Liturgia, Arte e Urbanidade. Memórias de um seminário

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ATADURAS E COMENTÁRIOS Vítor Westhelle 1. Começando Começo sem dissimular. Primeiro, parafraseando o profeta Amós, eu não sou liturgo, nem filho de liturgo. Sou pastor e coletor de palavras; o que coloca algumas limitações sobre a perspectiva que trago, embora também ofereça um olhar diferente. Profissionalmente, sou um teólogo sistemático e, às vezes, péssimo no que faz, porque desconfio da “sistemática.” Acho que a “sistemática” pode ser perigosa. Levo a sério a injunção de Paulo em Romanos 12, que diz na tradução de Almeida: “Não vos conformeis com este século.” O verbo em grego para “conformar” é sysxematizo o que poderia ser traduzido literalmente: “não vos deixeis sistematizar/esquematizar.” Vejo, portanto, com suspeita a tarefa que me foi dada de fazer esta amarração ou sistematização final. Assim fico com ataduras. Há que se ter cuidado com clausuras. Segundo, vivo fora do Brasil, o que me desqualifica como um comentarista inculturado. No entanto, a real(c)idade brasileira não me é totalmente estranha. Como disse Ferreira Gullar: “o homem está na cidade/ como uma coisa está em outra/ e a cidade está no homem/ que está em outra cidade.” E cada vez que volto ao Brasil tenho sensações bastante fortes de quem andou por algum tempo fora desta realidade, mas em quem esta realidade já lhe é parasita. São sensações misturadas com emoções, trazidas também de uma cidade — a Chicago em que agora vivo — que tem lá seus problemas e bastante significativos, mas são outros. E quando eu olho para a realidade brasileira, para a cidade brasileira que também está em mim, quando observo suas ruas, suas casas, suas praças, seus cemitérios de gente viva e de gente morta, fico um tanto emocionado e me vêm à mente palavras do poeta espanhol Felipe de León. Exilado e imigrado ao México, ele escreve um longo poema pela ocasião de seu septuagésimo aniversário em que diz em uma parte: “Toda la luz de la Tierra/ la verá un día el hombre/ por la ventana de una lágrima” Então, eu ainda espero essa visão. As lágrimas não faltam. Essas são as minhas localizações que gostaria de deixar às claras. Certamente há muitas outras, algumas não revelo nem mesmo a mim. Mas as que aqui deixo explícitas são para que agucem as suas suspeitas e estejam conscientes das lentes que trago. É bom não esquecer as palavras do poeta Vinícius de Moraes: “Ninguém 139


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