Revista CHICO nº 13 - Maio de 2023

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REVISTA DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO - MAIO DE 2023 13

Expediente

Presidente : José Maciel Nunes de Oliveira

Vice-presidente : Marcus Vinícius Polignano

Secretário : Almacks Luiz Silva

Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF, Tanto Expresso Comunicação e Mobilização Social

Coordenação-geral : Paulo Vilela, Pedro Vilela e Rodrigo de Angelis

Coordenação de comunicação : Mariana Martins

Edição : Karla Monteiro

Assistente editorial: Luiza Baggio

Textos : Andréia Vitório, Arthur de Viveiros, Deisy Nascimento, Hylda Cavalcante, Karla Monteiro, Luiza Baggio e Mariana Martins

Projeto gráfico: Márcio Barbalho

Diagramação : Albino Papa e Rafael Bergo

Fotos: Allan Rodrigo, Azael Neto, Bianca Aun, Cristiano Costa, Edgar Kanaykõ Xacriabá, Edson Oliveira, Fernando Piancastelli, Geovana Jardim, Juciana Cavalcante, Letícia Massula, Léo Boi, Léo Ramos e Pedro Vilela

Foto capa: Emerson Leite

Ilustrações : Albino Papa e Bruno Lanza

Revisão : Isis Pinto

Impressão : ARW Gráfica e Editora

Tiragem : 3500 exemplares

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.

Secretaria do Comitê :

Rua Carijós, 166, 5º andar, Centro - Belo Horizonte - MG

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Atendimento aos usuários de recursos hídricos na Bacia do Rio São Francisco: 0800-031-1607

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SUMÁRIO

Protagonismo Indígena

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Páginas

Verdes

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Questão indígena Índio não quer apito

18 Perfil O homem do Ibama

4 Editorial
“Cocar no poder é floresta de pé”
50 Ensaio 48 Aconteceu 30 Infraestrutura Água de beber 34 Gastronomia Um roteiro que pega pelo estômago 38 Turismo Semente do cerrado 42 Arqueologia Cidade Perdida 22 Política Pública A volta da ANA 26 Infraestrutura Você tem sede de quê?

PROTA GONISMO

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INDÍGENA

Nas primeiras semanas do ano de 2023, fomos confrontados com as mais terríveis imagens: yanomamis esquálidos, mortos-vivos, vítimas do abandono. Segundo a escritora de origem israelita, Noemi Jaffe, imagens que nada ficavam a dever ao Holocausto. “São da mesma ordem de horror e o método utilizado também”, escreveu no Twitter. Falando de Boa Vista, capital de Roraima, ao lado da primeira ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, o presidente Lula prometeu, sobretudo, garantir dignidade aos povos originários. A questão Yanomami trouxe de volta para o centro do debate nossa dívida ancestral.

Mais de 40 etnias resistem à beira do Velho Chico ao cortejo de epidemias, violência e destruição: Fulni-ô, Kambiwá, Tumbalalá, Tingui-Botó, Kapinawá, Tuxá, Pankararu, Pankará, Truká, Xocó. Xakriabá, entre outros povos. Na reportagem “Índio não quer apito”, a revista CHICO ouviu lideranças para traçar um diagnóstico da situação nas comunidades. A grande questão segue sendo a demarcação de terras, paralelamente ao aniquilamento do meio ambiente. “A essência de um povo indígena é o seu território”, afirmou o cacique Uilton Tuxá, coordenador da Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais (CTCT), do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, a esperança é de dias melhores.

Nesta edição, os indígenas são protagonistas. Nas Páginas Verdes, a deputada federal Célia Xakriabá, a primeira indígena eleita por Minas Gerais, mostra porque “cocar no poder é floresta de pé”. Aos 32 anos, ela está fazendo história no Congresso Nacional. Noutra reportagem, “Você tem sede de quê?”, a revista CHICO foi conferir a cerimônia de inauguração do novo sistema de abastecimento de água na comunidade KaririXocó. Com custo de quase nove milhões de reais, a obra, capitaneada pelo CBHSF, vai beneficiar 4.200 pessoas. De acordo com Anivaldo Miranda, coordenador da Câmara Consultiva Regional (CCR) do Baixo São Francisco, essa conquista dos KaririXocó é fruto de uma política participativa de recursos hídricos.

Tem muito mais na primeira CHICO de 2023. Na reportagem “O Homem do Ibama”, um perfil do novo diretor do órgão vital para o sucesso da política ambiental, Rodrigo Agostinho. No roteiro de gastronomia, o relato de viagem da chefe mineira Letícia Massula. Em duas expedições pelo São Francisco, ela descobriu sofisticação e diversidade. Se a ideia é pé na estrada, conheça a Vila de Santo Inácio, no sertão baiano, possivelmente a cidade perdida do explorador francês Apollinaire Frot. E para clarear as vistas: uma visita ao projeto “Ser do Cerrado”, do Instituto Inhotim, o maior museu aberto do mundo, localizado em Brumadinho, Minas Gerais.

Boa Leitura!

Editorial
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ilustração: Albino Papa

Páginas verdes

Por: Hylda Cavalcanti

Arte: Albino Papa

Foto: Edgar kanaykõ Xacriabá

“COCAR NO PODER É FLORESTA DE PÉ”

Aos 32 anos, Célia Xakriabá já fez história: primeira deputada federal indígena eleita por Minas Gerais. Disputando a vaga pelo PSOL, obteve mais de 100 mil votos. No Congresso há pouco mais de quatro meses, ela segue, porém, escrevendo capítulos. Primeiro, assumiu a liderança da chamada “Bancada do Cocar”. Em seguida, foi escolhida para coordenar uma frente parlamentar mista de “Defesa dos Povos Indígenas” e, mais recentemente, para presidir a “Comissão da Amazônia e dos Povos Originários da Câmara”.

O povo Xakriabá é natural das barrancas do Rio São Francisco, mais precisamente dos arredores de São João das Missões, no norte de Minas. As batalhas com o homem branco começaram cedo, ainda no século 18, durante o ciclo do ouro. Carregando essa linhagem, Célia chegou ao doutorado em antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, inserida no contexto de luta do seu povo, tornou-se ativista, participando da fundação da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade. Segundo costuma dizer, com ela, assumem a cadeira na Câmara Federal “900 mil cocares”.

“Em mais de 500 anos, os povos indígenas foram alijados da política institucional e a nossa chegada ao Congresso representa uma vitória. Cocar no poder é floresta de pé”.

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Você foi eleita deputada federal com expressiva votação. O que isso significa?

Podemos ter menos tempo de Congresso Nacional, mas temos mais tempo de Brasil. No Legislativo, temos muito a fazer pela defesa dos povos indígenas, em termos de demarcação de terra, proteção do meio ambiente, proteção da mulher, direitos humanos.

Em novembro do ano passado, antes mesmo da posse, você participou da 27a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP-27). Qual a sua impressão? Podemos acreditar em mudanças de rumo em face das mudanças climáticas?

Como a COP é um espaço fechado à sociedade civil, não tivemos acesso às atividades oficiais. Mas foi muito importante a participação do presidente Lula. Desde o evento passado, em Glasgow, falamos que não existe solução para barrar as mudanças climáticas sem reconhecer a potência das tecnologias sociais dos territórios indígenas e de povos e comunidades tradicionais. Agora, reiteramos isso. Essa COP marcou também o fim de um ciclo, no qual o Brasil enfrentou quatro anos de profundos retrocessos, com um Ecocida no poder. No âmbito internacional, havíamos perdido prestígio e protagonismo.

É possível dissociar a pauta ambiental da causa indígena, como muitos tentaram fazer no governo anterior?

Não dá para falar de combate às mudanças climáticas sem falar das demarcações dos territórios indígenas. Se o tema é financiamento, é importante que ele chegue aos verdadeiros guardiões das florestas e dos biomas. Na COP, por exemplo, fizemos uma incidência importante recomendando ao Parlamento Europeu que analise com cuidado a lei antidesmatamento. A lei considera a Amazônia, mas não parte da Mata Atlântica, o Cerrado, o Pantanal, a Caatinga e o Pampa, também como florestas. E quando não reconhece esses biomas, acaba legalizando o desmatamento.

Também defendemos a criação de uma lei de rastreabilidade. Muitas commodities vêm de comunidades tradicionais e acabam fomentando todo esse processo de violência nos territórios. Destacamos ainda a mineração, responsável, hoje, no Brasil, por sérios crimes ambientais, como o cometido pela Vale no estado de Minas Gerais, no Rio Doce. A mineração não representa mais que 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Se as pessoas estão realmente preocupadas com dinheiro, seria importante desenvolver um consumo consciente e inteligente.

Depois de quatro anos de retrocessos na área ambiental o Brasil tem um novo governo, inclusive com uma mulher indígena comandando um inédito Ministério dos Povos Indígenas. Como você vê essa mudança?

Temos uma oportunidade única de avançar, mesmo entendendo que demarcar seja muito caro, por causa dos processos e ritos, assim como a titulação de territórios quilombolas. Estamos vivenciando um momento de muita esperança para avançar, porque não dá para avançar na educação e saúde indígenas, por exemplo, quando a pauta principal é o território. Sem território, a nossa identidade e modo de vida estão ameaçados. Então, queremos e podemos ocupar vários ministérios, como o da Cultura e da Educação. O Ministério Indígena é importantíssimo, mas não pode ser um lugar que restrinja a nossa presença. O nosso lugar é em todos os lugares. Precisamos pensar essa política transversal, pensando de maneira identitária, mas também entendendo que a identidade precisa estar em todos os espaços.

E quais são as principais perspectivas em relação a esse governo?

Hoje, no Brasil, temos oportunidade de reverter o ecocídio e o genocídio. Somos muito mais que ativistas, porque quando matam uma liderança indígena pelos conflitos territoriais, assim como mataram Bruno Pereira e Dom Philips, isso influi em nós, que somos o próprio meio ambiente com o nosso modo de vida. Nos reconhecer, hoje, e aos nossos ancestrais, perpassa também pelo reconhecimento de que a solução para as mudanças climáticas precisa ter a cara de uma humanidade consciente. Entendemos a importância de que, quando atacam a terra e o meio ambiente, nos atacam também.

Como fica Minas Gerais nessa conjuntura?

Minas Gerais é o estado que mais desmatou a Mata Atlântica no ano passado e isso, obviamente, tem um impacto direto nos territórios, além do grande impacto da mineração. Então, destacamos, no âmbito internacional, a importância de descolonizar os biomas. Para entender o que é exatamente a diversidade de ecossistemas que torna o Brasil um país com uma sociobiodiversidade tão rica e potente é preciso proteger as florestas, as águas e nos proteger, porque somos os defensores desses lugares. Se atingirem nossos territórios e nossos corpos, a humanidade sentirá suas implicações. Não dá para falar sobre isso sem escutar quem é mais impactado e mais faz essa proteção.

