Consciência e Liberdade N.º 21 (2009)

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Nacionalismo e religião: o caso francês Émile Poulat*

O nacionalismo francês, é uma longa história com raízes profundas. É também, por isso, uma história complicada. É, talvez, igualmente, uma história ultrapassada, uma página virada, da história de França, restando, apenas, uma parte importante da sua herança. O caso complica-se ainda mais desde que se dê atenção às palavras que designam esta história ou a contam e aos embaraços da linguagem donde derivam. Nação surge desde o século XII, mas para designar grupos linguísticos no seio da Universidade de Paris. No início da Revolução Francesa (1798) a palavra passou a designar a federação das províncias nas fronteiras do país que ainda não eram as “fronteiras naturais” do Hexágono. Um dos primeiros actos será o “colocar os bens do clero à disposição da Nação”. Neste sentido, ao longo do século XIX, a Nação vai distinguir-se do Estado e até mesmo opor-se-lhe. Um século ainda e o primado passará para a República, transcendendo o Estado e as colectividades territoriais. Mas nação encontra um forte concorrente em pátria, que apareceu no século XVI por oposição a país (em alemão Vatreland, por oposição a Heimat). O “país” é a freguesia, a

aldeia, o pequeno país fechado sobre si mesmo que vai, lentamente, descobrir a grande pátria. É dessa forma que o camponês se torna patriota, assim como o patriota, olhando para além das fronteiras, se afirma nacionalista: temos compatriotas, não “conacionalistas”. A pátria integra, a nação separa. Patriota e patriotismo, formados no século XVIII, têm o seu início sob a acção da Revolução Francesa, conotados com a “esquerda”. O aparecimento da III República, em 1870, e o aspecto anticlerical do novo regime farão com que o patriotismo passe para a “direita”: a pátria é Joana d’Arc, assim como a República é a “meretriz”. O paradoxo da França e o ser um ramo dos povos indo-europeus, vindos em vagas sucessivas e integrados no cadinho das “fronteiras naturais” (mar, rio ou montanha, exceptuando o Nordeste): Celtas (que não foram os primeiros ocupantes), Gauleses, Romanos, Germânicos, Visigodos, Burgundos, etc., com, na periferia, a excepção basca. A França é um Estado fortemente centralizado desde há vários séculos, onde o provincianismo tem permanecido poderoso, onde o culto da língua francesa desde o Século XVII e o Cardeal Richelieu têm, desde há 67


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