440 Hz
AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA
LARA AUFRANC O vintage nunca foi tão atual
HAJA SWING! VOCÊ AINDA VAI OUVIR FALAR MUITO SOBRE NOZ ELÉTRICA
OFFSET GUITARS Mais que uma escolha de estilo, a busca de um timbre único
AIRTO MOREIRA E JOAO CARLOS MARTINS CONVERSAMOS COM ESSAS LENDAS DO JAZZ E DA MÚSICA CLÁSSICA
14
SUMÁRIO 06 CENA E ENSAIO 08 Noz Elétrica, rock com swingue A busca pelo “peso, alegria e groove” em tempos de caos musical 10 O punk de Violet Soda Do “faça você mesmo”, à estratégia bem traçada, a banda mostra que sabe o que está fazendo dentro e fora dos palcos 12 COZINHA 14 Airto Moreira Os sons, as parcerias e as viagens de uma lenda dos ritmos 20 Esperanza Spalding Uma carta do editor à musicista que parecia estar tão longe, mas estava tão perto 22 ME ACOMPANHE SE FOR PUDER
32
24 Um homem apaixonado: João Carlos Martins O maestro conversa com todos e se aproveita da fama para popularizar a música clássica 28 Off-set Guitars Mais do que um estilo, a busca por um timbre único 32 Amplificadores artesanais valvulados Os detalhes que definiram o som do rock’n’roll 36 QUEM TEM VOZ 38 ZANNA A cantora fala de sua MPB intimista e sem cortes 42 Subversão de dentro para fora Em Inside Out, Bernard Fowler homenageia os Rolling Stones em uma leal traição 44 UM POUCO DE MÁGICA
38 42
46 Alô, Banda Vitória Régia! Como os acompanhantes de Tim Maia, que seguem na estrada, continuaram a trajetória do mestre da soul music brasileira 50 DENTRO E FORA DO ESTÚDIO 52 Lara Aufranc As referências vintage que fazem um novo atual 56 REVIEW Os álbuns que escutamos na Redação 58 SOBRE O PALCO 60 Ventos holandeses na antiga nova Amsterdã A escolha do novo Diretor Artístico da Filarmônica de Nova York mostra que o show não pode parar, de arrecadar 62 SOBRE O PALCO – EL EFECTO Canta o fogo que perpassa a América Latina 66 O dinossauro A Fantástica História Secreta de André e os super-heróis do pop brasileiro
EDITORIAL
440 Hz
Edição 0 - Jul 2019
Diretora de Redação Ana Sniesko Editor-chefe Fernando de Freitas Assistente editorial Ian Sniesko
UM BANQUINHO, UM VIOLÃO Quando estávamos terminando a edição desta revista, faleceu João Gilberto. Olhamos para cada uma das pautas para decidir qual seria a escolhida para se transportar para a edição seguinte e, em velocidade recorde, produzirmos nossa homenagem. Mas a revista só existe hoje por causa de João Gilberto. Eu não devia ter mais de 8 anos quando meu pai posicionou a agulha em uma compilação de Tom Jobim e ouvi pela primeira vez Chega de Saudade. Ouvi, neste mesmo dia, uma série de músicas como Desafinado e, pela primeira vez, me transportei para música dos adultos. (Também não posso negar que minha mãe tem uma parcela de responsabilidade, dela herdei a paixão pelos Beatles e pelos Rolling Stones. Fui iniciado pelo Álbum Branco. Nunca mais parei de descobrir música.) Conta a lenda que, por não entender os versos nem sempre se vê / mágica no absurdo, deixou-os de lado ao gravar Me chama, do Lobão. Mas mágica no absurdo era João Gilberto cantar Desafinado.
Arte e diagramação Dupla Ideia Design Direção de arte: Camila Duarte Diagramação: Tatiana Carline Comercial Denilson Nalin Colaboradores Anneliese Kappey, Erico Malagoli, Herbert Allucci, Matheus Medeiros Anuncie denilson@revista440hz.com.br A Revista 440Hz é uma publicação da Limone Comunicação Ltda.
Nós somos a Revista 440Hz – Afinados com quem gosta de música.
Mas se você disser que eu desafino amor saiba que isso me provoca imensa dor só privilegiados tem ouvidos iguais aos seus eu só tenho os que Deus me deu. Boa leitura! Fernando de Freitas
Rua Maranhão 1326 São Caetano do Sul, SP, CEP: 09541-001 contato@revista440hz.com.br
, a u g á é a ej v r e c a d . 5% o 9 i r e u m q u s m o em z Dize fi o s s i r po
Em plena Vila Mariana, brotou um rio. Em suas curvas, cachoeiras do líquido dourado. Nessa Canoa cabe tudo: além de muita cerveja artesanal, drinks, comidinhas e, claro, você. Navegar é preciso, beber bem é mais preciso ainda.
Rua Afonso Celso, 1373, Vila Mariana Seg. a sex: das 17 às 23h Sábado: das 12 às 23h Domingo: das 12 às 22h
egar
#vemnav
canoacervejaria
CENA E ENSAIO
QUANTO VALE O SHOW?
S
Saiba mais em: beemyears.com
e você quer saber o que o público vai achar do seu som pouco depois de colocar a criação no mundo, já existe uma plataforma que faz isso por você. A Bee My Ears, criada pelo produtor Bruno Justi, conecta artistas independentes a profissionais consagrados da indústria musical nacional e internacional. A ferramenta permite ao artista criar um perfil e, após escolher um dos planos disponíveis, submeter sua música ao crivo do público. Ainda é possível contar com a opinião dos “Ouvintes Premium”, que são produtores de destaque do mercado, como Jean Dolabella (Ego Kill Talent, Sepultura) e Kevin Day (Universal Music, Sound Royalties, Skyrocket Entertainment).
Embora tenha servido como inspiração para R.E.M. ao Nirvana, dos Pixies ao Wilco, talvez você nunca tenha ouvido falar nessa banda. Formada em Memphis, nos EUA, no fim dos anos 1960, a banda Big Star foi o projeto de de Alex Chilton e Chris Bell. Para tentar desvendar a história do grupo que não decolou, Drew DeNicola e Olivia Mori se desdobraram para produzir o documentário Big Star: Nothing can hurt me, disponível agora no catálogo brasileiro da Netflix. “O Big Star virou cult por uma combinação ser desconhecido e pelo crescente interesse pela banda ao longo dos últimos 30 anos. Mas é lógico que o principal fator é a música. Você consegue captar a angústia e a tristeza em muitas delas, mas também a exuberância da adolescência”, comenta DeNicola no lançamento.
Fotos: Shutterstock e Divulgação
A BANDA QUE NUNCA CHEGOU LÁ
FOLK COM UM TOQUE DE MPB
A VEZ DAS BANDAS UNIVERSITÁRIAS Se você tem uma banda na faculdade, o sonho do disco próprio está mais perto do que imagina. Estão abertas as inscrições para o Red Bull Music Breaktime Sessions, um concurso universitário de música que premiará os cinco colocados com uma imersão com profissionais do ramo. A grande vencedora, que será escolhida pelo público, gravará um álbum no Red Bull Music Studio.
Formado pelos paranaenses Eduardo Franzato e Thiago Juliani, o duo Araucários acaba de lançar o seu primeiro single. Não Vou Mais Fugir já está disponível nas plataformas digitais e traz o encontro de dois músicos que já desenvolviam trabalhos próprios, mas viram no encontro a oportunidade de desenvolver um trabalho com um belo arranjo e cordas perfeitas.
ENCONTRO INUSITADO Nos contos de A visita de João Gilberto aos Novos Baianos (Companhia das Letras), Sérgio Rodrigues traz o prazer de contar histórias sobre histórias. No conto que abre e nomeia o livro, fantasia pop inspirada no encontro real do gênio da bossa nova com os jovens hippies liderados por Moraes Moreira, vislumbra-se uma síntese da contribuição original que a arte brasileira pode dar ao mundo: metade precisão rigorosa, metade delírio e festa. À venda por R$ 44,90.
Inscreva-se em: breaktimesessions.redbull.com.br
MÉTODO BERKLEE NO BRASIL Se você sonha em estudar na Berklee essa notícia vai te animar. A editora Passarim se prepara para lançar a coleção de livros da conceituada escola de música norte-americana em terras brasileiras. São seis volumes, que compreendem desde Teoria da Música até Improvisação Jazz para Guitarra. R$ 95 (cada). À venda em: passarim.com.br
CENA E ENSAIO
A C I R T É L E NOZ UE
Por Ian Sniesko
A busca pelo “peso, alegria e groove” em s tempos de cao musical
C
G N I U S M ROCK CO
hama a atenção, ao ouvir a faixa Haja, do Noz Elétrica, a sonoridade limpa e precisa da banda. Nestes tempos de caos sonoro, em que os artistas competem entre si para saber quem tem a música mais alta (leia sobre o loudness war no box ao lado), manter uma dinâmica expressiva e um feeling intacto no material final é uma dádiva para poucos. E é dessa graça orgânica que compartilham os integrantes Alex Carosso, Diego Salsixa e Gui Rodrigues. Tal conexão com o que é natural se mostra tão importante que aparece no nome: a noz, fruto que carrega significados poéticos e filosóficos, segundo Diego, faz um paralelo entre o espiritual e a semente da vida, o cérebro e as glândulas sexuais do ser humano; seguida do adjetivo elétrica, que não deixa de olhar para natureza bruta e, de certa forma, para a relação do homem com essas forças. O Noz Elétrica nasceu das jams dos integrantes Alex e Diego, que casaram influências até chegar no suingue abrasileirado da banda. Diego, guitarrista do grupo, recebe influências que vão desde o gingado da capoeira e artistas brasileiros como Jorge Ben, Gil e Tim Maia até as guitarras “funkeadas” de Jimi Hendrix e John Frusciante, do Red Hot Chil-
li Peppers - banda essa importantíssima para o grupo. Já Alex, vocalista e baixista possui, segundo Diego, influências centradas nos anos 80 e 90: Legião Urbana, Raul Seixas e, principalmente, o grunge noventista. Gui, o baterista, fica encarregado de trazer elementos do funk americano, reggae, afrobeat e manguebeat para as percussões do Noz Elétrica. O que fazem, com certo despojo, os caras do Noz Elétrica é apresentar, em meio ao atual resgate da década de 90, com mais clareza, do que se tratava aquela década, que tinha seus resgates e influências por si. É um processo contrário à pasteurização ou à aplicação de filtros. O que fazem é exatamente “romper a casca” do resgate e apresentarem a si mesmos como a semente a ser degustada daquela árvore, enquanto os demais, que vemos nas prateleiras, serão descartados. É neste cenário que a banda cria o que definem como rock com suingue, “com produção limpa e sem muitos efeitos”, como declara Diego. A aplicação daquilo que acreditam ser essa naturalidade para nossos ouvidos, acostumados com o auto-tune1 e letras muitas vezes ininteligíveis do pop atual, se traduz na forma de vocais intimistas, com pouca reverbe-
ração, guitarra de som clean e percussão mais humanizada. As letras compostas por Alex tratam, em sua quase totalidade, de temas filosóficos e espirituais, carregadas da visão de mundo do compositor, que tem o capricho de manter a aproximação pessoal e leve ao ouvinte, submetidas às composições instrumentais de Diego. Com isso, a produção e a sonoridade do Noz Elétrica trazem à cena da música alternativa brasileira ares mais humanos e orgânicos, tornando-se uma boa pedida para quem quer desintoxicar ouvidos e mente. A banda se prepara para o início das apresentações ao vivo pelo Brasil e online, enquanto já compartilha faixas do seu primeiro álbum “Peso, Alegria e Groove”, estimado para ser lançado na segunda metade de 2019. Você pode conferir os singles Haja, Blue Hill e Musicarama nas principais plataformas de streaming e no canal da banda no Youtube.
1 Nota do editor: o AutoTune é um processador de áudio para corrigir as performances vocal e instrumental. É usado para disfarçar imprecisões e erros, permitindo, assim, que muitos artistas produzam mais precisamente suas músicas. O efeito Auto-Tune está disponível como um plug-in para profissionais de áudio utilizarem em estúdio, e como uma unidade independente para o processamento ao vivo. O Auto-Tune tornou-se um equipamento padrão para gravação em estúdio.
LOUDNESS WAR Você já percebeu que algumas músicas parecem ser mais “altas” que outras? Ou mesmo que as músicas mais novas parecem ter esse efeito? Isso não é resultado da “melhora dos métodos de gravação”, mas de um certo sacrifício de sua qualidade, para que a música se destaque. Desde que começamos a produzir para músicas em plataformas digitais, ou seja, para CDs, na década de 80, os produtores perceberam que podiam ultrapassar a limitação de picos de volume das plataformas analógicas por métodos de compressão digital de som. O problema destas técnicas é que elas “embolam” o som e diminuem sua qualidade, mas o seu volume fica acrescido, fazendo a música se destacar entre as outras quando tocadas em conjunto. Por isso, um álbum do Justin Bieber pode “ser mais alto” que um do AC/DC. Pejorativamente, a esse fenômeno se deu o nome de Loudness War.
CENA E ENSAIO
Por Fernando de Freitas e Ian Sniesko
E D K N U OP A D O S T E L VIO
Do “faça você mesmo” à estratégia bem traçada, a banda mostra que sabe o que está fazendo dentro e fora dos palcos
Fotos: Lucca Miranda / Divulgação
N
ão basta entender a atitude punk. Não é mera estética, e o Violet Soda entendeu isso. Eles parecem saber que o desafio é subverter o sistema com as ferramentas do próprio sistema. O som é autêntico e indefinível. É uma junção de todas as suas referências em uma proposta sem compromissos com movimentos ou tradições geográficas (talvez por isso os rotulem de pós-grunge). Simples, distorcido e rápido. É o bom e velho rock’n’roll. E agrada. As chancelas que eles carregam não são poucas: estão vinculados a Chuck Hipólitho, membro dos Vespas Mandarinas e velho conhecido da MTV, em cujo estúdio eles têm realizado as gravações e com quem dividem outros projetos. O produtor é Alexandre “Capilé” Zampiéri, que tem sua própria história na cena underground brasileira e comandou as gravações no Costella, entregando a cozinha (André Dea e Tuti AC) de presente para Karen Dió e Murilo Benites. Não é demais lembrar que eles também têm um “day job” com Raffa Brazil, do Far From Alaska, em uma agência de marketing musical. Talvez isso pouco lembre a tropa periférica que invadiu o Sesc Pompeia no “Começo do Fim do Mundo”, em 1982. E, realmente, o Violet Soda tem muito pouca relação com esse movimento, mas isso não faz deles menos punks, pois punk é, acima de tudo, uma atitude e não uma estética a ser copiada. Enquanto um bando de moleques se reunia na loja de roupas de Malcom Maclaren, no bairro do Chelsea, em Londres, um jovem de classe privilegiada, que nunca se ajustou às escolas particulares as quais tivera acesso, escondia seus antecedentes em busca de autenticidade. Nasciam, assim, dois ícones do punk: Sex Pistols e The Clash. A autenticidade era um selo de qualidade da estética proposta, e isso podia definir o seu sucesso naquele momento. Era preciso vender sua au-
tenticidade e aqueles que entendiam as regras do jogo levaram vantagem. Malcom Maclaren, Johnny (Rotten) Lydon e Joe Strumer foram personagens que entenderam, assim como Patti Smith e Iggy Pop, que foram recebidos como precursores. Se todos os músicos vieram de projetos anteriores, algo fez com que o som entre eles funcionasse. E não importa se para isso Murilo Benites, que é baixista de ofício, tenha assumido a guitarra (tirando sua Fender Jazzmaster do case em que estava guardada) e Tuti AC, que fala de boca cheia, assuma o baixo, mesmo dizendo, de boca cheia, que é guitarrista. É provável que a autenticidade seja o produto desta condição, a simplicidade decorrente de estarem ambos distantes de suas zonas de conforto. Também é necessário dizer que Karem Dió é uma personalidade que se transforma: fora do palco, de óculos, uma menina miúda e tímida; sobre ele, empertigada se projeta junto com sua voz com o vigor de que o rock precisa. Embora, por alguns momentos, seja possível lembrar de músicas como “Spiderweb”, do NoDoubt (Tragic Kingdon), a sonoridade tem mais influências mais próximas, como de Courtney Barnett e das guitarras do álbum
youtu.be/KB3uxdLPHF8 “Melted”, de Ty Segall. Porém, todas as influências, música a música, parecem, como um caleidoscópio, se misturar em um novo fractal combinatório e trazer à tona uma nova sonoridade. O importante é que o Violet Soda é uma banda verdadeiramente independente, sem a obrigação de respeitar cenas e tradições e, por isso mesmo, fazendo um som autêntico. Afinal, não era isso o punk, para começo de conversa?
COZINHA DARRYL JONES, DOS STONES, LANÇA SUA LINHA DE BAIXOS
C
omo em todo 7 de julho, Ringo retornou `Capitol Records Tower, em Los Angeles, para comemorar seu aniversário e celebrar a paz e o amor. O ex-beatle, que completou 79 amos, ainda convocou todos os fãs para se unirem através desse sentimento, estejam onde estivessem. Para ver quem fez parte basta pesquisar as fotos com a hashtag #peaceandlove. No Brasil, aconteceu uma comemoração simultânea promovida pelo fã-clube Revolution no Shopping Internacional Guarulhos, que foi transmitida para Los Angeles.
Fotos: Shutterstock e Divulgação
PAZ & AMOR
Crescer em uma família musical no lado sul de Chicago e tocar ao lado de diversos artistas lendários proporcionou uma visão e inspiração musical profunda a Daryl Jones. Desde 1993 ele é baixista dos Rolling Stones, mas sua carreira começou com o ícone do jazz Miles Davis. Jones reuniu todo esse repertório para criar a sua própria linha de baixos. São quatro modelos diferentes, que remetem às guitarras e baixos clássicos dos anos 1950 e 1960. Cada um pode ser personalizado com muitas opções para satisfazer às necessidades individuais. Animou? Pedidos podem ser feitos pelo site: jonesmusical instruments.com
SOM DOS ORIXÁS Quer um toque de brasilidade em suas criações? O curso Ritmo dos Orixás, organizado pelo Ilu Obá de Mim, propõe um trabalho sobre os ritmos dos orixás da nação Ketu, de Exú a Oxalá. A maioria dos ritmos são tocados com varinhas (aguidavi ou atori). A prática será permeada por cantigas tradicionais, que conduzirão cada trabalho específico. Diferente da educação musical formal, o curso seguirá sem a escrita musical, mas pela educação oral das tradições de terreiro. A musicoterapeuta Adriana Freires Aragão conduzirá o aprendizado. Valores e inscrições através do e-mail: iluobademin@gmail.com.
