Cotidiano
A calça “Lee” Adenair Vazz
E no 7 de setembro, tinhamos o desfile da Independência do Brasil. De saia com comprimento na altura do joelho e usando a camiseta do time de basquete com a medalha pendurada no peito, eu me sentia muita honrada. Esse era um grande feito na minha vida de adolescente. Honra mesmo foi participar da Olímpiada de Matemática. Na minha casa, minha Mãe organizou até uma festinha para me receber, no final da prova. E eu me sentia importante e inteligente, uma adolescente abrindo os olhos para o novo mundo. O primeiro disco dos Beatles, uma das meninas da classe o trouxe para o recreio. E passou de mão em mão. Eu estava encantada, foi a primeira vez que eu pude beijar a foto do Paul! Ah! como dançamos essas músicas! Ser tirada para dançar, de rosto colado, o beijo na boca, muitas emoções novas. Eu mal me reconhecia, me sentia uma adolescente mulher, que iria conquistar o mundo. O pai de uma garota da classe trazia calça “Lee- Levis Straus”, original dos EUA. As importações estavam proibidas naquela época, mas o papai super-herói de minha amiga, conseguia trazer. Coloquei meu nome na lista, eu tinha que ter uma calça “Lee” original. Dinheiro eu não tinha ainda, mas para quem estava conquistando o mundo, isso não seria problema. Resolvi, então, dar aula particular de matemática para a vizinhança e comecei a trabalhar nessa ideia. A en-
comenda demorou a chegar e quando chegou, eu tinha quase toda a quantia, faltava bem pouco. Meu pai contribuiu com o restante do dinheiro e o valor se completou. O dia que eu vesti minha calça “Lee” original foi, com certeza, um dos dias mais felizes de minha vida. Eu me sentia a adolescente mais feliz do mundo e agora dava aulas de matemática. E no início do ano de 1974, mudei meu status. Estou passando de punk da periferia da Freguesia do Ó, a adolescente que estuda num colégio estadual enorme, para me tornar uma filha da PUC. Entrei na Universidade, sou a primeira da minha família. Estou finalizando o último capítulo do livro “Admirável Mundo Novo”, que tanto recomendou a professora de Filosofia, terminando de me vestir e vai se passando um filme pela minha cabeça. Tantas coisas e pessoas a agradecer. Estou usando a minha calça “Lee” e saio para um novo mundo adorável e misterioso. Sou a nova universitária do curso de Matemática.
magazine 60+ #27 - Setembro/2021 - pág. 55
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