Ceos #5 Na raiz do preconceito (2020/1)

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O PODER DO EXEMPLO A REPRESENTATIVIDADE COMO FERRAMENTA DE TRANSFORMAÇÃO EM UMA SOCIEDADE QUE IMPÕE OBSTÁCULOS A PARTIR DA COR DA PELE POR LEO BARTZ

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ual a importância de pessoas se enxergarem e se reconhecerem nas mais diversas posições da sociedade? Que diferença isso pode fazer na vida de alguém? O que isso pode oportunizar? Essas perguntas, talvez, não tenham passado pela sua cabeça se você se reconhece como caucasiano/branco, já que crescemos em um ambiente onde foi naturalizado o acesso para uma determinada parcela da população, enquanto outra tinha esse direto usurpado. Mas, afinal, o que é representatividade? Para o Procurador do Estado do Rio Grande do Sul Jorge Luís Terra da Silva, 53 anos, o assunto tem raízes muito mais profundas. Para ele, antes de qualquer discussão, é preciso dividir a questão de diversidade, que está relacionada à quantidade de pessoas em proporção à população, e a representatividade, relacionada à posição ocupada por pessoas em determinados segmentos. Terra é um dos três procuradores negros do RS em um universo de mais de 400 profissionais. “Pelo cargo, um número três talvez já explique muita coisa”, diz o jurista formado em 1994, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde era o único negro da turma. A situação se repetiu no mestrado (2003-2007), ainda pela UFRGS, e no doutorado (2016-2019), na PUCRS. Para ele, o sistema de cotas é fundamental não só para quem se beneficia dele, mas também para toda a sociedade. “As cotas raciais são mais do que justas, elas são necessárias. Não é 38

o direito do João de ser médico, mas sim a contribuição que haverá para a medicina e instituições, quando no seio dela tiver diversidade”, destaca. Pai da Vitória, 15 anos, e do Pedro, 11, Jorge Terra salienta o peso que boas referências têm para que os jovens explorem ao máximo suas capacidades e alcancem lugares talvez não sonhados pelos seus pais. “As referências positivas são fundamentais para toda criança e jovem. Elas são capazes de expandir os limites”, diz Terra, lembrando da importância de estar hoje em um lugar de referência. “Não vejo como uma questão de vaidade, mas de responsabilidade”, ressalta. E todos fatores passam diretamente pela educação, pelas oportunidades e, claro, pelas referências. E é isso que a pedagoga Tatiana Couto Sandin Souza Paim, 43 anos, procura passar para seus alunos e também para a sua filha, Maya, de 9. Formada em 2001, pela PUCRS, ela se orgulha em ocupar locais onde, anos atrás, pensou que não poderia chegar. Crédito: Arquivo pessoal

Jorge Terra, Procurador do Estado

“Ouvia da minha mãe e avó que tinha de ir para a escola sempre muito bem arrumada, me comportar muito e tirar notas boas, pois era o único jeito de me destacar”, relata Tatiana, que atualmente leciona em um colégio particular de Porto Alegre.

“AS REFERÊNCIAS POSITIVAS SÃO FUNDAMENTAIS PARA TODA CRIANÇA E JOVEM” JORGE TERRA Com pós-graduações em educação infantil, inclusiva e alfabetização, encontrou no trabalho com crianças a sua vocação e usa essa posição para incentivar uma sociedade mais igualitária, com base no respeito às diferenças e à diversidade. “Quando a gente se enxerga em todos os lugares, crescemos sabendo que podemos estar em todos eles. Acredito que a minha filha terá uma visão e referências bem diferentes das que eu tive. É a possibilidade de sonhar, acreditar e ir atrás. Nós não tínhamos isso”, diz a professora, ao relatar a dificuldade que teve ao buscar referências durante a infância e adolescência. E é esse tipo de exemplo que a jornalista Fernanda Carvalho, 39 anos, buscou levar ao longo da carreira. Formada em 2007, na UniCEUB, em Brasília, estudou em uma turma de 45 alunos, na


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