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Como foi a atuação de vocês, enquanto militantes dos povos indígenas, nos últimos quatro anos?

Eu disse isso ao presidente Lula. Desde o dia 1º de janeiro de 2019 (data da posse do ex-presidente Jair Bolsonaro), sempre estivemos nas ruas. Mesmo com um governo reacionário e fascista, em um contexto de pandemia, ficamos acampados mais de 30 dias em Brasília, porque entendemos que, se não morrêssemos pelo vírus, seria pela passada da boiada e nos conflitos territoriais. Temos, agora, expectativa e desafio enormes, sabemos que não será fácil, mas vivemos um momento de oportunidade. A campanha de Lula foi pautada no compromisso ambiental, de romper com o garimpo ilegal e realizar a demarcação dos nossos territórios.

Você está compondo o Congresso numa legislatura em que foram eleitos, com muita representatividade, vários expoentes do agronegócio e do conservadorismo. Qual o seu entendimento sobre essa luta?

As pessoas falavam que se não fosse agora era para depois a minha eleição, e eu falava: é uma luta de contexto, não vamos tê-la tão cedo novamente. Se observarmos a história do Brasil, o governo de esquerda nunca elegeu indígena. O Mário Juruna foi eleito em 1982, em outro contexto, e a Joenia Wapichana ganhou no governo Bolsonaro. Então, é uma oportunidade, sobretudo porque vivenciamos um cenário de profunda violência aos direitos indígenas e à questão ambiental. É uma resposta não só nossa, mas também da humanidade, porque neste momento significava muito mais que o resultado na urna.

Minas Gerais, que tinha 53 deputados, nunca tinha elegido uma indígena para o Congresso. Conseguimos superar o racismo, assim como Sônia Guajajara em São Paulo. É a primeira vez que vamos chegar com a “bancada do cocar”. Dos 853 municípios do estado, estamos lotados em 804 e sou a única deputada federal mulher do norte de Minas, além de ter sido a terceira mais votada em Belo Horizonte. São respostas diferentes, não foi somente chegar, e sim o processo de romper com a velha lógica do jeito de chegar. Não fomos apoiados pela velha política tradicional de apoio às prefeituras. Sabíamos que era a hora certa de provocar esse momento e entendo, com muito orgulho, que a nossa eleição passou por um voto de polarização. Não foi o voto somente progressista que nos elegeu, votaram na Tebet, no Lula, no Ciro e em nós. Até no Bolsonaro. Isso é interessante para observar o que converge.

Mas falando na prática, o que vocês, da chamada bancada do cocar, podem fazer no Congresso sendo minoria?

Nós, povos indígenas, não somos nem 1% da população brasileira, somos 5% da população do mundo e protegemos mais de 30% da biodiversidade. Nem sempre quem é a maioria está fazendo melhoria, e, se a nossa voz não for suficiente do lado de dentro, vamos continuar convocando o movimento do lado de fora. O poder não é só Executivo, Legislativo e Judiciário. A luta é o quarto poder. Podemos ter menos tempo de Congresso Nacional, mas temos mais tempo de Brasil. Será desafiador, mas estamos preparados para enfrentar Ricardo Sales (ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro e atual deputado federal). Quem está mais preparado que nós para enfrentar a bancada ruralista?

Saindo do Congresso, tivemos muitos indígenas eleitos para cargos diversos nos últimos anos. Como vê o atual momento indígena e sua evolução do ponto de vista da luta política e institucional?

As candidaturas indígenas cresceram consideravelmente. Nas eleições de 2020 tivemos um dos maiores resultados para as prefeituras e vereanças e, agora, crescemos em relação às de 2018. Não vamos parar por aqui, vamos continuar fortalecendo para os próximos anos a presença dos povos indígenas dentro das prefeituras e estruturas municipais e estaduais. Entendemos que esse foi um momento histórico, mas não serão as últimas ou únicas candidaturas eleitas, a ideia é sempre trazer mais gente. Junto conosco vêm milhares de forças ancestrais e é assim que vamos ampliar essa convocação para a bancada do cocar.

Você tem uma boa formação acadêmica, que sempre aliou com as suas raízes. Pode falar um pouco sobre isso?

Estudei em escolas indígenas e sempre tive forte relação com o território e com as raízes culturais do meu povo. A experiência com a educação foi o que me motivou a me tornar uma educadora e retornar ao meu território. É importante pensar em uma educação territorializada, onde nosso corpo se desloca para outros lugares além da sala de aula. E assim é para mim a política: o parlamento se deslocando para onde está a luta. E eu pretendo fazer exatamente isso. O pioneirismo é uma motivação para continuar lutando. Nós não nos sentimos mais felizes por sermos as únicas. Temos a responsabilidade redobrada.

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Por que motivo você já chegou a declarar que seu mandato será de resistência se foi tão bem acolhida nas urnas?

Entendo que Minas Gerais superou o racismo da ausência ao eleger, pela primeira vez na história, uma indígena como deputada federal. E assumi o compromisso de legislar com o território, com o chamado da terra, que me trouxe até aqui. Minas vai sentir orgulho de ‘mulherizar’, ‘reflorestar’ e ‘indigenizar’ a política. Em 2020, foram 85 lideranças indígenas assassinadas, por isso que afirmo que esse será um mandato de resistência. Vai ser um mandato de luta.

Inclusive, a decisão pela minha candidatura se deve aos constantes ataques aos territórios indígenas. Decidimos fazer esse enfrentamento do lado de dentro, contra a bancada ruralista, contra o agronegócio, pela demarcação dos territórios indígenas e comunidades tradicionais e pelo meio ambiente. Em mais de 500 anos, os povos indígenas foram alijados da política institucional e a nossa chegada ao Congresso representa uma vitória. Cocar no poder é floresta de pé. É a ancestralidade e outro modo de pensar e fazer política. Esse é o nosso compromisso.

Voltando à sua formação educacional, como vê a importância da participação dos indígenas na academia?

A universidade, assim como outras instituições, precisa romper com o racismo da ausência. Fui a primeira indígena no doutorado na UFMG e me senti muito solitária. Nós temos a sabedoria e nossa presença é fundamental para ‘aquilombar’, ‘indigenizar’ a academia.

O mundo todo viu o descaso do governo anterior com os Yanomamis e a situação deles hoje, que tem levado a medidas urgentes. Você foi uma das primeiras a participar das ações e denúncias. Pode citar um exemplo específico do quadro?

A situação dos Yanomamis terá de ser uma das prioridades do nosso trabalho. Quando falamos sobre eles, falamos das consequências do garimpo e sobre vidas que, ao longo de 523 anos, nunca estiveram nas preocupações prioritárias da política brasileira. Você sabe o que é escutar de um pai que o seu filho havia morrido de fome? É preciso pensar dentro da Câmara e do Senado em um projeto de vida. É preciso apurar, interromper outros processos de violência. Um exemplo: mais de 70% das crianças Yanomami estão contaminadas pelo mercúrio.

Foram duas vitórias recentes desde a sua posse: a primeira, a presidência da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas. O que isso representa para essa trajetória que está iniciando?

Conseguimos fazer com que nossa frente dos povos indígenas não fosse golpeada. A nossa ‘bancada do cocar’ simplesmente impediu que deputados envolvidos diretamente com o garimpo participassem da frente e definissem políticas para essa população. E queremos fazer com que a atuação no território Yanomami seja um dos principais focos no momento. Temos buscado sensibilizar. A frente parlamentar foi um feito importante. Conseguimos 203 assinaturas na Câmara e no Senado. Quando a gente pega quem assinou, vê que é um compromisso além de partidos progressistas. Queremos abrir diálogo sobre questões ambientais e territoriais.

Nós acreditamos que vai ter muita luta, sobretudo num Congresso que tem pautas de interesses econômicos e políticos diferentes, mas a pressão popular muda o processo de decisão. Acreditamos no nosso poder, na nossa voz de sensibilização aqui dentro e do lado de fora.

E sobre a segunda vitória, a presidência da Comissão da Amazônia e Povos Originários, o que tem a dizer?

Quem é que vai ter condições de enfrentar a bancada ruralista senão a bancada do cocar? Assumo a presidência desta comissão reafirmando a necessidade de proteção mais ampla, com políticas que potencializem os saberes dos povos e a conservação em todos os biomas, não apenas na Amazônia. Assumir o protagonismo da luta não é assumir a voz de uma parlamentar indígena, mas é assumir as vozes do território.

A ONU aponta a demarcação de terras indígenas como um dos principais instrumentos para o enfrentamento às mudanças climáticas. E o fomento à agricultura indígena é uma dentre as várias tecnologias sociais ancestrais que podem ser utilizadas como dispositivo de proteção territorial. Todo mundo fala tanto de economia, mas é importante a gente falar também da bioeconomia. Além disso, não serei somente uma pessoa indígena a presidir a comissão, serão 900 mil cocares que assumem a comissão comigo.

Questão indígena

Por: Andréia Vitório

Ilustração: Bruno Lanza

ÍNDIO NÃO QUER APITO

Após a divulgação das aterrorizantes imagens de Yanomamis esqueléticos, semivivos, a questão indígena saltou para o centro das atenções. A revista CHICO percorreu a sinuosa linha do Velho Chico para conhecer a realidade das mais de 40 etnias que habitam a bacia. Com a primeira ministra indígena da história brasileira, Sônia Guajajara, a esperança é de que dias melhores virão

O novo governo ainda se acomodava na cadeira quando o presidente Lula pousou em Boa Vista, a capital de Roraima. Na comitiva, composta por oito ministros de Estado, estava Sônia Guajajara, a primeira indígena a ocupar um ministério. Enquanto a caravana presidencial permanecia por lá, imagens de yanomamis esquálidos, semivivos, corriam o mundo. Oriundas da Amazônia brasileira, aquelas fotografias remetiam ao fim da Segunda Guerra, quando soldados russos abriram as portas de Auschwitz, revelando a imensurável barbaridade dos nazistas contra os judeus. “Sei que a Shoah parece acima de comparações, mas não é. As imagens dos yanomamis são da mesma ordem de horror e o método utilizado também”, postou, no Twitter, a escritora de origem israelita Noemi Jaffe. Diante do holocausto repetidamente denunciado durante o governo Bolsonaro, Lula prometeu dignidade aos povos indígenas.

“Eu vim aqui firmar o compromisso com os caciques de que vamos dar a eles a dignidade que merecem na saúde, na educação, na alimentação e no direito de ir e vir”, discursou o presidente: “Nós vamos levar muito a sério essa história de acabar com qualquer garimpo ilegal”.

