CDM 55 - Impressa

Page 1

ano 17 - edição 55 | dezembro de 2019

revista corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR

Elas pedem passagem

Mulheres que trabalham no transporte coletivo contam como lidam com o preconceito

Women on wheels Women who work in the public transportation system tell how they deal with prejudice



Fatos Detectamos que o jornalismo que você conhece está desatualizado.

Atualizar

Cancelar

O jornalismo passou por atualizações e a PUCPR acompanhou essas mudanças. A FATOS Narrativas Midiáticas conta com uma estrutura pioneira, considerada uma das melhores do Brasil, para desenvolver conteúdos jornalísticos de várias formas. Não é a toa que o portal tornou-se bicampeão da categoria "jornal/revista laboratório online." Se deseja trabalhar com o melhor do jornalismo, venha para PUCPR.


Corpo da matéria Ano 17 - Edição 55 - Dezembro de 2019 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR REITOR

Waldemiro Gremski DECANA DA ESCOLA DE BELAS ARTES

Ângela Leitão

COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO

Suyanne Tolentino De Souza COORDENADOR EDITORIAL

Suyanne Tolentino De Souza COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL

Paulo Camargo (DRT-PR 2569)

COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO

Rafael Andrade

Alunos - 6º Período Jornalismo PUCPR Anelise Wickert, Barbara Schiontek, Beatriz Pereira Tedesco, Bruno Afonso Rigoni Talevi, Camille Ferreira Casarini, Carolina de Andrade, Danielle Spielmann, Deborah Neri Lucas Neiva, Fernanda Unruh Xavier, Franz Fleischfresser de Amorim, Gabriel Airto Domingos, Gabriel Rocha Loures da Silva Dittert, Helena Tramujas Sbrissia, Henrique Bastos Zanforlin, Isabela Beatriz Lemos de Souza, Leonardo Cordasso Pedrollo, Lucas Matheus Grassi, Mariane Pereira dos Anjos, Matheus de Souza Zilio, Stefany Adriana de Mello, Thais Porsch, Thamany Gabriele dos Santos de Oliveira, Thiliane Leitoles.

Imagem de capa: Gabriel Domingos 6ºP Jornalismo

4

revistacdm


SUMÁRIO

A direção é delas

Women drivers

Eu amo meu filho, mas não gosto de ser mãe

Os quebra-nozes do cárcere

Um barro só

Catadores de sonhos

Força de vontade

Sempre ao seu lado

Com que olhos você enxerga o mundo

Uma vida em perigo

Raízes do pinhão

Infância interrompida

O preço da educação

Em morada lusitana

Culturas desconhecidas

O futebol de curitiba

O fim iminente da hegemonia

O que te leva ao cinema?

Marcando gerações

6 10 12 16 24 30 36 40 44 48 52 56 58 61 62 66 68 70 72

revistacdm

5


Anelise Wickert

A direção é delas

6

revistacdm | Trabalho


Embora ocupem 30% das funções de motoristas e cobradoras, as mulheres ainda sofrem preconceitos por trabalhar no transporte coletivo

S

ão 22 pontos entre o terminal do Pinheirinho e o Palmeira, que fica na região do bairro Umbará. Em cerca de 20 minutos, passa-se pelas ruas Angelo Rigolino, João Amadeu Pedro Bom, Faustino Raimundo Pellanda, Nicola Pellanda, Carlópolis, La Salle, Izaac Ferreira da Cruz, Emanoel Voluz, Winston Churchill e Léon Nícolas. Essa é a rota que Anna Dal Nagro, faz todos os dias, como motorista da linha Palmeira do transporte coletivo na cidade de Curitiba. O começo da carreira foi por influência do pai, motorista do transporte escolar, que sempre levava Anna nas idas e vindas da escola. Quando cresceu, ela trabalhou com caminhão, mas, por desejo, não demorou a assumir o volante de um ônibus. Como o transporte urbano exige um mínimo de dois anos de experiência para admissão, os primeiros passos da motorista foram no serviço particular trabalhando com o transporte de empresas. Adquirida a experiência, Anna percorreu os caminhos para entrar no transporte público, passando pelos testes burocráticos e práticos. Inclusive, no teste em que foi aprovada, seis homens acompanharam-na no desafio. Apenas ela e um outro colega conseguiram a aprovação da empresa. A motorista conta que a rotina no trabalho tem sido gratificante, já que com o passar do tempo na linha, ela foi formando novos amigos. E esses amigos “sempre trazem presente e lembranças, algumas amigas dão chocolates, toda semana elas trazem alguma coisinha”. Para ela, o bom tratamento é sinal da satisfação dos passageiros com o trabalho realizado por elas e também do carinho com o “busão das mulheres” (Anna trabalha junto de uma cobradora).

Satisfeita com a rotina de trabalho, Anna ainda relata que são raros os casos em que ouviu comentários preconceituosos e diz que procura não dar importância a essas opiniões. Na sua opinião, “a única coisa que pode ser melhorada no trabalho é a segurança”. Por sorte, ela nunca foi vítima de assaltos, mas conta que a grande maioria de seus colegas já passaram por essa situação.

Anelise Wickert Gabriel Domingos Mariane Pereira

Anna também é motorista engajada em atrair mulheres para trabalhar na mesma área. Segundo ela, algumas amigas precisam de incentivo para criar a coragem de ir atrás da carteira e passar nos testes. A representante das mulheres no Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (SINDIMOC), Vanusa Pereira Coelho, conta que atualmente cerca de 30% dos cargos nessas categorias são ocupados por mulheres. Ela acredita que as mulheres, principalmente nos dias atuais, são preparadas e capazes para trabalhar em qualquer função, embora ainda tenha alguns cargos que não são desempenhados por mulheres, como é o caso dos controladores de tráfego. “Antigamente, as empresas não contratavam mulheres, hoje embora sejam a minoria, as empresas já abrem mais espaços. Mas, infelizmente, ainda há um grande preconceito por parte dos homens, principalmente se a mulher estiver trabalhando como motorista. Por isso, é importante que as mulheres que trabalham ou usam o sistema coletivo de transporte (passageiras) se unam e acreditem em seus sonhos. Nenhuma de nós jamais deve aceitar ser diminuída pelo fato de ser mulher”, conta Coelho.

trabalho | revistacdm

7


Gabriel Domingos

Selma foi a primeira mulher a dirigir o biarticulado no transporte coletivo de Curitiba. A redação da revista CDM entrou em contato com a assessoria do Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (SETRANSP) e, no total são 6,6 mil motoristas e cobradores no sistema de transporte de Curitiba, sendo que 4,5 mil são homens e 2,1 mil são mulheres. Na função de motoristas são cerca de 3,2 mil homens e apenas 80 mulheres no comando dos volantes, ou seja, são 40 homens para cada mulher. Os dados abrangem todas as linhas de ônibus de Curitiba (circulares municipais, intermunicipais e linha turismo).

Anelise Wickert

Em comum com Anna, o caminhão fez parte do início de carreira de Selma Aparecida de Oliveira de 39 anos. Ela sempre gostou de dirigir e ainda mais de viajar, mas com um filho pequeno a mãe mudou os rumos da profissão e

8

Fonte: Sindicato das empresas de ônibus de Curitiba e Regiaáo metropolitana

revistacdm | trabalho

ingressou no transporte público. Selma diz que o transporte coletivo “é uma caixinha de surpresa” cada dia o trabalho oferecendo uma novidade e algo diferente. Ela, que começou em 2009, faz parte de um grupo de mulheres pioneiras em ocupar o espaço de motoristas no transporte público. Como ela, eram poucas as mulheres que dirigiam na época e, por isso, surgiu uma pequena resistência para que ela assumisse a função. Mas, com o apoio psicológico e de outros colegas, Selma conseguiu passar em todos os testes e hoje dirige a linha interbairros IV. A motivação para se tornar motorista nasceu na família de Selma, praticamente todos os familiares tiveram carreira como caminhoneiros. E ela seguiu os passos da família, se tornando, em Curitiba, a primeira mulher a assumir a direção do tradicional bi-articulado. Porém, assumir o volante do vermelhão veio com certas dificuldades: “Foi nesse período que eu enfrentei mais preconceito”. Hoje, a relação com os passageiros é de muito respeito e as situações de desrespeito diminuíram muito, além disso, se criam vínculos de amizade com as pessoas que frequentam a linha todos os dias.


Selma também nunca pensou em outros caminhos, ela conta que teve a oportunidade de cursar uma faculdade, mas, por preferência nunca deixou a profissão de motorista. Para ela o ponto positivo é fazer o que gosta e o que sempre teve contato desde a família. Embora satisfeita, Selma diz que ainda é possível melhorar e, para isso, seria importante uma união entre as empresas, os motoristas e as autoridades. Nos quase dez anos de carreira no transporte público a maior alegria de Selma foi o tempo que passou com seu filho pequeno. Após trocar o caminhão pelo ônibus, ela teve a oportunidade de passar um longo tempo com o filho e ele certamente ajudou muito para que ela fosse pioneira no transporte de Curitiba. Daniel Henrique, 8 anos, filho de Selma, trabalhou junto com a mãe em muitos dias. Fez, inclusive, muito sucesso com os passageiros que paravam para conversar. Além disso, Selma conta que o menino, orgulhoso, sempre dizia na escola a mãe trabalha com o ônibus azul.

Além da experiência como caminhoneiras Anna e Selma têm em comum o local de trabalho, que é a Viação Cidade Sorriso, empresa que possui projetos para capacitar novos profissionais com a escola de motoristas. Embora as vagas para novos motoristas sejam proporcionadas a mulheres e homens, Guedley Cristina da Rocha, assistente de compliance, conta que as cobradoras da empresa tem buscado a capacitação para tornarem-se motoristas. Atualmente, no quadro de funcionários, a Cidade Sorriso conta com sete mulheres que trabalham na direção do transporte coletivo de Curitiba.

“ O transporte coletivo é uma caixinha de surpresa, cada dia o trabalho oferece uma novidade e algo diferente.” Selma Aparecida de Oliveira, 39, motorista Gabriel Domingos

Todos os dias, Selma trabalha dirigindo ônibus das linhas interbairros IV e Sítio Cercado/Pinheirinho.

trabalho | revistacdm

9


Women drivers Although 30% of the driver and fare collector jobs are occupied by women, they are still targets of prejudice for working in the transportation system

T

here are 22 stops between Pinheirinho bus station and Palmeira, which is in the region of Umbará. In about 20 minutes, you can pass by Angelo Rigolino, João Amadeu Pedro Bom, Faustino Raimundo Pellanda, Nicola Pellanda, Carlópolis, La Salle, Izaac Ferreira da Cruz, Emanoel Voluz, Winston Churchill and Léon Nícolas streets. This is the route that Anna Dal Nagro takes every day, as a driver for the Palmeira route of the public transportation in Curitiba. She started in this career by influence of her father, a driver for the school transportation system, who always took Anna on the commute to school. When she grew up, she worked as a truck driver. However, as she wished, soon enough she changed the truck wheels for the bus wheels. Since urban transportation requires a minimum of two years of experience for admission, her first steps were in a private service, working with companies’ transportation. As she gained experience, Anna took the next steps to join the public transportation system, passing the bureaucratic and practical tests. In fact, on the test she was approved, six men joined her on the enterprise. She and another colleague were the only ones to actually make it. The driver tells us that her routine at work has been gratifying, since she started making friends as time passed. These friends “always bring gifts and souvenirs, some of them give chocolate, every week they bring something”. To her, the good treatment is a sign of the passengers’ satisfaction with the work done by them

10 revistacdm | work

and also the affection for the so called “busão das mulheres” (the women’s bus; ‘busão’ is a slang term that means bus). Anna works with another woman as a fare collector). Satisfied with her work routine, Anna stills mentions that she has rarely heard prejudiced comments and says that she tries not to give relevance to those opinions. According to her “the only thing that might be improved at work is safety”. Luckily, she has never been a victim of muggings, but many of her colleagues have been through this kind of situation. Anna is also a driver engaged in bringing more women to work in the area. According to her, some women friends need an incentive to create the courage to go after the license and pass the tests. Vanusa Pereira Coelho, the women representative in the Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (SINDIMOC - Bus Drivers and Fare Collectors in Curitiba and Metropolitan Region Union), says that currently around 30% of the positions in those categories are held by women. She believes that women, especially in current days, are prepared to work in any job, although there are still some positions with no female workers, which is the case of traffic controllers. “Companies usually did not hire women, and although today that is different, women are still the minority. Unfortunately, men still have a lot of prejudice towards women, especially if the woman is a driver. For that reason, women that work

Anelise Wickert Gabriel Domingos Mariane Pereira Tradução: Arthur Rodrigo Maneira Clóvis Alberto de Conti Neto


for, or use the collective transportation system have to unite and believe in their dreams. None of us should ever feel diminished by the fact that we are women”, says Coelho. CDM’s editorial staff contacted the communication advisory of the Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (SETRANSP - Bus Companies in Curitiba and Metropolitan Region Union) and there are 6,6 thousand drivers and fare collectors altogether in the transportation system of Curitiba, of which 4,5 thousand are men and 2,1 are women. As drivers, there are 3,2 thousand men and only 80 women behind wheels, that is, 40 men for each woman. The data includes all of Curitiba’s bus lines (municipal, intermunicipal and tourism line). As Anna, Selma Aparecida de Oliveira started her 39-year-old career driving trucks. She always liked driving and even more traveling, but with a small child she decided to change her career to public transportation. Selma explains that public transportation is a “box full of surprises”, and every new day at work represents something new and interesting. She started in 2009 and was part of the first group of women that started to take the driving job in public transportation. Not many women were driving at that time and for that reason she encountered some resistance to take the job. Luckily, with the help and support of her colleagues, Selma was able to pass all her tests, and nowadays she is the driver of the Interbairros IV line.

sengers that would stop by to talk. Selma says that the boy, in a proud way, would always tell all his friends at school that his mom worked on the blue bus. Besides their shared experience as truck drivers, Anna and Selma have a common working place, Viação Cidade Sorriso, a company that has projects in association with driving schools to enable new professionals. Even though the job vacancies are for both men and women, Guedley Cristina da Rocha, compliance assistant of the company, says that the fare collectors that are women have searched the program to become drivers. Nowadays, on the staff, Cidade Sorriso has seven women that work as drivers on the public transportation system in Curitiba.

“ Public transportation is a box full of surprises, and every new day at work represents something new and interesting.” Selma Aparecida de Oliveira, 39, bus driver

The motivation to become a driver came from her family, since practically everyone had a career as truck drivers. She followed on her family’s steps, having become the first woman of Curitiba to drive the traditional bi-articulate bus. However, taking over the wheel of the “big-red bus” came with certain difficulties: “It was during this period that I suffered the most prejudice”. Nowadays, the relationship with the passengers is very respectful and the disrespectful situations diminished a lot; besides, friendships are formed with the people that take the bus every day. Selma explains that she never thought of pursuing another profession. She had an opportunity to go to college, but she preferred to stick with a career as a bus driver. The positive side, for her, is that she can do what she likes and is able to be close to her family. Although she is satisfied, Selma says that it is possible to improve and, for that to happen, there has to be a joined effort including companies, drivers and authorities. During her almost ten years on the public transportation, Selma’s biggest happiness was the time she spent with her son. After changing profession from a truck driver to a bus driver, she could spend a longer time with her son and he certainly helped her to be a pioneer in the public transportation system. Daniel Henrique, 8 years old, Selma’s son, worked with her during many days. And he made a lot of success with the pas-

Every day, Selma works driving a bus on the Interbairros IV and Sítio Cercado/Pinheirinho lines.

work | revistacdm

11


“Eu amo meu filho, mas não gosto de ser mãe”

A figura mitológica da mãe e sua associação com a felicidade estão muito distantes da verdadeira noção da maternidade com todos os seus possíveis problemas – e até mesmo eventual arrependimento Bruno Talevi Deborah Neiva Helena Sbrissia Lucas Grassi

N

um Brasil onde 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai no registro e a depressão pós-parto atinge mais de 25% das mães, a imagem construída em torno da maternidade é pouco próxima da vida real — diversas mães, cujas identidades serão preservadas, relataram falta de preparo, saudade de estar sozinha, distância da família e preocupações inesperadas; nada do que se vê em um álbum de fotos ou conversas de chá de bebê. Joana* sempre teve muita facilidade com crianças. Com seu primeiro filho, aos 20 anos, não achou que fosse ser diferente. “Ainda costuravam minha barriga quando pensei: Meu Deus... esse bebê é meu. Eu vou ter que cuidar pra sempre”, contou. A responsabilidade de uma vida dependente aparece de forma recorrente entre os relatos, e é um dos motivos de maior conflito emocional. Joana diz que pensava como a maioria das mulheres, que ao ter um filho isso

12 revistacdm | sociedade

seria motivo suficiente para o amar de forma incondicional e ignorar todos os problemas que surgem no dia a dia, como choros durante a noite, cólicas e a necessidade de dar de mamar. Mas não é nada disso: ela acusa a sociedade de passar a vê-las apenas como mães. Hoje ela nota que, há três anos, quando estava grávida, enfrentava sozinha uma depressão. “Me sentia feia, gorda, e odiava estar enjoada o tempo inteiro. Me culpava por ainda não amar incondicionalmente aquela

“A culpa é da sociedade que espera demais de uma mãe e, por consequência, a mãe espera demais dela mesma.” - Giovana* criança como eu lia em textos de outras mulheres esperando o seu filho.”


