Liturgia, Arte e Urbanidade. Memórias de um seminário

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CINEMA E CIDADE 1 Mauricio Lissovsky 1. Faça-se a Luz! O surgimento do cinema, no final do século XIX, foi associado ao nascimento de um novo dia. Os espectadores mergulhavam em um território escuro, a luz do projetor acendia-se e um novo mundo de imagens em movimento mobilizava a atenção de todos. Não era apenas a materialização das imagens diante dos olhos que importava. A própria narrativa cinematográfica parecia constituir uma nova ordenação da vida, com seus ritmos próprios, suas passagens de tempo. Sua capacidade de estender infinitamente um momento da existência, ou, ainda com mais freqüência, condensar dias, anos, toda uma vida, em pouco menos de duas horas. O cinema, em contraposição à fotografia, era uma espécie de revelação. Enquanto a fotografia era construída a partir de “sombras” deitadas pelos objetos sobre um papel, a matéria-prima do cinema era apenas luz. A luz refletida por pessoas e coisas não era sepultada sobre uma superfície opaca, mas devolvida ao espectador na forma diáfana da luz projetada sobre a tela. O cinema era ainda renascimento, pois o espectador, mergulhava em um imaginário que lhe permitia transportar-se a outros lugares, viver outras vidas, transformar-se. Finda a seção, saindo do cinema, um certo reencontro com a vida, com a própria vida tinha lugar. Para o bem ou para o mal, para pior ou para melhor, o espectador saído do cinema, acordava, uma vez mais, para a própria vida. Não é de admirar que as primeiras salas de cinema, construídas especialmente para esta finalidade no início do século XX, tenham sido comparadas a catedrais. Era da reencenação do milagre da luz que se tratava. Uma história que a Lusmarina Garcia ouviu do Vítor Westhelle ajuda-nos a compreender o significado desta recriação da luz. “Na entrada da nave da Marienkirche, em Munique, existe uma depressão no pavimento na forma de um pé. A tradição diz ser o pé do diabo. O caso teria se passado assim: O arquiteto da igreja teria feito uma aposta com o tinhoso. Seria impossível ver diretamente luz vindo de qualquer janela, e no entanto a igreja estaria profusamente iluminada. Se assim não fosse, a construção seria entregue O texto Cinema e Cidade localiza-se no âmbito da oficina de Artes Visuais que, naquele momento, consistiu em duas partes. Na primeira, foram apresentadas algumas reflexões sobre as principais figuras que a cidade evoca na tradição cinematográfica, ilustradas por trechos de filmes; na segunda, foi realizado um exercício de montagem com imagens recortadas de revistas e jornais, referindo-as a trechos do evangelho previamente selecionados. 1

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