Certamente a tarefa do novo governo não se encerra no território Yanomami. Este cortejo de epidemias, violência e destruição vem percorrendo a história de todas as etnias. Ao longo da sinuosa linha do Velho Chico, cerca de 40 etnias resistem: Fulni-ô, Kambiwá, Tumbalalá, Tingui-Botó, Kapinawá, Tuxá, Pankararu, Pankará, Truká, Xocó, Xakriabá, entre outros povos. Segundo o cacique Uilton Tuxá, coordenador da Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais (CTCT), do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), a bacia do Velho Chico se constitui basicamente de terras indígenas. No entanto, boa parte deste território segue sem demarcação. Na opinião dele, inicialmente, seria preciso resolver a questão fundiária. “A essência de um povo indígena é o seu território, a sua terra para cultivar, praticar seus costumes e tradições ancestrais, exercer a medicina tradicional com plantas medicinais”, afirmou.

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Nas barrancas do Velho Chico, vivem hoje aproximadamente 100 mil indígenas, representando 9% da população total de indígenas do país. A região do Submédio São Francisco, compreendendo a Bahia e Pernambuco, reúne o maior número de indivíduos e etnias. A etnia mais populosa é a Xakriabá, com 13 mil almas, a maior parte delas no município de São João das Missões, em Minas Gerais, no Alto São Francisco. De acordo com o antropólogo José Augusto Sampaio, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e um dos fundadores da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), o novo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deve trazer surpresas, com o aumento dessa população. A última contagem fora feita ainda em 2010, apontando 900 mil indígenas no Brasil, a maior parte deles (37,4%) na região Norte.

“Há um índice grande de indígenas dessa região na universidade, ou que cursaram universidade, ao contrário de gerações anteriores de lideranças”, comentou Sampaio. “As lideranças são muito qualificadas e estão alavancando o movimento indígena pelo resgate de territórios e acesso a políticas públicas”.

Sustentabilidade espiritual

“A sustentação física e espiritual desse indígena depende, especialmente, do Velho Chico”, garantiu o indigenista Ivo Augusto Oliveira Ferreira, que, desde 2010, presta serviços para a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). De acordo com ele, o cenário é de resistência – e, ao mesmo tempo, de resignação. Se por um lado luta-se para regatar uma língua ancestral, como o “Dzubukuá”, por outro, assiste-se à chegada das religiões evangélicas, com os pastores como os novos jesuítas. A propósito, em todo o Nordeste brasileiro, exceto o Maranhão, só os Fulni-ô mantêm ativa sua própria língua: o Iatê. “Estamos muito próximo dos Pankarás, por exemplo, e escuta-se muito sobre como eles perderam a representação cultural, espiritual, metafísica que tinham com o Rio São Francisco após a construção do complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso e Itaparica”, exemplificou Ferreira.

A questão do território atravessa toda a vida indígena, da conexão espiritual à saúde física. Segundo Marcelino Mendonça de Aquino, chefe da coordenação técnica da Funai em São João das Missões, os Xakriabás, por exemplo, encontram-se diante de problemas de toda ordem, que vêm provocando a migração: nascentes secando, riachos que se tornaram intermitentes com água só no período das chuvas, contaminação de agrotóxicos, esgoto urbano, assoreamento, perda de mata ciliar e ocupação irregular, além da retirada ilegal de madeira. “No período da seca ou de safra de outras regiões, muitos saem para buscar outros recursos financeiros”, ressaltou Aquino. Por outo lado, há também jovens deixando suas comunidades para estudar em institutos federais e universidades: “Querem retornar com conhecimentos em áreas de educação, saúde, produção e comércio para mudar a realidade”.

Bacia do Rio São Francisco

Terra indígena Etnia Município/Estado

Estado de Sergipe

Caiçara/Ilha de São Pedro Xocó Porto da Foha - SE Estado de Alagoas

Aconã Tingui Botó Traipu - AL Fazendo Canto Xucuru - Kariri Palmeira dos Índios - AL Gerinpancó Jeripancó Água Branca - AL Kalanko Kalanko Água Branca - AL Jeripancó Jeripancó Pariconha - AL Karapotó Karapotó São Sebastião - AL Kariri-Xocó Kariri-Xocó S. Brás / P.R. Colégiado - AL Mata da Cafuma Xucuru - Kariri Palmeira dos Índios - AL Tingui Botó Tingui Botó C. Grande / F. Grande - AL Xucuru - Kariri Xucuru - Kariri Palmeira dos Índios - AL

Estado de Pernambuco

Atikun Atikun Salgueiro / Belém - PE

Entre Serras Pankararu Tacaratu / Petrolândia - PE

Fazenda Cristo Rei Pankararu Jatobá - PE

Fuini-ô Fuini-ô Águas Belas / Itaiba - PE

Ilhas da Tapera Truká Orocó - PE

Kambiwá Kambiwá Ibimirim / Inajá - PE

Kapinawá Kapinawá Brique - PE

Pankará da Serra do Arapuá Pankará Carnaubeira da Penha - PE

Pankararu Pankararu Jabora / Tacarau - PE

Pipipã Pipipã Floresta - PE

Truká Truká Cabrobó - PE

Tuxá de Inajá Tuxá Inajá - PE

Xucuru Xucuru Poção / Pesqueira - PE

Xucuru de Cimbres Xucuru Poção / Pesqueira - PE

Estado da Bahia

Barra Atikum / Kiriri Margem S. Francisco - BA

Brejo do Burgo Pankararé Rodelas / Glória - BA

Fazenda Remanso Tuxá Margem S. Francisco - BA

Ibotirama Tuxá Ibotirama - BA

Kantaruré Kantaruré Glória - BA

Pankararé Pankararé P. Afonso / Rodelas - BA

Quixaba Xucuru-Cariri Glória - BA

Tumbalalá Tumbalalá Abaré / Curaça - BA

Tuxá Tuxá Serra do Ramalho - BA

Vargem do Alegre Pankararu Serra do Ramalho - BA

Estado de Minas Gerais

Caxixó Kaxixó Pompeu - M. Campos - MG

Cinta Vermelha / Jundiba Pataxó / Pankararu Araçuaí - MG

Iruã Mimatxi Pataxó Itapecerica - MG

Xakriabá Xakriabá Itacarambi - MG

Rancharia Xakriabá S.J. das Missões - MG

Fonte: Funai

Identificação na Bacia: Museu Ambiental Casa do “Velho Chico”

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As ameaças e a proteção ancestral

Aos 23 anos, Caroline Silva Lima nasceu na Ilha de Assunção, território ancestral do povo Truká, localizado em Cabrobó, Pernambuco. Apesar da pouca idade, já se encontra na frente de batalhas, integrando a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Para ela, as ameaças hoje vêm dos grandes empreendimentos, a exemplo de uma usina nuclear que já instalou um ponto para teste de funcionalidade na região. “Temos consciência que daqui a alguns anos ou até meses lidaremos com consequências”, comentou. Nós sabemos que a grande maioria dos compostos usados são bioacumulativos, ou seja, não afetam hoje, mas se acumulam dentro do nosso organismo e podem causar doenças irreparáveis daqui a alguns anos”.

Segundo Caroline, os Trukás vivem principalmente da agricultura familiar e da pesca. Com o desequilíbrio ambiental, faltam peixes: “Contudo, nós somos atemporais, sobrevivemos a anos de violências e apagamento histórico. Lutamos hoje pela seguridade do nosso sagrado território, na garantia dos nossos direitos pelos que já foram e pelos que ainda virão. Seguimos fortalecendo nossa cultura pelos nossos cantos e a pisada do Toré. Pedimos aos nossos ancestrais proteção e ânimo na caminhada”.

Truká

Localização na bacia: Ilha da Assunção, no Médio São Francisco, município de Cabrobó, em Pernambuco. População estimada: aproximadamente 5.000 indígenas

Território: cerca de 6.000 hectares

Demarcação: sim

A Festa do Umbu

“Nós somos aqui do entorno das margens do São Francisco. Antes de existir construção de barragem e de usina hidrelétrica, a gente vivia aqui pescando, mantendo as nossas tradições, que eram na beira do rio. Após a construção das usinas de Itaparica e de Paulo Afonso, a gente foi impedido de dar continuidade às nossas tradições. Tem que pedir licença para poder pescar”, disse Sarapó Pankararu. De acordo com ele, o seu povo não vive mais da caça e da pesca. Mesmo a agricultura está escassa. Sendo assim, assiste-se à migração. Só em São Paulo existe uma comunidade de mais de dois mil Pankararus.

Uma tradição muito comum dos Pankararus é a Festa do Umbu, que acontece entre os meses de fevereiro e março para celebrar a safra do umbuzeiro. O ritual representa renovação e purificação. “Essa tradição é a mais importante para o povo Pankararu, um povo sábio, que tem uma herança ancestral muito grande. Nossa cultura é milenar, herdada dos nossos antigos e passada de geração em geração. Além de praticar nossos rituais tradicionais, também somos um povo muito católico”.

Pankararu

Localização na bacia: entre Petrolândia e Tacaratu, no sertão pernambucano, em Glória, na Bahia, que faz divisa com Pernambuco e Alagoas, no Baixo São Francisco e, pelo estado de Alagoas, em Pariconha, Água Branca, Porto Real do Colégio e Palmeira dos Índios, municípios do Submédio e Baixo São Francisco.

População estimada pela bacia: mais de 7.500 indígenas Território na bacia: aproximadamente 8.377 hectares Demarcação: sim

O ritual do Ouricuri

“A nossa ligação com o Rio São Francisco é muito forte, todo o nosso sustento. É ele que irriga o feijão, o milho, mata a sede do gado, além do peixe, nossa principal fonte de renda”, comentou Karine Santos, 32 anos, da etnia Xocó. Segundo ela, o Velho Chico voltou a encher, deixando a comunidade ilhada: “Voltou a encher como há muito tempo não se via”. No vai-e-vem das águas, uma tradição se mantém: o Ouricuri, ritual sagrado regido pelo consumo da Jurema, a planta com poderes psicoativos que, no dizer do povo Xocó, atravessa toda sua ancestralidade.

“Temos também a cerâmica, que foi a principal fonte de renda do nosso povo nas décadas de 70, 80 e 90 e que hoje é passada nas oficinas, na escola, para as crianças”, ressaltou Karine. Sobre o futuro, ela ressalta a importância de povos indígenas ocuparem vários espaços, inclusive na política: “É importante porque há vários projetos de lei tramitando dentro do Congresso contra os povos indígenas, tentando retroceder todo o avanço, todos os esforços que os nossos parentes já fizeram para a garantia dos nossos direitos”.

Xocó

Localização na bacia: Aldeias Ilha de São Pedro e Caiçara, situadas no município de Porto da Folha, Sergipe, no Baixo São Francisco.

