literatura Apeou e fez de tudo. Mas, o teimoso não se movia. Para espanto dos presentes, o homem de Deus e do Enxofrudo, sacou uma garrucha de dois canos, tirada de entre a batina, ou sabe-se lá de onde e, pipocou dois tiros no pobre asno emburrador. Este se estatelou no chão, qual um saco de batatas. Gemeu, estrebuchou e morreu em seguida. O homem de fé ainda esbravejou colérico: - Bicho mau! Bicho do Diabo! Pior que certos humanos deste sertão brabo. E emendou no linguajar lá dele: Asino maledetto! Empolgou-se com os aplausos de seus seguidores mais fanáticos.
CAVEIRA DE BURRO Edir Meirelles*
Sarapitanga é uma ilha perdida nos confins do Pacífico. Nela há uma localidade de nome Potiranga. Seus habitantes lembram com espanto uma história que os mais velhos conhecem. Padre Salame foi o primeiro vigário que se estabeleceu na localidade. Homem vaidoso, à socapa, acobertado pelas vestes talares, apregoando Deus e ouvindo confissões, explorava terras e garimpos nas redondezas. Seus domínios eram rentáveis, graças aos trabalhos dos nativos escravizados, tanto na mineração, plantações, criação de ovelhas e bovinos. Tinha lá suas montarias com arreata de alta qualidade. Estribos e esporas de prata, arreios com cabeção da mesma qualidade. Contam que certa ocasião montava um burro recém-adquirido de um tropeiro. Um belo e vistoso animal. Castanho com estrela branca na testa. Deu-lhe o nome de Estrelo. Certo dia o animal empacou bem ali no espaço em frente à Igreja. Local que mais tarde foi transfor-mado na praça central. O pároco tudo fez para que o animal prosseguisse viagem. Esporeou, chibatou, espancou o animal sem resultados. Souberam, mais tarde, que Estrelo era um burro mesmo manhoso, amuava com frequência e não havia filho de Deus que o fizesse arredar do lugar. Até os vizinhos e fiéis tentaram ajudar o pároco a desempacar o bicho. O padre ficou furioso. Possesso, evocou Deus e os Santos.
– É assim que se faz queridos irmãos. E acrescentou: os fedorentos precisam ser reeducados ou então ir para o inferno, debaixo da terra. Padre Salame encarregou Jerimum, seu auxiliar e sacristão, de salvar a arreata valiosa e dar sumiço no defuntíssimo empacante. - Não quero sentir o fedor desse detestável animal aqui! Vociferou e seguiu para a casa pastoral, onde o aguardava um jantar suculento. Porém, o sacristão Jerimum, homem de pouca iniciativa, ficou numa bananosa. Não se atinava como cumprir a tarefa hercúlea. Como retirar a caracaça do burro para lugar distante!? Tivesse uma junta de bois! Mas cadê! Até que um filho de Deus, que a tudo assistia, deu uma orientação va-liosa. - Ora, rapaz! Faça uma cova aí mesmo ao lado e rola o corpo do animal para dentro da vala e bota terra em cima. Foi o que fez Jerimum. Aproveitou uma pequena vala já existente. Tirou a camisa e cavou noite adentro. Foi além dos sete palmos recomendados. Com a ajuda de amigos, rolou o corpo do animal cova adentro. Cobriu com terra. Queria assinalar o local com uma cruz, mas foi desaconselhado. A história explodiu e ecoa naquele ermo do sertão de Potiranga ainda hoje. Levada pelo vento, pelo rolar das águas e o coaxar das rãs, circula até os dias de hoje. Se verdadeira ou não, ninguém sabe Revue Cultive - Genève
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