Muito embora lswara seja, em certo sentido, uma pessoa, deve-mos tomar cuidado para não considerá-lo como semelhante ou idêntico à jiva, a alma humana individual. lswara, como jiva, é Brahman unido a Maya, porém com esta diferença fundamental: lswara é o senhor e controlador de Maya; jiva é o servo e joguete de Maya. Podemos pois dizer, sem paradoxo, que somos ao mesmo tempo Deus e os servos de Deus. Em nossa natureza absoluta, somos unos com Brahman; em nossa natureza relativa, somos diferentes de lswara e estamos sujeitos a Ele. A devoção a lswara, o Deus Pessoal, pode levar um homem muito longe no caminho da espiritualidade, pode transformá-lo num santo. Mas este não é o conhecimento final. Ser completamente iluminado é ir além de lswara, é conhecer a Realidade Impessoal subjacente à Aparência divina pessoal. Podemos converternos em Brahman, já que Brahman sempre está presente em nós. Mas jamais poderemos converter-nos em Iswara, pois lswara está acima da nossa personalidade humana e dela se diferencia. Segue-se, portanto, que nunca nos tornaremos governantes do universo - pois essa é a função de lswara. O desejo de usurpar a função de lswara é a loucura máxima do ego. Na literatura cristã, ela é simbolizada pela lenda da queda de Lúcifer. Vyasa, o autor dos Brahma Sutras, diz a mesma coisa ao afirmar que ninguém poderá adquirir o poder de criar, governar ou dissolver o universo, já que esse poder pertence unicamente a lswara. E Shankara, em seu comentário, discute o problema da seguinte maneira: “Quando um homem, através da adoração do Brahman qualificado (lswara), alcança o conhecimento do Supremo Governante, preservando ao mesmo tempo sua consciência individual, seu poder é limitado ou ilimitado? A esta pergunta alguns responderão que seu poder é ilimitado, e citarão os textos das escrituras onde se trata daqueles que alcançam o conhecimento de lswara: 'Eles conquistam o seu próprio reino', 'Todos os deuses lhes oferecem adoração’” 'Seus desejos são realizados em todos os mundos'. Mas Vyasa responde a essa pergunta quando acrescenta: 'sem o poder de governar o universo'. Todos os outros poderes de lswara podem ser adquiridos pelas almas libertas, mas esse pertence unicamente a lswara. Como sabemos disso? Sabemo-lo porque Ele é protagonista de todos os textos sagrados relativos à criação. Esses textos não fazem a menor referência às almas libertas. Eis por que Ele é chamado 'o eternamente perfeito'. As escrituras dizem também que os poderes das almas libertas são adquiridos através da adoração e da busca de Deus; portanto, elas não têm lugar no governo do universo. Ainda aqui, visto que as almas libertas preservam sua consciência individual, é possível que suas vontades difiram e que, enquanto uma deseja a criação, outra pode desejar a destruição. A única maneira de evitar esse conflito é subordinar todas as vontades a uma vontade única. Devemos, pois, concluir que as vontades das almas libertas dependem da von-tade do Supremo Governante.” Se existe uma só consciência, um só Brahman, quem vê e quem é visto? Quem vê Brahman como lswara, e quem é jiva? São eles diferentes ou uma só coisa? Enquanto o homem se encontra nas limitações de Maya, o único é visto como muitos. Tudo o que a ignorância pode fazer é adorar a Aparência; e lswara é o governante de todas as aparências - a mais elevada idéia que a mente humana pode apreender e o coração humano amar. A mente humana é incapaz de apreender a Realidade absoluta; tudo o que ela pode fazer é inferir a sua presença e adorar uma imagem projetada. No processo dessa adoração, a mente se purifica, a idéia do ego se dissipa como a névoa, a sobreposição cessa e lswara e a aparência de mundo se desvanecem na chama da consciência transcendental quando o que vê e o que é visto deixam de existir - nada mais existe senão Brahman, o Fato único, universal, atemporal.
O problema do mal Toda religião ou sistema de filosofia deve tratar do problema do mal - mas, infelizmente, este é um problema que em geral é mais contornado do que explicado. "Por que", pergunta-se, "Deus permite o mal, se Ele Próprio é só bondade?” Uma ou duas respostas costumam ser dadas a essa pergunta pelo pensamento religioso ocidental. Às vezes nos dizem que o mal é uma questão educacional e penal. Deus nos castiga pelos nossos pecados visitando-nos com a guerra, a fome, os terremotos, as calamidades e as doenças. Serve-se da tentação (quer diretamente, quer pela intervenção do Demônio) para pôr à prova e fortalecer a virtude dos homens bons. Essa é a resposta dada pelo Antigo Testamento. Na época atual, ela repugna a muitas pessoas e tomou-se antiquada - embora, como veremos logo adiante, contenha um certo grau de verdade, segundo a filosofia do Vedanta. 10