População estimada: mais de 600 indígenas

Território: cerca de 3.600 hectares

Demarcação: sim

A ancestralidade e a Caatinga

“A relação do nosso povo com o Rio São Francisco é cultural, tradicional e espiritual. É sagrada, porque nossos antepassados fazem morada no fundo desse rio”, disse Cícera Leal Cabral, de 41 anos, cacique Pankará. Segundo ela, os rituais são feitos sempre com a água do Velho Chico – e na sua margem. No fundo dele, habita o Nego D’água, que derruba a canoa de quem pratica pesca irregular. Na comunidade, alguns vivem do plantio de feijão e milho, outros do artesanato, alguns como professores. “Dentro do nosso território, depois de muita luta, temos o atendimento à saúde e uma escola que ensina os saberes específicos, diferenciados do nosso povo, mas também a parte pedagógica do branco”, destacou Cícera.

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POVO FALA

Para ela, o importante é seguir lutando pelo direito de preservar o São Francisco e a Caatinga. No momento, a mobilização é contra a construção de uma usina nuclear na região. “Avançamos bastante com o Ministério dos Povos Indígenas, um espaço para onde podemos levar nossas reinvindicações com maior expectativa de sermos recebidos e atendidos”, concluiu.

Pankará

Localização na bacia: principalmente na Serra do Arapuá, municípios de Carnaubeira da Penha e Itacuruba, na Aldeia de Serrote dos Campos, em Pernambuco, Submédio São Francisco.

População estimada pela bacia: mais de 5 mil indígenas

Território: em torno de 15 mil hectares

Demarcação: em fase de demarcação

Os migrantes

O povo Tuxá é originário de Rodelas, norte da Bahia. Muitos ainda vivem na região, numa aldeia urbana. Outros, no entanto, migraram para Minas Gerais. Contribuiu para isso a construção da hidrelétrica Luiz Gonzaga (antes chamada de Itaparica), em 1988, que deixou submersa a Ilha da Viúva, local que abrigava a comunidade. “Nosso território é o ambiente onde a gente vive, exerce nossa ecologia humana, produz o alimento e faz o uso sustentável da biodiversidade”, comentou o cacique Uilton Tuxá, coordenador da CTCT, do CBHSF.

O povo Tuxá também faz uso da planta sagrada jurema, no ritual chamado Toré. Mas é pela força do Velho Chico que os Tuxás se conectam com os encantados e sua ancestralidade. Para além do sagrado, muitos desses indígenas vivem, até mesmo exclusivamente, da pesca e da agricultura comercial.

Tuxá

Localização na bacia: principalmente nos limites dos municípios baianos de Muquém do São Francisco, Ibotirama e Rodelas, e à margem direita do Rio Moxotó, no município pernambucano de Inajá, no Submédio São Francisco; e em Buritizeiro, Minas Gerais, no Alto São Francisco.

População estimada pela bacia: cerca de 2.500 indígenas

Território na bacia: aproximadamente 2.150 hectares

Demarcação: 1.650 hectares já demarcados, 500 hectares em seção de uso concedido pelo Governo de Minas Gerais e 4.300 hectares em processo de aquisição para implantar uma reserva indígena

O que é a Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais?

A Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais (CTCT), do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), é por si só uma conquista. Ela integra representantes de povos tradicionais e originários com a proposta de fortalecer as pautas de interesse desses públicos que, muitas vezes, estão alinhadas às de proteção e revitalização ambiental.

Uilton Tuxá, coordenador da CTCT, acredita que uma das principais demandas da Câmara é se sentir mais valorizada dentro da estrutura do próprio Comitê. Diz também que a população da bacia desconhece a diversidade de segmentos tradicionais que existem na região, bem como seu papel de grande relevância na preservação dos ecossistemas e da biodiversidade.

Entre os resultados importantes desse trabalho, destaca a implantação de adutoras para algumas comunidades, como é o caso do povo Pankará, em Pernambuco, no município de Itacuruba. “A gente conseguiu uma adutora de mais de 3 milhões de reais que garante o abastecimento de água para a nossa comunidade. Antes era uma dificuldade, porque éramos abastecidos por carro-pipa e o abastecimento era insuficiente”, contou Cícera Leal Cabral, representante Pankará que também integra a CTCT e membro titular do CBHSF.

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Mapa meramente ilustrativo. Não representa a totalidade e a localização exata das etnias presentes na bacia do São Francisco. Diversas fontes: Entrevistas, Funai, Museu Ambiental Casa do Velho Chico e site Povos Indígenas no Brasil.

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O HOMEM DO IBAMA

Por: Hylda Cavalcanti
Perfil 18

Com experiência na luta ambiental e paixão pela natureza, o ex-deputado federal Rodrigo Agostinho assumiu o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, órgão vital para o sucesso internacional do governo Lula

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Arquivo câmara dos deputados

No ultimo dia 24 de fevereiro, uma sexta-feira, o paulista Rodrigo Agostinho assumiu a presidência do Ibama, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Por certo, uma árdua missão. Durante o governo de Jair Bolsonaro, o órgão fora praticamente desmantelado, dispondo hoje do menor quadro de pessoal desde 2001. A situação é tão grave que o Ibama tem mais cargos vagos do que servidores. Na cerimônia de posse, ao lado de Marina Silva, no entanto, ele parecia empolgado com o desafio de recolocar o trem nos trilhos. Diante da promessa do presidente Lula de zerar o desmatamento da Amazônia e priorizar a política de meio ambiente, o tempo urge: “Temos um quadro de fiscais defasado. O Ibama já chegou a ter 2 mil fiscais em campo e, atualmente, conta com 350 agentes para realizar o trabalho de fiscalização no Brasil inteiro. Meu sonho é tentar reduzir pela metade a perda da floresta ainda neste ano, mas sei que a situação não é exatamente favorável para isso”.

Segundo Agostinho, porém: “O Ibama voltou a trabalhar. O discurso presidencial mudou. Se as pessoas estavam esperando continuar investindo em exploração ilegal de madeira, em garimpo em terra indígena, porque não tinha mais fiscalização, agora começam a repensar isso”.

Para descascar o abacaxi, como diz o ditado, ele conta com a longa experiência. Nascido no interior paulista, em Cafelândia, iniciou a carreira como vereador, em Bauru, tendo sido, a seguir, prefeito da cidade.

Eleito posteriormente deputado federal, pelo PSB de São Paulo, integrou a comissão de Meio Ambiente da Câmara, colegiado que chegou a presidir. Também coordenou a Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, além de ser membro titular do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) por mais de 10 anos. E mais: integra a Comissão Mundial de Direito Ambiental da União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN). Fora o currículo, sempre foi um apaixonado pela causa ambiental. Segundo diz, tem dedicado a vida pública a defender mananciais.

“Tenho paixão pelos rios. Estão tentando acabar com os conselhos e os comitês de bacia, lugares onde a sociedade civil tem voz. É através da sociedade civil que fazemos com que as políticas públicas avancem”, comentou Agostinho, que já recebeu a medalha Velho Chico, concedida pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). “É preciso que lutemos para retomar o diálogo com a sociedade e não deixarmos que as decisões sejam tomadas de cima para baixo, como vem acontecendo”.

O novo dirigente do Ibama costuma afirmar: tudo está contido na Constituição de 1988, que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, definindo-o como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Sendo assim, ele apresentou um projeto em tramitação na Câmara para permitir que pessoas e empresas possam acionar a justiça para frear a degradação ambiental. A permissão para que qualquer

Quando ainda era deputado federal, Rodrigo Agostinho (PSB-SP) afirmou que iria defender os direitos dos indígenas. Ao seu lado, grande liderança indígena, Cacique Raoni, conhecido internacionalmente por sua luta pela preservação da Amazônia e dos povos

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Arquivo câmara dos deputados

cidadão possa atuar na defesa do meio ambiente estava prevista em texto aprovado pelo Congresso Nacional, mas acabou vetada pelo então presidente João Figueiredo. “Foi vetado com o argumento de que ‘não seria aconselhável dar a todos o poder de pedir a concessão de liminares judiciais para prevenir ou corrigir a degradação ambiental’. Um verdadeiro equívoco, ainda mais quando fundamentado no ‘interesse público’”, explicou.

Na opinião de Agostinho: “Ao longo dos anos a jurisprudência internacional e nacional evoluiu no sistema de garantias dos direitos, permitindo que todos os cidadãos pudessem buscar no Judiciário o direito fundamental de um meio ambiente sustentável e protegido da degradação operada pelo homem nos biomas, florestas, rios e oceanos”.

Na coordenação da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso, a busca fora por unidade: “Nosso ideal é trabalhar para adotar medidas mais duras ao combate do desmatamento e, para isso, precisamos do apoio da sociedade civil. É muito importante

que estejamos de olho no que acontece dentro do parlamento e no que acontece, de maneira geral, nas políticas públicas brasileiras”, declarou à época. Sobre os debates em torno das mudanças climáticas costuma destacar: “O licenciamento ambiental, a política de segurança em barragens e a proteção das unidades de conservação terão nosso monitoramento sistemático. Não podemos retroceder um milímetro na legislação ambiental do país. Vamos ter processo de extinção em massa, o desequilíbrio ambiental tende a aumentar. Precisamos reagir”.

À frente do Ibama, Agostinho está às voltas com o novo Plano de Ação Para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), uma ferramenta originalmente lançada em 2004, fundamental para a queda de mais de 80% no desmatamento da floresta entre aquele ano e 2012. Segundo ele, apesar do sucesso, o plano falhou em promover um projeto de desenvolvimento sustentável que oferecesse alternativas econômicas à região que não passassem pela destruição, o que pavimentou

a retomada da devastação nos últimos anos. Na sua opinião, porém, a nova versão contemplará isso, ao mesmo tempo em que terá de lidar com esse cenário mais complexo de criminalidade.

“A minha paixão pelo meio ambiente é o que me move, mas as análises aqui no Ibama são técnicas. Agora o que a gente precisa é ter muita clareza sobre o projeto de país que queremos e essa não é uma decisão do Ibama. É uma decisão de governo, que precisa ser muito equilibrada”, comentou. “ A gente está vendo as declarações do presidente, da ministra. Nunca um governo falou tanto de sustentabilidade como estamos ouvindo agora. É uma grande oportunidade. O Brasil pode ser líder em energia limpa e renovável, na busca por outros caminhos. Eu estou muito confiante nisso. Acredito que o futuro do país está aí. E a continuidade da nossa existência neste mundo depende disso. As mudanças climáticas vêm para nos lembrar o tempo todo de que ou nos reconciliamos com a natureza ou as consequências serão desastrosas”.

