CICLORAMA - V.8, 2020
de Andrade já observava: “se cada um fizer também das observações e estudos pessoais a sua gramatiquinha muito que isso facilitará pra daqui a uns cinquenta anos se salientar normas gerais, não só da fala oral transitória e vaga, porém da expressão literária impressa, isto é, da estilização erudita da linguagem oral”. De fato, muitas das contribuições de Mário foram absorvidas pelo chamado “registro culto” da língua; outras se tornaram marcas de um estilo pessoal, sem alcance capaz de modificar usos gerais. Cabe destacar: os modernistas tratavam de combater o eruditismo e abrir-se para o que circulava fora dele, na fala cotidiana como na poesia e na prosa populares e locais. Ombreando com Mário, Oswald falava da “contribuição milionária de todos os erros”. Por outro lado, considere-se: entre a rigidez da norma e sua dispersão, interpõem-se hábitos, trocas interregionais e locais, geracionais e de classe social que forçam tanto atitudes de mudança quanto necessidades de conservação de padrões. Destaquem-se alguns exemplos relacionados a um possível gênero neutro na língua portuguesa: 1) a mera mudança de um substantivo masculino por seu correlato feminino implica apenas uma troca de sinais, sem que se deixe de englobar em uma só designação as diferenças entre gêneros no interior de um determinado grupo (os/uns alunos, as/ umas alunas); 2) temos frequentemente encontrado a mudança de um substantivo ou adjetivo sem que se mude o artigo a ele ligado. Assim, “os amigues” permanece no masculino; encontram-se também ocorrências de artigo que substituem as/os por “es amigues”. Porém, nada garante a sua assimilação pela língua. É conveniente lembrar que não falamos inglês, onde os artigos são neutros porque a flexão de gênero está no substantivo ou adjetivo; 3) a força do hábito pode provocar situações nas quais um parágrafo apresente um registro que não se mantenha em um parágrafo seguinte de um mesmo texto; 4) haverá problemas de concordância de gênero, caso, por exemplo, 9