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Sede de esperança Nilmar Carlos Gatto* A pandemia externou com nuanças as veias das vulnerabilidades que a humanidade escondia em propagandas de neon, onde os humanos eram estimulados ao consumo sem olhar os que não tinham suas imagens no Facebook, no Instagram e nem o pão de cada dia para pôr na mesa e partilhar com a família. Os tempos ante pandêmicos, igualmente, punham em risco o viver da humanidade e a Mãe Terra. Todo o acúmulo é peso, sufoca, seja em qualquer momento da vida. Dificulta, assim, o caminhar, a agilidade para mudar, criar e recriar. Os jovens aprendizes, com a pandemia, reduziram o convívio com outros jovens, onde se aprendia junto, além de uma prática profissional, a convivência e as amizades. A pandemia roubou-lhes o olhar, o respirar, o toque da convivência que alimenta o humano nas suas diferenças. Isso faz lembrar Harari: “Não só nossas mãos, olhos e cérebros são distintamente hominídeos como também nosso amor, nossa paixão, nossa raiva e nossos vínculos sociais. Dentro de um ou dois séculos, a combinação da biotecnologia e a Inteligência Artificial poderá resultar em traços, físicos e mentais que se libertem completamente do molde hominídeo” (Y.N. Harari. 21 lições para o século 21, 2018, pg.158). Será que a existência da pandemia teria outro efeito se já não fossemos mais hominídeos? Futuristas a parte. Os jovens seguem e sempre serão hominídeos, mesmo com o avanço da biotecnologia que favorecerá a vida e não criará um outro “ser”, mas fará deste que existe, mais solidário, mais participativo e mais comunitário. A isso chamamos de esperança ativa. A pandemia, que jogou muitos sonhos e muitas vidas para a incerteza, poderá trazer em seu bojo esta sede de esperança? O poeta francês, Charles Péguy, escreveu sobre as virtudes: Fé, Esperança e Caridade a seguin-
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Que a esperança pós-pandêmica coloque no centro o humano e não o poder do dinheiro. te narrativa que poderá auxiliar para alimentarmos a esperança de um mundo onde o humano será valorizado em sua integralidade e não pelo seu consumo desenfreado. Ele conta que viu as três irmãs caminhando de mãos dadas. Segundo o poeta, a primeira - a Fé - é a irmã “casada”, cujo andar discreto pelo caminho evoca fidelidade esponsal. A terceira - a Caridade - caminha ao seu lado, é a irmã “mãe” de muitos filhos, afetuosa, de corpo generoso, que dá frutos e cujo andar é amoroso e fecundo. A segunda - a Esperança - que vai entre as duas, é a “irmã menor”, menos visível e, talvez, mais esquecida. E citando o poeta: “no caminho áspero da salvação, na estrada interminável, entre suas duas irmãs, a pequena esperança toma a dianteira”. A irmã menor, que está no meio, é quem conduz suas irmãs grandes. Sem ela - as irmãs grandes seriam apenas duas mulheres já idosas, enrugadas pela vida. É ela, a pequena, a esperança, que conduz tudo. Nós, os adultos, os que tentamos motivar os jovens aprendizes, somos também, movidos pela Esperança que desperta nos jovens a serem humanos integrais e resilientes diante das adversidades da vida. Que a esperança pós-pandêmica coloque no centro o humano e não o poder do dinheiro. E que estes jovens, se tornem homens e mulheres de esperança, tonando-se assim, capazes de compreender e enfrentar os problemas que se apresentam cada vez mais complexos na vida privada, social e profissional.
*Provincial da Ordem dos Frades Menores Franciscanos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Formação acadêmica filosofia, teologia e psicologia.