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Podemos encontrar literatura na arte conceptista. Hamlet é a peça superior do conceptismo, deslocada numa língua bárbara. Preferimos o Hamlet em italiano ou em dinamarquês: Essere o non essere? Ecco il quesito. È piu da coraggiosi seppellire nel profondo dell’anima le frecce e i sassi che la vita scaglia contro, o piantare la spada, e a viso aperto a un oceano di orrori opporsi e dire: no, finiamola? Morire, dormire — niente di piu, e dormendo dire: basta a ciò che stringe il cuore, basta a questi imbrogli della carne, a tutta questa eredità di male. Non è pio sperare che la vita abbia una fine? Morire. Dormire. Sognare forse.

A A rte Conceptista A etimologia de conceito ou conceptus é cōncipiō (agarrar, receber) de capiō, capturar. Predação como conceito — ansiedade oral, devoração do mundo pela boca, apropriacionismo como sacrifício ao altar da Arte. O que pode ser a arte conceptista hoje? — um arte de emblemas e de paradoxos, uma arte sumamente retórica, feita de agudezas e coisas engenhosas. Os emblemas-emoticons de Pedro Portugal, por exemplo. Ou as paisagens-enigma de Vieira. Um estilo barroco, clínico e despojado. Tecnicamente é a interface entre diversas capturas. Por exemplo: Duchamp é mais conceptista que conceptual, e mesmo nos ready-mades é o emblemático e engenhoso da coisa que conta. O humor é muito típico da arte conceptista. O escritor Robaud falou de Duchamp como um autor chá-de-tília. O seu lado maroto, desliza com dedos libidinosos para zonas de erosão erótica — emblema, vanitas, trocadilhos complexos, ilusionismo, perspectivas depravadas — eis elementos que assustariam qualquer típico artista conceptual focado na sua Aufklarung, na sua revolução pela arte, na sua documentalidade para a posteridade, no seu horror ao antigo, na sua simplicidade de enunciados, onde tudo se quer processual e evidente. 76

Aliás, como arte, preferimos as traduções aos originais. As obras de Manganelli, os artigos de Herberto Helder, o gosto guloso pelo ornamento. Um dos modos fáceis de criar arte conceptista é utilizar textos directamente em objectos (por exemplo brinquedos) — sejam curtos ou longos, em grafitti tosco, caligrafia galante ou severo lettring. As portadas de livros barrocos transpostas para objectos, as genealogias confusas, o tipo de poesia visual que Ana Hatherly colheu, os logotipos delirantes, a grande culinária, os edifícios confusos, a miscigenação inesperada, etc. Renato Ornato (teórico da dissimulação), dá como exemplo de arte contemporânea as obras de Sandralexandra e Sóniantónia, a poesia visual de Rindpest (e o resto), os títulos exuberantes de Rosa Davida, toda a obra de Pportugal, as teorias do acrescento e expurgo de Fabiana Sorrento, o lado barroco de Llansol (a figura, a sobreposição, a doçura, o «espinosismo»), os videos religiosos de Bárbara Fonte, as paisagens libidinais de Vieira, o neo-pré-socratismo de Giuseppe Von Lander.


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