Em 2005, Cláudia* estava no auge de seus 20 anos e começando um novo relacionamento após enfrentar o término de um namoro de quatro anos. Passado algum tempo, sentiu uma forte dor no ouvido, motivo que a levou ao médico e descobrir uma gravidez de cinco meses. Ela reatou com o ex-namorado e viveu os quatro meses que restavam da gestação de maneira muito conturbada: com pouco apoio familiar, um psicológico abalado e falta de preparo.Cláudia, então, passou a concentrar-se somente em assuntos relacionados à gravidez para não precisar se preocupar com o relacionamento infeliz que enfrentava por causa do bebê. Quando o filho finalmente nasceu, sua ficha caiu — estava em casa, sozinha, com um bebê e precisando de ajuda. Sem amigos, sem autonomia. Apenas sendo mãe. “Não sabia se estava certo ou errado, só sabia que eu não era mais eu.” Ela, que trabalhou durante toda a gestação, foi dispensada assim que a licença maternidade acabou. Outro problema é quando o filho não é programado. Segundo dados da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, coletados entre 2011 e 2012, 40% das gestações

mundiais não são planejadas. No Brasil, a média torna-se mais preocupante — mais de 55% das mulheres que tiveram filhos não fizeram o planejamento prévio. Maria* conta que não se sentia pronta. Passou toda a gravidez em negação, adiou as compras necessárias e chorou quando a descobriu. Sentia medo, angústia e também revolta por ter se permitido fazer a coisa que mais tinha medo: engravidar. Quando era perguntada sobre o amor que sentia pela criança, respondia que não sabia como amar alguém que nunca tinha conhecido e que havia entrado em sua vida contra a sua vontade. E, quando o fazia, era condenada. “Me diziam: Nossa, como você é fria. Uma criança é uma bênção!.” Talvez não para todo mundo. Apesar da primeira reação quanto à criança parecer traumática, muitas mulheres indicaram o mesmo padrão: de amor construído, e não intrínseco, como se espera. Quando se está grávida, é idealizado que, apesar de tudo, um filho pode curar qualquer coisa – inclusive quadros clínicos de depressão. A teoria cai por terra em casos como o de Giovana* que conta, inclusive, que o afeto pode vir com o crescimento, tanto da mulher, em seu papel de mãe, quanto da criança. Helena Sbrissia

Segundo dados da Escola Nacional de Saúde Pública Oswaldo Cruz, 55% das mulheres brasileiras não planejaram a gestação.

sociedade | revistacdm

13


Lucas Grassi

No Brasil, 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai no registro. “Uma mãe é obrigada pela sociedade a amar seu filho desde quando ele ainda é um grão no útero. Uma mãe não pode reclamar que está cansada porque ‘é mole só cuidar de uma criança. Quem rala mesmo é o pai para sustentar vocês’.” Giovana conta que sofreu do quadro clínico de depressão pós-parto, e que ouvia constantemente das pessoas que aquilo era normal e que se tratava apenas de cansaço, algo comum para uma mãe de primeira viagem. “Uma mãe é uma mulher feliz e realizada, de acordo com a sociedade. Não podemos reclamar por termos a bênção da vida — mesmo que tenha sido algo indesejado. É o famoso ‘Fez? Agora aguenta. Agora cuida’.” O filho de Giovana tem 1 ano, e ela conta que apesar de sempre ter se preocupado e sentido a necessidade de o proteger, não o amava nos primeiros meses. “Não conseguia olhar para ele e sentir aquele amor incondicional de mãe que eu tanto ouvi falar durante a minha vida, e eu me sentia mal por isso, afinal, é esperado que uma mãe ame seu filho, né?.” Hoje, ela o ama de maneira incondicional, segundo ela, mais do que a si mesma, mas que talvez não tivesse conseguido sentir aquilo. “A culpa é da sociedade que espera demais de uma mãe e, por consequência, uma mãe espera demais dela mesma.” Segundo levantamento do PNAD 2015, 84% das crianças são criadas primariamente pela mãe — somada à

14 revistacdm | sociedade

jornada dupla, a pesquisa indicou que as mães empregadas empreendem 18 horas semanais com cuidados com a casa, enquanto pais desempregados dedicam apenas 12 horas. Essa realidade vem mudando de forma lenta e gradual. Os canais de Youtube, livros sobre maternidade, e até mesmo conversas com a futura avó, mostram uma realidade que não se canta nas cantigas. Daniela* conta que tinha em mente diversas idealizações sobre o pós-parto do filho enquanto ele ainda estava na barriga. Que tudo era lindo e maravilhoso, e que ela saberia exatamente o que fazer, além de o amar incondicionalmente — afinal, era mãe. Para ela, tudo mudou bem cedo, logo no segundo dia de vida do bebê: ele teve icterícia neonatal precoce. A bilirrubina — substância encontrada no sangue que quando em alta quantidade pode diagnosticar problemas no fígado — chegou a níveis alarmantes. “Ele só chorava e eu não sabia o que fazer, só chorava também. Ficava pensando por que eu inventei aquela história de ter bebê, onde eu fui me meter.” As dificuldades vieram logo no começo e foi preciso tempo para que se ajustassem um com o outro. “Eu morria de medo de ficar sozinha com ele, entrava em pânico mesmo, então sempre ficava alguém comigo ou minha mãe ou minha vó, o que por um lado foi bom, mas por outro foi péssimo, muitas interferências e muitos pitacos.”


A relação com o pai também foi problemática. O divórcio veio antes do quarto aniversário. Daniela conta que

uma vez ao mês pra passar o fim de semana.”

“Ficava pensando por que eu inventei aquela história de ter bebê.” - Daniela* as atividades desempenhadas pelo pai pouco mudaram desde quando eram casados. “A participação dele consiste em pagar a pensão e pegar o menino

Depressão pós-parto? Lucas Grassi

Porém, a maternidade ainda é vista como algo maravilhoso. “A verdade é que a maternidade é muito cansativa e solitária, muito mais emocionalmente do que fisicamente. Ser mãe é uma luta diária, não existe comercial de margarina.” Esse é o lado da maternidade que não se conta no chá de bebê.

*O nome das mães foi alterado para preservar as identidades de cada uma. Ao todo, 32 mães aceitaram dar depoimentos sobre os problemas que tiveram — e ainda têm — durante a maternidade.

Depressão pós-parto não é sinônimo de não gostar de ser mãe. Esse estado,que não incomumente afeta mães depois do nascimento de uma criança, pode estar relacionado a inúmeros fatores, tanto emocionais quanto físicos. O que se entende hoje é que existem situações que podem ajudar a provocar o quadro - ou piorá-lo. Entre eles, estão a falta do apoio familiar, privação de sono, vício em drogas, alimentação inadequada, desequilíbrio hormonal. Quando se discute essa condição, existe uma preocupação natural com a dinâmica mãe-bebê. Instintivamente, preocupa-se, em primeiro lugar, com o estado da criança em relação à situação depressiva da mãe. A provedora da vida, nesse caso – e em muitos outros – toma o segundo (ou vigésimo) plano. Para se desmistificar a situação, é interessante se atentar ao fato de que não apenas mulheres desenvolvem um estado depressivo pós-nascimento. Homens, geralmente pais, também são diagnosticados com depressão pós-parto. Na realidade, a depressão do homem em relação à paternidade se associa, de acordo com publicação do Ministério da Saúde, à preocupação em torno

da própria capacidade em educar um recém-nascido. A ansiedade, somada ao aumento das responsabilidades, está entre as causas do problema. Voltando para as mulheres: manifestações de irritabilidade, choro com frequência, diminuição de energia e motivação podem ser sinais de depressão pós-parto. Se não tratada, a doença pode se desenvolver e chegar a um estado crônico conhecido como psicose pós-parto. Nesses casos, é importante que haja completa atenção com a mulher e o recém-nascido. Entre os sintomas estão: desconexão com o bebê e pessoas ao redor, vontade extrema de fazer mal ao bebê e/ou pessoas ao redor, pensamentos delirantes e irreais, sono perturbado. No processo de tratamento, o Ministério da Saúde recomenda que sejam feitas sessões de terapia hormonal e exercícios para fortalecer o laço emocional entre mãe e filho(a). Todo o acompanhamento psiquiátrico e psicoterápico é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

sociedade | revistacdm

15


Os quebranozes do cárcere Agentes penitenciários relatam uma perspectiva diferente dos presídios paranaenses

16 revistacdm | cidades


Heloísa Bianchi Isabela Lemos Matheus Zilio

R

icardo Paz, agente penitenciário há 13 anos, entrou no sistema penitenciário com 22 anos e esse foi seu primeiro e único trabalho até hoje. De segunda a sexta-feira, trabalha na Penitenciária Industrial de Guarapuava, onde o sistema é diferente dos outros presídios: foi feita de forma que os presos possam trabalhar. A unidade foi concebida a fim de buscar a ressocialização do preso, uma política adotada pelo governo do Estado em busca de oferecer novas alternativas para os internos, proporcionando-lhes trabalho e profissionalização, visando, além de melhores condições para sua reintegração à sociedade, ao benefício da remissão da pena. “É um ambiente hostil, feito por cercas e grades, então, a gente não tem contato direto com os presos, já teve no passado contato direto com eles, mas não deu certo porque ocorreu uma rebelião na penitenciária”, explica Paz. Ele se refere à rebelião de 2014, na qual 13 agentes penitenciários e alguns detentos foram feitos de refém durante 48 horas, resultando em agentes feridos, destruição da penitenciária e muitos traumas. Ricardo era um dos reféns. O motim ocorreu quando 40 presos viram a oportunidade de render 13 agentes enquanto estavam sendo deslocados dentro da própria unidade. No primeiro dia, cinco detentos foram feridos e encaminhados a hospitais com ferimentos leves e traumatismo craniano moderado. No dia seguinte, os rebelados amarraram e vendaram um agente em um para-raios, além de espancarem outros reféns constantemente. A penitenciária de Guarapuava era considerada um modelo no país por trabalhar com a ressocialização do detento, mas, depois de 2014, ficou conhecida também como o local onde ocorreu uma das piores rebeliões no Paraná. “Fui agredido, passaram cola quente não só em mim como

nos outros integrantes também. Me torturaram psicologicamente dizendo que eu ia morrer. Espancaram alguns agentes, me bateram também. Ficamos sem comida e sem água. Tentaram atear fogo em alguns setores. A rebelião foi para mim um divisor de águas”, conta Paz. O estado do Paraná não cumpre a resolução estabelecida pelo Departamento Penitenciário Nacional (DPN) de que cada agente penitenciário deve ter, no máximo, cinco detentos para cuidar. Atualmente, há 3 mil agentes penitenciários - 90,6% homens e 9,4% mulheres - para um total de mais de 29 mil detentos, de acordo com o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Penitenciários, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Além disso, estes 3 mil não trabalham apenas como agentes. São também colocados em setores como administrativo, grupo de intervenção e escolta para cobrir a demanda do departamento penitenciário. Esse vácuo no número de pessoas para exercer o cargo de agente acaba gerando, além de excesso de trabalho, riscos de vida. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen), entre 2013 e 2015, aconteceram 28 rebeliões no Paraná, resultando em 57 agentes penitenciários feitos de reféns. Uma média de nove rebeliões com 19 agentes tomados como vítimas por ano. A categoria relata consequências gravíssimas, tais como quadros de estresse pós traumático - desencadeando insônia, choro, angústia, medo, atitudes agressivas, além da sensação de abandono e impotência com a ausência de atenção e assistência do Estado para o acolhimento e acompanhamento psicossocial das vítimas. O diretor-presidente do Sindarspen, Ricardo Carvalho Miranda, atua como agente há 11 anos e teve experiência no Presídio Estadual de Piraquara. Ele

cidades | revistacdm

17


conta que, recentemente, aconteceu um motim no Complexo Médico Penal, no qual dois agentes estavam encarregados de acompanhar 90 presos em trânsito. Um deles foi esfaqueado no pescoço e quase saiu infartado. Miranda está afastado do trabalho como agente por ser presidente do sindicato, porém, acabando seu mandato, retornará à penitenciária. Ele relata que, após um dos agentes onde trabalhava sofrer uma tentativa de assassinato, recebeu ameaças frequentes por parte de presos porque, como travaram as visitas, atendimento jurídico e pátio de sol, sofreram uma pressão muito grande e ele foi afastado e internado em uma

tecem com frequência. O que é mais divulgado pela mídia são casos extremos de rebelião, em que os agentes ficam vários dias com reféns. E, de acordo com ele, casos de agressão de presos contra agentes penitenciários são comuns. Hoje, para suprir o déficit que há, seriam necessários, no mínimo, 2 mil agentes penitenciários. O governo prevê a construção de 14 novas penitenciárias. Esse total é apenas para as penitenciárias que existem. Então, seria necessário mais um número a depender de qual a capacidade dessas unidades, um número extra de contratação. “Nós não temos condições humanas de garantir a execução penal porque o nosso número de agentes penitenciários é muito ínfimo”, para Miranda, é muito provável que, se não houver mais contratações, o sistema penitenciário do Paraná vai entrar em colapso e terá que suspender as atividades.

Nos últimos nove anos, 16 agentes foram assassinados no Paraná, segundo o Sindarspen. clínica psiquiátrica porque não conseguia mais se desligar da atividade. “Eu sonhava com rebelião e morte, eu não deixava o portão da casa aberto, sempre ia conferir para ver se estava com cadeado, pedi à minha mãe para mudar de emprego porque eles já sabiam onde ela trabalhava. Isso tudo afetou não só a minha vida, mas a da minha família como um todo.” Neste caso da rebelião, havia cinco agentes para fazer a movimentação de mil presos dentro da penitenciária. Na Casa de Custódia de Piraquara (CCP), por plantão, são 25 agentes penitenciários para cuidar de 1.600 presos - o local tem capacidade para 460 presos. Na Penitenciária Central do Estado, também há uma média de 30 agentes penitenciários para trabalhar na penitenciária, mas eles assumem postos fixos e acabam sobrando dez agentes para movimentar todos os detentos. O número de agentes penitenciários está muito aquém do que realmente estipula a resolução do conselho nacional de política pública criminal. Miranda explica que casos como esse, de um agente ser esfaqueado, acon-

18 revistacdm | cidades

CONSEQUÊNCIAS DE UM SISTEMA DESPEDAÇADO O Sindarspen relata um alto índice de transtorno mental e comportamental dentro dos servidores públicos do Estado, os agentes penitenciários são os que mais sofrem de transtornos comportamentais e mental. Morrem muito cedo, na casa dos 50, com câncer ou decorrente de outras doenças justamente pelo estresse gerado. “Temos um grande problema: o agente penitenciário não consegue se aposentar. Ele acaba morrendo antes de conquistar a aposentadoria”, conclui Miranda. “Eu tento não pensar sobre os riscos do meu trabalho, eu tento imaginar que onde eu trabalho é um lugar tranquilo, calmo e seguro. Essa é a forma com que eu lido com a situação”, diz Ricardo Paz. Para ele, o ambiente não é seguro: a qualquer momento pode acontecer uma rebelião, uma fuga


cidades | revistacdm

19


ou uma invasão. Mas o agente acredita que é preciso pensar positivo para sobreviver à rotina de trabalho. Nos últimos nove anos, 16 agentes foram assassinados no Paraná, segundo o Sindarspen. A psicóloga Leani Kreuz atua na Penitenciária Central do Estado (PCE II US) e atende aos detentos, não agentes. Nas penitenciárias, não há suporte psicológico a eles. Ela explica que, inevitavelmente, os agentes recorrem a ela para procurar ajuda psicológica e, após orientá-los, encaminha-os

São bem complicadas as situações de trabalho e todos nós passamos pelas mesmas coisas.” Atualmente, são 1.700 para serem atendidos por uma psicóloga e uma estagiária em psicologia. Leani relata que, há alguns anos, estudantes de psicologia foram até o presídio para oferecer apoio psicológico aos agentes penitenciários e tiveram que suspender o projeto porque os agentes não iam até eles. Ela nunca entendeu o porquê disso. Paz não recebeu nenhuma ajuda do sistema depois de sua experiência como refém. “O Estado não disponibiliza, ele oferece pelo setor público, mas não resolve nada. Não resolveu minha vida, não consegui marcar consulta e fui chamado de vagabundo pelos médicos do Estado. Eles achavam que a gente inventava que estava doente porque depressão e estresse pós- traumático não são doenças visíveis.”

‘‘Fui chamado de vagabundo pelos médicos do Estado.’’

Ricardo Paz, agente penitenciário para um profissional. “Atendo muitos agentes com alcoolismo, dependência química, depressão e síndrome de Burnout - que se caracteriza por um esgotamento físico, emocional e grande insatisfação pessoal”. O que Leani mais ouve dos funcionários é sobre o sentimento de realizarem um trabalho que não tem o valor reconhecido pela sociedade. Recentemente, ela ouviu um dos agentes dizer que gostaria que alguém falasse “isso foi obra minha, eu fiz um trabalho digno de reconhecimento”. Alguns enxergam que vão chegar ao final de carreira e não ter feito ou construído nada, e que ninguém vai lembrar deles de uma forma positiva porque foram carcereiros.

O agente foi afastado durante um ano no trabalho, fez tratamento privado durante três anos, mas foi forçado a voltar antes contra indicações de profissionais. Seu quadro piorou, teve depressão, não conseguia exercer sua função, gerava confusão com presos e funcionários, isso acabou ocasionando o desvio de função de trabalho dele para o setor administrativo da unidade.

O que acontece - não só com agentes penitenciários, mas com as pessoas que trabalham dentro do sistema prisional - é a síndrome da prisionização, que surge entre a relação dos dois presos: o apenado e o funcionário, que acabam adotando transformações que vêm do ambiente prisional, bem como suas dinâmicas. A psicóloga explica que isso afeta o comportamento e sociabilidade das pessoas ali e é um dos motivos de os agentes não se desligarem da profissão 24 horas por dia. “Antigamente, era um psicólogo para cada 400 presos, e o governo cortou.

20 revistacdm | cidades

Joka Madruga

Ricardo Miranda durante a assembleia geral extraordinária dos agentes penitenciários.