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Alan Rodrigo Rodrigo Agostinho foi homenageado com a medalha Velho Chico em 2019

Política Pública

Por: Luiza Baggio

Arte: Albino Papa

A VOLTA DA ANA

Central na gestão de recursos hídricos do país e para conduzir o Marco Legal do Saneamento, ANA retorna à pasta do Ministério do Meio Ambiente

A Agência Nacional de Águas (ANA), responsável por implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos no Brasil, retornou à pasta do Ministério do Meio Ambiente, que agora é também da Mudança do Clima. A transferência faz parte de Decreto editado após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A autarquia retorna à pasta ambiental quatro anos após ter sido vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), criado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A remoção da instituição do Ministério do Meio Ambiente e sua transferência para o então novo Ministério – fruto da fusão dos Ministérios das Cidades e da Integração Nacional – foi criticada, principalmente, por não ter sido debatida com a sociedade e por denotar um esvaziamento da pasta ambiental, conforme disse Vicente Abreu, que presidiu a ANA entre 2010 e 2018. “O fato de a entidade ter sido vinculada a um Ministério de caráter econômico, quando a água é considerada um recurso fundamental para a manutenção da vida humana e do meio ambiente, foi uma das críticas direcionadas à gestão Bolsonaro por conta da mudança”, afirmou.

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Controvérsia

Já o governo de Lula tem reforçado os principais eixos do seu terceiro mandato: democracia, combate à fome e sustentabilidade ambiental. Ciente de sua importância nessa tríade, a ministra do Meio Ambiente e Mudanças no Clima, Marina Silva, deu a primeira demonstração de força já nos dias iniciais do governo, quando houve uma controvérsia política sobre qual pasta deveria abrigar as atribuições da ANA.

Em sua cerimônia de posse, quando ainda pairavam dúvidas sobre o destino da ANA, a ministra garantiu que ficaria com o Meio Ambiente. A agência terá atuação importante, por exemplo, no novo arcabouço regulatório do saneamento básico. Por causa disso, havia uma disputa entre os ministérios das Cidades, da Integração Nacional e do Meio Ambiente. Com a nova estrutura regimental assinada pelo presidente Lula em sua posse, a atribuição de regulamentar os múltiplos usos da água é devolvida ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que a ANA foi transferida para um “não-lugar” durante a gestão de Bolsonaro. “A ANA não pode estar embaixo de um setor que demanda a outorga, como era o caso do Ministério do Desenvolvimento Regional. Tem que estar em um lugar neutro porque a lei estabelece critérios –primeiro atender à sede humana, depois, animal, e depois aos demais usos”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico (02/01/2023).

Saneamento Básico

O tema do saneamento é um dos mais delicados para o atual governo, uma vez que o Brasil está a uma década do prazo para o cumprimento das metas estabelecidas pelo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei Federal nº 14.026/2020). Pela norma, até 2033, o país deve garantir que 99% da população tenha acesso ao abastecimento de água potável e que 90% da população deve ser assistida com serviços de coleta e tratamento de esgoto.

A diretora-presidente da ANA, Veronica Sánchez citou os objetivos da agência para alcançar o Marco Legal do Saneamento. “Apesar da constatação de um diagnóstico de uma situação ainda precária no acesso ao serviço por grande parte da população, temos uma grande oportunidade trazida pelo novo marco e que já configura atração de investimento dez vezes maior que os praticados até o momento, que mudará o cenário da prestação de serviços no Brasil e do acesso ao serviço pela população brasileira”, ressaltou.

Veronica Sánchez explicou ainda que a ideia da ANA, por meio do novo Marco do Saneamento, é garantir a universalização do acesso aos serviços. Assim, incluir novas atribuições para a agência no sentido de dar normas de referência para a regulação do setor no país.

“A Agência vai editar normas baseadas na melhor prática nacional e internacional para regulação desses serviços. Isso permitirá que as agências reguladoras infranacionais possam incorporar essas normas de referência e melhorar a qualidade e os padrões da prestação de serviços no país, por meio de melhorias na fiscalização e na elaboração de contratos de concessão da prestação de serviços”, afirmou.

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Entenda o papel da ANA na agenda ambiental

A ANA é responsável pela emissão de outorgas de direito de uso dos recursos hídricos em rios sob domínio da União. Também faz a regulação dos recursos hídricos em âmbito nacional, institui as normas de referência e disciplina a operacionalização e o controle por meio dessas outorgas, além de garantir o uso múltiplo das águas para consumo humano, irrigação e indústria, sem que haja conflitos.

Cabe ao órgão regulador a definição das condições de operação dos reservatórios públicos e privados, monitoramento do nível de água pela medição das vazões e avaliação da viabilidade de obras hídricas com uso de recursos federais.

A agência pretende também incentivar a criação de novos Comitês de Bacias Hidrográficas. A ideia é que eles reúnam integrantes da sociedade civil e representantes do poder público para debater a gestão das águas e incentivar a regionalização da prestação dos serviços.

Desde 2020, a ANA passou a editar normas de referência também para o setor de saneamento. No entanto, não cabe ao órgão a fiscalização dos serviços prestados nem a aplicação de sanções, que são atribuições das agências reguladoras municipais e estaduais.

Outras atribuições da agência são regulação de serviços de irrigação em regime de concessão e de distribuição da água e a fiscalização da segurança das barragens. O Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB) reúne o cadastro daquelas com usos múltiplos da água, de geração de energia elétrica, de contenção de resíduos industriais e de contenção de rejeitos de mineração.

VOCÊ TEM

SEDE

DE QUÊ?

Após muitos anos enfrentando a falta d’água, o povo Kariri-Xocó celebrou a inauguração do novo sistema de abastecimento da comunidade, composto por uma unidade de captação, redes adutoras, além de estação de tratamento e reservatório. Com custo de quase nove milhões de reais, a obra, capitaneada pelo CBHSF, vai beneficiar 4.200 indígenas

Infraestrutura
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Pedro Vilela Aldeia indígena Kariri-Xocó, localizada em Porto Real do Colégio (AL)

Foi um dia especial, celebrado com a cerimônia do Toré, a tradicional ciranda do povo Kariri-Xocó. Em 31 de março, a comunidade indígena, plantada à beira do Velho Chico, no município de Porto Real do Colégio, em Alagoas, recebeu do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) uma obra há muito aguardada: “Este é um momento histórico para a nossa comunidade e eu agradeço ao Comitê por tornar este sonho possível”, discursou o conselheiro tribal José Eudes Militão. Segundo o cacique José Cícero, a luta pelo acesso à água vinha de muito longe e a conquista de um sistema de abastecimento significava uma grande vitória: “Agora estamos com o sistema aqui e todos poderão ter acesso. O Comitê está de parabéns. Somos muito gratos pela execução do projeto”. Já Naldinho, uma das lideranças comunitárias presentes na festa, destacou: “Um olhar sensível, que ajudará a melhorar a qualidade de vida e a saúde de todos”.

Com investimento de quase nove milhões de reais, o novo sistema de abastecimento vai beneficiar cerca de 4.200 indígenas. A obra abrange uma unidade de captação, redes adutoras, além de estação de tratamento e reservatórios. De acordo com Maciel Oliveira, presidente do CBHSF, ainda em 2017 o Comitê realizou o diagnóstico do problema enfrentado na comunidade. “A estação de tratamento de água que abastecia a comunidade não apresentava isolamento adequado, o que permitia a contaminação da água por diversos fatores patógenos”, explicou Maciel: “Ademais, a baixa vazão do Rio São Francisco naquele período acarretou novas dificuldades para a captação de água que, até então, era feita em uma área de baixa corrente do rio, tornando o espaço propício para a concentração de algas e materiais orgânicos em excesso”.

No ano seguinte, 2018, foram iniciadas ações pontuais em conjunto pelo CBHSF, Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Agência Nacional de Águas (ANA) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Era preciso suprir a demanda urgente de água potável do povo Kariri-Xocó. A partir daí, porém, a direção do Comitê passou a arquitetar uma solução definitiva para o problema de abastecimento. Conforme Anivaldo Miranda, coordenador da Câmara Consultiva Regional do Baixo São Francisco, já naquele ano de 2018 firmou-se o acordo de cooperação técnica entre o Comitê, o Distrito Sanitário Especial Indígena de Alagoas e Sergipe, a Associação Comunitária Indígena Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio (AL) e a Agência Peixe Vivo. “Essa conquista é fruto da política participativa de recursos hídricos, e nós do Comitê ficamos satisfeitos em poder viabilizar um projeto que traz dignidade”, comentou Anivaldo.

Representando o secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hidrícos, Gino César, o superintendente de Meio Ambiente, Marcelo Ribeiro pontuou que essa parceria entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Alagoas (Semarh/AL) é de extrema importância para a execução de grandes projetos em prol das populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas. “O Comitê está de parabéns pela implantação do sistema de abastecimento de água que beneficiará centenas de Kariri-Xocós e trará saúde para todos eles”, disse. O procurador da República Érico Gomes, titular do Ofício Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, destacou a atuação do Ministério Público Federal (MPF): “Promovemos reuniões e atuamos para destravar barreiras, unir indígenas e resolver outros entraves para que a comunidade tivesse uma boa qualidade de água e em quantidade suficiente. Aproveitamos para parabenizar os parceiros e ressaltar a importância dessa cooperação interinstitucional”.

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Com investimento de quase nove milhões de reais, o novo sistema de abastecimento vai beneficiar cerca de 4.200 indígenas

Cultura de resistência

Há infinitas gerações, o povo Kairi-Xocó resiste à beira do Velho Chico. Aliás, a própria denominação remonta ao genocídio que atravessara a colonização, adentrando o século 20. No tempo do Império, muitos grupos se fundiram na região, migrando em busca de sobrevivência: Xocó, Fulni-ô, Natu, Caxagó, Aconã, Pankararu, Karapotó, Tingui-Botó. Já no século 20, com a fusão entre os Kariri, de Porto Real do Colégio, e parte dos Xocó, da ilha fluvial sergipana de São Pedro, veio o nome: Kariri-Xocó.

Nas danças do Toré, os Kariri-Xocó guardam essa memória de luta. “To” significa som e “Ré” significa sagrado. No Toré, os cantos e danças expressam os acontecimentos históricos e culturais, além dos fenômenos naturais. O instrumento musical é a maraca, tocada acompanhando os batimentos cardíacos. As danças circulares representam a circunferência da terra, do sol, da lua, da aldeia, da maloca, da vida.