PRECISAMOS FALAR SOBRE JACO
TOQUE COMO UMA GAROTA
Jaco Pastorius transformou o baixo em um instrumento com solos de respeito. A vida do músico norte-americano, que uniu harmonia e técnica, é celebrada no documentário Jaco, dirigido por Paul Marchand e Stephen Kijak e produzido por Robert Trujillo, baixista do Metallica. O filme traz depoimentos de baixistas e outros nomes da música. Além de produtor, Trujillo é um personagem importante no filme, pois ele é o atual dono do “Bass of Doom”, lendário instrumento sem trastes utilizado por Pastorius em grande parte de sua carreira e que foi roubado em 1986.
Kim Gordon é A Garota da Banda (Editora Rocco). A autobiografia conta a história da fundadora da banda Sonic Youth, ao lado do ex-marido Thurston Moore. Kim foi baixista e vocalista do grupo por mais de três décadas, além de produtora musical, artista visual, ícone fashion e atriz que continua a influenciar gerações de mulheres. Ela narra sua trajetória sem amarras, assim como se apresentava nos palcos. O livro começa de trás para frente, partindo do divórcio do casal e o fim do Sonic Youth, ambos baques para os fãs. Vale cada linha! À venda por R$ 39,90.
COZINHA
Fotos: Victor Kobayashi
Por Fernando de Freitas
AIRTO MOREIRA
Os sons, as parcerias e a as viagens de uma lenda dos ritmos
E
ra uma mala normal. De couro grosso, comprada na Bahia. Uma dessas malas que é para ser para sempre. Acomodado entre dois cobertores estava o arsenal com o qual Airto Moreira invadiu os Estados Unidos. Era final dos anos 1960 e Airto, músico profissional desde os treze anos, decidiu ir ao encontro de Flora Purim, que estudava música na Califórnia. Primeiro, ele arrumou a mala com os instrumentos que ele já tinha. Achou que era pouco. Ficou meio vazia. “Conversei com uns amigos em São Paulo e, naquela época, existiam apenas dois lugares no Brasil onde a percussão era realmente popular, Recife e Salvador.” Foi assim que, na próxima turnê pelo Nordeste, com o “conjunto de baile aqui de São Paulo”, ele aproveitou a oportunidade e ficou pelo Nordeste mais uns dias para encomendar novos instrumentos com artesãos que conhecia. No Mercado Modelo, na cidade baixa de Salvador, “eu mandei fazer uns caxixis grandes com uma pessoa que conhecia lá, um senhor que fazia caxixis para berimbau. Eu perguntei para ele, qual o tamanho que você pode fazer o caxixi? ‘Qualquer tamanho’, ele me disse. Quanto tempo demora? ‘Depende quantos...’ Eu queria uns três, quatro, grandes, com sons diferentes, um com som mais grave, outro com som mais agudo. ‘Isso aí eu faço em dois dias. Te faço esses três e te faço mais umas coisas para você’, e ele fez mais uns negócios redondos, assim de cabaça, e eu comprei”. Em Pernambuco, Moreira comprou pífanos e recorreu a um músico-artesão de Caruaru chamado Tavares da Gaita “ele fazia umas coisas lindas de percussão”. De mala pronta, Airto Moreira, antes mesmo que os Novos Baianos relembrassem a todos o samba de Assis Valente que dizia que está na hora do tio Sam conhecer a nossa batucada, desembarcou em Los Angeles para fazer exatamente isso, e ele estava preparado, “eu fui para lá levando aquele pequeno arsenal”.
CALL IT ANYTHING
Nas terras sem fronteiras do freejazz e do fusion, Airto Moreira é uma lenda. É olhar rapidamente para sua carreira e entender que não é apenas com quem ele tocou, mas quem tocou com ele. Para muitos músicos, gravar Bitches Brew com Miles Davis talvez seria o ápice de sua carreira, para outros seria a lendária apresentação no Festival da Isle of Wight. Mas para o sereno percussionista e baterista, isso parece ter sido apenas o grande chamado de sua jornada. O Weather Report foi visto inicialmente como uma continuidade e avanço da banda de Miles. Na gravação
COZINHA do primeiro álbum, lá estava Airto Moreira para marcar o som do que viria ser um dos grupos mais populares de jazz da história. Ainda que tenha permanecido pouco tempo, a banda sempre contou com percussionistas brasileiros, ou pelo menos, latinos após a saída de Airto. Em seguida, se juntou com Chick Corea, Stanley Clarke, Joe Farrell e Flora Purim no Return to Forever. Apesar de já ter uma respeitada carreira como percussionista nos Estados Unidos e ser considerado um dos melhores bateristas jazz do Brasil, Airto confessa que quando chegou no exterior “eu vi os caras tocarem, era outra coisa [...] Eu não inspirava os caras a tocar, eu tocava junto”. Foi no Return to Forever que ele diz ter se tornado verdadeiramente um baterista no estilo. Ele lembra exatamente do momento em que isso aconteceu. A banda tocava um tema de Chick Corea chamado Spain durante uma apresentação, era um solo de Farell e Airto mandava ver, meio tenso, mas, de uma hora para outra, sua mão passou a “tocar sozinha”, ele não precisava mais comandar os movimentos, como se ela tivesse vida própria. Nesse momento, Stanley Clarke olhou para ele, abriu um grande sorriso e disse um sonoro “Yeah!”. “Eu senti que subiu, e dali para frente o negócio fluiu”. Dali para frente, ele passou a tratar a bateria com a mesma naturalidade que a percussão no universo do jazz.
NATURAL FEELINGS
A música é uma paixão que vem da infância. Sem qualquer pesar, Airto conta ter vivido em pequenas cidades do interior do Paraná, em casas sem luz elétrica. Sob a luz de lamparina, o pai ligava o rádio na bateria do carro. Tudo que ele ouvia tinha que ser interpretado diante do que os olhos alcançavam e as mãos podiam agarrar, a televisão ainda era algo muito distante de sua realidade e sua ausência, por certo, fez o talento de Airto aparecer.
“Para mim era uma coisa natural. Eu olho para um instrumento e vejo o som que ele tem. Para mim é muito claro isso. Por exemplo, quando eu era criança, tinha uma brincadeira – que eu brincava sozinho – olhava para um objeto e pensava ‘se eu bater ali, vai fazer piiiim’. Eu tinha 8 anos de idade, quem sabe 6. E, às vezes, não era isso, era um negócio bonito, eu pegava um pauzinho, batia e fazia ´toc’. Não tinha som nenhum. Eu não sabia, mas na realidade eu estava estudando percussão.” A partir dessa brincadeira, começou a construir alguns instrumentos caseiros para reproduzir os ritmos que ouvia no rádio. E ele ouvia tudo com atenção. Tudo ficou mais fácil quando a família se mudou para Curitiba, ele tinha 14 anos. Ele começou a montar, desde então, já tocando profissionalmente em bandas de baile, seu “arsenal de percussão” e ressalta: “pelo som, não porque tinha visto”. Airto mantém esse espírito até hoje: “às vezes eu quero um som e aparece um negocinho qualquer que não é nem instrumento, eu pego aquilo e ‘pararapapapa’, consigo um som diferente”. Ele não tem dúvidas de que foi isso que o diferenciou ao chegar nos Estados Unidos. Conta que percebeu os olhares impressionados dos músicos de jazz de Nova York com os sons que ele revelava ao tirar objetos de sua mala. “Foi assim que a percussão entrou definitivamente na minha vida”.
I’M FINE, HOW ARE YOU?
Em uma das suas raras apresentações no Brasil, Airto Moreira apresentou no palco do SESC Consolação a versão instrumental de seu álbum Aluê, acompanhado da banda formada por Vítor Alcântara (flauta, saxofone tenor e soprano), José Neto (guitarra), Fábio Leandro (piano e teclado), Sizão Machado (contrabaixo) e Carlos Ezequiel (Bateria). Aluê foi gravado em novembro de
Se todo mundo se olhar tocando junto, aproveita melhor a vibração, que é a música, e o conjunto fica muito melhor assim 2016 no interior São Paulo e lançado pelo Selo SESC, e se tornou o primeiro álbum de Airto Moreira como líder gravado no Brasil. Em um bate papo com o público após a apresentação, os músicos contaram que as gravações aconteceram na Gargolandia, estúdio localizado em uma fazenda na cidade de Alambari, pela tranquilidade do local e pela possibilidade de realizar as gravações ao vivo, com todos os músicos mantendo contato visual. Olhar nos olhos dos outros músicos é essencial para Airto Moreira. Ele acredita que “qualquer conjunto sério de música – mesmo que sejam só dois! – é como uma tribozinha, tem que olhar um pro outro. Muito tempo atrás, principalmente no jazz, eu notei que os caras não se olhavam muito. Eles fechavam os olhos e tocavam. Aquilo era um estilo. Era a criatividade deles. Mas quando eu montei meu primeiro conjunto, durante os ensaios eu falava: ‘Comunicação no palco: importantíssimo. Se você não olhar pro outro músico, você não sabe como o cara está se sentindo’. Às vezes, alguém precisa de ajuda e a maneira de pedir é olhar pros outros. Se o cara olhar para você e você olhar de volta positivamente, como se dissesse pro cara ‘legal, vamos nessa’, o cara vai melhorar. Se todo mundo se olhar tocando junto, aproveita melhor a vibração, que é a música, e o conjunto fica muito melhor assim”. É com o entendimento de que a música se faz em conjunto e produzindo energia que Airto estabeleceu sua car-
COZINHA
reira, e é assim que, em Aluê, três faixas com composições inéditas, Rosa Negra, Não sei pra onde vai, mas vai e Guarany, foram gravadas todas em sessões de improvisação dos músicos. A outra regra que ele estabelece para sua banda é que depois que a banda está “bem ensaiada” ninguém mais deve ler partitura. “Se você estiver olhando sempre, você toca direitinho o que está ali. Então, quem que escreveu aquilo? Não foi você. Foi o compositor, o arranjador etc. Está tocando uma coisa que não é bem sua, mas dá certo. Mas se quiser se sentir vivo, se sentir bem mesmo, não leia – ou leia até aprender de cor e depois vá tocar”; Sua paixão pela liberdade que o jazz proporciona musicalmente traduz em afirmações que, se ditas por outros músicos, mal colocadas, fora de contexto ou no tom errado, poderiam parecer soberba. Moreira é um músico moldado pelo trabalho na noite, de longos bailes, de dinheiro pingado. De um tempo em que, se você e sua banda não colocassem o salão para dançar por 4 ou 5 ho-
ras seguidas numa noite, não voltariam na próxima. Depois disso, enfrentou os exigentes palcos de jazz de Nova York. Definitivamente, não é um músico de conservatório, longe de ser um acadêmico. Então, quando Airto Moreira diz que “nunca foi de estudar música”, que “criou certas coisas na bateria porque era preguiçoso”, essas afirmações devem ser acompanhadas de uma explicação: não há qualquer sinal de vaidade em sua expressão física ou em sua voz. Na realidade, é o mais perto do que alguém pode explicar o que é o feeling de que os músicos tanto falam, que é
Mas se quiser se sentir vivo, se sentir bem mesmo, não leia – ou leia até aprender de cor e depois vá tocar”
poder expressar seus sentimentos por meio de música. E foi exatamente no feeling e nessa troca que Airto Moreira teve uma experiência muito especial com Jaco Pastorius. Juntos eles gravaram uma faixa chamada Nativity para um álbum de Airto que estava curto demais para ser prensado. Hoje, essa faixa pode ser encontrada em diversas coletâneas que compilam a obra de Jaco, cuja monstruosa criatividade sempre está acompanhada das ressalvas sobre sua instabilidade psíquica. “Parece que todo mundo quer contar as histórias ruins do Jaco”, diz Airto “mas a minha é boa”. O fato foi: após ouvir as gravações do disco, a equipe se deu conta de que eles precisavam preencher mais seis minutos para completar os quarenta exigidos pela gravadora. Flora sugeriu para Airto tocar um solo “free”, mas ele não achou que era o que queria. A solução foi convidar o baixista, que estava gravando em uma sala ao lado do estúdio para gravar. Porém, Flora, que fez o
NÃO SEI PARA ONDE VAI, MAS VAI
contato com Jaco, esqueceu de contar que era preciso tocar por seis minutos. Jaco entrou no estúdio e perguntou o que era para fazer. Airto conta que respondeu “vamos tocar um free, vamos tocar aí, vamos fazer um negócio” e começou sua improvisação. “E ele aproveitou e tocou melodias lindas. Às vezes eu cantava um pouco e ele acompanhava, depois ele tocava a liderança. Era o líder de novo. Então foi... Não foi bem uma conversa, foi uma troca de energia. Houve aquela troca de energia incrível. Ele ia para lugares que era muito fácil ir junto. Era um bom motorista, vamos dizer, ele mandava o pé. Aí teve uma hora que a gente parou, eu olhei para ele e ele olhou para mim. Ele não fez outra frase, nem eu fiz som nenhum. Quando pararam o tape, começamos a rir, ele me deu a mão e disse ‘estava ótimo’. Quando ouvimos o tape, deu seis minutos”. Era exatamente do que Airto precisava: “eu já contei muitas vezes essa história porque foi importante para mim. Foi algo que eu gostei de ter feito”.
Dessas experiências, Airto fala que a energia musical é a energia vital. Mas nem sempre foi tão fácil. Ele encarou o desafio de gravar e se apresentar com Miles Davis quando vivia somente há um ano nos Estados Unidos. E Miles era uma figura imponente, era o músico de jazz mais famoso do mundo e talvez um dos mais inovadores. “Ele está sempre meio sério. Se dava bem com os músicos, mas mantinha uma certa distância”, lembra o percussionista. Nesta época, Airto evitava olhar para os demais músicos. Se sentava em uma cadeira, abria sua mala-arsenal em sua frente, abaixava a cabeça jogando o cabelo sobre o rosto. “No palco – e fora do palco também – se ele te olhasse de certa maneira, ou seja, se ele te olhasse como o Miles Davis olha. Você não sabia se ele estava gostando ou não gostando, se ele estava pensando ‘isso está uma merda’ ou ‘tô gostando desse negócio aí’. Então, para não confrontar ele, que andava no palco para lá e para cá, quando não estava solando lá na frente [...] oportunamente me veio a ideia, não vou olhar mais para esse cara”. Essa atitude se tornou um desafio para o próprio Miles, “eu via a ponta da bota dele na minha frente. Eram botas italianas caríssimas, pois ele sempre estava na lista dos homens mais bem vestidos das revistas. Eu ficava lá fazendo minhas coisas, tocando e ele parado ali, às vezes um minuto na minha frente. E eu sei que ele queria que eu olhasse, mas eu não olhava”. Mas ele admite “Aquele Airto tinha medo”, o que claramente é um assunto superado. Mas depois de tudo que viveu e de todo mundo com quem teve a oportunidade de tocar, com quem Airto Moreira ainda quer tocar? A resposta está na ponta da língua: Hermeto Pachoal e Ron Carter. “Mas você não gravou com eles seu primeiro álbum?” foi nossa reação espantada. “É que faz tanto tempo que
TRÊS ÁLBUNS ESSENCIAIS
NATURAL FEELINGS
LIGHT AS FEATHER (com Return to Forever)
ALUÊ não tocamos juntos, mas tanto tempo, que eu mudei muito meu jeito de tocar e eles também. Seria como se a gente tocasse junto pela primeira vez de novo” explica Airto. “Mas não sei se vai acontecer”, lamenta. Nós esperamos muito que aconteça, por nós e por você.
CARTA
à Esperanza Spalding
Cara Esperanza, parecia tão Você se lembra da década de 1980? De quando éramos crianças? Tudo s, nem ávamo imagin como chegou longe. Nós vivemos quase em 2020 e o futuro não as daquel ce agrido os Jetsons nem a catástrofe absoluta. Estamos em uma versão previsões e preciso contar a você, acho que a tecnologia não nos uniu. (quem sabe Existe um argumento fácil, eu não preciso mais procurar por dias portinhola uma em semanas ou meses), ir de loja em loja para, finalmente, achar, dedos e, por especializada em gravações de Jazz o seu disco. Eu movimento os meus ou outras meio da transferência de dados criptografados em cabos, nuvens, ondas que foi em de qualida na forças misteriosas, tenho em meus ouvidos a sua música gravada, na sala da minha casa, ou até mesmo no meio da rua. E como eu gosto da sua música! me para “12 Little Spells” me encantou. Foi um disco meditativo para mim. Volteiuma para ar procur o meu próprio corpo e revisitei-me. Foi dele que parti para te com os teentrevista. Eu queria saber como você relacionava tecnicamente a música “spells”. Tive mas do corpo. E enquanto eu me encantava, você lançou mais quatro ilhos. trocad os perdoe esperanças renovadas de conseguir conversar com você. Me de música Mas não é só isso. Eu sei, porque você já disse por aí, que você gosta pensando se, brasileira. Que tem uma paixão especial por Milton Nascimento. Fico Tereza, em Santa de em uma de suas passagens pelo Brasil, você visitou o Bairro ainda vive, e Belo Horizonte, mítico lar do Clube da Esquina. Bairro em que viveu, uir e onde se boa parte da minha família. Na igreja que meu bisavô ajudou a constr assistia os pai meu onde al, casaram meus avós. Do cinema, hoje um centro cultur se conque as Westerns americanos, dessa terra tão longínqua. Na praça das históri foi naquela tam por aqui e a qual estou tão ligado, por sangue e tradição. Se você praça, eu podia não estar lá, mas você me encontrou um pouco por ali. idade e Mas eu queria falar com você e não te encontrei. Você, que tem a minha o contat i foi a mais jovem professora de Berklee e agora leciona em Harvard (tente Você, que foi com as duas). Você, que tem um website e representantes contatáveis. lindíssima. foto uma em fotografada por um amigo meu em um show em São Paulo, Tão perto. Mas a tecnologia não nos uniu. distante Nessas contradições, quanto mais eu me encontrava em sua música, mais de lado deixar em ente seriam parecia a possibilidade de te entrevistar. Eu pensei o da espectr do essa matéria. Mas meu encontro com sua música, na contradição que eu não sua voz com o som de teus dedos percorrendo o baixo, me fez decidir meus leitores. poderia deixar de lado a conversa que queria ter com você diante dos E tem horas que não importa se Sinatra tem uma gripe. com você. Sabe, Esperanza, ainda tem muita coisa que eu gostaria de conversar dessa carta, Por enquanto, eu te mando um girassol e tambores de Minas por meio Fá. de clave em ções esperando receber de volta palavras, respostas e explica Abraços, Fernando de Freitas.