Denise Corrêa dos Santos, agente penitenciária há 12 anos na Colônia Penal Agrícola, explica que, de fato, não possuem um convênio, porque o Estado vive cortando gastos e não paga tratamentos psicológicos. Contudo, ela explica que seu problema psicológico não foi totalmente decorrente da cadeia, em seu caso, o problema começou dentro de casa, em um relacionamento abusivo. O primeiro abuso sexual aconteceu com seu ex-marido, pai de sua filha. Denise começou a pegar “nojo de homem”, até mesmo de seus colegas de trabalho. E isso foi deixando ela cada vez mais doente, a depressão pós-parto, o local insalubre, o estresse do trabalho. Ela tentou se suicidar duas vezes. Foi dependente de medicamento para dormir e antidepressivos durante quatro anos. Denise relata que, no Estado, quando se busca ajuda profissional, os agentes

passam por uma perícia: “minha doutora me deu um atestado de 30 dias, porque eu precisava fazer o tratamento, não tinha condições de trabalhar do jeito que eu estava. Relatei tudo que estava acontecendo na perícia, e eles recusaram o meu atestado médico para o tratamento da minha saúde. E eu continuei trabalhando”. “Creio que, um dia, eu vou conseguir voltar a trabalhar com segurança, creio que as cicatrizes estão sendo curadas. Hoje, eu já consigo ter mesmo que um contato mínimo com os presos, já consigo manter o equilíbrio”, diz Ricardo, afastado da área de segurança no presídio, ele espera que um dia possa voltar a desempenhar o papel que tinha. AS FIONAS DO SISTEMA CARCERÁRIO Em seis meses que Denise assumiu seu posto, metade da colônia já tinha “comido ela”, e ela nunca havia saído

cidades | revistacdm

21


com ninguém. Foi um assédio muito grande, relata ela: perguntavam-se quem iria pegar a Denise primeiro. “Eu sempre fui o troféu aqui, porque até então trabalhavam apenas mulheres fim de carreira, que eles falavam, ou seja, as senhoras aposentadas. “No começo eu era a Denisinha, depois eu era a pequena, e hoje sou conhecida como Zika.” Foram várias situações de assédio que Denise enfrentou. Colegas querendo forçar um beijo, encurralando ela em um canto, mas ela conseguiu contornar a situação e encontrar uma maneira de efetuar seu trabalho.

que se mudar para outro estado, já que a facção criminosa simplesmente teve acesso a toda a rotina dela. Ricardo Paz conta que, infelizmente, os presos os veem como um carrasco, eles não entendem que erraram e que os agentes penitenciários estão apenas representando o Estado e fazendo seu trabalho. Eles acabam levando para o pessoal, e isso traz riscos à categoria.

Miranda explica que essa situação é difícil, já que os presos não enxergam de maneira mais ampla, que são duas classes, a dos agentes e os presos. Isso acaba causando uma questão de serem inimigos, quando, na verdade, os dois “A gente aprende a ser muito bruta no estão em condições subumanas devido ao Estado e isso causa o caos no sistema presidiário. “Quando o Estado não fornece roupa, comida, assistência Denise Corrêa, agente penitenciária jurídica e psicológica, os presos colosistema. A nossa princesa é a Fiona, cam a culpa no agente penitenciário.” não a Barbie.” A agente explica que desenvolveu comportamentos para Miranda conta que a maior conquisevitar que fosse tratada dessa maneita que o sindicato obteve nos últimos ra. Por haver apenas um banheiro para anos foi a mudança na escala de trahomens e mulheres, ela optou por balho dos agentes, pois antigamente fazer sua higiene íntima com um lenço era obrigatório o regime de 12 horas umedecido para não criar uma imagem de trabalho por 36 horas de descanso fantasiosa em seus colegas de trabaou seja, dia sim e dia não de trabalho. lho. Para eles, do mesmo jeito que ela Isso aumenta o tempo longe do cárcesai de seu horário de trabalho, ela se re e, consequentemente, a qualidade deita. Foi desta forma que conseguiu de vida dos trabalhadores. evitar o assédio entre os colegas de trabalho. Apesar disso, os agentes persistem porque veem o bem no trabalho que GARGALOS DENTRO fazem. “Às vezes, você tira do seu E FORA DOS MUROS bolso pra fazer um trabalho dentro do estado. Eu gosto do que eu faço, tem “Esta não é uma profissão que você dificuldades, mas quando você vê que desliga o computador, vai para casa e o que você faz deu certo, você achar dorme. Você vai para a sua casa, tem uma coisa que foi fruto do seu trabaque mudar o caminho que faz, tem lho, impedir que entre uma droga ou que monitorar onde seus filhos esimpedir que fujam presos. Esses são tudam”, explica Ricardo Miranda. Ele fatores positivos que animam, saber relata que, recentemente, conversou que você está fazendo o serviço correcom uma agente penitenciária que tamente”, conclui Paz. está afastada porque os presos sabiam onde sua filha estudava, quem era seu namorado e qual academia frequentava. Foi preciso que ela pedisse uma licença não-remunerada, porque teve

“A gente aprende a ser muito bruta no sistema. A nossa princesa é a Fiona, não a Barbie.”

22 revistacdm | cidades


O agente penitenciário tem expectativa de vida de 45 anos, de acordo com estudo do Instituto de Psicologia (IP) da USP.

23

cidades | revistacdm 23


Um barro só Localizado no sul de Curitiba, o bairro Umbará teve seu início na segunda metade do século 19 e, ainda hoje, permanece desconhecido pela maioria dos curitibanos Anelise Wickert Gabriel Domingos Mariane Pereira

24 revistacdm | cidades


C

omo um típico e bom bairro de origem italiana, além das casas antigas, tradição e muita cultura, o Umbará tem grandes famílias que carregam nomes importantes para o bairro, como Tortato, Zonta, Nichele, Negrello, Bonato, Moletta, Gabardo, Costa, Joai e uma derivação do mesmo, mas terminada em y, ficando Joay.

O Umbará representa 5,16% do território total de Curitiba, e o último censo demográfico do IBGE apontou uma população de 18.730 mil habitantes. De 2000 a 2010, o crescimento populacional anual do Umbará saltou de 0,99% para 2,53%. As mulheres são maioria entre os habitantes, representando 50,51% da população do bairro.

As famílias são muito conhecidas e possuem diversas propriedades e comércios. Mas o bairro também tem moradores que vieram de fora para construir a vida com quem morava lá, como é o caso de Antonio Bernardo Blasius, de 72 anos.

Sirley Maria Joay tem 70 anos, é irmã de Marilene e tem mais duas irmãs. As três moram no Umbará e outra no Capão Raso, mas, como de costume, desde muito tempo, todo domingo, se reúnem em família na casa onde cresceram para conversarem e tomarem café, com a mesa sempre farta. Como em uma verdadeira casa de descendentes de italianos, o que não falta são as conversas agitadas e em voz alta.

Nascido no interior de Santa Catarina, em 1947, Antonio era de família humilde e, em 1968, veio pela primeira vez para Curitiba devido a um tratamento de saúde e acabou permanecendo na cidade. Morou por algum tempo em uma pensão e arrumou emprego de cobrador de ônibus. E com muito sacrifício, comprou um terreno no bairro, pois com o que ele ganhava dava apenas para a alimentação e a prestação do terreno. “Dormi em albergues, debaixo de pontes, passei fome, mas consegui”, conta Antonio. Em 1975, aos 28 anos, com casa própria, o aposentado se casou com Marilene Antonia Joai, que também tem 72 anos e é natural de Curitiba, descendente de italianos e moradora do Umbará. Marilene conta que seus avós foram os primeiros da família a morarem no bairro e, em seguida, seus pais se casaram e continuaram a morar lá. Os imigrantes que popularizaram o bairro, também foram responsáveis por diversificar a produção agrícola, introduzir a indústria e voltar-se para o abastecimento do mercado de Curitiba. Um dos marcos do bairro é a Paróquia de São Pedro, construída inicialmente em 1896, e que teve papel na organização social das colônias do bairro.

Assim como Marilene, Sirley continua morando no bairro, e como nunca se casou, ainda mora na casa que foi de seus pais, construída em 1946. Seu pai, Claudio Joay, logo após voltar da Segunda Guerra Mundial, quando foi pracinha (nome dado aos soldados brasileiros), construiu a casa, casou-se com Joana Maria Costa e tiveram quatro filhas, entre elas Sirley e Marilene.

“Foi sempre assim, e a gente pede para virem arrumar algumas coisas como asfalto, mas demora muito e acabam não resolvendo.” Maria Celeste Tortato, 45 anos, diarista

cidades revistacdm 25


Mariane Pereira

26 revistacdm | cidades

Mariane Pereira

Mariane Pereira

Os pontos turísticos vão desde casas antigas a igrejas e parques, onde os moradores se reuniem aos finais de semana.


cidades | revistacdm 27

Mariane Pereira

Mariane Pereira


Sirley comenta que gosta de morar no bairro e na casa de seus pais, que mesmo sendo antiga, ainda permanece em boas condições e se iguala a diversas outras casas antigas das famílias mais tradicionais do bairro. “Eu nasci aqui, me criei aqui e para mim está bom. As famílias antigas se conhecem, mas as que chegam novas por aqui a gente não conhece e não sabe sobre eles, mas pode perguntar para as famílias antigas que todos se conhecem do tempo antigo do Umbará, das festas, confraternizações e da igreja também.” Ela ainda conta que alguns problemas atrapalham a vida no bairro, já que a segurança não é tão boa quanto deveria ser, algumas ruas não têm asfalto e falta acessibilidade. E quanto aos ônibus, Sirley comenta que, apesar de serem poucos na linha, para ela está bom, já que antigamente nem passavam ônibus próximo à casa dela. Em termos de infraestrutura, o censo 2010 aponta que menos da metade, 49,09%, das casas do Umbará está ligada à rede geral de esgoto. Por outro lado, todo o bairro possui coleta de lixo e pouco mais de 4% das casas ainda não está ligada à rede geral de abastecimento de água. O trânsito é movimentado. Em proporção, são 1,90 automóvel para cada habitante, o que representa 0,44 a mais do que a média de Curitiba. Ao todo são 9.841 veículos, a maioria carros (que representam 5.802) e, curiosamente, cinco tratores. As ruas sem asfalto também são um grande problema para quem mora no bairro, já que, várias são de terra batida, e outras, mesmo pavimentadas, são extremamente precárias e com buracos. Além da falta de asfalto, muitos lugares não têm calçadas, e não dispõem de acesso para as pessoas deficientes, como é o caso de Antônio. Ele é cego e sua esposa precisa ajudá-lo em tudo quando estão na rua, devido à grande quantidade de buracos.

28 revistacdm | cidades

“Mesmo com todos esses problemas, a vida por aqui é bastante calma e tranquila. Eu faço meus serviços de casa, cuido da minha horta, dos meus cachorros, das minhas galinhas, eu gosto daqui”, conta Sirley. Maria Celeste Tortato tem 45 anos, trabalha como diarista e todos os dias sai para trabalhar, usando as poucas linhas de ônibus do bairro. Ela conta que a maior dificuldade é o tempo entre um ônibus e outro, já que, a linha que ela pega, chamada Luiz Nichele, só tem um veículo, que precisa fazer a viagem toda até o terminal do pinheirinho e voltar para o bairro, o que leva em torno de uma hora e meia. Desde que ela se instalou por lá, em 2006, a situação do bairro continua a mesma, como se ele estivesse fora do mapa de Curitiba. “Foi sempre assim, e a gente pede para virem arrumar algumas coisas como asfalto, mas demora muito e acabam não resolvendo. Além disso, quando tem sujeira, galhos de árvore, e até mesmo mato, nós mesmos temos que limpar porque a prefeitura não vem até aqui, e nosso bairro tem bastante vegetação, árvores, chácaras, olarias e grameiras.” Porém, a maior dificuldade, de longe é a falta de infraestrutura básica para a vida em sociedade, como contou Raphael Reis da Silva de 21 anos, que é morador do bairro desde 2008. Segundo ele, o bairro possui apenas uma agência bancária e dois postinhos de saúde. Em 2018, um deles acabou pegando fogo, o que causou confusão e mais demora nos atendimentos, já que a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima fica no bairro vizinho. Apesar de todos os problemas do bairro, o Umbará é visto pelos moradores como um bairro tranquilo e bom de morar, com muito lazer e lugares para visitar, casas antigas, chácaras e uma natureza que não se encontra em outros bairros da cidade. Mas, por ser afastado acaba se tornando desconhecido por muitos curitibanos.


Mariane Pereira

As ruas do Umbará ainda são de chão batido, mesmo a cidade inteira sendo de asfalto.

Do “um barral”, expressão utilizada pelos primeiros habitantes, surgiu o nome Umbará. A referência é a terra fértil, que em dias de chuva torna-se barrenta, e se popularizou na fala de imigrantes europeus, que ao chegarem aqui se referiam ao local como “um bará”, ou seja, um barro só. Todos os moradores se conhecem e as histórias das famílias são contadas até hoje, nos almoços e encontros de domingo, nas ceias dos feriados, nas esquinas e praças da região. Antônio Bernardo Blasius relata que, apesar de conhecer outras partes da capital, os matagais da zona sul conquistaram um espaço importante em sua vida: “Foi aqui que eu consegui tudo que eu tenho, construí minha casa e criei meus filhos, que hoje têm suas próprias famílias aqui no bairro também”. Para ele, o Umbará é mais que um bairro, é um lar.

“Mesmo com todos esses problemas, a vida por aqui é bastante calma e tranquila. Eu faço meus serviços de casa, cuido da minha horta, dos meus cachorros, das minhas galinhas, eu gosto daqui.” Sirley Joay, 70 anos, do lar

cidades revistacdm 29


Nome fotógrafo

Catadores de sonhos A rotina de catadores de lixo é agitada e pesada, mas o que os motiva na caminhada diária são os sonhos que buscam alcançar Barbara Schiontek, Rita Vidal e Thiliane Leitoles

30 revistacdm | cidades

Rita Vidal

Ao fundo cooperativa municipal que recebe materiais recicláveis de alguns carrinehiros da cidade.


H

á dois anos Ataíde Marafigo anda muitos quilômetros por dia. Com um companheiro, seu carrinho, o catador passa por inúmeras ruas coletando o lixo reciclável. Como ele há muitos outros, que além de garantirem o sustento, contribuem para o meio ambiente e mantém as cidades limpas.

Ele fala sobre a concorrência de catadores e sempre procura ir para a outra direção, para fugir do grande volume de trabalhadores. Ataíde Marafigo está mais feliz hoje do que quando trabalhava na firma e assim como todas as pessoas ele tem um desejo: “Sonho em comprar uma camionetinha para trabalhar e não cansar muito, tenho problema nos pés.”

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2018 o número de catadores informais de materiais reciclá-

A assistente social Luciana de Avila comenta que é importante realizar um trabalho pedagógico nas associações, pois há toda uma estrutura dentro

“Sonho em comprar uma camionetinha para trabalhar e não cansar muito.”

Ataíde Marafigo, carrinheiro e catador

veis era de 268 mil, com uma renda mensal de R$ 690. Os dados ainda mostram que 67% são negros e 72% são homens. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) ainda mostra que 90% do lixo que é reciclado no Brasil é feito por meio dos catadores.

desses espaços e que muitas vezes é deixada de lado, pois os catadores são uma população marginalizada. “Os projetos são importantes para estabelecerem o local dos catadores, marcarem o território. Eles são unidos, lutam pelos direitos e melhorias.”

Ataíde começou a explorar a área depois que a firma de pneus em que trabalhava fechou as portas. Ele tentou continuar com o negócio, vendendo e arrumando os pneus em casa, mas o ganho não era suficiente e ele se sentiu motivado a entrar na reciclagem.

Ela também comenta que são poucos os governos que dão a devida atenção aos catadores. De acordo com Luciana, a classe tem um carinho muito grande pelo Lula, pois ele foi o único presidente que os recebeu em Brasília.

Uma das vantagens que Ataíde conta é sobre poder fazer o horário que desejar, sem precisar dar satisfação a algum superior. Como ele mesmo conta: é mais “sossegadinho”. Ele mora com a esposa em uma casa na comunidade Independência, tem três filhos já criados, que, segundo ele, são maravilhosos. Marafigo diz estar vivendo sua vida muito feliz. Ele costuma chamar de viagens quando sai pegar os materiais recicláveis e cada dia ele toma um percurso, podendo ser menor ou maior, mas o que o alegra é quando “faz uma viagem bonita”, ou seja, quando consegue coletar bons materiais.

A assistente social diz que é necessário que exista mais investimento na política ambiental, pois é muito falha. E, mais importante que isso, é preciso que se crie uma conscientização sobre os catadores, “pois eles também são gente”. CAMINHADA FEMININA Cassiane Aparecida da Silva Jeremias, 41 anos, começou a trabalhar com reciclagem há quatro anos. Ela conta que sempre tem o auxílio para fazer a coleta de dois dos seus oito filhos. Um pouco antes de começar a recolher os materiais recicláveis, ela

cidades | revistacdm

31


Thiliane Leitoles

De olhar sereno, seu Ataíde diz estar feliz com a vida de carrinheiro.

32 revistacdm | cidades


conta que trabalhou como doméstica, em condomínio de limpeza e em uma fábrica de reciclagem até machucar o ombro e ficar impossibilitada de erguer os pesos que o seu cargo exigia. Apesar disso, o trabalho nem sempre foi um fator presente na vida de Cas-

Eu quero uma vida boa para eles. O meu papel de mãe eu vou fazer.” No entanto a catadora também carrega os seus próprios anseios: “Meu sonho é comprar uma chácara, porque eu quero um lugar sossegado para mim e para os meus filhos”.

