A Laicidade, princípio valorizado da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Alain Garay*
O texto da Convenção da salvaguarda dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, assinado em Roma a 4 de Novembro de 1950 e actualmente ratificado por quarenta e seis Estados, não faz nenhuma referência ao termo “laicidade 1”. O artigo dito “religioso” da aludida Convenção, o célebre artigo 9 referese unicamente: 1. ao “direito à liberdade de pensamento, de consciência e religião”; 2. à “liberdade de mudar de religião ou de convicção” e 3. à liberdade “de manifestar a sua religião e as suas convicções”. Numa relativa discrição e no plano internacional, a afirmação do princípio da laicidade como valor da sociedade democrática europeia foi, no entanto, posta pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (daqui por diante designado TEDH) no caso da dissolução do Rafah Partisi (Partido da Prosperidade), “partido político e religioso” turco, que se saldou por duas decisões pronunciadas a 31 de Julho de 2001 (IIIª Secção) e 13 de Fevereiro de 2003 (Plenário). Recordando a sua jurisprudência sobre o lugar que a religião ocupa
numa sociedade no seio de um Estado democrático, o Tribunal afirmou que “aplicando estes princípios no caso da Turquia, os órgãos da Convenção consideraram que a laicidade era seguramente um dos princípios fundadores do Estado que se ajusta com a preeminência do Direito e do respeito pelos direitos do Homem e da democracia. Qualquer atitude que não respeite este princípio não será necessariamente aceite como fazendo parte da liberdade de manifestar a sua religião e não beneficiará da protecção que o artigo 9 (§ 93) da Convenção assegura […]” (o sublinhado é nosso). Desta forma o Tribunal admitiu a posição das autoridades turcas quando, em 1988, tinham declarado dissolvido o Refah Partisi cujo dirigente, Necmettin Erbakan, se tinha tornado, em 1996, Primeiro Ministro 2. O TEDH considerou que a dissolução do Partido da Prosperidade, partido político do qual alguns dirigentes pronunciavam discursos políticos com conteúdo religioso e com tonalidade teocrática 3, se inscrevia na defesa da democracia. Esta medida
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