DINOSSAURO Por Matheus Medeiros
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o breu da noite paulistana, uma moto despenca de uma ponte. Era Roberto. Ou melhor, é Roberto. Entre erros e acertos, o cantor pernambucano de voz sedutora e roupas coloridas havia decidido sair do bar Avenida e seguir em busca de mais algumas horas de diversão. A morte o aguardava. No caminho, dois caminhões que se aproximavam na travessia não o deram escolha. A moto caiu da ponte e Roberto… também. Algumas lendas dizem que quando a morte chega, ela nos mostra os momentos mais marcantes da vida. Enquanto pendia no ar, Roberto Santos de Melo, ou para os mais íntimos, Di Melo, relembrou, no primeiro instante, a infância e adolescência em Recife e suas primeiras apresentações musicais nos bares Aroeira e Bumba Meu Bar. Outro flash mostrava o dia em que ele havia criado coragem para mostrar suas músicas a Jorge Ben e este lhe disse que fosse a São Paulo encontrar um empresário, Roberto Colossi. O terceiro, foi intenso e feliz. Ambientado no bar Jogral, uma das casas em que mais havia se apresentado na capital paulista, Di percebeu a voz de sua madrinha de carreira, Alaíde Costa: “Moacir, Moacir! Conheci um baiano que tem o total controle sobre o público em suas apresentações. O povo chega no início e aguarda até o final, disse a moça ao diretor da grande gravadora da época”. No final, a memória amarga. A da gravação de seu primeiro e mais famoso disco: “Di Melo”, na metade da década de 70. Só arrepios. E por mais que reconhecesse a importância dos 15 dias que sucederam o enorme sucesso, aqueles 11 cruzeiros recebidos pelo primeiro trimestre de vendas o fizeram sair de cena. O momento final se aproximava e, não satisfeito com o desfecho, clamou à Morte para que o poupasse. Após o último lapso de pensamento e num forte estrondo, Di afunda junto a sua moto em um rio. É o fim? Ele se perguntava.
Uma crônica sobre o cultuado Dimelo, seus sumiços e aparecimentos
Meses mais tarde, o barulho do telefone o faz acordar. Assustado, Di rapidamente vai de encontro à primeira pessoa que vê e pergunta: “Eu morri?”. Rapidamente a enfermeira o informa que ele havia ficado desacordado por 6 meses. Num suspiro aliviado, Di atende o telefone. “- Alô?”. Agoniado, Di percebe a voz de um antigo amigo no outro lado da linha. “– Tá todo mundo dizendo que você morreu, Di.” Com a voz firme, Di responde: “– Ledo engano, meu amigo, ledo engano” – e desliga. Anos mais tarde, após se recuperar do acidente, Di rumava, sob forte chuva, para mais uma de suas apresentações. Chegando ao local, um homem alto e de semblante misterioso se aproxima e diz: “– Você salvou a minha vida!” Confuso, Di o questiona sobre como ele pode tê-lo salvado. “– Quem, eu?” Em prontidão, o homem tira da mochila molhada um antigo exemplar em vinil de um de seus discos e com o dedo molhado aponta para “A vida em seus métodos diz calma”. “– Eu estava pensando em me matar. Ouvi essa música e não a consegui tirar da cabeça. Vim aqui hoje só para te agradecer, obrigado!” Com um sorriso no rosto e lágrimas sob o resto que se misturavam à forte chuva, Di responde em tom de recital: “– Eu costumo dizer que a vida é una e nela você não é aquilo que quer lhe prazerar. Se você está aqui e não sabe até quando irá ficar, não há como considerar o que possa vir a ser ou se chamar, viva!”
Nota do Editor: Di Melo, apesar de muita boataria não morreu. Continua se apresentando com certa parcimônia e dando entrevistas a jovens jornalistas. Sua música é descoberta e redescoberta no analógico e no digital e seus vinis disputados pelos DJs.