“Meu sonho é comprar uma chácara porque eu quero um lugar sossegado para mim e para os meus filhos.” Cassiane Aparecida, 41 anos, catadora

siane. Casou quando tinha 19 anos e desde esse período ela tinha a percepção de que deveria cuidar dos filhos, do marido e da casa, enquanto o seu par era responsável pelo sustento financeiro da família. No entanto, ela comenta ter mudado de opinião após a separação, que aconteceu quando ela estava grávida do seu filho que atualmente tem 3 anos, pois a partir desse momento a catadora criou todas as suas crianças sozinha e foi obrigada a encontrar um trabalho. “Hoje eu sei que não preciso de marido para trabalhar, eu posso ser independente. Eu trabalho com os meus braços e minhas pernas, nunca mais dependi de um homem na minha vida’’, diz. Cassiane conta que durante esse período conheceu várias pessoas que hoje a auxiliam com cestas básicas e com os materiais recicláveis, que já estão preparados para a hora que ela passa. Ela relata que já passou por diversas dificuldades como deixar o vício das drogas, se sentir uma mãe ruim e lidar com a rejeição de um filho. Mas o que a faz continuar carregando o carrinho pelas ruas da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) são os seus filhos e o amor que ela sente por eles. É para a garantia de um futuro melhor para as crianças que a mãe continua batalhando. “Primeiro Deus, depois meus filhos e minha mãezinha.

“Se eu tivesse um pouquinho do DNA dela eu tava no céu. Ela mata um leão por dia, muito guerreira e muito caprichosa.” É com essa saudosa frase que a Rosenilda Chassot descreve a grande amiga Maria José Pereira, 50 anos. Maria faz a coleta dos recicláveis há oito anos e conta com o suporte da amiga Rosenilda há pelo menos seis. A ideia de começar a puxar um carrinho pelas ruas veio devido ao fato de seu genro já trabalhar com a reciclagem, o que pareceu um bom ponto de partida na época. Ela trabalhava em um restaurante e percebeu que com a reciclagem poderia faturar mais, garantindo melhor qualidade de vida para toda a família, preocupação número um de Maria. A catadora acha a reciclagem interessante pelo fato de ser independente, não ter ninguém para repassar ordens e, além disso, é algo divertido, como define a catadora, pois vai passando pelas ruas, conversando com um, com outro, fazendo bastante amizades. Maria conta que algumas vezes já sentiu olhares maldosos e julgadores, mas que nunca deixou que isso a abalasse, pois sempre teve espaços em que se sentia confortável e bem recebida pela população.

cidades | revistacdm 33


“O meu sonho é comprar uma casa e deixar os meus filhos amparados.”

Maria José, 50 anos, catadora

Para ela, coletar o lixo tem uma grande relevância, que abrange um espaço social. O recado que Maria deixa é o de que os catadores ajudam a limpar o lugar onde vivemos, as ruas. Ela ainda reforça que se os moradores deixassem os materiais separados seria ainda mais fácil. Mesmo com sua pequena estatura, motivo de risada para Rosenilda que diz que Maria ainda precisa crescer, a catadora aspira por novas conquistas:

“O meu sonho é comprar uma casa e deixar os meus filhos amparados. Moramos atualmente pagando aluguel.” O PAPEL DA PREFEITURA A gerente de Educação Ambiental da Prefeitura de Curitiba, Leila Maria Zem, conta que na Capital existem as cooperativas, que são associações nas quais vários catadores trabalham juntos. As cooperativas recebem os materiais dos caminhões de Rita Vidal

Aproximadamente 15 funcionários da cooperativa Catamare já trabalharam como catadores de materiais recicláveis nas ruas.

34 revistacdm | cidades


reciclagem de Curitiba e também de outras empresas.

A cooperativa Catamare compra materiais recicláveis de instituições privadas e de catadores autônomos.

O projeto iniciou em 2007 e hoje existem 40 associações, com 1.200 catadores de material reciclável. Ela explica que não há um número certo de integrantes nas cooperativas, podendo existir variação de 10 a 55 pessoas, por exemplo. Além disso, todas elas passam por regulamentações e fiscalizações. Embora não exista um levantamento concreto, o Movimento Nacional de Catadores estima que em Curitiba existem 10 mil catadores. O coordenador administrativo da cooperativa Catamare, Edimar Camargo, conta que no local trabalham 30 pessoas: 17 mulheres e 13 homens. Eles separam o lixo e armazenam em sacos, que são comprados por outras empresas, para que essas vendam para a indústria, completando o ciclo do lixo. Ele conta que quando abriram conseguiam entregar quatro caçambas por dia, no entanto, no presente só entregam uma por dia. Camargo liga a diminuição com os catadores autônomos que, de acordo com ele, chegam antes dos caminhões da coleta nos locais e pegam boa parte do material reciclável. O coordenador também explica que os catadores das associações recebem pelo dia, ou seja, se em um dia chegou bastante material é provável que será gerada uma boa renda, mas se o material é pouco ou de difícil proveito, o valor recebido será mais baixo. Os materiais mais rentáveis são: papelão, papel e latinhas.

Leia mais Confira “Sonhos de Papel”, documentário que conta a história de outras pessoas que também trabalham com a reciclagem.

Rita Vidal

portalcomunicare.com.br

cidades | revistacdm 35


Força de vontade O ex-menor infrator e atual embaixador da juventude da ONU, Jeconias Neto, acredita que a maior política pública para a ressocialização é o empenho pessoal Beatriz Tedesco Camille Casarini Fernanda Xavier

Fernanda Xavier

36 revistacdm | cidades


E

m novembro de 2018, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e das Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça realizou um levantamento, indicando que no país havia 22 mil jovens menores infratores, em 461 unidades socioeducativas pelo Brasil. Jeconias Neto Lopes já fez parte desse número. Aos 13 anos, ele se envolveu no mundo das drogas e dos crimes, mas hoje é embaixador da Juventude da Organização das Nações Unidas (ONU) e conta sobre essa trajetória de superação e recuperação.

Independentemente desse ambiente, os pais de Jeconias o criaram de acordo com ensinamentos adventistas. Mas, com o passar dos anos e a chegada da adolescência, ele conta que as drogas e o crime que o rodeavam começaram a fazer parte da sua visão de mundo e “a bela educação cristã começou a desaparecer”. Então com 13 anos, o menino deixou a igreja e entrou de cabeça no crime e nas drogas que, para ele, parecia oferecer àquela época uma vida muito poderosa. O embaixador, ainda em seu artigo, aponta sobre a questão do crime e as pessoas menos favorecidas: “Nesse mundo em que as pessoas se sentem insignificantes, o crime acena para aqueles que estão em maior desvantagem e às margens da sociedade, oferecendo-lhes a chance de ‘se tornarem alguém’! E eu queria ser alguém”.

“Precisamos ter força de vontade e paciência. Devemos sempre tentar tirar coisas boas das piores situações. Esperar pelos outros e nos vitimizar pela vulnerabilidade não é a melhor saída.” - Jeconias Neto, embaixador da juventude da ONU

Ele conta que acabou entrando no mundo das drogas profundamente e o que no início acabava lhe dando bem-estar, no fim lhe trouxe muita agonia e ilusão, fazendo com que não se sentisse satisfeito e ficasse cada vez mais violento.

Hoje aos 28, Jaconias se mudou para Brasília com seus pais aos 2 anos de idade. A mudança era para que conseguissem uma vida melhor, mas no fim das contas, acabaram na periferia da cidade. Uma região que não possuía energia elétrica e sistema de água.

“Fui preso inúmeras vezes”, lembra ele. Contudo, por ser menor infrator, ficava nas casas socioeducativas, mas assim que era solto voltava para o mundo da criminalidade. Até que, aos 17 anos, foi preso pela última vez. Em um dos fins de semana que foi para casa, não conseguiu acompanhar a mãe até a igreja, pois ele não se sentia “digno”.

Em seu artigo “Perdido e achado Uma jornada de esperança”, no qual escreveu sobre sua história, o embaixador ressalta que o local em que morava não era o problema, mas, sim, a falta de oportunidades para crescer e conseguir levar uma vida normal.

Até que um dia na casa de detenção receberam um grupo de adventistas que cantaram um hino que o fez sentir uma “paz interior” e relembrar seus momentos de cristão. Então, na semana seguinte em que foi para casa, acompanhou a mãe à igreja.

cidades | revistacdm 37


Assim, Jeconias conta que a igreja foi a forma como conseguiu sair do mundo do crime e se reencontrou. Contudo, sua história de superação não acaba aí. No ano de 2016, concluiu o curso de Teologia e foi convidado para servir em uma igreja de Brasília. O intuito era que ele desenvolvesse o ministério adventista aos presidiários do local. E, então, quando iniciou os trabalhos, foi nomeado embaixador da Juventude pelas Nações Unidas, para representar todos os jovens do país. Para Jeconias, o primeiro passo que a sociedade precisa dar é a empatia, visto que nao tem como discutir políticas públicas sem se colocar no lugar do outro, ‘’que é o endereço mais difícil nesse mundo’’. Ele ressalta que se colocar no lugar do outro, não significa concordar com tal realidade. ‘’Quando a sociedade debate política, não é para garantia de direitos e para o equilíbrio da vida humana e nem para a gente poder oferecer as oportunidades de maneira igualitária a todos. Geralmente, nós defendemos nosso prisma, nossa opinião. E as políticas públicas que são construídas não são efetivas. Quem constrói a política hoje é gente que desconhece toda vulnerabilidade social que existe.’’ O embaixador afirma que não acredita na impunidade, mas, sim, que as penas devem ser para a ressocialização e remissão da vida e não apenas de caráter punitivo e condenativo. Jeconias acredita que por falta de investimento na área da socioeducação, o sistema não cumpre com o principal objetivo, a ressocialização. Para ele, essas unidades se assemelham às penitenciárias, que são ‘’cemitérios de sonhos’’ que empoderam o crime. ‘’O adolescente, ao invés de ver um lugar onde tem seus direitos garantidos e possa ter um plano de crescimento, acaba visualizando um local de mera sobrevivência. A criminalidade enxerga esses locais como escola do crime’’, afirma o embaixador.

38 revistacdm | cidades

Se pudesse dar um conselho para os menores infratores, ele conta que falaria que é necessário olhar pelo viés do empoderamento e entender que a maior política pública que a sociedade possui nos dias de hoje infelizmente é a força de vontade. ‘’Precisamos ter força de vontade e paciência. Devemos sempre tentar tirar coisas boas das piores situações. Esperar pelos outros e nos vitimizar pela vulnerabilidade, não é a melhor saída.’’ A psicóloga Alessandra Lukenchukii diz que são vários fatores que levam um adolescente a cometer uma ou mais infrações. Porém, não se pode desconsiderar a questão social e socioeducacional, pois a maioria dos jovens que estão nesta condição são de classe baixa. “A família tem um papel importantíssimo na formação da criança e do adolescente. Deve acompanhar o desenvolvimento, estando alerta aos sinais de comportamentos inadequados ou até mesmo de possíveis evidências de desvio de conduta. Essa atenção é fundamental para que possam ajudar ou até mesmo procurar ajuda profissional.” Segundo a psicóloga, se alguém observa que o filho maltrata animais, sente prazer em ferir o amigo, vendo que esses casos ocorrem com frequArquivo pessoal

Jeconias Neto, ex-menor infrator e atual embaixador da juventude da ONU.


ência e não se sente arrependido, isso pode ser indício de algum distúrbio ou transtorno de personalidade. “A família também precisa de ajuda para entender seu papel, pois quando o adolescente voltar ao convívio social, os familiares possam ampará-lo e ajudá-lo nessa integração.” Ela comenta que quando o menor infrator é detido em unidades específicas, a psicologia pode ajudar no contexto junto com a família, “trabalhando o resgate desse núcleo familiar, construindo vínculo, afeto e aproximação”.

econômico e social fazem com que os desajustados das mais diversas áreas sejam fortemente discriminados, afetando os menores infratores.

Para Alessandra, as unidades que abrigam os menores precisam ter todas as condições para reabilitação,

Porém, Ricardo destaca que parte da culpa também é da sociedade, que negligencia esse problema. “Nós precisamos, enquanto nação, gerar condições para que o jovem entre para a criminalidade somente se quiser. Em nações desenvolvidas, ainda há jovens que vão para a criminalidade, mas aí pode-se afirmar que por escolha própria, porque eles possuem a oportunidade de seguir outro caminho.”

“Os menores infratores, sem dúvida, possuem uma parcela de culpa, mas não a culpa total e a sociedade, em geral, atribui a culpa exclusivamente ao infrator.” O sociólogo destaca que a sociedade olha para o infrator como um problema, alguém que deva sozinho pagar por seus erros, corrigi-los, se organizar e se reerguer na vida.

“Valorizar o aprendizado é sempre um caminho para não voltar a fazer escolhas erradas.” - Alessandra Lukenchukii, psicóloga ou seja, profissionais habilitados e especializados. “A finalidade deveria ser de resgate, conscientização e aprendizado de uma profissão, ser direcionado para que esses jovens possam ter possibilidades diferentes das que o levou para aquela situação.” A psicóloga sugere que se for trabalhado os aspectos de conscientização, construção de pensamentos, comportamentos funcionais e reestruturação familiar, a possibilidade de voltar a cometer uma nova infração pode ser muito menor. “É importante entender que escolhas geram consequências, mas as pessoas podem se vitimizar ou aprender. Valorizar o aprendizado é sempre um caminho para não voltar a fazer escolhas erradas”. Segundo o sociólogo Ricardo Denarde, a opinião que a sociedade tem em relação aos menores infratores é histórica, vem desde o século XIX. Para ele, a sociedade brasileira é predominantemente conservadora e elitista, de forma que o sistema jurídico,

Muitos jovens brasileiros, segundo o sociólogo, não possuem muitas opções a não ser o caminho da criminalidade, então nesses casos não é possível afirmar que é uma escolha do indivíduo, pois a sociedade não ofereceu todas as possibilidades para ele seguir. O sociólogo ainda ressalta que, para resolver o problema da marginalização de menores infratores, só existe uma solução: a educação. Uma educação de qualidade, acessível a toda a população daria condições do jovem adquirir as ferramentas necessárias para atuar ativamente na sociedade, pois quando essa educação não chega ao indivíduo, ele é privado de muitas oportunidades. Além disso, Ricardo afirma que seria importante haver dentro do ambiente de reclusão dos menores infratores maior instrução e ensino para que o jovem possa sair de lá com mais ferramentas para atuar de forma positiva na sociedade.

cidades | revistacdm 39


40 revistacdm | cidades


Sempre ao seu lado Guia, terapeuta e melhor amigo: a interação entre humanos e cães traz benefícios há mais de 500 mil anos Bruno Talevi Deborah Neiva Helena Sbrissia Lucas Grassi

“D

esde o primeiro momento você vai ouvir: ‘confie no seu cão’. E quando você para na primeira travessia, no primeiro meio-fio, tudo o que você pode fazer é isso: confiar no seu guia.”

Conheça Conheça o instagram que a nossa equipe criou para a divulgação do nosso documentário: Dog.Doc https://www.instagram. com/_dog.doc/

O fisioterapeuta Roberto Conceição começou a perder a visão aos 8 anos. A partir de 2005, precisou recorrer à bengala, aos aparelhos eletrônicos para baixa visão e tecnologias assistivas para concluir as ações do dia a dia com autonomia e independência. Contudo, aos poucos, Roberto percebeu que a bengala não era mais suficiente para suprir suas necessidades. Segundo ele, o objeto não identificava obstáculos acima de sua cintura, o que causava acidentes com certa frequência durante suas caminhadas. Foi em dezembro de 2015 que ele encontrou Dexter – seu cão-guia. O animal, ao contrário da bengala, é capaz

de antever o obstáculo e decidir o que fazer. E foi junto do seu novo parceiro que o fisioterapeuta pode reencontrar sua liberdade e autonomia. “Como o relacionamento é diário, é como uma montanha-russa. Nem sempre é tudo lindo, é como uma relação interpessoal: em alguns momentos você tem vontade de sumir. Mas, no fundo, a relação com o cão, e em especial o animal-guia, é um negócio meio maluco. Ele é uma parte de você – e isso não tem como traduzir.” Roberto conta que o processo de escolha e a adaptação ao cão-guia não são tarefas fáceis. O animal, ao contrário da pessoa, está pronto e treinado – o processo se trata, basicamente, do aprendizado do futuro dono: aprender os comandos, a perceber o cão e conduzir as situações em que o cachorro é incapaz de tomar a decisão sozinho. O adestrador Rafael Wilineski explica que, no Brasil, há também a dificuldade de entender o trabalho de um cão de assistência. Culturalmente é muito comum fazer carinho em um animal na rua, ou então parar para o agradar. “É como a gente estar trabalhando e chegar alguém para fazer carinho na nossa cabeça.” Roberto complementa ao dizer que, quando há um agrado, há também a perda de concentração do cão – e, consequentemente, a possibilidade de um acidente. É uma obrigação fazer essa orientação, porque a pessoa, se identificar um animal de assistência novamente, vai lembrar das palavras ditas anteriormente.

cidades | revistacdm

41


CÃES: OS PROTAGONISTAS Rafael, além de adestrador é dono de Messi e Pinhão. Messi, além de diversas atividades de interação assistida, participa de diversas rodas de leitura para crianças — ajudando a despertar o gosto pelos livros nos pequenos. “É como se o cachorro estivesse prestando atenção no que a criança está lendo, então muitas vezes aquele julgamento social que é feito mesmo que sem querer pelo adulto não acontece.” Rafael explica que o cão apenas observa o aluno lendo, então a criança fica mais confortável. “Os animais mexem com a questão emocional das crianças.” Os benefícios da interação entre crianças e cães vão desde um desenvolvimento afetivo e educacional acima da média, fortalecimento do sistema imunológico, redução do índice de problemas alérgicos, diminuição da ansiedade e do estresse, menor incidência de problemas como sedentarismo e melhora no desenvolvimento muscular infantil. “O Chico veio para completar tudo o que eu acreditava e queria para a minha vida. Ele parece ter sido feito sob encomenda para mim e para o trabalho que ele desempenha.” Ana Michelotto é psicopedagoga, participante do projeto Focinhos e dona de Chico, que integra a iniciativa criada pelo Serviço de Apoio Psicopedagógico (SEAP) da PUCPR. O primeiro contato dela com a instituição de ensino superior foi por meio de um programa de pós-graduação de ciência animal, e sua pesquisa tratava sobre a interação entre os cães terapeutas e crianças com autismo. Durante o seu mestrado, Ana pesquisou diversas inovações que poderiam ser feitas para promover a saúde mental e a sua importância para os alunos universitários, e foi assim que nasceu o Focinhos. Ela conta que recebe diversos retornos e resultados positivos em relação ao desempenho acadêmico do indivíduo e seu estado psíquico.