De prodĂgio Ă Diva, Esperanza Spalding em dois momentos;
ME ACOMPANHE SE PUDER JAZZMASTER GANHA NOVA VERSÃO
Confira o line-up em: crossroadsguitarfestival.com
ERIC CLAPTON
Alex Perez, da equipe de pesquisa e desenvolvimento da Fender, sempre desejou uma nova versão das guitarras Jazzmaster e Jaguar, que o mundo ama há mais de seis décadas. O sonho acaba de virar realidade! A visão de Perez se concretizou na recémprojetada Powercaster, uma guitarra que realmente faz parte da série de edição alternativa da Fender, Alternate Reality Series. “É um som único que realmente funciona bem. Eu só queria que fosse algo que eu tocasse”, declarou Perez no lançamento. Essa belezinha ainda não é vendida no Brasil.
CONVIDA BRASILEIROS
Fotos: Shutterstock e Divulgação
C
omandado pelo mestre Eric Clapton, o “Crossroads Guitar Festival” é um evento de caráter beneficente, em prol do “Crossroads Center”, um centro de tratamento de drogas em Antígua, fundado por Clapton. Os shows reúnem guitarristas dos mais variados estilos e técnicas, todos selecionados por Clapton. A boa notícia do evento deste ano, que acontece nos dias 20 e 21 de setembro, em Dallas, no Texas, é a presença de dois brasileiros, Daniel Santiago e Pedro Martins, dois caras que enobrecem a força da guitarra brasileira. Natural de Brasília, Pedro é um verdadeiro músico prodígio. O cara tem 24 anos e toca guitarra, violão, teclados, bateria e ainda se arrisca nos backing vocals. Ele faz parte da banda de Kurt Rosenwinkel, recentemente lançou o álbum “VOX”, que saiu pelo selo de Kurt. O selo teve apoio do Eric Clapton, que inclusive participou do disco mais recente. Foi ele quem apresentou o trabalho de Daniel para o mestre, que estendeu o convite ao rapaz.
PEDAIS & EFEITOS EXPERIENCE
Saiba mais em: pedaiseefeitos.com/eventos
Tradicional em Recife-PE, desta vez o Pedais & Efeitos Experience inova e traz o seu evento para São Paulo. O encontro aconteceu no dia 13 de julho, no Instituto IMKS, no bairro dos Jardins. Fabricantes de pedais e equipamentos da Alemanha, Letônia, Estados Unidos e Canadá marcaram presença no evento, que também contou com as novidades do mercado nacional.
NEIL YOUNG, O ROQUEIRO IMORTAL PLAYLISTS COM CURADORIA DA STEINWAY A Steinway & Sons, conhecida marca de piano, é a nova integrante do programa de curadoria da Apple Music. A partir de agora é possível ouvir playlists e ainda ter acesso a conteúdo organizado pela marca dentro da plataforma da maçã. “Esse relacionamento mutuamente benéfico aumentará a experiência atual da Steinway e permitirá que ela alcance um mercado inexplorado de ouvintes da Apple Music”, reitera a marca em seu site. O conceito do canal servirá como um farol para os ouvintes nos vastos mundos da música clássica e jazzpiano, fornecendo diretrizes para o melhor desempenho e qualidade de som.
Entre muitas declarações e imagens pessoais, o compositor e guitarrista canadense revela detalhes da sua carreira em Neil Young: a Autobiografia (Globo Livros). Ao longo do último meio século, o cantor e compositor construiu uma carreira de respeito ao criar canções como Heart of Gold e Harverst Moon. Colecionador de automóveis e especialista em modelismo ferroviário (é dono de uma empresa do ramo), há anos Young investe e trabalha num projeto de carro elétrico. Vale a leitura! À venda por R$ 30,90.
ME ACOMPANHE SE PUDER
O D A N O X I A P A M E M O UM H
Por Fernando de Freitas
O R T S E A M S O L R A C O Ã O J S N I T R A M E
stamos diante de um homem apaixonado. Pela música e pela vida. Em seus olhos e suas famosas mãos vemos todo amor do maestro e pianista João Carlos Martins. É fácil começar a conversa, ele é didático, mas nunca professoral, trata com carinho as palavras e o entrevistador. Se devemos chamar de música clássica ou erudita? “Pode chamar de clássica!”, ainda que exista uma distinção de conceitos, ele adequa o discurso ao seu público e emenda: “na minha opinião, só existe música boa”. E, realmente, para ele só existe um tipo de música. Àquela música que não lhe prende a atenção e que, em meses será esquecida, ele não dá atenção. Um homem que dedica sua vida a construir não precisa dedicar um momento de seu talento para algo que não seja sua generosidade. Não é de se ignorar que um músico que se dedica a gravar toda a obra de Bach seja um homem profundamente religioso. Ele se diz conservador, mas, assim como a distinção entre música clássica ou erudita, não se interessa por esse rótulo. Embora em nenhum momento sua religiosidade seja tema da conversa, ela permeia a sinceridade dos atos de Martins: amor, generosidade e, claro, dedicação. Martins é, em certa perspectiva, o Jobim que permaneceu no conservatório. Cada qual expressando uma faceta do legado de Villa-Lobos, ora paralelamente, ora se entre-
O maestro conversa com todos e se aproveita da fama para popularizar a mĂşsica clĂĄssica
cruzando. A relação de ambos com o piano, as idas e vindas de Nova York, o amor pelo Brasil e o reconhecimento no país e no exterior. É impossível não reconhecer as semelhanças. E Tom é uma de suas paixões. Declaradas. Gravadas em fonograma. O maestro apresenta, junto com a Orquestra Jovem Bachiana, em um álbum assim chamado, Paixões, composições de Bach, Mozart, Schumann, Villa-Lobos, Tom Jobim, Vinicius de Morais e Baden-Powell, encerrando com o Hino Nacional Brasileiro. A capa traz uma imagem de Martins de camiseta, ao piano, provavelmente apresentando ali a faceta intimista de João Carlos, sem deixar de lado toda sua ética de trabalho. Não se espante o leitor ao encontrar Vinicius em meio ao nome dos compositores: sua contribuição à música vai além das letras, o poeta (e diplomata) era dotado de talento para métrica e ritmo perfeitos, que atraía os grandiosos parceiros que teve. Tinha, ainda, a admiração de João Cabral de Mello Neto, para muitos seu oposto, na verdade outro lado da mesma moeda, com quem trocava poemas e estilos (Retrato à sua maneira e Resposta à Vinicius de Moraes). De alguma maneira, ao gravar música popular em conjunto com música clássica, em especial nesta conversa ao piano com Tom Jobim, que acontece apenas por meio da execução de suas melodias, Martins navega os mares em que Vinicius e João Cabral lançaram suas naus enquanto poetas e estabelece com Tom uma relação de contraposição e admiração semelhante. Assim como os escritores, todos os compositores de Paixões fluem entre as correntezas do popular e do erudito. Se de Mozart podemos citar facilmente A Flauta Mágica, de Bach é possível encontrar a cômica Cantata do Café (BWV 211) encomendada pelo dono de uma cafeteria de Leipzig. Schumann mesmo escreveu temas para
Fotos: Ale Catan
ME ACOMPANHE SE PUDER
serem tocados por crianças (Op. 68) e assim por diante. Os limites entre o erudito e o popular eram permeáveis para os grandes compositores, da mesma forma que Jobim e Baden-Powell, ao lado de Vinicius, beberam dos clássicos para construir a música popular brasileira, cantar Orfeu e o morro. Saber e perceber isso é poder olhar para João Carlos Martins e suas paixões.
UM BRASILEIRO
Entre seus amores, destacam-se o Brasil e seu povo. O Hino Nacional executado na abertura dos Jogos Paralímpicos é a concretização de um trabalho para quem a notoriedade tem a função de construir projetos em favor do seu povo. No sentido literal de prestigiar, ou seja, de emprestar seu prestígio, Martins se envolve com promoção da cultura, e no seu caso, da música clássica, não apenas para seu nicho, mas para atingir e encantar o máximo de pessoas que puder. O Maestro conduz seu projeto por meio do diálogo. Quando se apresenta comandando a Orquestra Bachiana, o programa principal costuma ser rigorosamente clássico, apresentando os grandes compositores ao público. Ao final, ele inclui o popular – muitas vezes, mais reconhecível – para consagrar a relação que ele propôs no início do concerto. “A Orquestra [Bachiana Filarmônica SESI-SP] em si, em concertos no interior democratizou de tal forma a música clássica, que alcançou 16 milhões de pessoas ao vivo. Se ela atingiu 16 milhões de pessoas ao vivo, é porque ela atraiu aquele público que, de repente, tinha receio de ir ao Theatro Municipal ou a uma Sala São Paulo, pensando ´lá tem de ir de gravata, lá não tem de ir de gravata?´. O importante é você manter a tradição e conseguir implantar a inovação. Quando você faz isso, vai manter aquele público de Carneggie Hall e Lincoln Center do mesmo jeito que vai atrair o público da periferia. [...] é a única forma de realizar o sonho
de Villa-Lobos, que dizia ‘não é um público inculto que vai julgar as artes, são as artes que mostram a cultura de um povo. O que acontece, a Fundação Bachiana, em seus concertos, mostra geralmente os quatro maiores compositores da história: Bach, Mozart, Beethoven e Brahms e, no final, abre para aquilo que aquelas pessoas já tinham ouvido. Então, se eu acabei o concerto e de bis eu faço Trem das Onze, essa todo mundo canta. O resto aquele público, provavelmente, ouviu pela primeira vez – ou não, muitas pessoas estão lá porque gostam de música clássica – mas no momento que elas começam a entender música clássica, o público vai aumentando. E isso se faz quando você transmite emoção do primeiro ao último acorde de um concerto.” Nesses diálogos entre o que é erudito e popular, Martins vai acumulando parcerias e amizades, transitando entre gêneros e artistas, indistintamente: “para mim só existe música boa”. Ele reconhece nestes artistas a dedicação que ele espera de quem se dedica à música, nos comentários sobre esses parceiros sempre destaca os anos de estudo, seus ouvidos e afinação. Ninguém mais se surpreende ao vê-lo um dia com Frejat, outro com Chitãozinho & Xororó, hoje com Edu Falaschi, amanhã com Sandy.
CENA DE CINEMA
De conversa em conversa, ele encontra quem também entendeu como fazer essas relações que propõe, o cinema. É a música que emociona e apavora, que provoca o riso e o choro. Chaplin, poucos sabem, era o compositor de suas trilhas. Estão na sua lista de suas composições canções como Smile e o tema de Limelight. Já Quincy Jones produziu dezenas de trilhas sonoras depois de ter estudado composição musical e teoria com Nadia Boulanger e Olivier Messiaen. O que dizer, então, dos clássicos produzidos por Nino Rota e Ennio Morricone - quem consegue não se arrepiar com o tema
Se eu toco o Trem das Onze ao fim de um concerto, a pessoa se identifica, canta e volta para casa feliz
de O Poderoso Chefão ou não chorar ao ouvir a música de Cinema Paradiso? A orquestra já estava no cinema mudo, foi reapresentada por Walt Disney em Fantasia e onipresente em cada filme, através de canções originais ou adaptadas. O cinema é uma sala de concerto por excelência, sem gravata. Foi assim que nasceu o espetáculo João Carlos Martins e o Cinema in Concert. Uniu a tecnologia da videocenografia aos grandes clássicos do cinema sob a batuta do maestro. A produção conta com 50 músicos, da Bachiana Filarmônica SESI-SP e da banda Flautin. Várias das canções ganham o reforço das vozes espetaculares do tenor Jean William e da soprano Anna Beatriz Gomes, com objetivo amplificar a emoção da plateia. É com prazer que ele fala de cada espetáculo, de ter dividido o palco com lendas do jazz como Dave Bruebeck e Ray Charles – que trata com a mesma naturalidade com que comenta sobre o sertanejo Daniel, o cineasta Fernando Meireles ou o fotógrafo Sebastião Salgado. Provocado por um de seus muitos amigos, decidiu se inscrever no Instagram para publicar seu arquivo de décadas de filmagens e, cerca de um ano depois, contabiliza 73 mil seguidores. Ao contar isso, Martins retira um telefone de flip do bolso, rindo: “mas é claro que para isso eu preciso de ajuda”, com a expressão que só um homem apaixonado pela vida pode ter.
ME ACOMPANHE SE PUDER
Por Ian Sniesko e Fernando de Freitas
ic para s u M f r u S la Passando pe k alternativo, a c chegar no ro r diferente e vocação de s
T E S F OF O D S I A M S R A T GUI , A BUSCA
O L I T S E M QUE U O C I N Ú E R B M I T M U POR
Q
uando pensamos em guitarras icônicas como a Fender der Jazzmaster ou a Jaguar, é impossível não associa-las com a contra-cultura e o movimento da música alternativa que se estende desde meados dos anos 50 até nossos dias. As offset guitars, como são chamadas as guitarras que possuem as partes superior e inferior do corpo “deslocadas” (em inglês, offset) uma das outras, percorreram um longo caminho até se tornarem um estilo próprio. Mais do que uma identidade estética, a busca por um timbre único. Tal identidade e timbre tiveram origem, curiosamente, no jazz, com a clássica Fender Jazzmaster, criada por Leo Fender visando conquistar os músicos jazzistas, público que, até então, dava preferência aos modelos com som corpulento da Gibson.
FENDER E O NASCIMENTO DA ESTÉTICA OFFSET
Em meados de 1958, a Jazzmaster nasceu, trazendo consigo uma nova estética e uma sonoridade diferente das tradicionais Telecaster e Stratocaster. Praticamente ignorada pelos músicos de jazz, o modelo teve seu boom na era dourada da surf music. Mais tarde, outros dois modelos se juntaram à linha: a Fender Jaguar, uma variante ainda mais agressiva da Jazzmaster, com captadores mais agudos e estridentes; e a Mustang, modelo baseado na Musicmaster e na Duo-Sonic, guitarras de escala reduzida, visando músicos iniciantes. Com essa guinada de estilo, a década de 60 foi marcada por uma corrida entre marcas famosas em busca de consagração, e fabricantes menores, que tentavam a todo custo imitar o estilo da Jazzmaster e afins, como a fabricante japonesa Teisco.
A RESPOSTA DE NASHVILE
Tendo em mente o sucesso dos modelos offset da Fender nos círculos da surf music, a Gibson decide, em 1963, entrar no jogo. Desenhada pelo designer automotivo Ray Dietrich para evocar o visual de um carro esportivo, a Gibson Firebird representou uma guinada da marca rumo a conquista de novos públicos. Além do formato inovador da Firebird, a Gibson decidiu também apresentar novas opções de cores, para mais apelo junto ao público-alvo, algo que a Fender já fazia, oferecendo suas offsets em pintura customizada automotiva DuPont. O motivo? Pense bem: se você fosse um entusiasta da surf music dirigindo seu conversível pela costa da Califórnia, certamente gostaria que a cor da sua guitarra combinasse com a do seu carro. Billy Brandão, guitarrista carioca que acompanha Frejat e Erasmo Carlos, sabe
o valor de explorar as offsets, apesar de contar com guitarras mais tradicionais: é bastante comum vê-lo em ação com sua Gibson Firebird e com uma Jazzmaster Zaganin, ambas brancas. “É quase um padrão no showbiz de colocarem a banda de preto - às vezes luz baixa - pra ‘dar uma sumida’ e destacar mais o artista, então quando eu já fiz as minhas guitarras eu já fiz brancas pensando nisso, tipo ‘Se eu sumir pelo menos enxergam meu instrumento!”, explica Billy sobre a escolha da cor das guitarras, que já se destacam pelo formato. Também é difícil não lembrar que ele é um fã de Hendrix, com um quadro psicodélico enorme do músico em sua parede, cuja stratocaster branca é um ícone. Primeiro veio a Firebird, o amigo Fernando Catatau ofereceu a guitarra e ela casava direitinho com a sonoridade da turnê Kama Sutra que ele ia fazer com o Tremendão. Ele pensou um pouco, a guitarra era “meio monstrenga” e pendia para baixo, mas ele olhava para ela e lembrava do Johnny Winter. Fechou o negócio, e ela era tudo que ele imaginava, o timbre era gordo, mas não grave - só fez um ajuste: trocou os mini-humbuckers originais por um jogo Seymour Duncan. Quando a turnê acabou, voltou os captadores originais para guitarra e devolveu o outro jogo para a guitarra que havia ficado parada. Hoje ele gosta dela como está.
MORTE E RESSURREIÇÃO
Nos anos 70, com o declínio da surf music e os problemas financeiros que assolavam a Fender, as offset guitars perderam seu lugar para modelos como a Gibson Les Paul, que tinham mais apelo junto ao rock setentista. Foi somznte em meados dos anos 80 que o rock alternativo resolveu dar continuidade ao legado das offset guitars. Artistas como Johnny Marr (The Smiths), Thurston Moore e Lee Ranal-
do (Sonic Youth) acharam na Fender Jaguar e na Jazzmaster, respectivamente, sonoridade e estilo únicos. A tendência se manteve nos anos 90, em especial com Kurt Cobain (Nirvana). Pelas suas mãos passaram modelos como a Jaguar e a Mustang. O icônico guitarrista chegou até mesmo a projetar, junto com a Fender, a Jag-Stang, uma junção dos dois modelos. Hoje, as offset guitars sobrevivem ao tempo nas mãos de nomes como Alex Turner (Arctic Monkeys) e Troy Van Leeuwen (Queens of the Stone Age). Além de terem sido adotadas por músicos da nova cena do rock californiano, que traz, entre suas inúmeras influências, um revival da estética da surf music.
