RAFAEL ALVARENGA GOMES - Cabo Frio, RJ Escritor e professor de Filosofia. Tem quatro livros publicados, escreve em jornais e revistas da região dos Lagos onde vive atualmente SOL DE INVERNO Nessa tarde julhiana me estabeleço pela topografia desnivelada desse apartamento para escrever. O sol de inverno penetra pela janela e beija o chão. Entretanto, é tímido; não sabe o que dizer e não tem confiança no próprio avanço. É rapaz inseguro diante de moça desejada. Em seu esforço púbere se oferece gratuitamente ao alheio, pois precisa de reflexo para alcançar os pés da mesa da sala. Ainda assim, a tarde se anima com a sua presença. O amarelo ganha brilho, os óculos ganham uso, a água ganha boca. Há um frio tão ameaçador que ao encará-lo, o sol de inverno, tal como cavaleiro infante que ainda mal cabe dentro da indispensável armadura calorífica, ganha os elogios de todos os mortais, excetos os de sangue frio que se mantêm feito políticos idiotas sempre dentro de gabinetes refrigerados. Que luta dura vem o sol travar nesses dias de inverno! Roupas para secar, casacos para tirar, bancos de praça para povoar. Verdadeiro corre corre alucinado para tentar acenar por todas as brechas. Seu tempo é curto e também os homens que desfrutam do ócio esperam por ele. Tanto empenho! Se pudesse pediria que não reclamassem. Que entendessem! Seu poder é oferecer um instante alto no meio do dia. O momento de uma luz que afaga e aconchega. Mas como vem em uma hora produtiva desses dias sistêmicos é preciso ser um vagabundo por meia hora para receber sua dádiva. A poesia tampouco o sol de inverno irão mudar o mundo ou sanar seus problemas mais dolorosos. Em contrapartida, eu garanto, jamais houve mundo sem poesia, jamais houve mundo sem sol de inverno.
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