42 revistacdm | cidades

“Todos os dias que a gente vem com os animais para a universidade, há alguma história. Um estudante chega e fala ‘vocês animaram meu dia, porque tava muito difícil.’ E a gente sabe que muitos deixam a família longe – e até mesmo os animais de estimação – para estarem aqui. Quando eles encontram os animais pelo câmpus há a sensação de pertencimento e proximidade.”

“O Chico veio para completar tudo o que eu acreditava e queria para a minha vida.” - Ana, dona de Chico. A dona de Chico explica que essa atividade assistida com os animais, em que o estudante fica livre para interagir e o cachorro também, tem como intenção diminuir o estresse e a ansiedade causados pela rotina. HUMANOS: OS COADJUVANTES Essa relação quase simbiótica entre os seres humanos e os cães já é antiga. Registros arqueológicos têm indícios de que tudo começou há cerca de 500 mil anos, na Era Glacial. Desde então, seres da espécie bípede vêm se beneficiando com tudo o que os caninos podem trazer para a vida. Proteção contra alergias, socialização e aproximação de pessoas, alívio do estresse, redução da pressão arterial, combate à depressão, elevação da autoestima, liberação dos hormônios da felicidade e diminuição da solidão. De acordo com a psicopedagoga, esses são apenas alguns dos benefícios que os cães trazem para a vida dos seres humanos. Letícia Castanho é veterinária e conta que desde 2005 havia o sonho de realizar alguma interação entre espécies para que houvesse essa troca de experiências. Foi assim que nasceu O


projeto Amigo Bicho “do coração de uma pessoa que queria muito ajudar através dos animais.” Ela faz voluntariado na Associação Paranaense dos Portadores de Parkinson (APPP), em que o objetivo é sempre, em conjunto com o profissional de saúde, melhorar a qualidade de vida dos pacientes. São realizadas diversas atividades em conjunto com os animais para trabalhar com a coordenação motora fina e a motricidade. De acordo com a terapeuta ocupacional Paula Lima, a pessoa que tem doenças de Parkinson fica muito nervosa, por exemplo, ao tentar pegar algo muito pequeno, porque a coordenação motora fina está comprometida. Com o cão, o paciente não pensar na dificuldade, apenas em realizar a atividade. O principal diferencial, segundo Letícia, da terapia com os cães, é que em muitas das vezes o paciente sequer percebe que está fazendo o exercício, porque a atividade se torna mais agradável. “Eu me sinto extremamente grata por poder fazer esse trabalho com os animais para ajudar tantas pessoas. Não tem explicação: é amor. Em uma de suas formas mais puras.” Paula conta que diversos pacientes começam com a rejeição do animal por medo ou por nunca terem convivido com um cachorro em casa. Aos poucos, eles vão se achegando e os cães, aos poucos, sentem que podem fazer a aproximação. “Uma senhora de muita idade uma vez, no fim de uma dessas visitas, chegou para mim e disse: ‘Doutora, foi durante uma hora com eles que eu esqueci que tinha Parkinson. Eu consegui ser feliz junto com eles por todo esse tempo até me lembrar que tinha a doença.’”

Cães de assistência e interação assistida: o que diz a legislação Helena Sbrissia

Os cães conhecidos como de assistência são animais que, desde o nascimento até a entrega para o usuário, são treinados de maneira controlada, com duração aproximada de dois anos. Esses animais são protegidos pela lei, que garante uma certificação e uma documentação de trabalho — e, graças a isso, eles podem ter acesso a lugares públicos como aviões, táxis, navios etc. Já os cães de interação assistida (atividades, educação e terapia) têm diferentes funções que podem ser exercidas — e nenhuma lei para os proteger. Portanto, se um indivíduo precisar da presença terapêutica do animal não pode levá-lo para a faculdade, aviões e locais mais restritos. Segundo Rafael, essa diferença ocorre porque um animal de interação assistida pode ser até mesmo um cavalo. “Hoje vemos alguns trâmites em estados com proposições neste sentido, para que eles possam ter a mesma condição dos cães de assistência. Mas a questão semântica não é discutida no sentido legal.”

Contudo, a entidade sendo pública ou privada, pode abrir por conta própria a possibilidade do acompanhamento — como é o caso de universidades como a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a rede de cinemas Cinemark, em que é permitido o acesso de animais junto com os seus donos caso haja a necessidade. O adestrador explica que os cães de assistência são englobados em cinco categorias: para mobilidade reduzida; para crianças dentro do espectro autista; para pessoas com discapacidade ouvinte; cão de alerta (para pessoas portadoras de diabetes tipo 1, epilepsia e outras doenças) e os clássicos e mais conhecidos cães-guia. No Brasil, o processo de treinamento para esses animais é muito custoso tanto pela entrega do animal quanto pela formação do instrutor. Esse custo acaba por dificultar uma melhoria na condição dos instrutores em formação e impossibilitar o treinamento de mais cães para assistirem às pessoas com cada vez mais frequência. Bruno Talevi

Dexter é o cão-guia de Roberto há quatro anos. cidades | revistacdm 43


Com que olhos você enxerga o mundo? Como as tecnologias podem conferir autonomia às pessoas com deficiência visual Aline Bellino Danielle Spielmann Natalie Bollis Rubiane Kreuz

aquele que enxerga pouco, mas que ainda tem visão mesmo que baixa.” Maria do Carmo ficou cega aos 6 anos como consequência de um glaucoma congênito. Sua irmã mais velha, perdeu a visão aos 12 anos. Como ainda não era alfabetizada os médicos disseram aos seus pais: “Essa menina não vai ler nem escrever, não vai poder estudar porque ela não enxerga”. Mas Maria sempre foi uma menina inquieta. “Eu adorava mexer nos cadernos

D

“Eu sempre falei em deficiência visual até que há uns dez anos, me perdi na rua procurando o consultório do meu médico. Pedia informações para as pessoas na rua, e elas me indicavam o caminho por meio de orientações do tipo, vire ä esquerda, ou então logo atrás daquele prédio vermelho, até que não aguentando mais eu parei uma senhora e disse – Sou cega e preciso achar esse endereço. Foi só assim que percebi que, para a maioria das pessoas, o deficiente visual é

44 revistacdm | cidades

Rubiane Kreuz

istante meia hora do câmpus da PUCPR até Pinhais, chegamos ao endereço da nossa primeira entrevistada. Já era quase 10 horas quando uma senhora simpática e bem vestida abriu a porta do apartamento de número 13. É nossa entrevistada Maria do Carmo. Logo de início fizemos a seguinte pergunta: “Como você quer que a chamemos? De pessoa cega ou de pessoa com deficiência visual?”. Já tínhamos lido muito sobre o assunto, mas ainda não tínhamos certeza qual o termo correto. Foi quando ela nos contou a seguinte história:

Aplicativos facilitam a vida de pessoas com deficiência visual.


dos meus irmãos mais velhos. Eu tentava juntar as letras, mas minha visão já era bem baixa. Mesmo criança eu negava o fato de não poder ler. Eu era muito curiosa.” Seu pai, vendo a vontade de Maria em aprender a ler e escrever, mudou-se da zona rural da pequena cidade de Bandeirantes, norte do estado paranaense, para o interior do estado de São Paulo, a fim de estudar em um Instituto para Cegos. E foi lá que Maria ficou até cursar o segundo grau. Após esse período, já alfabetizada em braille, sistema de escrita e leitura tátil para pessoas cegas, retornou ao Paraná, onde pode continuar seus estudos. Aos 26 anos, formou-se em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em 1984, época em que também foi aprovada em concurso no TRE-PR, onde

em computadores e fazem as coisas do dia a dia de forma independente. Essas dúvidas são comuns. Para Maria, as pessoas cegas são diferentes umas das outras, assim como uma pessoa comum. Ela diz que há cegos preguiçosos que não gostam de estudar e se modernizar. Para ela, as pessoas imaginam que o cego é um coitadinho que não consegue se virar sozinho, mas isso não é verdade. A vontade de estudar está dentro de cada pessoa, independentemente de sua condição física. Em relação às tecnologias, ela usa muito o Dosvox, sistema para computadores e celulares que se comunica com o usuário por meio da síntese da voz. Esse sistema é editor leitor e impressor de textos, e tem ampliador de telas para pessoas com visão reduzida. Após uma hora de ótima conversa e aprendizado sobre o mundo das pessoas cegas, não poderíamos deixar de perguntar: “Maria, você é feliz por quê? E a resposta foi “Por que eu não seria feliz? “, dada de forma rápida e natural, o que nos surpreendeu. Saímos dali com a sensação de que havia muito a aprender e entender sobre a natureza humana e superação das adversidades que a vida nos apresenta.

“Essa menina não vai ler nem escrever, não vai poder estudar porque ela não enxerga.” Maria do Carmo, aposentada trabalhou por 32 anos. Aposentada desde 2016, diz que agora tem mais tempo para passear pela cidade e ir ao cinema. Ela enfatiza que não gosta da audiodescrição nos filmes, pois para ela há um exagero nessa descrição das imagens, o que acaba cansando. Ela é categórica: “se as pessoas têm o direito de ver as cenas do filme, então aos cegos também deve ser dado esse direito. Então a audiodescrição é uma questão de igualdade.” Maria do Carmo tem três filhos. Seu marido também é cego. Durante a entrevista, sua filha mais nova, Angelita, interrompe a entrevista para contar que seus amigos sempre perguntam para ela como seus pais escolhem as roupas, atendem telefone ou mexem

APLICATIVO O curitibano João Pedro Novochadlo desenvolveu um aplicativo para celulares gratuitos que utiliza a tecnologia de microlocalização para facilitar a interação e locomoção de pessoas com deficiência visual em ambientes urbanos internos e externos. Batizado de Veever, esse aplicativo funciona da seguinte forma: “A gente instala alguns dispositivos emissores de sinal bluetooth, em alguns pontos de interesse e na medida que o usuário se aproxima ele recebe o sinal e transcreve por voz as orientações que estão ali, conferindo maior autonomia às pessoas com deficiência visual“.

cidades | revistacdm 45


Veever.global

O aplicativo Veever confere mobilidade e independencia ao usuários.

“E o poder público deve investir em tecnologias que promovam a inclusão do cidadão e acessibilidade.” João Pedro, criador do aplicativo Veever a inclusão do cidadão e acessibilidade.

Segundo ele, assim é possível mapear os ambientes desses estabelecimentos, proporcionando aos usuários mais facilidades para se deslocarem e locomoverem pela cidade. E por meio desse aplicativo, as pessoas com deficiência visual ganharam autonomia. João Pedro Novochadlo se interessou pelo tema a partir da experiência quando foi voluntário no Instituto Paranaense de Cegos, vivenciando as dificuldades de locomoção das pessoas cegas. Para ele, o poder público deve investir em tecnologias que promovam

46 revistacdm | cidades

Para Gilberto Ozawa, 54 anos, servidor público há 17 anos da área de informática do Tribunal de Justiça, que possui baixa visão desde o nascimento, diz que o correto para ele, é o termo “pessoa com deficiência visual”, mas que se o chamarem de cego, ele também não se importa.No trabalho ele utiliza a rede de aumento do Windows, o que já lhe confere acessibilidade suficiente para desempenhar suas atividades. O último censo do IBGE sobre o número de pessoas cegas na capital paranaense é de 2010, quando foi apontada a existência de 7 mil pessoas cegas e 36 mil pessoas diagnosticadas com baixa visão. Ano que vem novo censo vai atualizar essa estatística, e de acordo com o próprio instituto, há uma expectativa de aumento desses números em pelo menos dez por cento.


De acordo com Idamaris Costa, diretora do Instituto Paranaense de Cegos – IPC, “a inclusão entre pessoas com e sem deficiência quebra as barreiras de muitos tabus e que as tecnologias vieram facilitar a inclusão das pessoas cegas ou as que possuem baixa visão”. Por outro lado, o grande empecilho para a acessibilidade também está nos sites tanto de empresas privadas quanto as do setor púbico. Para a diretora do IPC, muita coisa tem que ser feita para que Curitiba seja considerada uma cidade acessível, a exemplo do centro e dos locais de mais visitação na cidade como parques e museus.

O Instituto paranaense de cegos oferece cursos de tecnologia assistiva.

De acordo com Denise Moraes, assessora da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência da prefeitura de Curitiba, “a linguagem do braile já não é o recurso mais utilizado pelas pessoas com deficiência visual, pois grande parte já utiliza dos recursos de tecnologia assistiva, como o Dosvox, sistema resposável pela leitura dos meios tecnológicos, como o computador, celular, tabletes e de tudo que está escrito por meio de uma voz robotizada”.

Ela aponta outras tecnologias como o Seecolors, um aplicativo que apresenta uma grade de cores para que a pessoa possa ter uma ideia de combinação de cores como na escolha de roupas por exemplo e também o aplicativo Veever, que está em fase de testes para implantação na cidade de Curitiba. Para ela, Curitiba é inclusiva. Aproveitamos a fala da nossa primeira personagem, a Maria do Carmo, 64 anos de puro otimismo e alegria, e que entre tantas histórias e lições que nos ensinou, e que também nos revelou que não gosta de cenoura, mas que come porque “faz bem para a pele”, podemos até ignorar na maior parte do tempo a existência de pessoas com deficiências físicas, mentais ou visuais, mas que temos de ter respeito, pois tal qual a cenoura que faz bem para a pele, o respeito faz bem para a sociedade, sendo a marca genuína de efetiva cidadania. E você? Com que olhos enxerga o mundo? Danielle Spielmann

cidades | revistacdm 47


Uma vida em perigo Jornalistas investigativos revelam os bastidores da profissão Heloísa Bianchi Isabela Lemos Matheus Zilio

E

m 2000, enquanto investigava o sequestros de crianças na fronteira do Paraguai, o repórter investigativo Mauri König foi agredido e, deixado à beira da morte, precisou fingir de morto para sobreviver a situação. “Depois conclui que se os caras quisessem realmente me matar, eles teriam feito, e jogado o corpo no rio Paraná. O que eles queriam na verdade era dar um susto, um aviso a imprensa brasileira para não mexer mais nas questões do Paraguai.” König acredita que existem outros tipos de agressão ou de violência que têm caráter permanente ao repórter: “Eles não deixam marcas físicas, mas deixas marcas psicológicas muito fortes”. Durante os duros anos na profissão, muitas reportagens causaram diversas ameaças ou retaliações contra König, mas ele acredita que a todo momento estamos sujeitos à consequências inerentes da profissão. Quando König trabalhava para o jornal Folha de Londrina, ele foi ameaçado por grupos políticos que “pediram sua cabeça” para o dono do veículo, pelo fato de discordarem das denúncias que estavam sendo feitas. Em 2003, o repórter escreveu uma reportagem que denunciava abertamente o envolvimento de policiais civis de Foz do Iguaçu com o receptadores de carros roubados no Paraguai. A transparência na reportagem culminou com a mudança compulsória de König para Curitiba. “Fiquei distante dos meus filhos e isso já implica um custo mui-

48 revistacdm | cidades

to grande. A preocupação de vê-los na mesma região que você denunciou os policiais, mas ainda bem não aconteceu nada.” Em 2012, novamente ameaças da polícia civil, por causa da série “Polícia fora da Lei”, culminaram com o exílio de König para fora do país, no Peru. Haviam sido feitas ligações para a Gazeta do Povo, alertando a imprensa que um grupo de policiais tinham sido contratados para matar König. “Você sempre fica com aquela sensação de que está sendo vigiado, eles sabem quem é você, porque eu assinei a reportagem, eu coordenei a equipe, mas eu não sei quem são eles.” Novamente, foi necessário que o repórter deixasse sua família em consequência de seu ofício. Jonathan Campos

Mauri König em entrevista numa das cavas do Rio Iguaçu, em Fazenda Rio Grande.


König recorda que o último episódio grave de ameaças contra ele consequentes de seu trabalho foi em 2016, quando publicou uma reportagem para a Folha de São Paulo, informando sobre uma guerra que acontece nas fronteiras do Brasil e do Paraguai pela disputa do tráfico. Durante suas investigações, König descobriu quem havia mandado matar um grande traficante da região, outro traficante. Meses depois o filho do traficante o encontra e exige que König parasse de fazer reportagem sobre seu pai. Ele decidiu parar com as reportagens a partir do momento que sua famí-

“Se eu tivesse desistido de publicar a reportagem quando fui agredido, os agressores teriam ganhado.” Mauri König, jornalista lia, que reside na fronteira de Foz do Iguaçu com o Paraguai, foi ameaçada. “Meus filhos não precisam pagar pelas minhas escolhas. Quanto a mim tudo bem, eu arco com as consequências das escolhas que eu faço na minha profissão.” Apesar de todas as consequências que a vida como jornalista investigativo trouxeram a Mauri König, ele não se arrepende de nada. “Se eu tivesse desistido de publicar a reportagem quando fui agredido, os agressores teriam ganhado. Quando sou eu que decido, então, publicar a reportagem, estou passando uma mensagem para eles, estou dizendo olha não adianta, por mais que vocês me ameacem, por mais que tentem me matar, vocês não vão me calar.”

