A memória: a falta e o excesso
A memória e a evocação de sentimentos
“Memória” é a faculdade de lembrar e conservar estados de consciência passados. Para santo Agostinho, a coisa começa com uma frase : « eu me lembro de mim mesmo ». Estamos perdendo a memória. Sabemos que a memória é vida. Vida sempre carregada pelos grupos humanos e, nesse sentido, em permanente evolução. Se a história é a reconstrução incompleta do que “não é mais”, a memória é um fenômeno sempre atual, enraizado num gesto, num perfume, num som.
Apesar dos desastres e do descaso governamental, um movimento comemorativo parece nos envolver: centenários, novas rotas turísticas, festas e manifestações locais enchem a agenda. Essa « comemoratividade » caminha ao lado de um fenômeno sem precedentes. Em todas as regiões se multiplicam os museus, conserva-se todo o tipo de objeto, recolhe-se um documento aos arquivos. Destruir passou a ser proibido.
Lugares de memória, por sua vez, são aqueles onde se cruzam as memórias pessoais e familiares com as da nação: uma bandeira, um monumento, uma igreja, uma imagem. Reconstrói-se, graças a eles, a representação que um povo faz de si mesmo. Diferentes de nós, que ainda não sabemos guardar nossa memória, há sociedades que não sabem mais o que conservar. Elas acabam embarcando num processo de acumulação pela acumulação. É o que se vê em certos museus americanos onde a obsessão de consumo se traduz no acúmulo de peças díspares. More and more é o lema de alguns deles, onde a figura de cera de Leonardo da Vinci ombreia com o Mickey. Onde se mistura a ficção e o real. Esta bulimia de acumulação sem sentido desemboca nos parques temáticos, nas Disneys da vida...Estamos longe das teses que nos ensinam a desenvolver afeto por aquilo que é herança do passado. Esquecemos aí o lema “quanto melhor conheço, mais gosto”.
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Luta-se para conservar não apenas os grandes monumentos, mas testemunhos antes não valorizados de nosso passado: receitas de bolo, flores de papel, um ponto de bordado. O lema devia ser “não toquem no meu passado”. O ser humano tem o instinto de colecionismo. Todos temos uma “canastra da Emília dentro de nós”, canastra, diga-se, capaz de permitir a evocação de sentimentos. Canastra que é parte da luta contra o esquecimento e a morte. Nosso patrimônio – ou o que sobrou dele - dá lógica e sentido a tudo isso. O Museu de Arte Sacra de São Paulo é lugar de memória viva. O MAS-SP têm assumido a responsabilidade de preservar memórias que traduzem a transcendência do povo brasileiro. No momento em que faz 50 anos, temos bons motivos para celebrar esse acontecimento e fazê-lo, ele mesmo, se tornar memorável.