O BELO E O SAGRADO Claudio Pastro Gosto muito de uma frase de Dostoiévski no seu romance Os demônios: “A beleza salvará o mundo”. Acredito nisto porque através da beleza e dos movimentos, que são marcas e sinais de geração em geração, são deixados os sinais. A imagem é uma continuidade do mistério vivido em nós, é uma outra linguagem. Gosto igualmente de outra frase, que vem do século II, de Dionísio Areopagita: “A beleza é um nome divino porque produz comunhão”. O evento do qual estamos participando seria impensável numa casa católica 30 anos atrás1. Menciono este fato a fim de afirmar que a beleza é um dos nomes divinos que produz a comunhão2. O que vou expor aqui, muito brevemente, é fruto da minha experiência de quase 30 anos de trabalho dentro da Igreja Católica na área de Arte na Liturgia e, conseqüentemente, Arquitetura e Urbanidade. Cursei Ciências Sociais nos anos 60, mas não exerci a profissão; dentro de mim falava mais alto a beleza cristã. E esta beleza cristã, que é a arte, quase se confundia com a minha vocação pessoal; eu a recebi como dote, graça. Cada um de nós recebe um dom e cabe-nos multiplicá-lo. O sentido da arte sacra desenvolveu-se em mim a partir de um projeto realizado na periferia de São Paulo. Eu percebia, então, que o barroco brasileiro dos séculos XVII e XVIII – o barroco entrou até pelo século XIX – não incorporou expressões da arte indígena e negra, diferentemente do barroco espanhol no Peru e no México. Trabalhei sob a influência da arte indígena e negra. Comecei a construir as primeiras capelas nas periferias, as primeiras igrejas. Desde então se colocaram para mim questões e reflexões acerca do espaço sagrado e da experiência que se faz do sagrado neste espaço. Gostaria de partilhar uma experiência e uma estória. Eu estava pintando um painel de 200 metros quadrados para uma igreja de estilo basilical. Começamos a trabalhar na segunda-feira, logo depois do espaço do domingo, ocupado pela Assembléia que vem para a missa. Havia um sacrário. Nós o respeitamos, mas começamos a trabalhar. Uma senhora, parecia uma avó, O autor refere-se ao fato de o Seminário de Liturgia, Arte e Urbanidade ter sido realizado na Casa de Retiros Pe. Anchieta, instituição católica, e organizado por teólogos e teólogas protestantes. 2 A beleza, neste contexto específico, está referida à Arte em sua inter-relação com os dois outros eixos temáticos do Seminário: Liturgia e Urbanidade. 1
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