VARIEDADE DE TIMBRES
As offset guitars não se limitam somente ao visual e à busca por uma estética diferenciada. Os modelos também apresentam uma variedade de timbres únicos e inigualáveis. A Jazzmaster apresenta um tipo de captador exclusivo que também leva seu nome: um single coil ligeiramente mais largo do que o padrão e, muitas vezes, confundido com um P90. A Jaguar, por sua vez, se destaca nos agudos: é difícil achar uma guitarra tão estridente quanto ela. Ambos os modelos também apresentam um número incomum de controles, a exemplo da Jazzmaster (retratada ao lado). A guitarra apresenta dois circuitos separados: “lead” e “rhythm”. O
ME ACOMPANHE SE PUDER primeiro, padrão, confere a guitarra um som limpo e preciso. O segundo foi feito com o jazz em mente: dá ao modelo um timbre cheio e volumoso. Além dos clássicos da Fender, não podemos deixar de mencionar os mini-humbucker presentes nas Gibson Firebird. E os captadores da Rickenbacker, em especial no modelo 481, a guitarra reverse offset da marca.
VERSÃO BRASILEIRA
Até meados da década de 1990, por conta das barreiras alfandegárias, era muito difícil adquirir equipamentos musicais vindos do exterior e, no que diz respeito às guitarras, a ordem era fazer o possível para copiar os modelos importados. Dentre os modelos disponíveis por aqui, estava a Gianinni Supersonic, que passou nas mãos de muitos músicos respeitadíssimos e fez parte da gravação de alguns dos clássicos do rock nacional. Dentre os que empunharam essa versão tupiniquim da Jazzmaster esteve o guitarhero Edgar Scandurra. Hoje, a indústria nacional está mudada, a fabricação de instrumentos no Brasil está mais próxima da luthieria,
enquanto as marcas também investem em trazer matérias-primas ou mesmo equipamentos chineses para dar a eles seu decalque. Dentre esses equipamentos, LaBaq encontrou na Tagima JetBlues a combinação perfeita de versatilidade de que precisava: “Eu sempre joguei muito com os caps no meu caminho com as guitar-
OS CAPTADORES P90 A COMBINAÇÃO DO OFFSET Por Erico Malagoli O captador P90 é um captador single-coil com ímãs em alnico, desenvolvido na década de 40 e que logo se tornou o padrão para as guitarras Gibson (um belo status!). Porém, na década de 50, a marca desenvolveu um pick-up com maior ganho e sem ruídos, graças ao inédito sistema double-coil, batizado de Humbucker, que se tornou, então, o novo modelo standard Gibson, rebaixando o P90 a modelos de menor custo. Porém, como sabemos, essa não
ras e ela trouxe cores ótimas pro meu momento, quando eu comecei a usá-la. Ela ainda é semi-hollow, o que deixa o som com um corpo que me agrada muito. Como eu atuo sozinha no palco, preciso de peso e ela me trouxe esse peso também” diz, explicando sua escolha. Ao ver LaBaq no palco, sua performance poderosa faz qualquer guitarrista
foi a morte do P90 que, redescoberto anos mais tarde por bandas punk, graças a suas características sonoras únicas, se tornou referência de som e visual e nunca esteve tão em alta. Hoje em dia, existe uma grande variedade de formatos e sonoridade, para diversas aplicações. Aqui na Malagoli, por exemplo, oferecemos desde versões vintage em alnico 2, 3 ou 5 (em barra ou em polos, o que “abre” mais o som) e resistência na faixa de 7 a 9K, até versões mais “quentes”, com ímãs cerâmicos e alta resistência, incluindo aí o modelo “El Matador”, um P90 high gain e parafusos allen, ao invés do parafuso-fenda padrão. O P90 single mais usado é o modelo Soap Bar, mas existe ainda uma outra versão, com as mesmas características construtivas e sonoras, porém com base e capa diferentes, com os parafusos de fixação nas laterais (não centrais, como no Soap Bar), chamado de P90 “Dog Ear” por causa do formato da capa (que lembra orelhas de cachorro) e é
se arrepiar só de pensar nos seus experimentos de timbres: “Meu setup é voltado tanto pra realçar o som dela quanto pra distorcer totalmente. Uso rv6, synth9, oc3, little big muff, carbon copy etc. Gravo com o mesmo setup e opto sempre pelo Fender Twin Reverb pra gravar. Como disse antes, oferece aquele peso de que eu preciso bastante em palco, por estar atuando sozinha e precisar chegar com pressão mesmo. E as possibilidades que os caps/tone trazem... eu gosto muito também, se bem utilizado traz expressões muito interessantes.”
Já Billy Brandão buscou a luthieria de NZaganin na hora de sair novamente em turnê com o Erasmo. Ele queria uma guitarra exclusiva, que combinasse o clássico com o moderno, e a saída foi encomendar uma Jazzmaster branca. Mal sabia ele que Lúcio Maia (Nação Zumbi) havia pedido uma guitarra idêntica ao luthier dez dias antes, o que lhe rende gozação por parte do amigo, que o chama de “imitador de guitarra” quando se encontram. Ficou sem a exclusividade, mas a guitarra era aquilo que ele buscava.
usado em alguns modelos de guitarras Gibson, geralmente semiacústicas. Se a instalação de um humbucker em uma guitarra originalmente construída para P90s é possível, o contrário também é verdade. Sabendo que muitas pessoas gostariam do som do P90 em suas guitarras originalmente construídas para humbuckers, desenvolvemos o P90 tamanho humbucker, que nada mais é do que um legítimo captador P90 dentro de uma carcaça de humbucker. No mercado há ainda os P90 stacks, com duas bobinas sobrepostas, sem ruídos e um som mais próximo de um humbucker. Bom, nessa altura do texto você pode estar se perguntando “ok, mas o que faz do P90 um captador tão especial?” O principal motivo, é claro, é a sonoridade: sendo um captador single instalado com potenciômetros de 500K, padrões da Gibson, ele soa mais brilhante e cristalino do que um humbucker, porém diferente de um captador single-coil
Nessa Jazzmaster, Billy optou por captadores humbucker Seymour Duncan, deixando de lado os tradicionais Soap Bars, com uma chave combinada para ter funcionalidade abrangente. Ele apenas se arrependeu de não dar atenção devida ao sistema de ponte e alavanca, uma reclamação constante entre os usuários das Jazzmasters pela dificuldade em mantê-la ajustada e afinada. “Devia ter ouvido quem me aconselhou a usar uma ponte mais moderna, tipo Mastery Bridge”. Seja como for, seja diferente.
Fender, mais magro e estalado. É como se o P90 se situasse entre os dois mundos, Humbucker e Single. Isso se deve à sua construção única, com uma bobina apenas, mais larga e baixa do que a de um single-coil padrão Fender. Já os ímãs, embora as versões anos 50 já usassem alnico 5, eram 2 ímãs em barra situados abaixo dos parafusos Fender aparentes, construção mais parecida com a de um humbucker, diferente dos polos em alnico 5 dos singles. Assim, o P90 proporciona um timbre com uma parte do “twang” dos singles, mas com mais médios. Mas se o timbre é diferenciado, o visual também não fica atrás. O P90 é visto nos mais variados modelos de guitarras, como a semiacústica Les Paul, na Telecaster e nos modelos offset, sempre fácil de reconhecer, com um estilo mais vintage e “diferentão”, geralmente associados a estilos musicais idem. O P90 com certeza é um dos captadores mais descolados e queridos. God save the de P90!
REVIEW
S E R O D A C I F I L P M A S O D A L U V L VA
Por Ian Sniesko e Fernando de Freitas
Q
uando falamos de guitarra, é impossível não citarmos os amplificadores valvulados. Caracterizados por seu som único e analógico, tais equipamentos ditaram a história do rock’n’roll. Seja nos anos 50, com os Fender que pavimentaram o caminho, seja na década de 60, com os Vox da British Invasion, ou os enormes Marshalls setentistas. O som da saturação dos tubos de vácuo é uma constante na cultura da música de guitarra. Paulo Acedo diz que “o amplificador é a extensão do instrumento eletrificado, ele influi diretamente no timbre, faz parte do instrumento e do som que ele gera. O amplificador valvulado gera o timbre referência da guitarra elétrica desde a sua criação e que está em todos os discos há praticamente 80 anos”. Hoje em dia, mesmo com inúmeros avanços na tecnologia, os amplificadores valvulados continuam sendo a escolha de muitos músicos. O equipamento ainda é tema de discussões acaloradas entre guitarristas e entusiastas de plantão sobre até que ponto o saudosismo é justificado. Fato é que, apesar da qualidade de um timbre ser subjetiva, o amplificador de tubo sempre será um clássico. A maioria dos amplificadores valvulados atuais, sejam eles nacionais ou importados, seguem um ritmo de fabricação serial, ou próximo disso, utilizando as placas de circuito impresso,
e Os detalhes qu m do definiram o so ’roll rock’n
conhecido também como PCI. Ettore Mazzotti diz que “uma parcela muito pequena, conhecidos como hand made, ainda mantêm as clássicas e tradicionais montagem ponto-a-ponto (point-to-point ou PTP). Nós, aqui na Mazzotti, só trabalhamos com o sistema PTP. Fazemos questão de manter viva essa tradição e arte”. Já Acedo tem uma postura diferente: “Hoje há as duas coisas: construção moderna e construção antiga, que é oferecida como vintage e com preço maior. Na prática, em termos de resultado sonoro, não existe diferença pelo método de montagem”. Independente da forma de construção, uma coisa é certa: hoje existe uma facilidade de se encontrar a matéria prima para a construção dos equipamentos. Apesar de muitos desses componentes serem importados e existir um mercado grande a ser explorado no Brasil, a internet facilita encontrar os fornecedores. Porém, marcas como a Explend deixam claro: “Não há nenhum processo industrial na confecção e, por esse motivo, a produção é limitada”, Mazzoti ressalta. “Toda nossa produção é feita por encomenda. [...] manter estoque de todo nosso catálogo requer um caixa muito elevado, isso ainda não faz parte nossa realidade. Então atendemos um a um, entendemos a necessidade de potência, gosto por timbres [...]. Essas encomendas levam de 60
a 90 dias, dependendo do nosso fluxo de trabalho, das demanda de peças de terceiros e possíveis importações”. Acedo trabalha de forma semelhante: “Temos linhas de modelos de amplificadores e trabalhamos restritamente com elas. Fabrico por encomenda e tenho estoque de pronta entrega esporadicamente”. A exceção fica por conta da marca Pedrone que informa: “Nosso regime de fabricação é por lotes de produto, de acordo com a demanda de cada um. Durante a fabricação, recebemos muitos pedidos de compra e uma forma justa de priorizar aqueles que fizeram o pedido antes é abrir a compra no site do lote em fabricação. Desta forma garantimos a entrega dos produtos, seguindo a ordem dos pedidos realizados pelos clientes”.
VARIEDADE DE TIMBRES
Na busca do som ideal, muitos músicos optam por guitarras de luthiers, construídas com as especificações técnicas que mais lhe agradam e o olhar de um artesão para os detalhes que a linha de montagem industrial não permite. O mesmo ocorre com os amplificadores, cujo mercado de equipamentos artesanais ganha força a cada dia. “Nós estamos competindo com os industriais estrangeiros, não uns contra os outros”, disseram todos com quem a Revista 440Hz conversou.
O que eu fazia era usar o captador do cavalete com o grave à toda, de modo que o som ficava muito denso e à beira da distorção. Também usava sempre amplificadores no máximo, com o volume da guitarra também no máximo, de modo que ficava tudo no volume máximo e sobrecarregado. Eu tocava uma nota, segurava-a e fazia um vibrato com os dedos, até ela se sustentar, e aí a distorção tornavase feedback. Foram essas coisas, mais a distorção, que criaram o que, suponho, se poderia chamar de meu som. Eric Clapton – Autobiografia.
AS VÁLVULAS Válvulas 6L6 (Fender Silverface e Blackface, Mesa Boogie)
Válvulas 6V6 (Fender Tweed)
Válvulas EL34 (Marshall)
Válvulas EL84 (Vox)
Válvula que equipa os clássicos atemporais chamados de Silverface e Blackface, da Fender. Conhecida pela sua capacidade de não distorcer demais em alto volume, seu timbre é conhecido como “american sound”. Retratado ao lado, o Fender Twin Reverb 1965: famoso na década de 1960 entre os artistas da surf music e, posteriormente, na cena do rock alternativo. O irmão menor da 6L6, era usado principalmente nos modelos de tweed compactos e de estudante da Fender. Distorce facilmente. Na imagem, um Fender Champ, um dos amplificadores que deram origem ao rock’n’roll, na década de 1950. Escolha do Eric Clapton para gravação da faixa “Layla” da banda Derek and the Dominos. A válvula usada pela Marshall, associada aos amplificadores britânicos de alto ganho. Distorce bem mais facilmente, quando comparada aos outros tipos, além de possuir dinâmicas inigualáveis. Ao lado, um cabeçote Marshall JTM45, sinônimo de Jimi Hendrix. O som da Vox e da British Invasion, a EL84 equipa clássicos como o Vox AC30, retratado na imagem. Além dos Beatles (que utilizaram inúmeros modelos do fabricante), o AC30 foi imortalizado por Brian May, guitarrista do Queen.
REVIEW Meu primeiro ampli foi um rádio; eu simplesmente desmontei aquilo e minha mãe ficou muito irritada. [...] Nesse sentido, foi um bom treino para mais tarde, afinar o som, equilibrar as guitarras com os amplis. Começamos do zero, com tubos e válvulas. Às vezes, a gente tirava uma válvula, conseguia um som realmente raspado, sujo, porque a gente estava forçando a máquina e ela estava trabalhando mais tempo do que ela aguentava. Quando a gente punha de volta a válvula dupla, o som saía mais redondo. Foi assim que fui eletrocutado tantas vezes. Toda hora esquecia de desplugar aquela merda antes de começar a fuçar dentro dela. Keith Richard - Vida
Ao longo da história, a concorrência e as experimentações dos fabricantes famosos deram origem a diferentes tipos de tubos de vácuo e construções, o que garantiu um timbre especial para cada amplificador; especialmente se você souber combiná-lo com a guitarra certa. No box, exemplificamos um pouco sobre as válvulas mais usadas no mercado. Vale lembrar que o som de um amplificador valvulado não depende apenas do elemento válvula: pré-amplificadores, alto-falantes e linha de equalização também entram na equação. Por falar em equalização, alguns amplificadores da Fender, por exemplo, não possuem controle de médios: a frequência fica travada na posição 7 e os controles de graves e agudos trabalham a partir daí. Às vezes, menos é mais. Um fato interessante é que os primeiros exemplares do Marshall JTM45 tinham sua construção baseada no som
do Fender Bassman. As especificações só foram mudar em 1966, quando a fabricante decidiu usar um tipo próprio de válvula. E a parte mais divertida é que, assim como é impossível achar duas pessoas com personalidades idênticas, você também nunca encontrará dois valvulados que soem exatamente iguais. Quem sabe seja por isso que esse complexo equipamento nos atrai tanto. Exatamente por isso, existe também uma polêmica envolvendo as propostas dos fabricantes artesanais: basear seus projetos, ou não, nos sistemas já consagrados. A Explend, como podemos ver no vídeo produzido pela Revista 440Hz em parceria com a Malagoli Captadores, trabalha com linhas baseadas nas referências sonoras e projetos dos amplificadores famosos, para que os seus clientes encontrem esses equipamentos, não apenas como alternativa, mas, também, para que possam escolher com segurança o perfil desejado. Acedo faz uma aposta diferente,
na versatilidade de seus equipamentos: “O amplificador valvulado artesanal que fabricamos é um produto de alta qualidade de construção e timbre a um preço abaixo do importado de qualidade similar. Além disso a ampla oferta de customização do aparelho é um atrativo que somente a fabricação por encomenda permite. Por termos produtos de desenvolvimento próprio e não cópias de marcas famosas, também podemos oferecer algo diferenciado, tecnicamente comparado a outros fabricantes, mesmo internacionais[...]. Nossa diferenciação permite mais abrangência nos controles de graves, médios e agudos, permitindo mais acertos de timbre e um amplificador mais versátil”. Fica claro que conhecer quem produz o equipamento e ter acesso a eles e a sua assistência técnica é um diferencial. Não apenas porque as marcas oferecem garantia, mas por seus técnicos serem pessoas que falam não apenas o
português, mas a língua dos músicos. Invariavelmente, os construtores desses equipamentos são músicos, alguns com muitos anos de palco. Isso ajuda na hora de investir uma boa quantia em um equipamento. Independente do quanto a tecnologia dos amplificadores já avançou e ainda vai avançar, o fato é que o timbre quente conferido pelas válvulas é mais do que uma onda sonora: é uma experiência por si só presente no coração de cada guitarrista.
O TESTE COM OS AMPLIFICADORES DA EXPLEND
A Revista 440Hz teve o prazer de realizar um teste com toda a linha dos amplificadores Explend em seu showroom, que fica no Instituto IMKS-Jardins, acompanhados de Kleber K. Shima, que nos apresentou os equipamentos um a um - pudemos tocar com todos eles! Ainda que o leitor não tenha a oportunidade
de ser guiado pelo K. Shima, a Explend e o Instituto IMKS proporcionam que esse showroom esteja aberto para os interessados em testar e, quem sabe, adquirir, um dos equipamentos. Foi uma oportunidade única de colocar em um só espaço seis equipamentos de perfis diferentes, testados com duas guitarras, por dois guitarristas e sentir o som que eles poderiam produzir. A sensação é que diante de equipamentos de alta qualidade, ressalta-se o que cada instrumentista tem de melhor, ficando claro nas regulagens de timbre a precisão dos controles proporcionados. O resultado pode ser visto do vídeo:
ALGUMAS MARCAS DE VALVULADOS ARTESANAIS ACEDO CROW EXPLEND MAZZOTTI PEDRONE T. MIRANDA
QUEM TEM VOZ SINATRA DESPIDO
A
cantora Tiê, que completa dez anos de carreira neste ano, fez o registro audiovisual de seu show na cidade do Rio de Janeiro (RJ), no último mês, com produção musical de Paul Ralphes. A gravação do DVD incluiu a música Longe de mim, a última lançada pela paulistana nas plataformas de música. Gravada para ser trilha sonora de uma nova novela da Rede Globo, Longe de mim é versão em português – escrita por Tiê com o parceiro André Whoong – do romântico tema árabe La bel haki (Anthony Khoury, 2016), lançado pela banda libanesa Adonis há três anos. “A gente tentou chegar no som da palavra, e não no significado. Procuramos um som que se aproximasse do libanês, mantendo, claro, a verdade da música”, explicou Tiê em nota sobre oficial sobre o single.