AS ENGRENAGENS DO SISTEMA

• Uma unidade de captação flutuante com capacidade de bombeamento de 26 litros de água bruta por segundo;

• 2,2 km de rede adutora de água bruta em tubulação pvc-o, com 200 mm de diâmetro;

• Três adutoras de água tratada, totalizando 7,2 km;

• Uma estação de tratamento de água composta pelas principais fases de tratamento necessárias para a água bruta captada no Rio São Francisco;

• Um reservatório na estação de tratamento com capacidade para reservar 250 mil litros de água;

• Um reservatório elevado no Ouricuri com capacidade para reservar 220 mil litros de água;

• Um terceiro reservatório em plástico reforçado com fibra de vidro e capacidade para reservar 20 mil litros de água;

• 10,4 km de redes de distribuição;

• Cerca de 1.000 ramais hidrometrados.

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Edson Oliveira
Por: Deisy Nascimento Infraestrutura 30
Edson Oliveira

ÁGUA

DE BEBER

No último dia 16 de março, o CBHSF entregou à cidade de Piaçabuçu, em Alagoas, foz do Rio São Francisco, os chamados tanques-pulmão, um robusto sistema de captação e armazenamento de água que chega para mudar a realidade. Durante a seca prolongada, entre 2013 e 2019, o mar adentrou o Rio São Francisco, ocasionando a salinização das águas na região

Durante a pior seca dos últimos tempos, entre os anos de 2013 e 2019, o Velho Chico perdeu força, correndo fraco rumo à foz, no município de Piaçabuçu, em Alagoas. Com isso, o mar entrou rio adentro, salgando tudo. De repente os moradores da região se viram sem água potável, virando-se com caminhões-pipa e água salobra. Para os pescadores, apareceu peixe de água salgada na água doce. Com a salinização do São Francisco, até a saúde da população acabou afetada, com o aumento de doenças como pressão alta e hipertensão. Desde então, Piaçabuçu enfrentava essa luta, que terminou no último 16 de março, quando a cidade recebeu, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), os chamados tanques-pulmão, um robusto sistema de captação e armazenamento de “água bruta”.

Segundo o Secretário Municipal de Educação de Piaçabuçu, Guto Beltrão, uma das autoridades a discursar na solenidade de entrega dos tanques-pulmão à comunidade, “a obra é um alento para a população local que vive uma crise hídrica, com água salgada que é imprópria para consumo. Nossa gratidão ao Comitê que uniu esforços para trazer água de boa qualidade à cidade”.

O investimento foi da ordem de 10 milhões de reais, mas, para a dona de casa Maria das Dores, o resultado vale ouro: “A água era muito barrenta, às vezes salobra, cheia de pó, amarela que não prestava para nada. Até para fazer o arroz era complicado e o café ficava salgado”. Para melhorar a qualidade da água de Piaçabuçu, foi instalada uma tubulação adutora, transportando a água do novo sistema de captação para os novos reservatórios. Também foram implantados painéis elétricos, gerando a energia necessária. Ao todo são três reservatórios de 275 m³, totalizando 825 m³ para armazenamento de água. Além das estruturas acessórias para a captação e adução de água, que incluem a implantação de sistema de captação a fio d’água, ocorreu a implantação de elevatória de água bruta, incluindo fornecimento e montagem de plataforma flutuante, ancoragem e dois conjuntos de bombas.

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“Nós estamos recebendo um sistema que vai nos ajudar demais na capacidade de reserva de água bruta e melhorar o carregamento de água para a estação de tratamento, em Piaçabuçu”, pontuou o presidente da Companhia de Saneamento de Alagoas (CASAL), Luiz Neto. “Para o município é extremamente importante ter um aumento da capacidade de reserva para justamente manter essa prestação de serviço, no mínimo, satisfatória”.

Durante a inauguração dos tanques-pulmão, Anivaldo Miranda, coordenador da Câmara Consultiva Regional (CCR) Baixo São Francisco do CBHSF, estava emocionado. Na oportunidade, ressaltou a importância da valorização da água e sua gestão planejada, bem como cobrou de alguns órgãos um trabalho mais aprofundado em defesa do Rio São Francisco e das populações ribeirinhas. “A construção dos tanques pulmão, em Piaçabuçu, assim como de outros

projetos, é fruto da cobrança pelo uso da água. É pouco, mas estamos conseguindo redistribuir e levar projetos bem planejados, preparados e úteis, dentro de uma gestão séria, que ajudam as comunidades nas regiões onde há a necessidade de água com melhor qualidade”, disse. Segundo Anivaldo, a ideia de construir um sistema de reserva nasceu na sala de crise da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

“A ideia do sistema de captação, adução e reserva de água bruta, que beneficiará milhares de moradores da região, com o abastecimento de 100% da sede urbana, surgiu no contexto da crise hídrica, do período de 2013 a 2019, quando as vazões chegaram a 500 m³/s e o Comitê se propôs a resolver algumas situações emergenciais, como o consumo de água da população da região, já que todos estavam consumindo água salgada”, comentou.

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Adutora vai reduzir salinidade da água em Piaçabuçu

Para o presidente do CBHSF, Maciel Oliveira, o importante é que Piaçabuçu vai voltar a consumir água de qualidade: “Este é um dos grandes marcos do Comitê e um dos principais projetos em execução, pois é proveniente de um conflito pelo uso de água. A prefeitura de Piaçabuçu, bem como a CASAL, consequentemente, solicitaram nosso apoio na resolução desse conflito. Toda essa situação surgiu em decorrência das diminuições constantes de vazão do Rio São Francisco. O Comitê investiu mais de 10 milhões de reais para a melhoria da qualidade da água e vida da população”.

Hoje, quase metade dos moradores de Piaçabuçu sofre de pressão arterial alta. O consumo de água salgada é um risco para a população e havia se tornado um problema crônico no município. A expectativa é que a mudança no abastecimento melhore a saúde das pessoas. “A quantidade

de medicamentos para hipertensão era 30% maior do que em municípios como Penedo e Igreja Nova que estão rio acima. A nova adutora vai buscar mais água na Foz e, consequentemente, irá captar menos água com sal e o armazenamento através dos tanques vai melhorar a qualidade dessa água”, explicou Ângelo Barros, coordenador da Vigilância Sanitária de Piaçabuçu.

A obra vai colocar em funcionamento um sistema que estará apto a abastecer a população da sede urbana do município de Piaçabuçu (AL) em um horizonte de 20 anos.

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Pedro Vilela

Fotos: Letícia Massula

ESTÔMAGO UM ROTEIRO QUE PEGA PELO

Em duas viagens ao longo do Velho Chico, da nascente à foz, a badalada chef Letícia Massula descobriu a sofisticação e a diversidade da culinária franciscana, que vai ganhando cores e sabores conforme a transição dos biomas

Por: Karla Monteiro
Gastronomia 34
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Meio mineira, meio goiana, a cozinheira Letícia Massula costuma usar uma medida de tropeiro nas suas viagens: quatro queijos e uma rapadura, com direito a reabastecimento na estrada. Entre os anos de 2014 e 2016, ela realizou duas longas jornadas. Na primeira, cortara metade do Brasil, sempre beirando o Rio São Francisco, da nascente, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, à foz, na cidade de Piaçabuçu, em Alagoas. Na segunda, também margeando o Velho Chico, o destino fora a mítica Canudos, na Bahia. Segundo Letícia, comida boa nunca lhe faltou. De Minas a Alagoas, cruzando cinco estados, vai se descobrindo a sofisticação da culinária ribeirinha. Conforme as transições de biomas, a comida se transforma, sem jamais perder de vista o sabor. “A gente dormia onde dava. Se o lugar era legal, ficávamos um tempo. Para mim, são viagens de pesquisa. Vou sempre focando no que se come”, contou: “Costumo observar a comida do ponto de vista social. A culinária não está dissociada da infraestrutura”.

A cozinha surgiu na vida de Letícia como uma viela para fora do mundo corporativo. Advogada de formação, decidiu largar tudo e tentar a sorte pilotando um fogão. Primeiro, em 2007, veio a Cozinha da Matilde, uma experiência de fundo do quintal. O nome do caseiro restaurante da Vila Madalena, bairro da Zona Oeste de São Paulo, homenageava o poeta Pablo Neruda e a sua companheira, a cantora lírica Matilde Urrutia, para quem ele escreveu “Cem Sonetos de Amor”. Com mais três comparsas, a ideia consistia em morar numa casa com jardim e receber os clientes debaixo da jabuticabeira. Daí, nasceu um blog que mistura gastronomia e poesia, música e bebidinhas para acompanhar. Em seguida, surgiram oportunidades para apresentar programas de TV: “Brasil CookBook”, da rede BBC, “Receitas Brasil”, do canal Sony, e “Trivial Perfeito”, da TV UOL. Em meio disto tudo, Letícia vai achando tempo para botar o pé na estrada.

“Da primeira vez que viajamos pelo São Francisco, fomos em junho. É maravilhoso, tudo está conectado às festas juninas. Fim das colheitas, fogo nas portas das casas, toda uma simbologia. Muito bonito adentrar o sertão nessa época do ano. Tempo de fartura”, comentou. “A segunda viagem aconteceu no final do ano. É completamente diferente. Muda toda a comida, muda tudo. Na minha opinião, o pôr do sol mais bonito do Velho Chico é na cidade de São Francisco, perto de Januária, em Minas Gerais.Chegamos bem na hora em que o sol se punha”.

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A cozinheira Letícia Massula, em uma de suas viagens pela bacia do Velho Chico Bolo Manauê, popular no sertão

A primeira viagem de Letícia começou na Canastra, onde, obviamente, ela fez um tour de degustação pelas queijarias. “Saímos de lá com um contrabando de mais de 30 queijos na mala”, brincou. Conforme não lhe falha a memória, nesta parte da estrada, o prato principal talvez seja o peixe frito, além da galinha caipira e da carne de porco: “Isto me conectou muito com a minha infância à beira do Paranaíba, em Goiás”. Correndo Minas Gerais, a cultura leiteira também vai saltando aos olhos, com os doces de leite servidos com queijo curado e outras iguarias, como o doce de leite com jiló, além, claro, dos pães de queijo. Adentrando a Bahia, a coisa muda da tradição vaqueira para a cultura do gado de corte. “Muda completamente a maneira de interpretar o animal”, comentou Letícia: “Nesta altura, começa a arte da carne de sol. Originalmente o sertão não tinha sal para o charque, por ser longe do litoral. Então, o que se aprendeu? Aprendeu-se a abrir a carne e deixar secar no vento e na sombra. A chamada carne serenada. O que garante a cura é o vento e o clima seco”.

Para Letícia, a beleza acha-se justamente aí, nesta conexão da culinária com a transição dos biomas. “Some o pão de queijo e entra o biscoito de polvilho doce, por exemplo. Passamos a vivenciar também um trabalho fenomenal com a mandioca. As casas de beiju são absolutamente surpreendentes”. Pelas contas dela, são mais ou menos sete tipos de quitandas diferentes feitas com a mandioca, com ou sem coco, com ou sem gergelim, salgada ou doce, seca ou molhada. O mais impressionante seria o gosto de queijo sem que as receitas levem queijo, apenas ajustando a fermentação. Outra particularidade que chamou a atenção foi a cultura do bode. Nunca comeu tanto bode e preparado de tantas maneiras distintas. “Um lugar muito interessante é o mercado de Aracaju. Ali você acha o sertão e o litoral”, indicou. “Se você subir até Itabaiana, tem os manauês. Parece muito o mané pelado, de Minas. Bolos de milho muito cremosos”.

