A SIMPLICIDADE DE SER CAMINHO EM TEMPOS DIFÍCEIS
Constantino Pinto - Provedor
Quando em novembro de 2019 refletíamos sobre o ano que findava e faziamos projetos para o novo ano, era impossível prever a hecatombe que se avizinhava. Ninguém esperava que a vida mudasse tão radicalmente, nem que o mundo se transfigurasse com tanta rapidez. Mas aconteceu, e aconteceu à revelia da nossa pretensiosa capacidade de prever ou de controlar tudo. De repente deparámo-nos com a constatação de uma nova realidade, forçados a adaptar-nos a uma nova forma de viver, a que redutoramente chamamos de nova normalidade. Mesmo sem saber muito bem como chegamos aqui, o facto é que o ‘aqui e agora’ que vivemos é tão estranho e tão diferente dos nossos padrões de vida, que as nossas fragilidades, até então mais ou menos adormecidas, vêm ao de cima e assumem proporções reais, até então inimagináveis. Somos agora confrontados com as nossas incertezas, com as nossas inseguranças individuais e coletivas, com as nossas incapacidades e sobretudo com a consciência de pouco termos feito para sarar as feridas de uma sociedade capitalista, desumana e impessoal que fomos construindo. Em boa verdade, tudo ficou a descoberto: os mais fragilizados, os mais pobres, os mais carenciados são os que veêm mais agravada a sua situação e por isso, feitas as contas, o ‘fosso social’ torna-se cada vez maior e os mais desprotegidos, são-no cada vez mais! Ser Caminho é ser ação, prática e diária junto dos que de nós mais precisam. Olhemos para o que foi o primeiro grande ato inspirador de Misericórdia: a visita de Nossa Senhora, grávida de Jesus, a sua prima Isabel, que também estava para ser mãe.
A disponibildade de alguém que decide prescindir do seu conforto e da sua segurança, fazendo-se ao caminho apenas para ajudar uma sua irmã que certamente precisaria de muito apoio. Sair de si próprio para se entregar ao Irmão... Este é um ato misericordioso e inspirador, sobretudo quando hesitarmos em relação ao que fazer. Voluntariar-se ao serviço do Irmão não é apenas dar-lhe algumas das sobras do nosso tempo livre: é sim entregar-se, comprometer-se, se preciso for, prescindindo do nosso conforto, da nossa estabilidade, dos nossos planos... Este é de facto um tempo de excelência em que se torna claro e evidente o quanto precisamos uns dos outros, o quanto dependemos do nosso irmão, o quão simples é encontrar a realização do nosso dia-a-dia no Serviço ao Próximo. Não deixemos que esta oportunidade passe por nós sem nos marcar, sem alterar definitivamente a nossa escala de prioridades. Acredito que na nossa Misericórdia todos nos deixamos marcar por estes valores que geram entrega gratuita ao irmão. Só isso explica a forma como temos superado, dia após dia, nas diversas respostas da Instituição, as ameaças do vírus. Não quero reduzir esta ideia a cifras, mas se o fizesse, estaríamos perante números perfeitamente insignificantes. Diante da enorme ameaça externa que continuamos a viver, a entrega das nossas equipas, o seu elevadíssimo profissionalismo, a sua capacidade de auto-superação têm sido o garante da qualidade de vida dos nossos utentes. Certamente por isso, a Virgem das Misericórdias continua e continuará a proteger-nos no seu enorme manto. Na nossa batalha diária, vamos fazendo a nossa parte, o melhor que podemos e sabemos, convictos de que uma mão superior nos protege e alenta. Caminhemos confiantes, sendo caminho, de mãos dadas, como Irmãos e para os Irmãos! Vamos conseguir!
RELATÓRIO DE ATIVIDADES E CONTAS DE GERÊNCIA | SCMA