LITERATURA PUNK ROCK Patti Smith, que em breve vem ao Brasil para um show no Popload Festival 2019, certa vez disse que, se tivesse que escolher apenas uma vertente para o seu trabalho, ficaria com a literatura. Sorte a nossa que esse ícone do punk rock não precisou tomar essa decisão, mas Só Garotos e Linha M (Companhia das Letras) são duas obras que valem cada palavra. No primeiro, ela conta a sua história ao lado do fotógrafo Robert Mapplethorpe, um grande amigo, e as descobertas da sua alma artista. Já no segundo, que ela chama de “um mapa para minha vida”, narra outros momentos da sua vida, passando por viagens, séries de detetives, literatura e café. À venda por R$ 49,90 cada.
Fotos: Divulgação
TIÊ CELEBRA DEZ ANOS DE CARREIRA COM DVD
Da estreia humilde à sua posição de ícone da música, Sinatra: All or Nothing as All conta a trajetória e as lutas pessoais de Frank Sinatra. Composto de duas partes, a produção se concentra no shows de aposentadoria do cantor, em 1971, e ainda traz entrevistas antigas, fotos, filmagens de apresentações e vídeos caseiros nunca exibidos. Alex Gibney, que também dirigiu o documentário Mr. Dynamite: The Rise of James Brown, teve acesso aos arquivos da família do cantor e se utilizou dessa vantagem para produzir o longa. Segundo o diretor, “aquele show foi a sua autobiografia em forma de música.” Disponível na Netflix.
IVETE SANGALO PARA CRIANÇAS Seguindo os passos de Milton Nascimento e Vanessa da Mata, Ivete Sangalo faz parceria com o desenho Mundo Bita. A cantora se torna personagem de desenho animado e entra na onda divertida do picadeiro, com muita dança, alegria e energia, e solta a voz em parceria com Chaps Melo, compositor e um dos criadores da atração. A relação de Ivete com a turma do Mundo Bita já é antiga. Mãe de três filhos, a artista costuma assistir às animações com eles. “A minha família tem uma relação deliciosa com o Mundo Bita, por tudo o que eles representam: o diverso, o respeito para com o outro, para com a música, o respeito à criança como indivíduo”, comenta Ivete.
CANTORA JAPONESA FAZ DUO COM RAPPIN’ HOOD O Conexão Brasil-Japão, evento que pretende trazer a J-Music para o país, já programou o lançamento de alguns singles japoneses por aqui. Um deles é o da cantora MIC, que fez uma parceria com o rapper Rappin’ Hood em TRY, que alcançou mais de 200 mil streams no Spotify só no mês de lançamento. Além de cantora, MIC é modelo, e faz um som pop que coloca todo mundo para dançar. A moça cantou em quatro shows marcados no Brasil, em três eventos programados para o mês de julho de 2019, na cidade de São Paulo. MIC esteveno 22º Festival do Japão nos dias 6 e 7 de julho, no Festival Sakura Matsuri, em 13 de julho, além do Festival Tanabata Matsuri, em 14 de julho de 2019.
QUEM TEM VOZ Por Ian Sniesko e Ana Sniesko
A cantora fala de sua MPB intimista e sem cortes
ZANNA
NÃO É UM DISCO DE BOSSA, É UM DISCO DE MÚSICA BRASILE
O
MPB clássico e natural da carioca Zanna faz com que você se sinta em um concerto intimista e à luz de velas sem sair de casa. Indicada a três categorias do Grammy Latino, a artista apresenta, em seu álbum homônimo, doze faixas influenciadas por tudo o que o Brasil tem de melhor: música nordestina, bossa nova e samba; claro, sem complicar demais. O trabalho é fruto do grande leque de experiências e habilidades da cantora, compositora e multi-instrumentista, que morou na Itália e nos EUA por um longo período e fez parte da banda Bossa Nostra. Além das influências brasileiras, o álbum também carrega insinuações ao jazz e à música clássica. Ao ouvir o disco, é impossível não notar a produção focada na simplicidade e a mixagem cristalina com os instrumentos bem distribuídos ao redor do panorama estéreo: é como um abraço para os ouvidos. A exemplo da primeira faixa, Vento Praia Nordeste, que apresenta um naipe de cordas de caráter cinemático, acentuações delicadas por parte dos instrumentos de sopro e o indispensável elemento “voz e violão” no ritmo da bossa nova e que na cozinha, a percussão e o baixo criam uma camada suave que transpiram brasilidade. Um fato curioso é que Zanna é também a voz oficial do metrô do Rio de Janeiro, portanto é bem provável que os cariocas se lembrem do timbre de algum lugar. Por falar em Rio, além de gravar na cidade, a artista também gravou seu trabalho em Los Angeles, nos EUA, com o renomado produtor Moogie Canazio. A revista 440Hz conversou com Zanna por telefone, leia a entrevista.
O que veio primeiro na sua vida, as composições ou o canto? Na verdade, primeiro veio o instrumento. Comecei tocando flauta, depois fui para o violão. Aos 13 anos comecei a compor, e só depois veio o canto. Aos 14, comecei a fazer aulas para preparar a voz tecnicamente, saber me colocar. Mas, para mim, o grande barato da voz é quando você admira muito alguém e se inspira nessa pessoa. Eu tinha um daqueles gravadores de fita K7, então colocava um vinil para tocar e acompanhava grandes cantoras com a minha voz. Gravava o resultado e depois ouvia para aprimorar. Cantei muito com Jane Duboc, com a Sarah Vaughan... Eu ia cantando, via onde eu podia melhorar, testando timbres diferentes. A música brasileira foi uma verdadeira escola para mim. Teve uma fase menos conhecida da Simone, principalmente no disco Cigarra (1978), que foi uma grande inspiração. Ela cantava Milton [Nascimento], Chico [Buarque]... Eu gravava e ficava enlouquecida com essa experiência. Essa era a minha brincadeira de criança. E o que rolava no seu som? Ouvi muita música brasileira e, além das cantoras, teve muita gente que me inspirou. Os mineiros do Clube da Esquina, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti... Também ouvi muita música clássica por conta das aulas de canto, principalmente Villa-Lobos. Comecei a cantar ópera, então fui estudar as estruturas musicais. A complexidade da música brasileira é muito encantadora. O europeu vem de uma formação musical simples, do ponto de vista harmônico. Você pode ter uma orquestra incrível, toda aquela roupagem linda, chiquérrima, mas a estrutura harmônica é outra coisa. A estrutura da música brasileira é foda.
Eu ouço influências que ficam nos registros mais elegantes e delicados de Tom Jobim e Milton Nascimento. Essa foi uma referência dos arranjos nas cordas e nos sopros? Totalmente. Quando eu cheguei com esse repertório para o produtor Moogie Canazio, eu falei para ele: minha referência é o Clube da Esquina. Aí ele trouxe os caras que tocaram no Clube para o meu disco! O Eduardo Souto Neto, que fez os arranjos de cordas e metais. Depois a gente finalizou o disco em Los Angeles, para ganhar um corpo, para a parte sônica ficar limpa e maravilhosa. Ainda trouxe Marcelo Costa, Jorge Elder, Claudio Nucci, que faz uma participação especial na faixa “Se”. Trouxe o Jaime Alem, que foi diretor musical da Maria Bethânia por 20 anos. O Jorjão Barreto, tecladista da Elis, também tocou. Conseguimos reunir muita gente que tinha passagem por essas produções que serviram de inspiração, esses discos incríveis da música brasileira. Queria beber na fonte, fiz questão de reunir um time desse naipe para executar o que eu planejei. Ainda conta com algumas participações estrangeiras, como Dan Fornero, trompetista da Shakira. O venezuelano que toca na faixa “Eu”, Ramon Flores, trouxe um sotaque mexicano para a música. Eu morei 15 anos fora do Brasil, 10 anos na Itália e 5 em Nova York. Você não sai de uma experiência dessas ilesa. Eu tenho um pé nesse aspecto estético dos europeus. A Itália é o centro do design, da beleza, então esse viés estético é sempre muito bem cuidado. Por aqui existem discos de música brasileira fantásticos, mas que são gravados em condições estranhas. Buscar essas referências fora também ajuda a aprimorar o trabalho.
EIRA COM A CONTEMPORANEIDADE DO NOSSO TEMPO
QUEM TEM VOZ A música brasileira tem uma riqueza muito grandes cantoras em personalidades e timbres: Nara Leão, Miúcha, Flora Purim, Maysa, Nana Caimmy, Astrud Gilberto, Elis Regina, Gal, Bethânia, Bebel Gilberto, Marisa Monte, Maria Rita, para citar apenas algumas. Onde você encontra identificação para produzir? Como compositora, os meus modelos foram muito masculinos. Não temos um leque de compositoras muito extenso no Brasil. A única que me inspirou bastante foi a Joyce, que balizou muito o meu trabalho. Tom Jobim, Chico, Milton... Eles construíram um legado enorme. Quando decidi colocar a minha pata, eu encontrei, aos poucos, o meu jeito de propor a música brasileira. Zanna não é um disco de bossa, é um disco de música brasileira com a contemporaneidade do nosso tempo. É uma música brasileira revista. Já no quesito voz, para mim tem uma estrela maior que é incontestável: Elis Regina. Ela tem uma expressão artística tão potente, tão de verdade, tão inteira, que é muito difícil chega aos pés dela. Dolores Duran também foi uma compositora interessante, mas eu fui conhecer e pesquisar mais tarde. Quando eu era pequena, a Jane Duboc fazia muito sentido pra mim, com aquela voz angelical. A Marina [Lima], nos anos 1980 e 1990, com a produção do Antônio Cícero, que trazia um tom mais pop em Fullgás e Virgem, também me inspirou bastante. Uma dupla maravilhosa e pouco conhecida, Sueli Costa e Abel Silva, fez canções icônicas da música brasileira. “Só uma coisa me entristece/ O beijo de amor que eu não roubei/A jura secreta que eu não fiz/ A briga de amor que eu não causei” [cantando] Lembra dessa? Isso é lindo! Tem letras deles que são incríveis, que é para não deixar pedra sobre pedra. Foi uma contribuição abundante para a música brasileira.
O álbum Zanna está disponível nas plataformas de streaming e a cantora tem conciliado a agenda de empresária com os shows em casas de espetáculos.
Processo de composição parte da voz, do violão ou do piano? Existe um processo determinado? A música pra mim tem várias vias. Muitas vezes um acorde fica me rondando, até que surge uma música, vem uma letra... Eu tenho mais de 300 músicas compostas. Também tive um momento no teclado, mas o meu instrumento é o violão. Em geral começo pelos acordes, depois coloco a melodia, por fim vem a letra. Você tem um ritual de criação? Como as suas composições nascem? Eu bem gostaria de ter um ritual, mas não tenho. Se eu me disponibilizar, acaba saindo. Não adianta, é preciso se isolar um pouco para compor. É preciso se despir dos compromissos e das preocupações para criar. Ninguém consegue compor preocupado. É um momento em que você está completamente disponível para receber essa criação. Tem momentos em que eu penso ‘preciso começar a compor’, aí já parto para algumas ações... Começo a me provocar, ouço músicas muito diferentes umas das outras e, então, começo, finalmente, a compor. Eu fico bem quietinha, comigo mesma, é um processo bastante solitário. Compor uma música é o que me deixa mais feliz. Se você tem qualquer problema, compor uma música acaba com ele. A cada música, você tem dias de alegria, fica curtindo, fica apaixonadinha pela música... Aí pego o violão, toco mais uma vez, vou ajustando, mudo uma coisinha aqui, outra ali. Vou curtindo essa criação, esse processo envolvido. É uma delícia! Conta um pouco sobre o disco... Com tantas composições, por que só agora você decidiu gravar um álbum? Muitos compositores fazem um trabalho, aí resolvem gravar. Às vezes, você fica com tantas ideias paradas na gaveta, que você fica nervosa. Eu tenho uma agência de sound branding, então decidi que quando fosse colocar a pata na mú-
sica, queria fazer exatamente do meu jeito. Há uns dois, três anos, me senti preparada e resolvi que chegou a hora. Estou com a infraestrutura de que preciso para realizar o meu disco exatamente como gostaria que ele fosse concebido. O Moogie ficou encantado com a ideia de ser uma mulher compositora, já que temos pouquíssimas na música brasileira. Ele se empolgou também por eu ainda conseguir executar na voz e no violão, de uma maneira que entrega bem a canção. Sempre soube que ia demorar a fazer. Cheguei a gravar algumas coisas na Itália, com o Bossa Nostra, mas sabia que o meu trabalho solo ia demorar. Queria estar madura do ponto de vista humano, para eu poder me jogar, entregar para o mundo o que eu sonhava. E você acredita que entregou exatamente o que desejava? Com certeza! Do ponto de vista artístico e por finalmente colocar as minhas composições aí, para todo mundo ouvir. Chegamos em uma sintonia muito boa. Interagir com a banda, rola um olho no olho sincero, com uma vibe muito contagiante no palco. Era exatamente isso o que eu queria. Não queria lançar um disco, cair na arrogância do sucesso que sobe à cabeça e me desvincular da minha essência, de quem eu realmente sou. Então, fiz muita terapia, fui fazer a minha grana, fiz as merdas todas que eu precisava fazer, para chegar numa fase mais madura e finalmente a minha música nascer.
QUEM TEM VOZ Por Fernando de Freitas
O Ã S R E V SUB O R T N E D DE A R O F A PAR rd Fowler a n r e B , t u O Em Inside os Rolling Stones homenageia traição l em uma lea
I
magine se você entrasse em um estúdio e encontrasse Steve Jordan, baterista e braço direito de Keith Richards; Darryl Jones, que saiu da banda de Miles Davis para substituir Bill Wyman nos Stones; o lendário Ray Parker Jr., que tocou com todo mundo, de Stevie Wonder a Herbie Hancock, passando por Aretha e Tina Turner e, ainda, compôs a música-tema dos Caça-Fantasmas. Quem você imaginaria à frente desta banda? O nome dele é Bernard Fowler, o backing-vocal dos Rolling Stones que, hoje, divide com Corey Glover (Living Colour) a posição de frontman da A Bowie Celebration. O resultado dessa reunião de talentos é o disco Inside Out, em que Bernard Fowler decidiu apresentar suas próprias versões de músicas dos Rolling Stones. E não poderia ser mais surpreendente, depois de 30 anos cantando um passo atrás de Mick Jagger, ele decidiu fazer sua homenagem com uma grande dose de subversão. Nada mais justo quando se trata dos Stones. Enquanto em seu disco anterior, The Bura, o trabalho era prioritariamente autoral, mostrando mais das composições como as que ele já havia compartilhado nos álbuns de Ronnie Wood, Inside Out é dedicado inteiramente aos Rolling Stones. A primeira novidade da proposta está em como ele usa a própria voz, entre o declamar e o Rap. Assim, ele pega a música que Mick e Keith emprestaram do delta do Mississipi e de Chicago e joga nas esquinas e linhas de metrô de Nova York. Rouba sem roubar, devolve sem devolver. Ninguém personificou tão bem o espírito dos Rolling Stones sem ser um deles, é uma dualidade presente em cada faixa e verso do álbum.
STREET FIGHTING MAN
O amor à palavra, e nesse caso às palavras de Mick Jagger que ele tem cantado nos últimos 30 anos, o afasta das melodias originais, mas seu declamar não deixa de ser um cantar. Ressoa, inevitável, os anos 70. Por vezes Isacc Hayes, por outras Patti Smith e Lou Reed. Claro que seu time irrefreável de instrumentistas entrega o som, o soul e o sangue que corre em suas veias a cada compasso, é como se todos eles estivessem juntos em catarse. Por meio de Mr. Fowler, são os fiéis traidores em festa. Esse revide musical é o resultado do que os próprios Stones fizeram durante toda sua carreira com a música negra norte-americana. Começaram tocando covers, acelerando os temas de Muddy Waters e outros talentos da Chess Records, para depois colocar em sua retaguarda os melhores entre os melhores músicos afro-americanos para dar o som que queriam. Eventualmente, trazendo-os para frente, como aconteceu com Merry Clayton em Gimme Shelter, contratando Lisa Fisher, já ganhadora de um Grammy, o próprio Fowler e, claro, Darryl Jones. Era de se esperar que alguém fizesse com eles o mesmo. O surpreendente é isso acontecer de dentro para fora, sob a liderança daqueles que servem de suporte para suas intermináveis turnês e exatamente por aquele que era o homem de confiança de Jagger. Mas, talvez, seja isso que Keith Richard viu e confidenciou logo de cara - “Eu não queria gostar de você.” -, logo após a primeira gravação com ele, na década de 80, como conta em sua autobiografia.
A BOWIE CELEBRATION Mike Garson, Earl Slick, Gerry Leonard, Carmine Rojas, Mark Plati e Charlie Sexton, músicos que acompanharam David Bowie, se reuniram para celebrar o legado deste e permanecem em turnê sob o nome A Bowie Celebration. Para isso, eles se juntaram com vocalistas de primeira linha como Bernard Fowler, Corey Glover, Joe Sumner e Gaby Moreno. Um dos pontos altos do show é a interpretação de Under Pressure.
UM POUCO DE MÁGICA
TOM VISCERAL
O
UKULELE PARA TODOS Jô Pires avisa que não é professora de música, nunca fez aula de ukulele, mas ensina tudo o que aprendeu na raça em seu canal de YouTube, que já conta com mais de 124 mil inscritos. Embora muita gente pense que esse é um instrumento havaiano, ele foi levado para a ilha norteamericana pelas mãos dos portugueses que chegaram ali para cultivar cana-deaçúcar. No idioma havaiano, ukulele quer dizer, dentre as interpretações possíveis, “pulga saltitante”, por causa do movimento das mãos de quem toca o instrumento. Em vídeos semanais, Jô dá dicas que ajudam até quem nunca se atreveu a tocar o instrumento. Segue lá: youtube.com/ jopiresoficial
Fotos: Divulgação
Projeto Chumbo, formado pelos irmãos curitibanos Paulo e Flávia Plombon, acaba de lançar a radio version da música Sofá, que já está disponível nas principais plataforma digitais. A música é uma regravação da canção original, com bases mais viscerais, focada na essência do duo e em toda sua sonoridade. A diferença fica por conta dos arranjos, os artistas apostam na versão como ela é executada ao vivo. No palco, eles levam mais de 15 instrumentos diferentes, com destaque para os ukuleles, flautas indígenas americanas, kazoo e kalimba. A original, gravada no estúdio Midas e produzida por Rick Bonadio e Fernando Prado, conta com mais de meio milhão de views no YouTube.