Parando aqui e acolá, Letícia enxergou a profunda sofisticação na simplicidade da gastronomia ribeirinha. Diante da escassez, busca-se, com o mesmo ingrediente, sabores variados. De manhã, o milho assado substitui o pão. À noite, vira petisco para acompanhar a cachacinha, associado ao peixe frito. “Os sertanejos não desperdiçam nada. Se matam um animal, seja um porco, um boi ou um bode, aproveitam os miúdos em caldos, as tripas para os embutidos e assim por diante”, ressaltou. Ao longo do caminho, até as farinhas se transformam: “Em Minas, farinha de milho, fubá. No sertão, farinhas azedas, com grãos maiores. As padarias sertanejas são muito interessantes, com pãezinhos sem fermento”. Já no verão a atração são as frutas: “Doce de leite com pequi. Leite engrossado com pequi. Pirão de pequi. Doce de leite com jatobá”.

Finalizando à beira mar, Letícia concluiu: “O ideal é viajar sem pressa, parando nos mercados, nas feiras, conversando com as pessoas. Muita história, muita cultura alimentar, muita sofisticação. As maneiras de lidar com os ingredientes são impressionantes. O semiárido me lembrou o Mediterrâneo. Fico indignada quando me dizem que o sertão é lugar de miséria. O sertão é lugar de resistência”.

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Por: Karla Monteiro

Fotos: Léo Boi

SEMENTE DO CERRADO

No Viveiro Educador do Instituto Inhotim, o maior museu aberto do mundo, localizado na mineira Brumadinho, mais de 280 espécies do Cerrado se escondem na luxuosa biodiversidade. Em parceria com o Ministério Público de Minas Gerais, o projeto “Ser do Cerrado” quer proporcionar ao visitante uma experiência de descoberta do bioma

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À primeira vista, enxerga-se uma exuberância sem fim: palmeiras de muitas espécies, árvores frondosas, folhagens luxuosas, uma mistura que remete ao caos contemporâneo dos jardins de Burle Marx. Como adentrar um Oasis da Mata Atlântica em plena Brumadinho, cidade mineira que ganhou fama com a tragédia ocasionada pelo rompimento de uma barragem da Vale, em janeiro de 2019. Inaugurado há 17 anos, o jardim botânico do Instituto Inhotim, considerado o maior museu a céu aberto do mundo, estende-se por 25 hectares de terra, contendo aproximadamente 4,3 mil espécies nativas brasileiras e exóticas de várias partes do mundo. No total, o museu conta com mais de 140 hectares de área de visitação, além de uma reserva particular de 250 hectares. Em meio a tudo isto, segundo a bióloga responsável, Sabrina Carmo, escondese a beleza discreta que Inhotim agora quer revelar com o projeto “Ser do Cerrado”, realizado em parceria com o Ministério Público de Minas Gerais.

“Quem chega ao Inhotim, não enxerga o Cerrado. Mas estamos localizados numa área de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica. Então o nosso objetivo com o projeto “Ser do Cerrado” é treinar os olhos dos visitantes para que eles conheçam, valorizem e protejam o Cerrado”, comentou Sabrina. “Não temos aqui o Cerrado do Norte de Minas, o Cerrado do Goiás, mas também temos Cerrado, porque o Cerrado são muitos”.

Responsável pelo jardim botânico do Inhotim, ela nos conduziu por aquilo que chama de “experiência” do Cerrado, através do Viveiro Educador, um espaço onde pesquisa científica, educação ambiental e paisagismo se encontram. Ao contrário do que se possa imaginar, as espécies nativas do bioma não se encontram em exposição, como as obras de arte penduradas nas paredes das galerias do museu, mas encrustadas no vasto território, ocupado pela emaranhada diversidade. De repente, aparece um capim, um cacto, uma flor do Cerrado, que Sabrina

aponta como quem acabou de encontrar o Wally: “A gente escolheu o espaço do viveiro para, em cada cantinho, colocar algum conteúdo ou estratégia relacionada ao Cerrado”, comentou. Boa parte das plantas contam, por exemplo, com um QR-Code para o acesso a informações da espécie e sua relação com o bioma.

“Então o projeto é isso: uma linha de trabalho de educação conjugada com uma linha de incremento de coleção”, resumiu Sabrina.

Percorrendo as trilhas do Viveiro Educador, a primeira parada é no “Jardim de Todos os Sentidos”, com plantas que podem ser cheiradas e degustadas. Depois, vem o “Jardim Desértico”, que reproduz o desafio da sobrevivência em terras secas e ensolaradas. A seguir, o “Jardim de Transição”, o celebrado encontro do Cerrado com a Mata Atlântica, com trilhas adornadas por um mosaico de espécies botânicas representativas da

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biodiversidade dos dois biomas. Por fim, o “Meliponário”, guardando cinco espécies de abelhas sem ferrão: Iraí, Jataí, Mirim-Droriana, Mandaçaia e Moça Branca. De acordo com Sabrina, as abelhas indígenas exercem papel fundamental na natureza, como polinizadoras: “O Meliponário é o último jardim temático que nós inauguramos, dedicado às abelhas sem ferrão. São abelhas nativas do Cerrado. O mundo inteiro vive uma crise de polinizadores. No Brasil, falar de abelhas sem ferrão é urgente. Falar de abelhas sem ferrão do Cerrado é mais urgente ainda”.

Com o projeto “Ser do Cerrado”, o Instituto Inhotim aumentou a coleção de plantas do Cerrado em 110 espécies, totalizando 280 espécies. Ademais, conta com um laboratório dedicado à coleta de sementes e produção de mudas. Adentrando essa área restrita, encontram-se os enormes freezers e centenas de caixas de sementes. Segundo a bióloga Naiara Mota, caso

o Cerrado acabe do lado de fora, Inhotim pode contribuir para o seu repovoamento. O cenário distópico não se acha distante, verdade seja dita. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, o Cerrado perdeu uma área equivalente a quase duas vezes o Distrito Federal. Foram desmatados mais de 8,5 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa, a maior devastação desde 2016. “O Cerrado é um bioma que vem sofrendo uma velocidade de desmatamento absurda. No último relatório, de 2021, eram 57 hectares de Cerrado perdidos por hora

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Sabrina Carmo, bióloga do Inhotim

Por: Arhtur de Viveiros

Fotos: Fernando Piancastelli

PERDIDA CIDADE

Já ouviu falar da Vila de Santo Inácio? Localizado no sertão baiano, o miúdo vilarejo, distrito de Gentio do Ouro, pode ser a cidade perdida do explorador francês Apollinaire Frot, que seguira as pegadas traçadas no misterioso “Manuscrito 512”

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Arqueologia
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Vista da Toca da Coã Santo Antônio, na Vila de Santo Inácio

Parece coisa do Indiana Jones: seria a miúda Vila de Santo Inácio, distrito de Gentio do Ouro, no sertão baiano, a famosa “Cidade Perdida”? Há coisa de pouco mais de um século, após longa expedição de busca, o explorador francês Apollinaire Frot fez anotações com pistas que indicam que sim. Ou melhor: talvez. Ele seguira as pegadas traçadas no chamado “Manuscrito 512”, contendo o relato de uma expedição de bandeirantes que teria resultado no encontro, primeiro, de uma montanha de cristais, e, depois, de ruinas de um povoado habitado por descendentes do continente de Atlântida. O tal manuscrito havia ficado enterrado na Biblioteca da Corte, hoje Biblioteca Nacional, e fora descoberto, em 1839, pelo naturalista e escritor brasileiro Manuel Ferreira Lagos (1816-1871).

O “Manuscrito 512” já tinha inspirado e inspiraria outros viajantes. Em 1865, o cônsul britânico Richard Burton foi do Planalto Central até Paulo Afonso, descendo o São Francisco de canoa. E, em 1927, Percy Harrison Fawcett partiu de Cuiabá rumo à Bahia. Nunca chegaria. Desapareceu misteriosamente nas selvas do Mato Grosso, junto com um filho e um companheiro de viagem. Sua última comunicação ocorreu nove dias após a partida. Recentemente, em 2018, o explorador espanhol Juan Francisco Cerezo Torres também empreendeu a viagem de busca, chegando à conclusão de que a Vila de Santo Inácio seria, sim, a “Cidade Perdida” de Apollinaire Frot.

O mistério por trás do “Manuscrito 512” rendeu também boa literatura. O escritor inglês Arthur Connan Doyle (1859-1930), criador do detetive Sherlock Holmes, escreveu “O Mundo Perdido”. E o romancista brasileiro José de Alencar (1829-1877) rabiscou “As Minas de Prata”. Se nunca fora possível comprovar se a Vila de Santo Inácio é mesmo este lugar fictício, indicado pelo “Manuscrito 512” e encontrado por Apollinaire Frot, já vale a lenda. Cercado de cachoeiras e vistas privilegiadas do Velho Chico, o vilarejo conta hoje com 300 habitantes, plantado às margens da Lagoa de Itaparica, a maior lagoa marginal do São Francisco.

Os contemporâneos

Os primeiros habitantes da região de Santo Inácio foram os povos indígenas Cariris, Tupinambás e Amoipiras, cujas marcas podem ser encontradas nos maciços de arenito que cercam a cidade. Durante as visitas, os turistas se deparam com pinturas rupestres milenares, a maioria muito preservada, porém algumas já convivem com intervenções humanas recentes, como pichações e nomes gravados nas rochas.

A história de Santo Inácio traz aspectos muito particulares, ligados inclusive à intensa atividade do garimpo de Ouro, Diamante, Cristal e Carbonato iniciada na região em meados de 1850. Os registros das primeiras atividades econômicas remontam ao ano de 1836, justamente relacionadas ao garimpo. Até então, a localidade era habitada pelos povos indígenas originários.

Segundo a moradora Helenita Bessa, de 84 anos, que guarda um caderno com registros importantes da história da cidade, a vila começou a ser estruturada em 1911 com a construção de sua primeira edificação, conhecida pelos moradores como “Convento”. A partir daí, outras estruturas passaram a ser construídas, como a igreja, em 1913, a escola, em 1949, a cadeia, que atualmente está em ruínas, no ano de 1950, e o cemitério, em 1951. O “crescimento” se deu em função do fluxo gerado pelo garimpo na região.

