“NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉM” A FRAGMENTADA UNIÃO DA COMUNIDADE LGBT POR LUIS HENRIQUE CUNHA
O
que você pensa quando se fala em comunidade? O dicionário Aurélio, por exemplo, caracteriza o termo como “qualidade das coisas materiais ou das noções abstratas comuns a diversos indivíduos”. O que isso de fato significa permanece uma incógnita. Pode-se inferir, então, que uma comunidade é um grupo de pessoas que comunga em ideias e ideais. Tomemos a comunidade LGBT como exemplo. Aqui, temos gays, lésbicas, transexuais, bissexuais, pansexuais e mais uma volumosa parcela de definições de gênero e sexualidade. Com isso, imagina-se que uma minoria encontraria no seu semelhante apoio para seguir em uma difícil jornada de aceitação e de busca por pertencimento em uma sociedade tão julgadora e ceifadora de seus ímpares, certo? Em partes... Não se pode negar a existência de instituições e organizações que se dedicam a tentar tornar a chamada comunidade LGBT um espaço de igualdade e de solidariedade para com seus pares. Contudo, é uma falácia dizer que o grupo é totalmente unido e respeitoso. Lucas Maia tem 34 anos. Nascido em Vitória, no Espirito Santo, o mestre em ciência política pela Universidade de Chicago é fã de Madonna, Bowie, Caetano. Além de ser gay e deficiente visual. Questionado se já foi vítima de preconceito, Lucas responde sem titubear: “Sim, diversas vezes. No colégio, quando era pequeno, era muito comum”. Quando indagado se esse preconceito já partiu de LGBTs, responde que sim, com um 22
semblante tristonho. “É comum, também. Já aconteceram algumas vezes em festas. Eu estou ficando com uma pessoa, ela percebe que sou cego e prefere se afastar”, diz. Mas Maia relata que a maior parte das difamações se dão pela internet: “ A maioria das vezes foi por aplicativos, como o Grindr, por exemplo. A conversa se desenrola normalmente, até eu mencionar que tenho deficiência. A partir daí, a pessoa ou me bloqueia ou manda mensagens deselegantes”, conclui.
Assim como Lucas, Milton Talaveira, ou apenas Miltinho, como gosta de ser chamado, também relata ações preconceituosas recorrentes no meio digital. O gaúcho de 56 anos comenta ter sido ridicularizado em aplicativos de relacionamento por causa de sua idade. “Já me chamaram de tudo quanto é coisa: oportunista,
alpinista social, pessoas falando que eu não tinha mais idade para estar em aplicativos. Uma vez ironizaram meu sobrenome, me chamando de tá lá a velha”. Para o pesquisador de tendências Joely Nunes, a disseminação de práticas preconceituosas entre LGBTs “se dá por causa da não compreensão de um sistema estruturado opressor que é muito maior e que define as dinâmicas dentro de todos os grupos”. Maia, por outro lado, acredita que a comunidade LGBT replica discriminações por ser esmagada pelas normas da sociedade vigente. “LGBTs são membros da sociedade como todas as outras pessoas. Eles se unem exclusivamente na medida em que questionam comportamentos sexuais e de gênero. Todas as outras divisões que existem na sociedade existem também na comunidade LGBT, seja de classe, de gênero, de condições físicas ou intelectuais e assim por diante”. Para o mestrando em psicologia social e intelectual pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, e ativista social trans Vincent Goulart, ser parte de uma minoria não significa que você não esteja sujeito a replicar atitudes discriminatórias. “Importante lembrar que não é porque você é gay ou lésbica que você está livre de perpetuar discursos preconceituosos e discriminatórios de outras ordens. Até mesmo podendo discriminar a própria classe, devido a discursos que estão perpetuados na sociedade e que tomamos como verdade, internalizamos e não