ARRANJADOR DE HITS Um naipe de metais abre a trilha sonora da série documental O mago do pop, que se debruça sobre a vida e obra de Lincoln Olivetti. O célebre arranjador é responsável por músicas que vão de Moraes Moreira a Xuxa, passando por Gal Costa, Rita Lee, Sandra de Sá, Gilberto Gil e tantos outros. Úrsula Corona, que dirige a série ao lado de Omar Marzagão, destaca a importância de Olivetti para a música. “De 10 sucessos na rádio, 10 eram dele”, exagera para dar uma ideia de quão numerosos foram os hits assinados por Olivetti. Palco, com Gilberto Gil; Joga fora, com Sandra de Sá; Leva, Festa do interior, com Moraes Moreira; e Daqui pro Meyer, com Ed Motta, são apenas algumas criações. O documentário, dividido em seis episódios, é exibido pelo canal fechado Music Box e tem reprises programadas até o final de julho.
LUTHIERS DO CARIRI Valorizar, preservar e difundir uma importante manifestação cultural do Cariri cearense: a dos luthiers regionais, artistas da construção artesanal de instrumentos musicais, com materiais como madeira, metal, PVC e cabaças. Márcio Mattos, professor do curso de música na Universidade Federal do Cariri (UFCA), foi o responsável pelo projeto que rendeu dez vídeosdocumentários. Um deles conta a história de Gil Chagas, que constrói rabecas e ainda inventa outros instrumentos bastante peculiares. Vale assistir.
JAZZ BRASILEIRO COM TOQUE CIGANO Produzido de forma independente, Menestrel foi o CD que levou a banda brasileira Gypsy Jazz Club a ser premiada no 17º Independent Music Awards, na categoria melhor álbum instrumental. O brasiliense Rogério Caetano, que também concorreu nesta categoria, levou o prêmio de “melhor álbum ao vivo”. Menestrel traz 10 músicas e seis delas têm a assinatura do bandolinista Victor Angeleas. A proposta da banda é a fusão entre elementos do jazz cigano e da música popular brasileira.
UM POUCO DE MÁGICA Por Ana Sniesko
! U O V U E , A V E L E SE M A D N A B , Ô L A A I G É R A I R VITÓ ZA NOS TECLADOS! Z A M O I D U A L C ! N A U J A G N A SOLTA A FR
Como os acompanhantes de Tim Maia, que seguem na estrada, continuaram a trajetória do mestre da soul music brasileira
T
im Maia deixou o mundo em 15 de março de 1998, mas o seu legado deixou uma marca na história da música brasileira que jamais será apagada. Ao seu lado em todos esses anos de criação, ensaios, shows e subversão, estava a Banda Vitória Régia. Com a morte de Tim, a big band tomou como missão o seu renascimento. “Ao mesmo tempo em que foi um impacto muito grande, por outro lado a gente precisava encontrar um caminho. Nós enxergávamos a potência que a Vitória Régia carregava, como um ícone que acompanhou a vida musical do Tim, que fez música em um tempo quando tudo era difícil. Ele criou a vida toda, sem sequer olhar para o lado”, relembra Claudio Mazza, o te-
cladista que chamou para si a responsabilidade de fazer o grupo sobreviver. Conversamos em uma quarta-feira, por telefone, falando sobre esse momento decisivo na trajetória musical dos integrantes da Vitória Régia. Em uma hora de papo, Mazza usou todas as metáforas possíveis para morte, sem nunca pronunciar essa palavra. É quase uma devoção, um respeito por aquele que elegeu cada um daqueles 13 músicos que transformaram a música brasileira. Enquanto as guitarras ditavam o tom que embalava os discos que chegavam por aqui, Sebastião Rodrigues Maia só pensava em transformar o soul em produto nacional. “Éramos treze pessoas que não escolheram tocar juntas. Quem escolheu
cada um, por vias muito diferentes, desde indicações até anúncio de jornal, foi o Tim. Tentamos entender e internalizar isso como um combustível para ter propulsão para seguir em frente”, conta. E assim começava um novo capítulo.
A DURA REALIDADE DO MERCADO
O grande desafio era fazer a conversa entre os condôminos funcionar, desta vez sem o intermédio do síndico. “Era transversal a todos um gosto e uma aptidão para a escola soul music. Porém, como a gente pretendia ter uma estrutura indissolúvel, definimos uma espécie de regulamento interno que não desse margem para babaquice, estrelismo, egoísmo”, lembra.
UM POUCO DE MÁGICA Com umas cabeçadas, desencontros, discussões e intermináveis reuniões, nascia a marca Vitória Régia. “A gente preferia ter um andar sustentado por um vergalhão parrudo do que dez andares com qualquer estrutura”, filosofa. “Começamos a sedimentar propostas de músicas. As pessoas iam propondo e íamos colocando o nosso DNA nas músicas”, e assim as composições vão nascendo e o trabalho autoral da banda vai crescendo. Para consolidar as criações da big band em um álbum, eles perceberam que era preciso uma bala na agulha que eles não tinham. “A gente tem um álbum inteiro gravado, mas paramos na mixagem. Esse trabalho ao vivo ficou gritando para ser lançado antes e aí decidimos colocar essas gravações na rua.” Para ouvir a Vitória Régia, o caminho é o canal da banda no YouTube. Com uma produção técnica muito mais em conta, eles aproveitaram os shows e apresentações para gravar o que eles chamam de videofonogramas. E está tudo ali, ao alcance de todos, a um clique. “Quando estamos nos ensaios, tem uma energia que é uma potência muito grande. Tem muita coisa para lançar ainda, modéstia à parte”, diz. Por conta de alguns detalhes burocráticos, eles ainda não estão nas plataformas de streaming. Já são quatro discos completos, embora apenas um tenha sido lançado no canal da banda. Os outros três devem sair em breve – a previsão ainda não é certa.
RUA VITÓRIA RÉGIA, Nº 165
Além de seguir com os timbres marcantes e os metais agudos, a Vitória Régia faz questão de ser a salvaguarda da história de Tim Maia e sua big band. Para tanto, o recém-lançado site terá uma espécie de árvore genealógica, com entrevistas e perfis de músicos e musicistas que passaram pela banda. São centenas, uma verdadeira legião de talentos. “Uns já se foram, outros seguiram a carreira em outros países. É impossível recuperar todo esse histó-
rico, mas estamos tentando, ao menos, organizar aquilo a que temos acesso. Já estamos organizando a entrevista com dois integrantes da primeiríssima formação da Vitória Régia”, explica. Os registros não são precisos, mas há quem diga que foi em 1974 que a banda Seroma – Amores ao contrário, além de ser um acrônimo de Sebastião Rodrigues Maia – se transformou em banda Vitória Régia. “Na época, um dos músicos apresentou ao Tim o vinil de um intérprete americano, que colocou no nome da banda o nome da rua onde era o estúdio em que ensaiavam”, relembra. O síndico curtiu a ideia e assim nasceu a Vitória Régia, em alusão ao endereço da casa do músico na época, onde aconteciam os ensaios, as criações, as conversas e todo o mundo louco e lindo de um dos mais icônicos compositores da música brasileira. Mazza começou a gravar com Tim em 1990 para, no ano seguinte, entrar definitivamente no clã. “No início, não foi nada fácil. Eu tive apoio real do Chumbinho, um baixista que ele adorava e não está mais entre nós. Por alguns, eu fui até um pouco hostilizado, então muitas vezes eu precisei ser bem grosso para me impor. Em alguns momentos, quase saí na porrada. Para tocar com Tim Maia, você precisava saber se valorizar, se impor”, conta. Entre as relíquias, o tecladista guarda uma série de vídeos, ainda em VHS, com registros aleatórios de momentos bastante peculiares. Coisa como Tim Maia fritando um ovo e falando sobre OVNIs ou teorias da conspiração. Seja pelo excesso de drogas ou por uma clarividência peculiar, Sebastião embarcou na onda da cultura Racional, espalhou a sua verdade, misturou música com religião, voltou atrás, mas o caldo que rendeu segue angariando fãs e impondo respeito até hoje. “Ele soltava o verbo mesmo, ligava o foda-se. No dia a dia com ele você tinha um aprendizado imenso, tanto profissional, quanto pessoalmente. Não dá para
negar que as drogas em que ele embarcou ampliam seu estado de percepção, alteram a sua consciência e você passa a ver as coisas por outro ângulo. Isso deu pra ele uma percepção da humanidade muito rica”, discorre. O tecladista faz questão de relembrar o seu humor peculiar. “Para dar risada, você tinha que estar, no mínimo, na mesma frequência que ele”. E faz uma pausa para lamentar: “Pô, faz falta, faz muita falta.”
NOVA ROUPAGEM, SEM PERDER A IDENTIDADE
Mesmo com todo respeito ao rei da soul music brasileira, os músicos da Vitória Régia se permitiram uma ou outra ousadia nas criações que integram o repertório da banda. “Inverter um acorde aqui, outro ali. Abrir uns vocais em alguns lugares em que talvez fossem uníssonos. Inserimos algumas frases, abrimos espaço para vocal em alguns metais. Mas fizemos questão de não descaracterizar os arranjos”, conta Mazza. “É muito sutil, mas achamos por bem dar uma enriquecida em alguns acordes. “Nós não consideramos uma alteração, só um toque, um acabamento diferente”, esclarece. Entre muitas características que carregam desse estilo herdado da vida com Tim Maia, a Vitória Régia mantém essa sede por descobertas. “Somos muito abertos a receber propostas de autores conhecidos e desconhecidos. O nosso repertório se consolida com composições de integrantes ou não. Logo vamos lançar uma chamada para instrumentistas, músicos, dar voz para essa nova geração de músicos”, adianta. Enquanto banda, não existe um método ou um processo mapeado para que uma nova música entre no repertório. “Se a gente ouvir e entrar na alma, perceber que tem esse tempero, esse DNA do Tim, já está na lista. A gente vai montando conforme a gente conversa, ouve, é quase instintivo”, conta.
Para manter a sua essência, a banda comprou a ideia da formação original proposta por Tim. “Sempre com três vocais e três metais. Por que não dois? Porque é muito simples. Dois sons não fazem um acorde, eles propõem um intervalo – pode ser de terça, de quinta, de nona, enfim. Com três, sim, você faz um acorde. Para o Tim, dois integrantes nos vocais e dois nos metais, não preenchiam esse pré-requisito mínimo”, esclarece. Na voz, três vocais femininos estão sempre na formação, embora a ideia central seja de que todos soltem a voz na catarse sonora. “Se chegava um baterista mais técnico, mirrado, o Tim pegava a baqueta, sentava a porrada na bateria e falava pro cara: toma aqui cinquentinha para a sua passagem, um baseado para você queimar de noite com a sua esposa e tchau”, relembra. “Dava pena, mas era o jeito dele.” A estrutura da big band é linda na teoria e no jeito Tim Maia de fazer música, mas os dias de hoje pedem um pé na realidade e outro na praticidade. “Muitas vezes essa estrutura é inviável para shows no Norte, Nordeste... É um staff grande, 12 ou 14 tocando, mais uma equipe técnica com cinco pesso-
Tim Maia comandando a Vitória Régia (acima esq.) e Claudio Mazza à frente da banda (acima dir.). Momentos diferentes mas o mesmo DNA. João Bosco Nóbrega, um dos membros mais antigos da banda (acima) e Roberto Malagutti (esq.)
as. Não tem como fazer se não for uma pequena turnê, com três ou quatro shows”, conta. É impossível dissociar a banda do seu criador, e o criador da criatura. Se lançar um álbum hoje em dia não é tarefa simples, Claudio Mazza e companhia trabalham duro para manter viva a memória dos bons tempos da soul music e o espírito das big bands. “Se pudermos ser influência para qualquer meia dúzia, já é um orgulho enorme para nós”.
DENTRO E FORA DO ESTÚDIO
MEIA HORA DE MATANZA INC.
Q
uando o vocalista Jimmy London deixou a banda, alguns duvidaram que o Matanza seguiria na estrada. Até que os outros membros, ao lado do compositor do grupo, Donida (guitarra), e do vocalista Vital Cavalcante, anunciaram uma nova alcunha: Matanza Inc. Os trabalhos na composição de um novo disco começaram rapidamente e, sem aviso prévio, os caras soltaram o seu novo álbum no Spotify, chamado Crônicas do Post Morten: Um Guia para Demônios e Espíritos Obsessores. O novo vocalista lembra Jimmy em alguns momentos, e a banda segue com o mesmo tom. O disco é breve – 36 minutos – uma produção fast para dizer “estamos vivos!”.
Você conhece a KondZilla? É uma produtora de vídeos que se estabeleceu no mercado do audiovisual com a produção de videoclipes de funk. A última dos caras é o lançamento do Canal Portal Kondzilla, que pretende trazer conteúdos para o jovem da favela. “Esse é o público que nos trouxe até aqui, eles querem consumir mais conteúdos em que se sintam parte e a nossa missão é potencializar suas vozes através do Portal”, diz Konrad Dantas, o Kond, da KondZilla. A traquinagem é que eles prometeram lançar o conteúdo apenas quando o canal chegar ao primeiro milhão de inscritos. Até o momento do fechamento desta edição, estavam com pouco mais de 894 mil ansiosos registrados.
Fotos: Divulgação
FUNKEIROS, UNI-VOS!
SOM DE GARAGEM COM CHUCK HIPOLITHO Em algum lugar da Vila Madalena está o estúdio Costella, iniciativa do músico e produtor Chuck Hipolitho, integrante do Vespas Mandarinas. Vale para músicos mais ou menos experientes, desde que você esteja disposto a seguir as regras. “Aprendi que o mais importante é o que se grava e não o gravador. Em termos de técnicas, posso trabalhar de forma tradicional, mas gosto mesmo é de trabalhar de maneira suja e irresponsável”, adianta Chuck. A partir de R$ 120/hora, com contratação mínima de 5h. Vai lá: estudiocostella.com
ESTÚDIO GRÁTIS: QUEM NÃO QUER? Que tal uma diária grátis para sua banda, acompanhada por um produtor e engenheiro de som, em um estúdio de gravação profissional? É o que promete o Experiência Family Mob, um projeto do Family Mob Studios, criado pelos produtores Jean Dolabella e Estevam Romera. Para participar basta inscrever sua banda – compartilhe um material autoral (demo, vídeo de show ao vivo etc.) e explique sua proposta como artista/banda. Não há restrição quanto à maturidade, quantidade de integrantes ou gênero musical. Saiba mais em: familymob.com.br/expfm
PRO TOOLS LANÇA NOVA VERSÃO Se você se aventura na produção, o Pro Tools® 2019 já está entre nós. A última versão da estação de trabalho de áudio digital aumenta a potência e o desempenho de todos os níveis de usuários – seja você um produtor profissional ou um aspirante que curte se divertir na mesa de som. A nova versão do software promete uma operação com maior fluidez. A nova versão permite interagir e atualizar faixas e seções da timeline durante o playback, assim podem ser experimentados, de forma mais agilizada, presets, efeitos, pontos de loop etc. Tudo sem ter que parar a reprodução. Se você quer começar a se aventurar em edição profissional de áudio sem gastar nada com isso, a Avid também lançou o Pro Tools | First, uma versão gratuita do seu editor de áudio para Mac e Windows. Conta com algumas limitações técnicas, claro, mas é bom ponto de partida.
DISCO DO MÊS Por Fernando de Freitas
A R LA C N A R F AU
L A U T A O V O N M U M E Z A F E U Q E G A T N I V S A I C N Ê R E AS REF Eu você um nó entrelaça referências
e simplifica o complicado, confundindo para explicar
É
o terceiro disco, e o mais cru. Nua na capa e crua no som. Se os anteriores eram tese e antítese, este é a síntese. A conclusão e o sumo. Lara Aufranc lança Eu Você um Nó com a produção irretocável de Romulo Fróes, com a banda mais enxuta, mas afiada e direta. Os primeiros dez segundos são um protesto. O ruído distorcido de um amplificador que, se considerados a sonoridade e temas da obra, é mais que um fetiche vintage, mas uma declaração que se contrapõe ao excesso de produção, correções digitais e plug-ins das gravações que saem dos mais diversos estúdios. Já é possível encontrar uma unidade na carreira de Lara, a artista se relaciona com aquilo que é real. As relações reais, a existência física das pessoas, da cidade, o amor real e até a sinceridade das relações fugazes. A sonoridade remonta ou olho no
olho, os músicos em sintonia perfeita, seres humanos que buscam a melhor performance, em que cada nota é uma meta a ser atingida, seguindo compasso a compasso de entremeios e surpresas.
A GENTE CANTA
Sua voz foge dos timbres usuais da música brasileira. As incursões aos agudos são apenas eventuais, quando necessárias para o funcionamento da melodia. Seu registro vocal está nos médios, arredondados e suaves como veludo, que, não fosse o volume natural da voz de Lara, seriam sussurros confidentes. Como tudo na cantora, ela absorve as experiências de suas antecessoras e inspirações. Assim, canta como uma crooner que precisa do timbre noite após noite, madrugada adentro, e, com essa elegância, garante a continuidade de seu espectro, sem a necessidade de caminhar semitons abaixo ao longo das décadas que virão.
A sonoridade do disco também é marcada pelo power trio que a acompanha - aliás, estes são os elementos que dão molho às composições de Lara. Allen Alencar é um guitarrista de frases bem articuladas e comentários bem colocados. Daniel Doctors é um pilar de sustentação, sempre levando, no baixo e no sintetizador, a base sólida aos passos que a cantora deve dar à melodia. Victor Blum completa o trio com suas batidas e suingue, na cozinha ele dá o tempero ao molho de Daniel. E, se ouvirmos com cuidado, aparecem no disco elementos acidentais, que nos lembram os discos antigos. Lara disse à Revista 440Hz que Na hora da mixagem, nós tomamos a decisão de não suprimir alguns errinhos. Uma frase instrumental com uma nota fora ou uma pratada a mais. São coisas mínimas que poderiam ter sido retocadas mas que funcionaram nos arranjos.