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Barragem de Santo Inácio Pinturas rupestres
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Centro de Santo Inácio, com construções de 1920

Passo a passo

Toca de Santo Antônio

Após cruzar a vila e enfrentar uma caminhada vertical em meio às rochas de um grande maciço de arenito, típica formação da região, o visitante chega a uma região de areia branca e fina onde, logo à frente, está a entrada da Toca de Santo Antônio. Uma pequena gruta natural abriga uma imagem do santo que, devido a ações de vandalismo, já não se encontra em perfeitas condições. Ainda assim, o local parece integrado à natureza, com árvores secas que formam uma espécie de cobertura para o “altar”.

Passada a gruta, é possível avistar, de forma privilegiada, a Lagoa de Itaparica. Localizada em Xique-Xique, município vizinho a Santo Inácio, ela é a maior lagoa marginal do São Francisco, um verdadeiro berçário natural, uma vez que, no período da Piracema, quando os peixes sobem o rio para a desova, é nas lagoas marginais que se dá a postura dos ovos.

Cruzeiro

Ao deixar a Toca de Santo Antônio, o roteiro proposto pelo guia Daniel Leite, 16, segue para a visita ao Cruzeiro. Já não mais sob a areia fina, a sequência da caminhada acontece por entre as pedras, o som do vento forte ressoa nos ouvidos até que o visitante chegue a uma cruz de aproximadamente três metros de altura, cravada nas rochas, que abençoa a cidade ao fundo. Deste ponto, é possível avistar com nitidez toda a vila e, mais uma vez, a Lagoa de Itaparica.

Toca da Coã

O próximo ponto a ser visitado é a Toca da Coã, que garante uma vista privilegiada do pôr do sol na Vila de Santo Inácio. Para chegar ao vão no grande maciço de arenito, que funciona como uma galeria para que os últimos raios de sol do dia adentrem a rocha, é preciso enfrentar uma caminhada em meio às pedras. Em alguns trechos é preciso escalar as rochas, porém, acompanhados por um guia local, a travessia torna-se mais simples e a vista compensa todo o esforço!

Barragem de Santo Inácio

Ainda nos arredores da vila, a cachoeira conhecida como Barragem de Santo Inácio, que abastecia, com água límpida, a cidade em tempos antigos, hoje garante aos turistas, além de um bom banho em águas frias, um visual incrível, com águas brotando por entre as pedras e formando piscinas naturais de rara beleza.

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Folha Larga

Um pouco mais à frente da Barragem de Santo Inácio, de carro, é possível chegar ao córrego da Folha Larga. Ali, embaixo de uma ponte, forma-se outra piscina natural, com as águas que descem do maciço de arenito, e proporcionam também uma nova oportunidade de banho aos turistas. A região também conta com uma vegetação típica do Cerrado brasileiro e as Carnaúbas, uma espécie de coqueiro, ornam a paisagem.

Balneário do Encantado

Seguindo o roteiro, o Balneário do Encantado guarda uma das cachoeiras de maior porte da região e é dica certa para um banho revigorante para aqueles visitantes mais aventureiros. Com trechos rasos, aonde os lambaris chegam sem pedir licença e pequenos bagres nadam livres, a formação natural conta também com um poço de pouco mais de três metros de profundidade e duas cachoeiras descem seus véus por entre as rochas de arenito.

Ne cessidade de conscientização

No entorno de praticamente todos esses belíssimos pontos turísticos naturais, é possível notar a presença de garrafas plásticas, latas metálicas e restos de churrascos deixados por visitantes recentes. O guia, Daniel Leite, morador de Santo Inácio e estudante em Xique-Xique, ressalta a importância da remoção do lixo e da necessidade de preservação de um patrimônio ambiental tão bonito e relevante. “É uma maravilha morar num lugar como este, não tem coisa melhor no mundo, por isso precisamos preservar sempre”, destacou o jovem.

Fim da Viagem

Santo Inácio entrega tudo o que promete desde o momento em que o viajante chega à vila. Um povoado, que pode até ser pequeno em tamanho e densidade demográfica, mas que é enorme em cultura, com seus mistérios arqueológicos, formações rochosas, pinturas rupestres milenares e histórias forjadas pelo garimpo. Enorme também em belezas naturais, formações que proporcionam desde caminhadas e vistas incríveis até banhos revigorantes em belas cachoeiras. Além disso, seus moradores encantam pelo apreço que têm pelo povoado, desde uma das mais antigas moradoras até o jovem estudante que também guia visitantes pelas belezas da (suposta) ‘Cidade Perdida do Brasil’.

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Aconteceu

Por: Mariana Martins

Coletiva de Imprensa

A 10ª edição da campanha “Eu viro carranca para defender o Velho Chico” foi lançada em coletiva de imprensa na Câmara dos Deputados, em Brasília, no dia 18 de abril. Com o mote “Velho Chico: gentes, tradições, vidas”, a campanha se propõe a mobilizar a população do território – o meio político estadual e municipal, as companhias de saneamento, o setor produtivo em geral e a sociedade civil – em torno da necessidade urgente de revitalização do rio, dando, para isso, voz à gente do rio. Participaram membros da Diretoria Colegiada do Comitê, parlamentares e representantes dos povos tradicionais e da imprensa de todas as regiões da bacia. As atividades presenciais serão realizadas no dia 03 de junho, data em que se comemora o Dia Nacional em Defesa do Velho Chico, simultaneamente em quatro cidades da bacia, uma em cada região fisiográfica: Felixlândia (MG – Alto SF), Paratinga (BA – Médio SF), Floresta (PE – Submédio SF) e São Brás (AL – Baixo SF)

Saúde para Piaçabuçu

Uma das obras mais importantes já financiadas pelo Comitê com os recursos provenientes da cobrança pelo uso da água, os três tanques pulmão e a modernização do Sistema de abastecimento vão garantir saúde para a população de Piaçabuçu (AL). A inauguração aconteceu no dia 16 de março deste ano, e contou com a presença do presidente do CBHSF, Maciel Oliveira, do coordenador da CCR Baixo São Francisco, Anivaldo Miranda, do presidente da Companhia de Sanemento de Alagoas (CASAL), Luiz Neto, da secretária Executiva de Gestão Interna (SEMARH), Amélia Fernandes, e do Secretário de Educação de Piaçabuçu, Guto Beltrão.

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Assista ao vídeo da entrega em: bit.ly/tanquepulmao Assista ao vídeo da coletiva em: bit.ly/coletiva-virecarranca Cristiano Costa Edson Oliveira

Educação Ambiental e Reflorestamento

A Associação Aroeira, situada em Piaçabuçu (AL), desenvolve o Projeto de Educação Ambiental e de reflorestamento Bosque Berçário das Águas. O projeto atendido pelo CBHSF tem como principal objetivo a melhoria da quantidade e qualidade das águas do Rio São Francisco e seus afluentes, além de gerar renda, preservando as matas ciliares através da educação ambiental e combatendo a erosão e o assoreamento. Pensando também em adequar o extrativismo sustentável à cobertura ciliar, o projeto, que já está em andamento, abrange ainda a construção de um viveiro de mudas com capacidade de produção de 115 mil mudas por ano, implantação de um bosque berçário, reflorestamento de cinco áreas piloto e construção de 7.480m de cercas.

Articulação políticoinstitucional

Com o objetivo de fortalecer a criação da Frente Parlamentar em Defesa do Rio São Francisco, membros da Diretoria Colegiada do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco têm estreitado laços no Distrito Federal. Com a realização de encontros com ministros, deputados e senadores, esses membros têm levado ao conhecimento da sede do poder, não só os problemas do Velho Chico, como também as ações e realizações do Comitê. Já há assinaturas suficientes para a criação da comissão, cujo lançamento está previsto para junho deste ano.

Mais uma obra entregue

No interior da bacia do Ribeirão Santa Izabel, distante aproximadamente 15 Km do perímetro urbano de Paracatu, foram selecionados trechos que apresentaram índices elevados de estradas suscetíveis à erosão, para receberem ações de recuperação e adequação ambiental. Boa parte do problema da má qualidade da água era atribuída ao grande carreamento de sedimentos proporcionado pelas estradas rurais na época de chuvas, na bacia do ribeirão Santa Izabel, que atende mais de 70% dos paracatuenses. Para minimizar o problema, o CBHSF entregou, em dezembro do ano passado, a adequação de mais de 90 quilômetros de estradas vicinais, além da construção de barraginhas, lombadas, bigodes e bueiros. A obra foi financiada com recursos provenientes da cobrança pelo uso da água.

Água para a comunidade Kariri-Xocó

No dia 31 de março de 2022, a comunidade indígena Kariri-Xocó, de Porto Real do Colégio (AL), foi contemplada com um Sistema de Abastecimento de Água (SAA).

A obra, inteiramente custeada pelo CBHSF, garante à população água de qualidade e em quantidade. A solenidade de inauguração contou com a presença de diversos representantes da comunidade indígena, bem como de autoridades que acompanharam o projeto desde o início. Na foto, o presidente do CBHSF, Maciel Oliveira, o secretário do CBHSF, Almacks Luiz Carneiro, o coordenador da CCR Baixo São Francisco, Anivaldo Miranda, o membro do CBHSF, Pedro Lessa, o superintendente de Meio Ambiente, Marcelo Ribeiro, entre outros.

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Assista ao vídeo do projeto em: bit.ly/comunidadearoeira Cristiano Costa Edson Oliveira Edson Oliveira Assista ao vídeo da entrega em: bit.ly/Kariri Léo Ramos - Ibotirama - BA Por: Maurilo Andreas Ensaio

VELHO CHICO. GENTES, TRADIÇÕES, VIDAS

O Velho Chico é muito mais que um veio de água. É inspiração de tradições, berço de comunidades, nascedouro de sonhos, lar de povos inteiros.

Geraizeiros, vazanteiros, quilombolas, comunidades de fundo de pasto, pescadores artesanais, ribeirinhos, sertanejos, caatingueiros, povos originários e muitos outros têm o rio correndo nas veias.

A identidade do São Francisco se entremeia com as deles em um novelo multicolorido onde a cultura, o trabalho e a vida se encontram, se confundem e se complementam.

Rio de muitas faces, gente de um rio só. Falar do Velho Chico e de suas gentes é falar de pertencimento, de diversidade e de um cuidado para que se preserve o rio por meio do cuidado com as pessoas. E vice-versa.

Conhecer para entender. Entender para admirar. Admirar para proteger, valorizar e respeitar.

Cuidar de gentes, tradições e vidas que se banham na imensidão do São Francisco.

Cuidar dos povos para preservar o rio. Preservar o rio para cuidar dos povos.

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55 Azael Góis
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Edson Oliveira
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Juciana Cavalcante

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Bianca Aun
Apoio Técnico Comunicação Realização

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