PRAXE NA ESSÊNCIA “Eu não deixo uma grande herança material para os meus filhos, mas deixo um legado moral muito importante para eles, e eles se espelham nisso. Acho que esse é o grande ganho que o

jornalismo investigativo me deu, que se eu ficasse cobrindo as coisas factuais do dia, eu não seria quem sou hoje como jornalista e como ser humano.” Com 27 anos de carreira, König expressa sua gratidão ao ofício e conta como o jornalismo forjou a pessoa que ele é, “uma simbiose”. König explica que não conseguiria ficar tranquilo, em paz com a sua consciência se soubesse de algo que está causando alguma injustiça social, e que isso poderia mudar com o seu trabalho. Porque, de acordo com ele, o jornalista sempre está agindo, esperando que o seu trabalho produza alguma coisa, algum efeito, que no jornalismo deve, sim, esperar que o trabalho transforme alguma realidade, produza alguma mudança. E, para ele, essa mudança não precisa ser completa e palpável, pode ser intangível que ocorra na mente das pessoas, quando elas perceberem que aquela informação fez com que ela entendesse melhor determinado fenômeno, ou que a levasse a mudar de opinião. A jornalista investigativa da Gazeta do Povo Katia Brembatti conta que o jornalismo investigativo mostra uma realidade que muitas vezes não quer ser revelada, por isso ele é essencial, porque as pessoas podem fingir não ver as coisas, talvez por ser mais prático viver na bolha, mas o jornalismo tem a função de olhar para as coisas com a profundidade que elas têm. “Quanto mais a imprensa e a democracia estiverem em crise, mais o jornalismo investigativo é um pilar importante”. Professora e doutora em Jornalismo, Criselli Montipó explica que o jornalismo convencional se debruça sobre aquilo que está acontecendo no cotidiano, e por questões técnicas, nem sempre tem tempo para ir atrás das raízes de acontecimentos de um fenômeno social. A professora diz que é nesse ponto que o jornalismo investigativo se diferencia, já que busca entender os fatos de uma pauta a partir de uma pesquisa aprofundada, e por isso essa vertente é chamada assim, porque ela busca respostas mais complexas para fenômenos que afetam a sociedade.

cidades | revistacdm 49


“O que me move no jornalismo é a indignação, porque eu não consigo me conformar com determinadas situações então eu procuro ir além daquela leitura que a gente faz a primeira vista.” König aponta que para um jornalista ser efetivamente investigativo, ele tem que olhar para além da aparência dos fatos, e é nisso que o jornalismo investigativo começa a se diferenciar do jornalismo cotidiano. Porque a investigação vai exatamente além das aparências dos fatos, e para ir além da aparência dos fatos você precisa explorar o assunto de uma maneira que você consiga levar a pública todas as nuances possíveis, ou as máximas nuances possíveis de um acontecimento. Criselli diz que na história do jornalismo investigativo se fala muito do caso de Watergate, que para alguns seria o embrião para a investigação, porém há quem conteste isso. Até porque existem vários livros que agrupam vários casos que foram tratados na imprensa, inclusive sobre a ditadura. A jornalista aponta, também, uma reportagem investigativa, bem emblemática sobre jornalismo de dados, produzida no Paraná e liderada pela Katia Brembatti, os “Diários Secretos”, publicada pela Gazeta do Povo e pela emissora RPC, afiliada da Rede Globo no Paraná, em 2010.

difícil, exige boa vontade, é preciso abrir mão de um monte de coisa, não é a mesma coisa de fazer a matéria do dia a dia. É outro tipo de matéria. E também, alerta para a responsabilidade que o jornalista tem em suas mãos. Porque o todo o processo foi decidido pelo repórter, e a apuração á dele, portanto ele se compromete com aquilo. Todo o processo é responsabilidade dele, logo todo peso da responsabilidade é muito forte em cima do jornalista. Para König o primeiro impeditivo do jornalismo investigativo hoje é o alto custo que implica uma investigação, e o fato das empresas não estarem muito dispostas a arcar isso. Além dos riscos de retaliação, que podem ser ameaça, agressão, censura, ainda no período de produção da reportagem, ou até na pós publicação do material. Ele explica que a censura que mais se impõe ao jornalismo é via o judiciário, e que isso deixa o jornalista muito vulnerável a essas suscetibilidades do poder judiciário. Mas se o jornalista fez o trabalho bem feito, conseguiu documentar tudo que fez, não tem o que temer.

Com a série de reportagens Diários Secretos, Katia Brembatti conquistou o mais importante prêmio do jornalismo brasileiro em 2010, o Prêmio Esso do Jornalismo.

A professora se refere à série de reportagens que revelaram irregularidades praticadas na Assembleia Legislativa do Paraná. As reportagens promoveram mudanças na gestão do Legislativo estadual e também uma avalanche de investigações, conduzidas pelo Ministério Público. “Eu nunca tinha feito nada nessas dimensões, nem antes e nem depois. Eu fiz várias reportagens investigativas depois, mas nada com esse tamanho, e com essa envergadura.” Katia conta que às vezes ficava de 12 a 13 horas fechada em uma sala digitando e isso gerava um cansaço físico e mental muito grande. Além de que, como morava em Ponta Grossa na época, ela chegou a ficar 21 dias sem voltar para casa, sem ver sua família, seus filhos que eram pequenos.

50 revistacdm | cidades

Heloísa Bianchi

Katia explica que, por mais que muita gente glamourize, o jornalismo investigativo, ela não faz isso, porque ele é


U

m dos podcasts mais ouvidos do Brasil nasceu de um processo de jornalismo investigativo: o Anticast, que, em uma das suas temporadas, desmembra a história do Caso Evandro em 26 episódios. O trabalho é produzido pelo professor de podcast e jornalista Ivan Mizanzuk que se interessou pelo caso desde jovem e acabou trazendo-o à tona por perceber falhas de cobertura acontecidas durante a época que se deu o caso, em 1992. Com seu podcast, ele espera que a população possa entender melhor como funcionam casos criminais - um exemplo que ele dá é que muitas pessoas não sabem a diferença entre polícia militar e civil.

Evandro Ramos Caetano, o garoto vítima de ritual.

Imagem de arquivo de Aventuras na História

Algo que não se vê no jornalismo policial, segundo ele, é um aprofundamento nos casos. São apenas apontamentos de que tal lado falou isso e outro aquilo e, então, a reportagem está pronta. Para Mizanzuk, a notícia vai muito além disso. “Caso tivessem ido além naquela época, muitos problemas que existem hoje, 30 anos depois, não existiriam. Se tivesse alguém lá com a mesma preocupação que eu, de ouvir as fitas em 1992 e falar ‘pelo amor de Deus, tem coisa estranha nessa fita’, talvez, hoje eu não teria que estar fazendo um podcast para explicar tudo o que aconteceu”, afirma.

acaba tornando os jornalistas passivos às informações. Para ele, quem faz o noticiário diário, devido ao volume de demanda, recebe a notícia e apenas a reproduz. Muitas vezes, não há uma verificação ou não conta com a presença de voz contraditória – e, quando tem, é superficial: “na minha opinião, casos criminais complexos precisam de um aprofundamento maior.”

Podcasts no Brasil: “Caso Evandro”, por Ivan Mizanzuk.

O maior desafio do caso Evandro, segundo o jornalista, é que, muitas vezes, ele se vê num beco sem saída. Isso porque ele acha que vai tentar solucionar o caso e acaba percebendo que, como todo caso criminal, há dúvidas. Então, se dá conta de que não há elementos suficientes para tirar certas dúvidas. Ele conta que, uma vez, foi produzir uma parte do podcast que durava 10 segundos. Mas, para dizer aquela frase, precisava olhar uma parte do processo e, para achá-la, demorou três dias. “Eu não cheguei a ler todo o processo, você relê muita coisa, vê as gravações, tem que ser muito organizado e não se perder”, revela. André Rodrigues

Para Mizanzuk, o jornalismo factual hard news é muito importante, principalmente pela informação rápida, porém, faz crítica à forma como a rotina de produção dessas reportagens

cidades | revistacdm

51


A exploração da madeira e o desmatamento puseram a araucária em extinção. Hoje, pesquisadores acreditam que o seu valor não está no tronco, mas no pinhão

Henrique Zanforlin

52 revistacdm | sociedade

N

a região metropolitana de Curitiba, perto da cidade de Lapa, um mar de araucárias se estendia pelas planícies, e suas sementes eram bastante consumidas pelos indígenas que lá habitavam. Com a chegada dos imigrantes, aquela árvore ganhou extrema importância econômica: o tronco centenário tinha um diâmetro que não dava para abraçar, e a sua madeira reta a tornava perfeita para a produção de móveis. “Há 60 anos, tinha valor a terra onde havia pinheiro. Tem gente que ficou milionária porque comprou terra”, conta José Assir Lima, agricultor, produtor de abobrinha, pepino, repolho, alface, que possui 40 cabeças de gado. Ao contrário da vastidão de araucária que se imagina, sua fazenda possui

Henrique Zanforlin

Raízes do Pinhão

José Assir de Lima admira suas araucárias.


um céu azul e limpo. O que restou da exploração dos imigrantes se resume a algumas nuvens verdes, copas das poucas araucárias que protegem os bois do sol. Assir conta que ela gostava de cuidar das vacas, tirar o leite, sentir o vento no rosto, um espírito que a levou ao atletismo para correr a prova dos 800 metros. Outros dois estão estudando Agronomia, para, quem sabe, continuar o trabalho do pai. O produtor não gosta muito de araucárias: “É uma coisa que o terreno fica sem valor, ainda mais mato. Quem vai querer comprar uma área para ficar lá só o mato?”. Mas, como não pode evitá-las, há alguns anos fez um teste: pegou os pinhões que caíram em seu terreno e foi vender na Central de Abastecimento do Paraná (CEASA). Como ele faz todas as quartas e sextas feiras, acordou a 1 hora da manhã para chegar lá pouco antes das 3h, ficando

Apesar de 2019 não ter sido um ano bom para a sua venda, a semente continua sendo um fator importante de sua vida financeira. “É uma produção extra e com a qual você não gasta nada, não precisa adubar, não precisa pulverizar”. Além disso, ele conta que o fato de a araucária produzir por três meses torna o negócio ainda mais interessante, é um dinheiro que passa

despercebido. “Eu e minha esposa estamos interessados, já andamos atrás de, futuramente, fazer disso uma renda para quando me aposentar.”

O plano de Assir é objeto de estudo para uma dupla de pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Valdeci Constantino é doutor em Produção Vegetal, e desenvolve métodos que visam viabilizar a produção de pinhão em escala. “Hoje em dia, não tem produtor de pinhão, não existe ainda. O que há é extrativista, então o cara vai coletar o pinhão no mato que ele tem”. Com o uso de enxertos e manejo adequado, uma araucária pode começar a produAssir Lima, agricultor zir pinhão com dez anos de idade, 5 a menos do que seria o natural. Além lá até meio dia. O retorno financeiro o disso, a técnica permite a seleção das surpreendeu e logo ele ficou conheciespécies e de sexo, o que otimiza a do em sua região. Seus vizinhos levam produção. “Posso fazer previsões de pinhão para ele, que chegou a vender produtivida mais de 100 sacos de pinhão, cerca de 3 mil kilos por viagem.

“É uma coisa que o terreno fica sem valor, ainda mais mato. Quem vai querer comprar uma área para ficar lá só o mato?”

sociedade | revistacdm 53


Henrique Zanforlin

de com base nas espécies que plantei, além de controle de qualidade ao longo dos meses.” O pesquisador também explica que a safra não ter sido boa é uma característica natural da planta, que gasta muita energia para produzir a pinha, e depois precisa de um repouso antes do próximo inverno. Segundo dados da Secretaria de Agricultura e Abasteci-

mento, a safra de pinhão na região da Lapa, em 2018, foram 10 mil quilogramas inferior do que a do ano anterior. O preço pago aos produtores, por sua vez, aumentou cerca de 10%, chegando a R$ 2,72 por quilo.

Constantino ainda explica que a produção de pinhão em escala é uma forma de preservar a araucária, que hoje resta apenas 1,5% da mata original. Pelo fato de a araucária viver por mais de 500 anos, o estímulo do plantio pode reconstruir essa vegetação. Ou seja, mesmo que o agricultor viva até seus sonhados 100 anos Valdeci Constantino, pesquisador de idade, suas araucárias ainda estarão produ-

Henrique Zanforlin

“A araucária não deu certo pela beleza, não deu certa pela legislação, a única maneira é pelo bolso.”

54 revistacdm | sociedade


E como Assir gosta, ele diz já ter tido oportunidade de se mudar para cidade, mas preferiu manter-se na tradição, nas festas regionais polonesas de sua esposa e a comida caseira, como pinhão assado na brasa. zindo pinhão para seus filhos, netos e futuras gerações.“A araucária não deu certo pela beleza, não deu certa pela legislação, a única maneira é pelo bolso.” O terreno onde Assir mora vem desde seu avô, que, contra todos da família, emprestou dinheiro para o único neto que tinha gosto pela terra, e que até hoje sonha em virar fazendeiro. Assir mudou quando se casou, há 32 anos, e à época o agricultor só tinha uma bicicleta, uma picape e as poucas vacas emprestadas do seu avô. Nesses anos todos, ele criou sua família e aos poucos fez uma plantação, chegando a ter 40 funcionários e 200 mil pés de morango. Foi quando uma chuva de granizo destruiu sua plantação e o afundou em dívidas. Passou os próximos três anos pagando contas e os poucos funcionários que restaram. Por isso, ele fala que não pressiona os filhos para continuarem o negócio da família. É preciso gostar.

A professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Cilene Ribeiro é pesquisadora na área de patrimônio nutricional, e conta que o pinhão é muito mais do que uma semente, e faz parte da nossa cultura. “A comida não é uma coisa neutra, tem muitos sentidos e muitos significados, a gente tem muitos laços afetivos, muitas memórias.” Isso dá ao pinhão um valor maior do que o nutricional, ambiental ou até mesmo econômico. O pinhão carrega consigo um sabor de família, de inverno. “As pessoas se reuniam ao redor de pequenos braseiros para assar o pinhão direto nessa brasa. Então, existe até uma simbologia de catar o pinhão na mata e comer junto.” Apesar de a brasa ter sido substituída por uma panela, a comida ainda nos aproxima e faz presença nas festas tradicionais. O que seria da festa junina sem o pinhão?

Araucária enxertada.

Repensando o pinhão

Farinha à base do pinhão ajuda celíacos O jeito de comer pinhão não muda há séculos, e é isso que está tentando fazer a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Cristiane Helm. A nutricionista está desenvolvendo uma farinha a base de pinhão, que possui um baixo teor de gordura, e alto valor de proteínas e fibras alimentares, as quais previnem doenças gástricas. Ela conta que dessa forma é possível conservar o alimento, “conseguimos baixar o teor de umidade para 5%, podendo então ser estocado e durar por meses.” A farinha também está sendo vista como uma alternativa para quem sofre de doença celíaca, uma espécia de reação alégica ao glúten, proteína encontrada no trigo e na cevada.

Henrique Zanforlin

sociedade | revistacdm 55


Infância interrompida

A dura realidade das crianças viciadas em drogas desde a barriga da mãe - mulheres usuárias que não cessam o uso nem durante a gravidez Thamany Oliveira Luana Fogaça

E

la começou cedo no mundo das drogas. Sem poder escolher, Ester foi introduzida aos entorpecentes contra sua própria vontade - trauma cujos efeitos à longo prazo continuam lhe prejudicando anos depois de ter sido tirada da vida do vício. Aos 6 anos, Ester Oliveira tenta viver a vida como qualquer outra menina de sua idade.

Por conta do uso involuntário das drogas durante a gravidez da mãe, a pequena Ester nasceu com o que é visto pela família como os sintomas da abstinência. Ainda nos primeiros anos de vida, um desejo insaciável era transformado em choro constante pela menina, que volte e meia era pega pela própria mãe ingerindo substâncias tóxicas - como perfumes e remédios.

É que ela é apenas uma das várias vítimas da Síndrome de Abstinência Neonatal (SAN), condição que afeta milhares de bebês ao redor do mundo. A síndrome é resultado do uso constante de entorpecentes pela mãe durante a gravidez, atividade que causa o vício da criança ainda na condição de feto - e se prolonga durante os anos seguintes.

O uso dos entorpecentes durante o período da gravidez pode causar problemas no desenvolvimento do bebê, incluindo nascimento prematuro do feto e até mesmo convulsões. A cocaína, por exemplo, é uma droga que tem potencial de ocasionar dificuldade do crescimento do feto, causando a diminuição do peso e malformações. Já no caso da maconha, é o desenvolvimento do retardo no sistema nervoso do feto é um sintoma comum, além de alguns distúrbios neurocomportamentais.

Adotada logo após o nascimento, Ester hoje é cercada por uma família amorosa em um lar estável. Mas nem sempre foi assim, como relatam os próprios familiares adotivos da menina. “A mãe biológica da Ester fazia uso de 5 drogas diferentes durante a gravidez: cigarro, álcool, maconha, crack e heroína. O uso era constante, até o dia em que nos conhecemos, quando ela teve um incidente e teve que ser levada para um hospital”.

56 revistacdm | saúde

O choro constante, a irritabilidade e a dificuldade na alimentação são os primeiros sintomas do recém-nascido dependente de drogas. A longo prazo, o atraso no desenvolvimento e o comprometimento da fala e da linguagem são os problemas de educação mais comuns identificados por especialistas.

Banco de imagens gratuitas

O uso dos entorpecentes durante o período da gravidez pode causar problemas no desenvolvimento do bebê.


Ester, apesar de não apresentar sequelas sérias resultantes da gravidez de risco, apresenta sinais comuns à Síndrome.