DISCO DO MÊS Trouxeram elementos que a gente não imaginava. Essas escolhas são um reflexo da parceria com Romulo Fróes, músico experiente que soube transpor à produção as referências sonoras que a própria cantora vem exprimindo ao longo de sua carreira.
DISCOGRAFIA
NADA É O QUE É
Lara e seus álbuns são inclassificáveis apenas para aqueles que tem a necessidade organizar a arte em caixas e prateleiras - que me perdoe quem gosta valorizá-la com este argumento. Talvez seja difícil explicar a síntese do excesso, mas isso é necessário para o contexto a que pertence a cantora. Quando dizemos que ela exprime temas urbanos ou contemporâneos, nos referimos ao fato de que o processo de maturação intelectual dessa pessoa que compõe e grava música se deu simultaneamente com a eclosão da era da informação. Nenhuma geração anterior teve acesso tão indiscriminado à informação, em especial à música. Ao mesmo tempo, e no caso específico de Lara, alguém interessada em arte no sentido abrangente, que pode conversar com as artes plásticas, com a dança, o cinema, a moda navegando por tantas outras, com as quais se relacionou por toda vida. A eventual dificuldade para entender Lara Aufranc está exatamente na necessidade de fazer com ela o que ela não deseja, classificá-la. Procurar em sua música os sons ciganos de Django Reinhardt podem funcionar com o mesmo sucesso que procurar a acidez de John Lennon e a altivez de Nina Simone. Talvez a defina mais a leitura de Por quem os sinos dobram, de Hemingway a visão de uma pintura medieval que a tocou, a vista do pôr-do-sol em São Francisco que a compreensão de Ottis Redding. A música e a composição, em especial deste álbum, estão na esfera das sensibilidades.
Eu Você um nó (2019)
Passagem (2017)
Em Boa Hora (2015)
Take Me With You {single} (2015)
As preocupações da cantora não estão em emular uma estética alheia ou fazer parte de um movimento, mas em exprimir suas inquietações físicas, afetivas e intelectuais, por vezes manifestas entrelaçadas de forma tão indeterminada quanto os sujeitos do título Eu você um Nó. É assim que temas como o amor, o sexo e a política percorrem o álbum indistintamente, pois são preocupações cotidianas da vida, mas também existenciais em essência. Ao abordar o que é primitivo e urgente em sua profundidade, Lara se despe dos excessos e dos penduricalhos contemporâneos, enxugando a segunda metade do século XX e essas duas décadas do novo milênio. Se engana quem pensa que ela encara o mundo de uma perspectiva mais simples, na realidade, seca e crua, é sumo medular o cerne das questões de cada um dos temas que explora.
GRITOS NA AVENIDA
É provável que seja por isso que o rock de Lara Aufranc soe tão deslocado, pois ele pertence a uma releitura do modernismo, que se perdeu na contemporaneidade e na tão surrada pós-modernidade. Seu rock invade, inclusive, o terreno de um jazz que não existe mais, da raiz do blues, do qual a bossa-nova já se despedia, mas sem qualquer sinal de nostalgia. Aliás, quando revisita qualquer referência, Lara relê e avança, para se libertar das amarras dos estilos. Assim, cada declaração vintage tem por objetivo derrubar o status quo e propor algo novo, explorar a partir da própria experiência e conhecimento aquilo que está por vir, aproveitando o que existe de mais autêntico, nem que para isso seja necessário despir as roupas, os excessos, os conselhos e expectativas. É a contramão da avenida Brasil, mas também é o caminho que tão poucos estão fazendo.
Na hora da mixagem, nĂłs o tomamos a decisĂŁ de nĂŁo suprimir alguns errinhos. Uma frase instrumental com uma nota fora ou uma pratada a mais
DENTRO E FORA DO ESTÚDIO
O Ã Ç A D E R A N S O M A T U C S E E QU ANIMA - A MELANCOLIA ATMOSFÉRICA DE THOM YORKE
E
m seu novo álbum Anima, o eterno frontman do Radiohead, Thom Yorke, nos apresenta um pouco do clima melancólico de seu mundo. A produção é focada, em sua quase totalidade, em sintetizadores analógicos e inconsistentes, atmosferas densas e batidas eletrônicas delicadas, à sua maneira. Não poderia deixar de estar presente a clássica musicalidade complexa do compositor e seu forte gosto por escalas e acordes invulgares, além dos seus vocais fortemente emocionais e, muitas vezes, propositalmente ininteligíveis. Apesar de extremamente pessoal, o álbum nos traz ares de familiaridade, com produções clássicas do Radiohead, como o aclamado In Rainbows (2007), e o mais recente A Moon Shaped Pool (2016), que parece ter sido de grande importância para a maturação do compositor. Anima foi desenvolvido a partir de improvisações de Thom Yorke com o já íntimo produtor Nigel Godrich: a impressão que fica é que o artista sente se livre para explorar o seu lado mais cru e sem disfarces. Se ao dar play no álbum você, como eu, pensou que o trabalho daria uma boa trilha-sonora para um filme altamente artístico e alternativo, você está certo(a): três das faixas presentes em Anima fazem parte do curta-metragem da Netflix, de mesmo nome, estrelado por Thom e sua namorada e dirigido por Paul Thomas Anderson, antigo conhecido do músico. Não há diálogos, apenas música e dança e casa perfeitamente com a atmosfera da produção sonora. (IS)
LONG TIME NO SEE –PIN-UPS
U
ma boa notícia no cenário independente. Os Pin-Ups estão de volta com um álbum de título sugestivo: Long time no see. (Contextualizando os mais jovens: quem gostava e entendia de rock alternativo em 1993 não conseguia entender como os Pin-Ups não foram convidados a abrir o show do Nirvana em sua turnê no Brasil. Essa era a opinião, pelo menos, de Dave Grohl.) Com o passar dos anos algumas coisas mudaram e este é um álbum gravado com o cuidado que a pressão, os prazos e (claro) os equipamentos não permitiam no passado: “A maturidade traz calma. É o melhor disco que já fizemos “, afirma Alê Briganti, vocal e baixista da banda. “Fizemos tudo exatamente como queríamos”, conta Zé. Tudo isso transparece em faixas que se relacionam com as diversas fases pelas quais a banda passou. Mas se engana quem acha que encontrará um registro saudosista ou uma homenagem empoeirada. Em Long time no see, a banda revisita a si mesma para se reler e seguir em frente. Os Pin-Ups voltaram para mostrar como se faz rock alternativo (indie ou como quer que você queira chamar) para a molecada que está na onda do revival dos anos 1990. Os destaques do álbum ficam para Separete ways, Spining e Mexican Tale. (FF)
ELECTRA - ELETRICIDADE DE CORPO E ALMA DE ALICE CAYMMI
D
epois do agitado álbum Alice (2018), Alice Caymmi volta ao básico e traz aos seus fãs a sua versão mais pura com ELECTRA. O nome, estilizado em caixa alta, pode até trazer a expectativa de algo elétrico no sentido sonoro da palavra, porém o que se encontra é diferente: voz e piano suaves e cheios de corpo, quase sem nenhum efeito a não ser a ambiência intimista e de pequenas dimensões. Aqui, a eletricidade é de corpo e alma. É interessante notar que a produção e a execução do disco transmitem, ao mesmo tempo, uma sensação de calma e agitação internas. Emoções que podem ser atribuídas à vasta dinâmica do vocal de Alice, emotivo e cheio de altos e baixos, e a mixagem que complementa muito bem a musicalidade da artista. A impressão é a de estarmos na mesma sala em que a cantora: aquele arrepio que sentimos quando alguém se senta no piano e solta a voz. Ao longo das 10 faixas do álbum, Alice não tem medo de expor seus sentimentos, medos e preocupações de forma humana através de suas letras pessoais e profundas. ELECTRA dá significado a palavra música da forma mais pura possível. (IS)
WESTERN STARS - O COUNTRY DESPOJADO DE BRUCE SPRINGSTEEN
O
eterno The Boss está de volta com o álbum Western Stars. Como o próprio nome deixa claro, a produção é focada em temas da cultura do oeste americano e traz em sua sonoridade elementos do country, blues e folk na sua forma mais autêntica. Uma viagem da Califórnia a Nashville. Para construir esta atmosfera, Bruce Springsteen usa dos componentes clássicos destes tipos de música, sem complicações ou exageros, porém trabalhados para soarem apelativos e colossais. A exemplo do naipe de cordas, que toma a frente em várias das 13 faixas do disco; Western Stars é uma verdadeira montanha russa de emoções. Já nas primeiras músicas se pode notar um padrão de dinâmica que funciona muito bem: introdução simples e despojada, que caminha lentamente a um ápice de instrumentação forte e atmosférica, mas inteligível. É interessante como o artista sabe usar desta técnica mesmo nas composições mais suaves do álbum, como Somewhere North of Nashville. Western Stars tem, em sua sonoridade e mixagem, ares de modernidade, mas também a essência e as raízes de Springsteen. Além de conter nas entrelinhas uma homenagem a ícones da cultura musical dos EUA como Woody Guthrie e Johnny Cash. (IS)
SHOCKWAVE E THE RIVER – LIAM GALLAGHER
F
oi através de Shockwave que Liam Gallagher anunciou que o segundo disco na carreira solo logo seria lançado. A sonoridade da faixa se aproxima da atmosfera consolidada pela obra do Oasis e resgata o espírito das clássicas “músicas de arena” da antiga banda. Tanto em Shockwave quanto em The River [segunda single lançada] Liam abraça a “britanidade” e expõe um sentimento de liberdade, aparentemente direcionado a Noel. É possível perceber como a disputa entre os dois irmãos parece ter servido de combustível para a criação de Why My? Why Not, disco que será lançado no dia 20 de setembro. Se Noel procura se distanciar do Oasis através de novas experimentações [o último disco, Who Build the Moon? tem fortes levadas de psicodelia], Liam mergulha novamente de cabeça nas guitarras e fortes refrãos que o sagraram como um dos maiores sucesso do Britpop a partir das parcerias com Andrew Wyatt e Greg Kurstin, mesmos produtores de As You Were (2017). (MM)
SOBRE O PALCO ROCK IN RIO
EM NÚMEROS IMPRESSIONANTES Você já está cansado de saber o line-up do festival, que começa no dia 27 de setembro. Mas o que provavelmente você não sabe é essa lista de números. Saca só:
• A área do Parque Olímpico do Rio
de Janeiro (RJ), local do evento, terá 385 mil m², ou seja, 60 mil m² a mais do que a edição de 2017.
• A edição de 2019 terá quase mil
banheiros, que diferente do que geralmente se vê em eventos desse porte, não serão químicos, mas sim tradicionais.
• Também na edição de 2019, haverá um espaço de meio
quilômetro, equivalente ao comprimento de quase cinco campos de futebol, para comprar comida, bebida e produtos especiais do evento.
• Serão 6 palcos no Rock in Rio 2019: Mundo, Sunset, New
Dance Order, Rock Street Asia, Rock District e Espaço Favela.
• Em toda a história do Rock in Rio, já foram escalados mais de 2 mil artistas e gerados mais de 212 mil empregos. 9,5 milhões de pessoas já estiveram na plateia, maior que a população dos Emirados Árabes Unidos.
• A potência sonora do Rock in Rio 2017, na cidade carioca, foi de 1 milhão de watts, o que o tornou o maior sistema sonoro já montado em todo o mundo.
• 700 mil pessoas assistiram aos shows do evento de 2017,
no Rio de Janeiro. Se o número de pessoas presentes no evento de 2019 for proporcional à área do evento, estima-se que haverá quase 830 mil pessoas.
SAÚDE MENTAL É PAPO SÉRIO Um estudo recente, conduzido pela plataforma sueca Record Union, constatou que 73% dos músicos sofrem com alguma doença mental, especialmente aqueles com idades entre 18 e 25 anos. A pesquisa contou com a participação de 1.500 pessoas, que citaram depressão, ansiedade e síndrome do pânico como os distúrbios mais recorrentes. “Nosso estudo está nos mostrando que algo precisa mudar. É hora de que colocar o estado mental de nossos artistas na agenda, antes dos streams e do sucesso comercial”, declarou Johan Svanberg, CEO da Record Union, ao site CoS. Se você vive na pele algum desses problemas, o CVV (Centro de Valorização da Vida) oferece apoio emocional gratuito e sigiloso através do telefone 188, além de chat e e-mail.
• O maior público em números absolutos foi justamente do
• Sabe o famoso festival de Woodstock, que aconteceu em
1969? Pois bem, o público da edição de 1985 do Rock in Rio, que vimos anteriormente, foi mais de 3 vezes maior.
Fotos: Divulgação
primeiro Rock in Rio, em 1985, que aconteceu em uma área de 250.000 m² em Jacarepaguá: 1,38 milhão de pessoas presenciaram o evento.
LUEDJI LUNA
EM TURNÊ INTERNACIONAL
A
cantora baiana Luedji Luna levou, pela primeira vez, seu álbum Um Corpo no Mundo
para outras partes do mundo. O tour começou pelo Canadá, onde ela se apresentou no Montréal Jazz Festival, que chegou à sua 40ª edição em 2019 e recebeu nomes como Melody Gardot, Norah Jones, Bebel Gilberto e Mr Eazy. Depois, a brasileira atravessou o oceano, para cantar em Amsterdã e Berlin, onde encontra com Milton Nascimento. A temporada europeia termina em Portugal. O show conta com a produção do sueco Sebastian Notini; a guitarra do queniano Kato Change; o violão do paulistano descendente de congolês François Muleka; a percussão do baiano Rudson Daniel; e o cubano Aniel Someillan fica com o baixo.
CURSO GRÁTIS NA CASA DO ROADIE Quer trabalhar com música, mas não sabe por onde começar? Atuar como roadie, os caras que fazem a magia do backstage acontecer, pode ser uma solução. A Casa do Rodie oferece um curso online gratuito, com 10 módulos, que apresenta os conceitos básicos para ingressar na área. As aulas dão uma dimensão de produção técnica até noções de áudio e equipamentos.
Se inscreve: casadoroadie.com.br
SOBRE O PALCO
Por Anneliese Kappey
A N S E S E D N A L O H S VENTO
A V O N A G I ANT A D R E T S M A A escolha do novo Diretor Artístico da Filarmônica de Nova York mostra que o show não pode parar, de arrecadar
A
cidade tem sua rádio de música clássica. E é uma rádio pública, o que significa, basicamente, nos Estados Unidos, que os ouvintes pagam para continuar ouvindo. Como resultado das ações do Presidente Ronald Reagan nos anos oitenta, a grande maioria dos empreendimentos de arte tem que encontrar seus próprios recursos para sobreviver. Seja oriunda do governo federal, estadual ou municipal, a verba de fundos públicos nunca é suficiente, mesmo em se tratando da cidade de Nova York. Então, o ônus da existência do que for preferido por você, cidadão, lhe cabe. Portanto, compre ingressos, faça doações mensais, participe de festas para levantar fundos. É o ponto mais alto do capitalismo que, de tanto dar errado, tornou-se exatamente aquilo que nos disseram que o socialismo seria. Mas, ao invés de termos o Estado à frente das decisões artísticas tomadas pelas companhias de
dança e sinfonias que amamos, temos os irmãos Koch, por exemplo. A casa da filarmônica de Nova York era o Avery Fisher Hall. Hoje, é chamada David Geffen Hall . E como fomos do ponto A ao ponto B? Cinco milhões de dólares para a renovação da casa de concertos. Aqui estamos, queiramos ou não. Assim, quando WQXR, a rádio de música clássica da cidade, anunciou que Alan Gilbert não seria mais o Diretor Musical da New York Philharmonic, eu parei o que estava fazendo e senti a informação. Num primeiro momento, a resposta foi emocional: a cidade gostava de Alan Gilbert, simples assim. A gente curtia o cara! Ele nasceu aqui, os pais tiveram uma longa história com a filarmônica. Gilbert estudou em Harvard e depois aprendeu a conduzir na Julliard School. Sendo estes, desde sempre, nomes que conhecemos e aprendemos a respeitar e a adorar. O pertencimento foi imediato. Alan Gilbert iniciou sua jornada pes-
soal com a filarmônica na temporada 2009/2010. Foi a primeira pessoa nascida na cidade de Nova York a assumir o posto e o fez aos quarenta e dois anos de idade, o que é impressionante por si só. Ser o humano que dirige e evoca mudanças em uma organização conhecida e reconhecida, literalmente, em todas as partes do planeta é um trabalho místico. É mitológico, quase parece que não existe. Foi este pensamento que me levou, naquela manhã em que ouvi a respeito de sua partida, a perguntar o seguinte: quem neste mundo irá substitui-lo? Entenda: não que ele ou outro ser seja insubstituível. Mas, pela simples razão de que quem quer que venha a sucedê-lo, sua influência será experienciada pelos próximos anos. Levou meses para uma resposta emergir - claro, dá para entender. E então veio. O ser que ocuparia a vaga seria um homem branco de meia-idade. Mas holandês, não daqui. Os nomes que gosta-
Fotos: Shutterstock e reprodução (www.alangilbert.com)
mos de ouvir estão presentes também no seu currículo. Este homem estudou na Julliard School, e conduziu com o compositor e regente Leonard Bernstein. Nosso amor por Bernstein é sem limite ou fim, então qualquer um que esteja ligado a ele, de alguma forma, recebe nosso amor e respeito também. Bernstein era um dos nossos judeus preferidos do Brooklyn. Embora tivesse nascido em Massachusetts, nova-iorquinos fizeram o que nova-iorquinos fazem bem: o adotamos. Chegou até aqui e fez algo que gostamos? Ótimo. Ninguém está mais interessado em onde você nasceu, você agora é parte da cidade. Ao compor West Side Story nos anos sessenta, Leonard Bernstein não só afirmou e cimentou essa relação sua (adotada) cidade de origem, mas também contribuiu para que múltiplas pontes entre música clássica e popular fossem construídas. Leonard Bernstein era a quintessência da americanidade. Ele via o que via e colocava um pouco de jazz por cima. Ou música tradicional judia. Ou teatro musical. Quando o muro de Berlin caiu e ele foi convidado para conduzir a Nona Sinfonia de Beethoven na festa
de comemoração da unificação alemã, trocou a palavra freude (alegria) por freiheit (liberdade) no quarto movimento. Claro que o fez. A ilusão de ossificação e atrofia de materiais e a ideia velha de que, desta forma, manteremos estas composições sagradas e vivas uma contradição em si - não fazia parte da contribuição artística que Bernstein vulgarmente oferecia. Ele mudou o que queria, fez o que quis quando quis e, na maior parte das vezes, deu super certo. A ponte entre Alan Gilbert e Jaap van Zweden (o tal holandês) é Leonard Bernstein. É a atual lente que temos disponível para entender a musicalidade por vir, o que iremos ouvir e como. Gilbert era jovem e nova-iorquino. Zweden é mais velho e europeu. Gilbert agia como se estivesse tocando violino com seus colegas. Zweden também é violinista, mas traz em seu comportamento a distância necessária para que ele perpetue a imagem do condutor-mestre, do dono da festa. Gilbert fez o que pôde em múltiplos eventos na comunidade para atingir públicos mais jovens e pessoas de todos perfis. Zweden passou as últimas décadas trabalhando para praticamente todas as organizações musi-
cais que até mesmo os meros mortais (re)conhecem. Gilbert apreciava os detalhes e a sutileza de cada obra que conduzia. Zweden quer o certo, procura o que o compositor quis mesmo dizer. E agora, então? O que acontecerá com a música tocada na casa de David Geffen, a música que mantemos viva no rádio mandando um pouco de dinheiro por mês aqui na nação mais rica da história do mundo? Veremos, claro. Todas as respostas no momento são mera especulação. Alan Gilbert era acessível. Possivelmente teria trazido uma audiência mais jovem até o Lincoln Center, se tivesse tido mais tempo. Nunca saberemos. Jaap van Zweden é uma escolha sólida. Ele agrada no papel, ele agrada no pódio. Talvez a escolha tenha sido feita baseada no simples fato de que a atual audiência é velha, e quer o que quer - e paga pelo direito de querer. O carisma de Gilbert talvez tenha falhado na hora de captar os recursos necessários para a sobrevivência da filarmônica. Trazer um europeu que trabalhou com Bernstein e tem em seu estilo de conduzir a influência do falecido mestre indiscriminadamente amado por todos é o que a geração baby boomer consegue entender - um pouquinho de novidade ao redor do coração da situação. Um pouquinho diferente, e muito familiar. Claro que, talvez, esta leitura seja completamente errônea, e nós, a audiência jovem da filarmônica, fiquemos impressionados com o nível de novidade e experimentação que o holandês nascido em Amsterdã trará à cidade que um dia chamaram de Nova Amsterdã. Desculpe se no momento pareço pouco acreditar nesta possibilidade. O caso é que pensar que estas decisões são tomadas em função do mérito artístico apenas é pressupor que temos mais liberdade do que, de fato, temos. Veja: a cidade tem sua rádio de música clássica. A rádio é pública, o que significa, basicamente, nos Estados Unidos, que os ouvintes pagam para continuar ouvindo (...).
