Consciência e Liberdade N.º 22 (2010)

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O ultrapassar de um “ódio democrático”: do combate anticlerical à lei da separação de 1905 Jean Baubérot*

calismo não se ficam atrás e fabricam uma “colecção de feras republicanas” onde macacos, porcos e cães se tornam vedetas (Jaqueline Lalouette, 1997). Na diferença do anti-semitismo e do anti-protestantismo, não se trata de uma rejeição de uma minoria, mas do conflito entre duas Franças, em que dois movimentos sociais alternam na supremacia (Jean BaubérotValentine Zuber, 2000) Depois do caso Dreyfus, os partidários de uma laicidade dita “integral” querem pôr fim a esse longo afrontamento com uma vitória definitiva do seu campo. Criados logo após esse caso, os Annales de la Jeunesse Laïque constituem o ferro da lança ideológica deste combate. Ernest Lavisse dá-lhe um ideal nobre; não é necessário “odiar” as Igrejas mas “combater o espírito de ódio que sopra das religiões e se tornou a causa de tantas violências, de mortes e de ruínas”. Esta injunção não é bem entendida: a recusa do ódio arrisca-se a ser desmobilizador. O director dos Annales, Georges Béret, clama: “Eu odeio a religião, porque ela é a codificação do Absoluto […] porque ela adormece as aspirações

O anticlericalismo francês do início do século XX pode ser designado como de “ódio democrático”. É a resposta ao anti-semitismo virulento de algumas congregações religiosas por ocasião do caso Dreyfus mas transformou-se em anti-religião. A separação da Igreja e do Estado foi, desde logo, encarado numa perspectiva idêntica. Mas isso não vai acontecer. O Parlamento que tinha votado medidas anti-congregacionistas adopta uma lei liberal que vai permitir diminuir, progressivamente, a intensidade daquilo que se chama “o conflito das duas Franças”. É este ultrapassar de uma situação portadora de ódios que gostaria de analisar. 1. O anticlericalismo perante a procura da “laicidade integral” Na segunda metade do século XIX, houve entre o anticlericalismo e o clericanismo uma relação que comportava discursos de ódio em que cada um desqualificava o adversário. O ódio anticlerical insiste na obrigação “antinatural” da castidade do clero – levando a amores venais, servis, adúlteros e pedófilos – e fala de brutalidade, da captação de heranças, de vida de opulência. Os defensores do cleri78


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