integrar melhor na ordem jurídica, que não lhe é estranha (segunda parte). Com efeito, parece que não seria caso de poder haver reconciliação possível sem que seja, desde logo, afirmado e garantido o exercício da liberdade de religião. 1. Alcance e limites do recurso à noção de reconciliação no domínio do fortalecimento de liberdade de religião. A. A noção de reconciliação solicitada consagra o modelo da “sociedade contratual” A noção de “reconciliação”, de ordem moral e de inspiração religiosa, repousa numa lógica de compaixão. Pressupõe que as partes em presença estavam a priori conciliadas ou numa relação de respeito. Isso seria assunto 19