SOBRE O PALCO
O T C E EL EF E
Por Matheus Medeiros
Por Matheus Medeiros
U Q O G O F O A T N A C A I R Ó T S I H A A S S A P PER A N I T A L A C I R É M A A D
A partir da mistura de estilos, banda carioca apresenta suas críticas a fenômenos estruturais em Memórias do Fogo
L
embro-me de ter ouvido pela primeira vez sobre El Efecto quando um amigo me mostrou o vídeo “O Encontro de Lampião com Eike Batista”. Esse encontro inusitado pertencente ao disco Pedras e Sonhos (2012) e me chamou atenção pela mistura de rock e literatura de cordel. Para além da sonoridade, a música carrega em sua letra uma crítica sobre as parcerias público-privadas no Brasil, imaginando como Lampião e seu bando reagiriam aos escândalos envolvendo empresários, empreiteiras e licitações. Apesar de ter me surpreendido com a composição em meados de 2016, só em março de 2018, quando foi lançado Memórias do Fogo, me aprofundei em conhecer a banda. Em referência direta à trilogia de livros do uruguaio Eduardo Galeano (Editora LP&M – Esgotado), o álbum conceitual usa o fogo como personagem para trazer à tona conflitos enraizados no continente sul-americano. “Percebemos que, de uma maneira ou de outra, as músicas tinham em comum a referência ao elemento do fogo. E juntas, compunham um painel poético de situações, personagens e alegorias que evocam lutas coletivas contra diferentes formas de opressão, espalhadas em cenários, épocas e realidades distintas. Uma evocação à necessidade mais objetiva de torrar os ônibus, por exemplo, ou à imagem da barricada. A ideia é que cada uma das músicas seja uma chama, pra esquentar, pra botar lenha na fogueira, pra incendiar nossos corações”, explica Bruno Danton. Armados por seus instrumentos, o então sexteto - o sétimo integrante, Tomás Tróia não participou do show - em uma das principais casas noturnas de Juiz de Fora (MG). Nas entrelinhas, tocar na cidade significava encarar sombras abrigadas num passado recente. Foi ali que a ditadura militar brasileira (1964-1985) teve seu início, quando uma tropa de 100 homens comandados pelo general Olímpio Mourão Filho, vestido de pijamas, como conta a lenda, marchou rumo ao Rio de Janeiro para depor o então presidente João Goulart. É na obra do Uruguaio, que se sentava no Café Brasil, no centro de Montevideo, que nos transportamos para o Café Musik em Juiz de Fora, em uma noite entre moças bem maquiadas, bebidas geladas e, quem sabe, pais militares. As cinzas e o calor nos guiam.
OS NASCIMENTOS
O El Efecto tem como fio condutor duas premissas: a mistura de gêneros e o interesse político. Desde o primeiro disco, Como Qualquer Outra Coisa (2004), as músicas já traziam consigo forte teor crítico, mistura de estilos e longos formatos - semelhantes a óperas.
SOBRE O PALCO Tomás Rosati (vocal) e Bruno Danton (violão) - membros remanescentes da formação inicial - contam que a criação da banda foi um divisor de águas em suas vidas. “Nos conhecemos tocando em outras bandas e criamos o El Efecto para ser um espaço para executar aquilo que não se encaixava nos outros grupos. Com o tempo, as outras bandas foram caindo por terra porque era no El Efecto que estávamos canalizando nossas pilhas”. Apesar do grupo ter se consolidado durante um período político de um governo mais alinhado com seus ideais, críticas nunca faltaram. Segundo Rosati, a proposta das letras é tratar de assuntos de natureza estrutural. “Parte das inquietações da banda são canalizadas para aquelas parcelas da sociedade para as quais o regime de exceção é uma constante. Nosso foco sempre foi quem paga o pato na civilização, seja nas capitais ou nas periferias”. Na faixa de abertura, Café, a banda apresenta qual seria o foco do disco e do show: racismo, escravidão e a exploração do trabalho. Ambientada nas lavouras do período colonial, a canção retrata como a população negra foi sequestrada de sua terra e escravizada para servir os interesses pequena parcela rica (e branca) da sociedade. A metáfora do “gosto amargo” na boca de quem trabalhava nos cafezais - ilustrada no primeiro verso: “Colônia! Teus filhos já estão de pé. Mais um dia se inicia na colheita do café. Pesado é o fardo – e o gosto amargo”; e a imagem romantizada do casal apreciando uma xícara de café em Paris - “Do líquido no chão, revela-se um poema. A flor do bem-estar se rega com o suor da escravidão.” Conhecida por seu público cativo por misturar estilos, o El Efecto trouxe para Memórias do Fogo algumas influências da música sul-americana. Tomás Rosati conta que esse resgate é uma forma de pensar o imaginário do cantador que
reflete a questão da terra. “No caso de Café, música que traz uma situação de colônia na América, essa vontade veio do diálogo entre letra e música”. A aproximação com gêneros como o Joropo - ritmo colombiano/venezuelano presente na música Café - e o Festejo Peruano foi consolidada por meio da experiência da flautista e clarinetista Aline Gonçalves. “Já existia um interesse por parte da banda em reproduzir os ritmos de nossos vizinhos. Por ter uma história com estes estilos e por ter morado no Chile, fui chamada para fazer alguns arranjos para o disco”, afirma Aline. O público juiz-forano acompanhou o ritmo de “Café” dançando como se samba fosse a mistura deste rock, arriscando o rum dos mojitos - já passou o tempo do uísque com guaraná que Chico cantou. O efeito do álcool logo em aceleração incendeia os corpos e entorpece as mentes.
AS CARAS E AS MÁSCARAS
Alguns símbolos de luta foram adicionados a Memórias do Fogo, como é o caso da música Carlos e Tereza, na qual, a partir dos personagens Carlos Marighella e Tereza de Benguela, somos levados a lembrar de suas respectivas lutas. “Mas tu tem que lembrar – com orgulho! 25 do mês de julho! ”Mas tu tem que lembrar – eu me lembro! Do dia 4 de novembro!”. As datas em questão referem-se ao Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, sancionado em 2014 e, também, à morte do político, escritor e guerrilheiro comunista. Tomás Rosati explica que a ideia da música era reunir vários personagens históricos para a criação de uma vinheta e que só depois a faixa se tornou uma das músicas do disco. “Decidimos estudar alguns personagens e encontramos a figura dos dois. Por coincidência, os nomes de Benguela e Marighella rimavam e isso permitiu um encaixe sonoro per-
feito na música. Cada um em seu tempo, os dois personagens travaram lutas fundamentais no contexto da escravidão e, depois, numa ditadura militar”. O músico conta ainda que o tema explorado funciona muito bem para se pensar a questão estrutural e de como ela atravessa períodos. “Esses personagens contemplam discussões e aprendizados contemporâneos. Prestar contas a isso foi uma forma de dar continuidade ao nosso projeto de música e política”, finaliza. Apesar de terem vivido em tempos distintos, histórias como as dos dois personagens se repetem no Brasil. Na música Chama Negra, por exemplo, a banda mostra, ainda que forma acidental, a figura de luta de Marielle Franco. “Apesar dos avanços em diversas áreas, ainda existe no Brasil a perseguição em massa à população negra e periférica. A gente acompanha e teme tudo aquilo diz respeito a essa ideia de rememorar um período ditatorial e toda a violência e brutalidade que isso carrega”. Tatá Chama e as Inflamáveis, banda local, já havia aberto a noite para a banda carioca. O baile dos mascarados, já tão distante do Carnaval, continuou embalado pela banda, aquecido pela intensidade que o sexteto apresentava no palco.
O SÉCULO DOS VENTOS
Nomeado Século dos Ventos por Eduardo Galeano, o século XX quase extinguiu o fogo que existia. Não conseguindo realizar o feito, as chamas só se alastraram ainda mais. Mesmo com o fim da escravidão propriamente dita, outras formas de exploração foram introduzidas como forma de manter a pirâmide do capital intacta. Ambientadas no século atual, duas das mais conhecidas faixas do disco exploram essa temática em suas letras O Drama da Humana Manada e o O Monge e o Executivo. Aliando a exploração do trabalho pelo sistema capitalista ao discurso
de meritocracia popularizado pelas classes altas, as duas músicas retratam a escravidão dos dias de hoje, como exemplifica o verso da música baseado no grafite exposto na Central do Brasil [estação ferroviária do Rio de Janeiro]: “Malandro é o cavalo marinho que se finge de peixe pra não ter que puxar carroça. Não! Pera lá... Trabalha, espera, que quem trabalha prospera e quem espera sempre alcança. Não desespera, depois da tempestade vem sempre a bonança. Trabalha, espera e confia, pois a tua estrela ainda vai brilhar um dia! Um brinde à meritocracia!”. É diante da constatação que as condições de trabalho ficaram mais precárias, direitos estão sendo suprimidos e que taxas de desemprego começaram a subir depois das manifestações de 2013 no Brasil que a banda continua sua obra. É com o olhar da popularidade de Dilma Rousseff em baixa e em sua sucessão, forçada por parte da cúpula emedebista chefiada por Michel Temer em 2016, e diante de reformas supostamente pautadas como forma de reduzir
os problemas e impulsionar novamente o crescimento econômico que se encara o calor do fogo em síntese:. “Uma música contra a reforma trabalhista, as formas de exploração e a alienação do trabalho. Contra o discurso da meritocracia e a reforma da previdência. Enfim, um samba abordando esse drama, essa luta que se faz urgente no atual contexto de precarização da vida”, explica Tomás Rosati. Ainda que o cenário político seja conturbado, a arte se coloca como válvula de escape nas horas de maior dificuldade. Assim como era feito na década de 60 na MPB por nomes como Caetano Veloso, Chico Buarque e Geraldo Vandré, a música de protesto ainda pulsa, viva, por todos os cantos. Em “Incêndios”, o El Efecto finaliza o disco, mas deixa uma mensagem em aberto: um passo atrás talvez revele outro caminho. “Não há solução dentro do seu conforto. É preciso pensar os limites dessa perspectiva de crítica social para perceber onde cada um se coloca como parte da questão. Como você se benefi-
uietações q in s a d te r a P “ da banda são ra canalizadas pa a sd aquelas parcela uais as q sociedade para eção c o regime de ex te. é uma constan e pr Nosso foco sem ato op foi quem paga eja s na civilização, as n nas capitais ou periferias”. cia desse processo de violência e morte em que vivemos? Você vai conseguir abrir mão, rever privilégios, questionar o peso disso para o resto das pessoas? É pensando nestes conceitos que a banda segue seus trabalhos”, endossa Tomás. No final da noite, a tensão que El Efecto pretende produzir, em situações normais, deveria ser daquelas que se corta o ar com uma faca. Mas naquela noite, como nas últimas e nas próximas, todo mundo foi para casa vestir o pijama. Sem capacete ou cachimbo, ninguém vai derrubar o governo.
DINOSSAURO
E D A T E R C E S A I R Ó T S I H A C I T S A FANTÁ ERÓIS
Por Fernando de Freitas
H R E P U S S O E É R D N A IRO
Importante! Essa é uma narrativa fictícia inspirada na maravilhosa série documental dirigida por André Barcinski “A História Secreta do Pop Brasileiro”.Este conto/crônica nada tem de documental ou compromisso com os fatos, pretende apenas de homenagear seu trabalho.
E L I S A R B P O P DO
“A
ndrei Barcinski, certo?”, disse o senhor de pernas cruzadas e costume impecável, levantando os olhos do jornal. “Conheci um Andrei Barcinski. Um polaco. Camareiro do Lido, em Paris”. Era Jorge Daniel, em perfeita postura portenha, como se em La Biela estivesse a tomar seu cortado aproveitando o sol de uma manhã na Recoleta. O sorriso sutil dava ambiguidade à afirmação. “Sente-se.” Daniel abaixou o jornal e, em sincronia com o movimento de André, da mesa atrás dele veio um homem baixo e corpulento, apoiando ambas as mãos sobre uma bengala em frente ao corpo após se sentar. Os nós impressionantes dos dedos alinhados com o queixo e o olhar fixo. “Você acha que ele é confiável, Jorge?” “No lo se, Prini. Mas o Andrei aqui está fazendo preguntas que um dia precisam ser respondidas”. Eles olhavam para André fixamente. Ele, que desde cedo assumira que as páginas do jornalismo cultural o deixariam longe das enrascadas que os amigos dos cadernos policiais se deliciavam em contar. ‘Ele’ significava um enigmático argentino que fora parceiro da Ava Gardner, contracenara com Oscarito e Grande Othelo, teve carreira em Paris e fez sucesso no Brazilian Ghengis Khan. Agora, em nada parecia com o homem sem camisa, careca e com a longa trança. O outro era Prini Lores, alguém que imitava tão bem Trini Lopez que, quando foi ao México, teve que enfrentar os rufiões que colocaram a cabeça do americano a prêmio. Pior para os rufiões, contava a lenda. “Escuchame Andrei! Você está chegando muy próximo de um segredo da indústria. Nós estamos aqui porque já fomos revelados, mas temos que proteger muitos outros”, disse Daniel sem titubear, e completou: “O que vamos te mostrar hoje só pode ser revelado una parte. Só a parte creíble”. André concordou acenando a cabeça. Antes que pudesse fazer qualquer pergunta, Daniel e Prini se levantaram e André os acompanhou. Entraram em um carro preto, enorme, parado em
frente ao restaurante, que ele jurava que não estava ali quando chegou. Os vidros eram escuros e sabia que ninguém poderia vê-lo na companhia daquelas lendas. Saíram das ruas quase portenhas da Santa Cecília, subindo a Consolação e seguindo pela Avenida Paulista com seus banqueiros e mendigos. Quando achou que ia parar no Paraíso, esboçou um sorriso, mas passaram direto. Perdeu o direito à ironia. Quando o carro parou em uma pequena rua da Vila Mariana, André percebeu que não havia ninguém sentado no lugar do motorista. E esse passeio, que começara estranho, com figuras POP falando de maneira misteriosa, estava se tornando assustador. A porta do casarão estava aberta e Daniel e Prini ficaram no carro. André entrou sozinho. Setas rosas de gaffer tape apontavam para a escada que levava ao subsolo. Era uma escada pouco íngreme e longa. Calculava André que devia atravessar o terreno e ultrapassar seus limites. E de sua saída brilhava uma enorme luz. Era tarde demais para voltar. Se era curiosidade ou uma atração além da racionalidade, não sabia. Era tarde demais para desistir. Empurrou a porta. Mudou de repente a incidência de luz. Alguns segundos para as pupilas e receptores se adaptarem. Recuperou a visão e se revelou uma enorme sala de controle. Um estúdio. Detrás do vidro ele viu Steve Crooper e uma versão envelhecida de Otis Redding cantando. Mal podia acreditar. Cada nota. Ao fim da canção, se distraiu e já estavam na sala Muddy Watters e Little Walter tocando. Ao fim da música, André não desprendeu o olhar e viu as figuras se transmutarem novamente em John e Paul. E a cada música aqueles seres mudavam diante de seus olhos. Quando acabaram, as pernas de André não se firmavam no chão, as figuras atravessaram a parede entre a sala de gravação e a de controle, estenderam as mãos e disseram: “Nós somos os irmãos Carezzato, mas nos conhecem como Os Carbonos. Somos as cópias de qualquer um que quisermos. Você vai contar nossa história, mas não vai contar toda a verdade”.
COXIA Anneliese Kappey
Ana Sniesko Erico Malagoli
Camila Duarte Fernando de Freitas
Herbert Allucci Ian Sniesko
Matheus Medeiros
AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MĂšSICA
Tatiana Carline
440 Hz