Em 1999 houve cerca de 1,6 milhão de partos com registro de mais de 2.400 casos de síndrome de abstinência neonatal (1,5 a cada 1000 nascimentos). Em 2013, em 1,4 milhão de

“Quando alguma criança provoca ou ameaça ela, ela reage imediatamente. Ela é bastante estressada, até quando está com o irmão, e isso acaba gerando conflitos entre eles.“ - conta a mãe adotiva. O REMÉDIO DO AFETO No início do ano, em meio às corriqueiras notícias trágicas que transbordam pelos veículos de comunicação, uma campanha calorosa se destacou e fez sucesso na internet: a campanha “Abrace um Bebê Viciado em Drogas”. Isso porque, de acordo com pesquisas realizadas na década de 1990 apontam que o calor humano é capaz de acalmar bebês recém nascidos - cuidado batizado de “Método Canguru”. Assim, o Método foi testado em bebês com SAN, em um estudo conduzido pelo Centro Médico Metrohealth, nos Estados Unidos.

partos, o número de casos da síndrome aumentou para mais de 8.200 (6 a cada 1.000 nascimentos). Números tão altos certamente requerem uma atenção especial e medidas a serem tomadas. Mas enquanto a solução não chega, resta o carinho e o afeto daqueles que os têm a oferecer aos pequenos.

O choro constante, a irritabilidade e a dificuldade na alimentação são os primeiros sintomas da criança.

Com os resultados positivos dos testes, ficou comprovado que o contato humano reduz a ansiedade e o estresse dos bebês, além de eliminar a dor a angústia dos recém nascidos. O método passou a ser utilizado no Brasil, e a campanha “Abrace um Bebê Viciado Em Drogas” foi um sucesso, com voluntários se dispondo a passar horas transmitindo amor por meio de abraços aos pequenos. Entre 2008 e o 2018, a Secretaria Municipal da Saúde registrou cerca de 185 casos de internações de bebês após o diagnóstico de abstinência neonatal. Profissionais do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) analisaram quase 30 milhões de partos entre os anos de 1999 e 2013 e perceberam um aumento considerável da síndrome de abstinência neonatal.

Banco de imagens gratuitas

Leia mais O aumento das crianças que nascem com a abstnência neonatal é muito visível e preocupante. Entenda. portalcomunicare.com.br

saúde | revistacdm 57


O preço da educação Em busca de conquistar o sonhado diploma, estudantes enfrentam as adversidades da vida para tentar permanecer na faculdade Carolina de Andrade Gabriel Dittert Thais Porsch

C

om olheiras nos olhos, o cabelo um pouco despenteado e um sorriso cansado,Henrique Castro, 23 anos, relembra a época em que cursava Jornalismo. Não faz tanto tempo assim, mas a sensação é de que parece que foi em outra realidade. Ele não demora a responder quando vem a pergunta se sente falta de estudar. “Posso falar que ficar fora da faculdade fez muito mal para a minha autoestima”, admite. Sentado na beirada da cama de casal, espaço que divide com sua mulher, o ex-estudante mora em um apartamento no Centro de Curitiba. É um imóvel antigo, porém bem cuidado. Sua rotina se divide entre o trabalho como entregador, da startup Rappi, e o apartamento. Não há tempo para desvios. Nem para estudar. “Depois que terminei o ensino médio, eu não queria ficar parado. Eu queria engrenar uma formação. Aí escolhi Jogos Digitais porque achava que gostava disso. Passei no vestibular e entrei”, conta Castro. Ele cursou os ensinos fundamental e médio em escola pública, porém não atingiu a pontuação para conseguir a bolsa do

58 revistacdm | educação

Prouni. Sua única opção era o Fies Financiamento Estudantil, que exime o aluno de pagar a mensalidade até seis meses depois de formado, e quando começa a pagar, os juros cobrados são abaixo do mercado. Já faz um ano que Damaris Pedro, 33 anos, trancou sua matrícula no curso de jornalismo. Ela tinha bolsa de 50% pelo ProUni, mas mesmo assim não conseguiu manter os boletos em dia. “Eu entrei na faculdade mais tarde, aos 28, então eu era independente, morava sozinha, não tinha ajuda dos meus pais. Tinha que trabalhar e estudar. Pagava aluguel e começou a ficar pesado pra pagar a faculdade”, conta. O Prouni permite ficar dois anos sem estudar e Damaris está há um e meio. Enquanto falava sobre o processos fez uma pausa e desabafou com tristeza: “Foi doloroso o processo de trancar a faculdade… Eu tentei de todo o jeito”, salientou com veemência. “Fazer empréstimo, pegar de amigo… não teve como.” Castro também teve que parar de estudar Jogos Digitais. Mas por outro motivo. “No segundo ano, foi nítido que eu estava atrasado, aí eu resolvi trancar”, declara resignado.


Castro,porém, optou por Jornalismo. A pretensão era voltar para a mesma universidade que começou o primeiro curso, mas, segundo as informações que passaram a ele, não seria possível fazer outro curso na mesma instituição. Foi aí que o problema só aumentou. Para a surpresa do estudante, ao fazer a transferência no sistema do Fies, havia a informação de que o aditivo não havia sido feito. Ao entrar em contato com o órgão responsável, teve uma resposta tardia. “Eu solicitei ao MEC antes de começar o curso, e o órgão só respondeu depois que terminou o prazo.” Ele não conseguiu fazer a matrícula do segundo semestre, teve que trancar o curso e ainda saiu com a dívida do semestre anterior inteira. Mais da metade dos universitários interrompem a faculdade em algum momento. O que complica o retorno à faculdade é a dívida que fica.

Apesar das dificuldades, ambos ainda não desistiram. Damaris anseia por poder voltar a estudar. “Falta praticamente um ano para eu me formar. Eu preciso voltar, mesmo estando devendo um período.” Já Castro afirma que, depois de todos os problemas, quer estudar. “Meu sonho é ser aviador”. Ele sabe que o curso é caro, começou a planejar a ir para fora do país, trabalhar, juntar dinheiro, e voltar para fazer o curso. “Eu brinco, às vezes, que queria ser ignorante, porque o pouco de conhecimento que se tem, faz você ter uma percepção maior da realidade, e isso não é legal”, desabafa Castro. Gabriel Dittert

Para renegociar com a faculdade, Damaris explica que é necessário um cartão de crédito com limite alto e, mesmo sendo bolsista, não teve condições de arcar. “Eu comecei pagando [o curso] R$870 e a última vez estava pagando uns R$1.100. Para mim era uma grana muito alta, ainda é, né?” Todavia, a jovem fala que sua maior dificuldade não foi a questão financeira, mas sim conciliar a vida profissional - de trabalho com organização de eventos e gestão de bandas, sem horário definido - com a faculdade. “Eu gostaria de ser uma aluna 100%, mas não consigo, então me contentei em ser uma aluna 70%.” Ela revela que aproveitava o máximo que podia as aulas, pois sabia que no contraturno os livros seriam substituídos por telefonemas estressantes e o volume alto de caixas de som. “Eu pensava: ‘Ah, beleza, um pontinho não vai fazer diferença na minha nota, então não vou entregar esse trabalho’. Realmente não dava, eu dependia do meu trabalho. Eu aceitei não ser uma aluna 100%”, admite Damaris.

Castro e Damaris (foto) não se conhecem, mas compartilham a dor de trancar a faculdade por falta de dinheiro.

educação | revistacdm 59


DEFICIÊNCIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS por Gabriela Savaris

Henrique Castro e Damaris Pedro são apenas pequenas peças nas estatísticas de desistência no Ensino Superior. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no Brasil, cerca de 56% dos estudantes que ingressaram em uma universidade acabaram desistindo no meio do caminho ou trocaram de curso no decorrer da graduação. Desse número, 84,4% dos que interromperam a faculdade eram alunos de universidade privada. Mais de 1 milhão de alunos já passaram por situações de instabilidades com a vida universitária, entre os anos de 2010 e 2015. Todavia, estudantes que possuem bolsas de financiamento tendem a concluir os cursos mais que a média nacional, de acordo com o Inep. Em 2016, 53,3% dos alunos da rede privada com Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) concluíram a graduação – sem Fies, 35%. Com e sem ProUni, os percentuais são 56% e 34%, respectivamente. O coordenador do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Antonio Kozikoski, aponta que existe uma preocupação de fazer o mínimo por parte do Poder Público - com o acesso dos alunos à educação superior - mas não existem políticas para depois que o aluno ingressa na faculdade. “Na minha qualidade de coordenador, eu tenho que fazer apreciação de pedidos de reconsideração de bolsistas. E muitos deles de fato relatam a dificuldade de levar a faculdade junto ao trabalho e a família.” Kozikoski compartilhou que é muito difícil estabelecer uma métrica ou algo diferenciado nas avaliações e frequências dos alunos que ingressam na faculdade via políticas públicas, pois isso pode comprometer a qualidade do ensino entregue a eles. “Esse cenário tende a crescer na medida em que o Poder Público olha mais para o que gravita em torno. Desde o fomento da Educação Básica, até mesmo oportunidades de emprego e áreas sociais para melhorar a realidade mesmo.” Segundo o professor, o ideal é lutar por uma realidade em que não haja a necessidade de cotas, ou políticas públicas, pois o problema na educação deve ser trabalhado em sua estrutura e não apenas com respostas rápidas.

60

Thais Porsch


Em morada lusitana Thais Porsch

D

izem que a língua portuguesa é uma das mais belas do mundo. E aí eu concordo. Mas não concordo com quem diz que os brasileiros e portugueses se entendem. O português de Portugal não tem nada a ver com o brasileiro. No meu primeiro dia em Lisboa, para mim, foi mais fácil entender inglês do que o que aqueles portugueses diziam. Eles falam rápido, aglutinam as palavras e, sem querer ser grossa nem nada, falam mais do que o ouro que roubaram do Brasil. Os lusitanos têm certa dificuldade de entender ironia, talvez por não ter a “zoeira brasileira” dentro de si. E, por sinal, pra eles uma pessoa “zoeira” é um “gozão”. Também dão nome estranho para as coisas, como uma marca d’água chamada Penacova ou o fato de calcinha se chamar cueca (imagina a confusão na loja da H&M). A apostila é sebenta e fila se chama bicha. O português de Portugal não tem nada a ver com o brasileiro também na fala. Eles dialogam muito mais rápido que nós, pronunciam as vogais de maneira fechada e usam mesóclise, bem estilo século XVI mesmo. O português vai à lavandaria e dirige autocarro. São extremamente corteses e o pronome mais formal deles é “você”, enquanto “tu” é usado para todo mundo. Eles se expressam como Machado de Assis escreve.

de brasileiro que vai para lá trabalhar. Eles gostam de turista que vai a museu e come pastel de nata (pastel de Belém, só em Belém). Mas, me questionei ao sentir a proximidade deles, não era só pela língua. Talvez uma amistosidade por dívida histórica? Não sei, só sei que o português de Portugal não tem nada a ver com o brasileiro. Um dia, cheguei até a duvidar da hospitalidade dos portugueses ao ser muito mal atendida por uma garçonete em Lisboa. Levantava a mão, erguia o pescoço e chamava “Moça, moça!”. Nada. Aí fui descobrir, por meio de uma amiga brasileira, que moça e moço são termos pejorativos que significa pessoa que realiza um trabalho sujo, desvalorizado ou servil e, para alguns, se refere até a prostituta. Bom, depois do acontecimento vergonhoso, só restou para a rapariga aqui pedir a conta, ir-me para a bicha e pegar o comboio para a próxima paragem. Realmente, o português de Portugal não tem nada a ver com o brasileiro! Thais Porsch

Os portugueses gostam do Brasil e, diferentemente de nós, eles não têm piada de brasileiro. Adoram conhecer gente que vem do Brasil, se sentem íntimos, só não gostam muito

crônica | revistacdm

61


Leonardo Cordasso

Culturas desconhecidas Street Dance, K-Pop, Dança Ucraniana e Dança do Ventre também nobilitam a grande Curitiba João D`Ambros, Franz Fleischfresser & Leonardo Cordasso

C

uritiba é uma cidade com 326 anos de história, contendo uma população aproximada de duas milhões de pessoas. Com isso, o que não pode faltar na capital paranaense são histórias e culturas diferentes, muitas populares e algumas não tão conhecidas, mas que, juntas, fazem tremenda diferença para o todo. Falando e pesquisando sobre culturas desconhecidas, conhecemos o jovem professor e dançarino Heron Hayashi. Ele começou a apreciar música desde cedo. Com 7 anos já assistia a inúmeros vídeos de K-pop no youtube. Ao não encontrar nenhuma escola com esse estilo em Curitiba, iniciou-se na dança de rua, fazendo 12 anos de aula no Studio D. Hoje, com 22, depois de estudar e ensaiar quase todas as manhãs, se tornou professor de street dance e, curiosamente, de K-pop, tornando a música parte primordial de sua vida. Por que curiosamente? Até 2012 pouco se era falado sobre o K-pop, principalmente no Brasil e em Curitiba. Em 2013, o gênero asiático, que se popularizou nas décadas de 1980 e 90,

62 revistacdm | cidades


voltou a chamar a atenção, obrigando a criação de novas escolas ou a adição do estilo nas antigas academias. Explorando a ascensão do K-pop, Heron iniciou a carreira como professor no k-class e no street extreme em 2014 e

veu ir atrás de uma dança que nunca teve contato. Hoje com 21 anos, Larisse já pratica Dança do Ventre há dois. A dançarina revela que o estilo Oriental foi um forte aliado na luta contra a depressão e ansiedade nos primeiros

“Meus avós lutaram muito pelo futuro das outras gerações, seria um desrespeito não me importar, por isso eu danço.” Andreiv Choma, organizador do festival de dança ucraniana

acredita que a música sul-coreana já faz parte de uma das culturas desconhecidas do mundo de culturas que Curitiba tem e ainda terá. Larisse Lemos pratica dança desde os seus 14 anos, começou cedo no balé para realizar a vontade da mãe mas logo percebeu que não era o estilo que procurava, um ano depois de entrar no Balé mudou para o Street Dance, estilo que se popularizou muito entre os anos de 2010 até agora, porém, ela se sentiu um pouco estagnada e resol-

A dança do ventre

“Voce Sabia? A Dança do Ventre existe há muitos e muitos anos”

Até onde se tem notícia, a dança do ventre é o estilo de dança feminino mais antigo registrado. Esse tipo de dança vem, desde os tempos ancestrais, e existem registros de mulheres dançando com o ventre de fora nas cavernas, enquanto os homens dançavam para receberem favores da natureza relacionados a chuva, caça etc. A jornada da dança do ventre pelo espaço-tempo passa pelo Antigo Egito, Babilônia, Síria, Índia, Suméria, Pérsia e Grécia. Os árabes também absorveram essa dança após os mouros invadirem o Antigo Egito. Quando chegou ao Ocidente a dança do ventre foi adaptadas pelas mulheres que aderiram a esse nova cultura, influenciadas

anos em Curitiba, além de ser um ótimo condicionador físico. Apesar da grande popularização do dança do ventre no Brasil depois dos anos 2000, Larisse afirma não ter visto nenhuma explosão ou uma grande adesão a dança nos últimos anos na capital paranaense, mas ressalta que Curitiba tem ótimos professores e praticantes da Dança do Ventre e cita o exemplo da Curitibana Fran Passos, campeã da primeira edição do campeonato mundial de Dança do Ventre realizada em novembro de 2016 no Japão.

pelo balé clássico e contemporâneo foram efetuadas algumas transformações, as roupas passaram a ser mais leves, movimentos dos braços mais sensíveis, meia-ponta com pés, as incessantes oscilações dos quadris e houve um aumento do deslocamento dos pés, braços e ombros. Com todas essas adaptações, a dança do ventre se tornou uma cultura de massa passando a ser apreciada e praticada ao redor do mundo todo, apenas em países da África e Oriente Médio que as praticantes ainda preservam o semblante sagrado e seus objetivos terapêuticos, buscando proporcionar às mulheres um parto mais saudável e uma conexão com o Divino.

cidades | revistacdm 63


Outra dança que tem levado muitas pessoas às apresentações e festivais é a dança ucraniana. Andreiv Choma, descendente de ucranianos, não lembra exatamente quando começou, afinal afirma ter nascido dançando. Aprendeu com 5 ou 6 anos, e como não existia a modalidade infantil no Colégio das Irmãs Ucranianas em Mallet, cidade em que viveu sua infância,

Maria Luiza Gomes Costa entrou no grupo de dança ucraniana Folclore Ucraniano Barvinok, em janeiro de 2017, apesar de não ter nenhuma descendência ou ligação com o país. Em dois anos, ela diz ter encontrado ali algo muito mágico, uma cultura muito diferente do que estava acostumada, dada a influência da Europa ocidental e da América do Norte.

“Somos fruto da junção de muitos povos e isso influencia no movimento cultural, inevitavelmente esbarramos nas raízes do que é o povo brasileiro.” Maria Luiza Gomes, estudante de direito fez os primeiros anos em um grupo polonês. Desde 2015 está no grupo Folclore Ucraniano Barvinok. Mesmo quando é impossibilitado de dançar, sente muita falta da atividade e faz questão de participar de alguma outra forma, seja organizando, coreografando, etc. Ele acredita que hoje existe uma redescoberta da Ucrânia como país, que vem aparecendo mais na mídia em notícias desde 2014, tem a seleção de futebol participando de Eurocopa, e isso faz mais pessoas descobrirem a modalidade. “Curitiba foi colonizada por imigrantes, uma das cidades que mais tem ucranianos no mundo, seria impossível falar da cidade sem esses povos, seja na dança, na culinária ou outras áreas”, afirma Choma. Leonardo Cordasso

64 revistacdm | cidades

“Conhecer um pouco dessa cultura única mudou a minha vida e me motiva sempre mais, além de ter me dado a oportunidade de conhecer pessoas muito importantes pra mim”, conta. Ela acredita que esse tipo de atividade cultural vem atraindo cada vez mais pessoas, além dela e do namorado, diversos componentes do grupo não tem qualquer ligação ou origem ucraniano e apenas encontraram ali uma paixão em comum, sentindo-se acolhidos. No Brasil especificamente, segundo ela, isso acontece devido aos vários encontros de culturas. Ela conta que a presença de povos imigrantes e seus movimentos culturais geram a nossa cultura e formam o traço mais significante da cidade e do estado como um todo, e conclui dizendo que “respiramos” cultura a todo momento.


FATOS

Novas formas de produzir notícia foram desbloqueadas. Confira antes que fiquem ultrapassadas. Aceitar

Recusar

O jornalismo passou por atualizações e a PUCPR acompanhou essas mudanças. A FATOS Narrativas Midiáticas conta com uma estrutura pioneira, considerada uma das melhores do Brasil, para desenvolver conteúdos jornalísticos de várias formas. Não é a toa que o portal tornou-se bicampeão da categoria "jornal/revista laboratório online." Se deseja trabalhar com o melhor do jornalismo, venha para PUCPR.

65


O futebol de Curitiba nos últimos dez anos Retrato de rivalidades mais intensas do que as possíveis grandiosidades dos times em questão, o Trio de Ferro de Curitiba é composto por Athletico Paranaense, Coritiba e Paraná Clube

U

Helena Sbrissia

m dos grandes problemas das equipes do futebol brasileiro são as péssimas gestões e a falta de planejamento. No Paraná não poderia ser diferente. Dentre os três times, apenas o Athletico Paranaense parece ter sabido como tirar proveito de fases de glória que o time passava para construir algo ainda maior. Fortalecimento de marca e a característica de ser contra tudo e contra todos do presidente Mário Celso Petraglia foram o que o clube precisava para desatar as amarras que deixavam que o futebol do Paraná despontasse em campeonatos de renome nacional e internacional apenas de vez em nunca. Já o Coritiba, com uma história igualmente gloriosa, enfrenta problemas de gestão, que troca a cada três anos. Essa rotatividade permite que presidentes como Bacellar gastem

66 revistacdm | esportes

todo o orçamento do clube e, mesmo assim, deixem o time cair para a Série B do Brasileirão. A história curta do Paraná Clube, por outro lado, traz um problema financeiro muito maior, em que a renda necessária para grandes avanços não chega porque a elite do futebol nacional já está consolidada demais para times que passam 10 anos na série B. Os dois últimos times enfrentam problemas graves de contratação, em que jogadores baratos são adicionados ao clube para se encostar e ganhar o salário de maneira fácil — o que faz com que as administrações de Coxa e Paraná precisem correr atrás de outros profissionais (se é que podem ser chamados assim). Quando esses mesmos jogadores são vendidos, o preço é de banana. Para o Athletico, o problema é outro. A construção de um estádio nível Copa do Mundo elitizou ainda mais o clube que sempre teve essa pegada, afastando o torcedor baixa-renda do estádio com preços de ingresso exorbitantes e um sócio que tiraria comida da mesa de quem ganha apenas um salário mínimo. O que se cria é um espetáculo pouco atraente, apesar das grandes torcidas de Athletico e Coritiba. Nunca dois times são vistos ocupando posições igualmente gloriosas ou pelo menos um pouco parecidas. Isso desvaloriza absurdamente o futebol da capital do Paraná pela falta da rivalidade interna — que fica muito por conta da torcida e pouco por conta dos times em campo.


O time do futuro

Os campeonatos nacionais e internacionais conquistados pelos rubro-negros marcaram a história do estado de um jeito que nenhum coxa-branca ou paranista jamais gostaria de sonhar. Ou melhor, talvez nem mesmo os próprios torcedores imaginassem que isso aconteceria.

Em 2019 o Athletico atingiu a incrível marca de 25 mil sócios. Petraglia, o presidente do conselho deliberativo do clube, trabalha em função do time desde 1995, e é o principal nome convocado quando se fala na bela fase em que o rubro-negro está.

Nacional Campeonato paranaense (4x) Copa do Brasil (1x)

2009

2016

2018

2019

2019

Internacional Copa Sul-Americana (1x)

2018

O time do passado

Aquele marcado por algumas glórias e muitos quases. O último campeonato brasileiro foi conquistado 34 anos atrás, e é lembrado anualmente pelos torcedores com muita emoção, saudosismo, e possivelmente com certo exagero. Entre 2017 e 2019 o time sofre por o que pode ser considerado sua pior fase. Após ser rebaixado para a Série B, feito que tinha

conquistado em 2009, ano de seu centenário, o Coxa também perde o maior ídolo da história do clube no início de 2019. Isso despertou os torcedores expressivamente, fazendo o clube bater a marca de 20 mil sócios, apenas cinco mil a menos que o maior rival, com a diferença de um campeonato nacional e um internacional.

Nacional Campeonato paranaense (5x)

2010

2011

2012

2013

2017

Internacional Mais vitorioso do mundo

2011 O Paraná Clube fica de fora do quadro informativo porque subir para a série A não é conquista, é obrigação!

esportes | revistacdm 67


O fim iminente da hegemonia Netflix? Thais Porsch

D

e uns anos para cá, o modelo de negócios da rede de streaming Netflix tem sido produzir o máximo de conteúdo possível, sem levar em conta tanto a qualidade. Das dezenas de séries lançadas, apenas uma ou duas vão para frente.

de novas séries no catálogo, mas não dar continuidade a quase nenhuma. Salvo raras exceções, como Orange is the New Black, com 7 temporadas, ou House of Cards, com 6, as séries da Netflix- quando passam de uma temporada- não duram mais do que duas ou três.

O problema surgirá- e já está causando cabelos brancos nos executivos da Netflix - quando ela deixará ser hegemônica no mundo do streaming, com a crescente ascensão de outros serviços como Hulu (ainda fora do Brasil), Amazon Prime, e a chegada tão esperada do streaming da Disney.

Ou seja, se a Netflix apenas se preocupar com números, vai continuar a perdê-los. Para se criar uma rede engajada é preciso ouvir seus consumidores. Não importa o tamanho do catálogo se não é possível fidelizar quem o assiste. E com novas concorrências a caminho, a demanda é por cada vez mais qualidade.

Em 2019, a Netflix perdeu 130 mil assinantes, pela primeira vez em oito anos. Uma das razões é o fato da Netflix ter aumentado o valor da mensalidade, elevando de 13% a 18% o preço da assinatura neste ano, nos Estados Unidos. No Brasil, o preço inicial já está em R$21,90. Outra razão, e talvez a maior dessa leva de cancelamentos de assinatura, é que a provedora de mídia vem perdendo a confiança de seus fiéis fãs ao colocar uma quantidade gigantesca

68 revistacdm | coluna

O fato é que as pernas da Netflix já começaram a tremer, e se continuar a priorizar somente a quantidade , seus assinantes não vão pensar duas vezes ao migrarem para o maravilhoso mundo de Disney +.

Mashable


Confira outros 4 serviços de streaming:

Conheça as plataformas de transmissão de mídia presentese as que estão por vir- para concorrer com a Netflix

Amazon Prime Video A Amazon, além de ser a gigante do e-commerce, possui uma rede de stremaing com filmes e séries de grandes estúdios e conteúdo original (os Prime Originals). O serviço custa R$9,90 ao mês.

MUBI A MUBI é uma plataforma de streaming focada em conteúdo independente e alternativo. Além disso, possui especilaistas para recomendar os melhores filmes cults, clássicos e de vanguarda dentro da plataforma. A mensalidade custa R$27,90.

Apple TV + A Apple também está lançando seus conteúdos de mídia no fim de 2019, contará com filmes e séries originais e atores renomados. A assinatura é mensal, R$ 9,90 após o período de teste de sete dias e com acesso para até seis pessoas.

Disney + A Disney, uma das gigantes da indústria cinematográfica, também quer conquistar o mundo do streaming. Juntando conteúdo da própria Disney, Fox, Marvel, Nat Geo, Pixar e Star Wars, a Disney + pretende se tornar a líder no setor com conteúdos originais. No Brasil a previsão é de a plafatorma estar disponível no segundo semestre de 2020 com preços competitivos aos da Netflix.

coluna | revistacdm 69


O que te leva ao cinema? AS GRANDES ESTREIAS Não há como negar, o mundo todo fica “pirado” no filme da semana. Os blockbusters são especialistas no uso de várias mídias para cativar o público e deixá-lo empolgado muitas semanas antes da estreia ou até anos, (como não lembrar das cenas pós-créditos da Marvel?). Fato é que todo mundo adora seguir os astros no Instagram, ou no Twitter, ficar ligado nas fofocas ou mesmo nos anúncios. Dessa forma, o fã acompanham as franquias de preferência 24h por dia, todos os dias, o ano todo. Pioneira no assunto a Marvel Studios pescou um showman (Robert Downey JR), fez um filme arrumadinho com o primeiro Homem de Ferro, e não teve vergonha de se esbaldar nas referências dos quadrinhos. O resultado é que Tony Stark virou um fenômeno de bilheteria, o público ficou ansioso e com altas expectativas e em efeito dominó chegou o primeiro Vingadores, já superando a marca do bilhão. É indiscutível, o público, dos casais até os fãs, passando pelo mais comum quer filmes que façam parte do seu dia-dia. As superestreias geram um burburinho nas redes que alimentado pelos canais de crítica, levam grandes massas as salas de cinema.

E esse público adora comprar os produtos do filme e discutir no instante seguinte pela internet, são eles que acompanham as postagens dos astros e ficam carrancudos quando os estúdios não se acertam (como na quase saída do Homem Aranha das produções da Marvel). Mas para além do Universo Marvel tem variedades. Grande sucesso do fim de ano Coringa é um filme de outro estilo e de outra vertente, mas, ainda assim um fenômeno de popularidade e que despertou a curiosidade de muitas pessoas. Falando em público sedento por novidades e por produções que sejam instigantes: como não estar atento a volta de Robert Pattinson para o cenário das grandes produções? Após o controverso “Crepúsculo” Pattinson vai vestir o manto de Batman no novo filme que estreia em 2021, mas que já está causando na internet. É claro que o público também está de olho no papel novo de Robert Downey Jr. Ele conquistou corações como Tony Stark. E em 2020 ele voltará às telonas dando vida a outro personagem muito querido dos brasileiros, Dr. Doolitle, vivido anteriormente pelo genial Eddie Murphy. Fala sério, o que faz as pessoas irem ao cinema são as grandes estreias! Não são? Gabriel Domingos

70 revistacdm | coluna


FILMES PARA TODOS OS GOSTOS Quando vamos ao cinema acompanhados ou não, sempre surge aquela dúvida de qual filme assistir, isso porque, o cinema é uma grande exposição de filmes e animações para todos os gostos, idades e gêneros. Seja um bom filme de terror que dá aquele frio na barriga e vários sustos, ou aquele romance fofo de sempre, o fato é que, as salas de cinema ficam lotadas e animadas para grandes estreias ou para ver aquele mesmo filme várias e várias vezes sem se cansar. Porém, de certo modo, ainda existem aquelas pessoas que estão em todas as sessões de cinema só para ver aquele ator ou atriz preferido, e que não perdem um filme deles, ou aquelas pessoas que vão uma vez ou outra e não sabem nada sobre os atores ou os filmes mas sempre estão lá para dizerem que assistiram ou que sabem do que se trata o filme. Um fato curioso é que, nos dias de hoje, de certa forma ir ao cinema e saber sobre cinema pode ser considerado uma forma de status entre os amigos. Nerds, geeks, otakus, e até mesmo fãs de diferentes nichos do cinema e admiradores da música, como foi o caso dos filmes Nasce uma estrela, Rocketman e Bohemian Rhapsody, se reúnem para ver os tão esperados filmes, como os da Marvel e DC e até surge aquela famosa “briga” entre fandoms. Mas, no final, todos estão lá por um motivo: prestigiar as estórias incríveis e o fantástico mundo do cinema e de Hollywood também Mariane Pereira

ENCONTROS ROMÂNTICOS Se você nunca foi ao cinema com sua namorada ou namorado, você está namorando errado. Seja por causa do escuro da sala de cinema, do cheirinho de pipoca ou por ser um clichê, levar a/o crush para o cinema é uma das atividades de todo casal. tanto que uma das cenas mais comuns de se ver nos cinemas são casais se mãos dadas, se abraçando e se beijando. Até quem não é fã da sétima arte, quando apaixonado, vez ou outra dá uma conferida nos filmes em cartaz, no preço dos ingressos ou na distância entre a casa onde mora e o cinema mais próximo, sempre pensando em quem faz o coração bater mais forte. É que o cinema é tão popular, tão aconchegante e propício para um encontro (principalmente para os casais que já se conhecem a mais tempo). Ir ao cinema com a pessoa querida também pode ser uma prova de amor. Ainda mais se um dos envolvidos não quer ver tal filme, mas faz um sacrifício por mais ou menos 2 horas de escuridão e silêncio. Tudo em nome do bom relacionamento. Talvez até tente prestar atenção às cenas do longa metragem, aos detalhes, já que isso pode ser importante para o outro. Ou simplesmente finja que está interessando enquanto tenta disfarçar o sono ou o tédio. De fato, para o bem ou para o mal, cinema combina com amor e ninguém sabe explicar o porquê. Anelise Wickert

coluna | revistacdm

71


Marcando gerações Desde que o cinema mudo deu espaço ao aspecto sonoro, existe uma expectativa quanto ao que será ouvido no decorrer de cada narrativa. Várias trilhas fizeram sua marca na memória do público, sendo muitas vezes até atribuídas a imagem e fotografia da trama sempre que escutadas. Visando relembrar algumas destas canções, a revista CDM traz a linha do tempo de sucessos musicais do cinema.

My heart will go on, interpretada por Celine Dion e tema do filme Titanic, foi uma das músicas que marcaram a época de 90. O sucesso embalou o romance dos personagens Rose e Jack e ganhou quase tanto destaque quanto Kate Winslet e Leonardo Di Caprio - atores que protagonizaram a trama. A melodia recebeu um Oscar por melhor canção original em 1998 e dois Grammys em 1999, sem contar que a faixa-tema fez com que o disco Let’s Talk About Love, de Celine, fosse o mais vendido do ano de 98. Contudo, apesar de ter sido um grande sucesso de seu tempo, em 2017 a música foi cantada por ela no Billboard Awards, em celebração aos 20 anos de Titanic, e, claramente, não restou dúvidas de sua grande influência mesmo após duas décadas.

Barbara Schiontek, Rita Vidal e Thiliane Leitoles

1982

TITANIC

ROCKY lll O DESAFIO SUPREMO

1997

Para trazer um espírito lutador nada mais apropriado que “Eye of The Tiger”, música escrita pela banda Survivor para a composição do filme Rocky lll - O Desafio Supremo, que pertence à série de filmes que contam a história do lutador Rocky Balboa. As batidas pulsantes da música trazem emoção para as cenas em que o lutador, interpretado por Sylvester Stallone, treina e luta. O primeiro filme chamado “Rocky, um lutador” foi lançado em 1976, seguido pelos outros cinco longas que compõem a saga. Inicialmente Stallone queria utilizar a música Another One Bites the Dust, do Queen, no entanto o grupo recusou o pedido, fazendo com que uma música fosse solicitada para a banda Survivor, nascendo então Eye of The Tiger, que alcançou a primeira posição no Reino Unido e na Austrália, sendo indicada ao Brit Award como melhor música.

72 revistacdm | coluna


Quando falamos do filme “As Branquelas” lembramos de muitas cenas engraçadas, mas é automático cantarmos um trecho de “A Thousand Miles”, de Vanessa Carlton. A música foi lançada em 2002 e ficou conhecida graças ao filme, que em diversos momentos interpreta a canção. A cena mais lembrada é quando Latrell Spencer, interpretado por Terry Crews, está em seu carro com Marcus Copeland (Marlon Wayans) que está vestido como a personagem Tiffany Wilson, cantando animadamente A Thousand Miles. A música também aparece quando as meninas estão em um carro indo para o shopping. O sucesso foi tanto que a obra de Vanessa Carlton recebeu várias indicações, como o Grammy Award: Canção do Ano e o Billboard Music Award for Top 40 Track of the Year.

AS BRANQUELAS

2004

FROZEN

“Let it Go”, música tema da animação Frozen, foi produzida pela Walt Disney Studios e é reconhecida por ter marcado não somente crianças do mundo inteiro, mas também jovens e adultos de várias gerações. A canção teve duas versões gravadas: uma pela cantora e compositora Idina Menzel, que ganhou notoriedade mundial ao ser a voz original da personagem protagonista do filme, Elsa; e outra pela cantora e atriz Demi Lovato, que cantou a versão que é tocada durante os créditos do filme. A versão de Menzel liderou as paradas americanas, sendo a quarta canção de um desenho animado a obter o feito de Top 5 no ranking da Billboard Hot 100. Composta pelo casal Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez, Let It Go foi gravada em 41 idiomas diferentes, além de ser indicada ao Globo de Ouro e vencer o Oscar 2014 como melhor canção.

2018

2013

NASCE UMA ESTRELA E por último, mas não menos importante, arrisca-se dizer que “Shallow” é um dos grandes sucessos musicais mais atual para o mundo do cinema. A melodia, composta pelo próprio diretor e um dos protagonistas do longa, Bradley Cooper, foi elaborada para o filme Nasce uma estrela e cantada tanto pelo compositor, quanto pela cantora pop Lady Gaga - protagonista e par romântico do personagem de Cooper. A produção recebeu o Globo de Ouro 2019 na categoria Melhor Canção Original e também venceu o BAFTA 2019 na categoria Melhor Trilha Sonora Original. Por se tratar de uma trilha sonora feita unicamente para a trama, tanto shallow, quanto as outras músicas compostas despertaram admiração do público, superaram a expectativa de fãs e marcaram o cinema no ano de 2018.

coluna | revistacdm 73



COM CRIATIVIDADE E ESTRATÉGIA, encontramos o que você precisa.

A Célula é uma agência acadêmica composta por alunos de comunicação da PUCPR, que desenvolve campanhas publicitárias, pesquisas mercadológicas, planejamento de campanhas, peças gráficas e conteúdos digitais, encontrando o que nossos clientes precisam.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.