Pesquisa em Foco
A RELAÇÃO PARADOXAL ENTRE PARRESÍA E DEMOCRACIA NAS PRELEÇÕES DO ÚLTIMO FOUCAULT
1 Introdução
Cícera Ferreira de Sousa Filosofia /UFCA ciceraferreiradesousa@hotm ail.com
Lílian Barbosa Xavier Filosofia /UFCA lilianbx@hotmail.com
Geislane Lopes Rodrigues Filosofia /UFCA geislanelopes@outlook.com
Eliúde Ferreira Lima Filosofia /UFCA eliudelima@hotmail.com
Jonathan Sales da Silva Filosofia /UFCA jonascoroinha@hotmail.com
Regiane Lorenzetti Collares Professor /UFCA regianecollares@hotmail.com
Portanto, no contexto da prática da parresía no âmbito ético, o ser livre realiza ações significando um modo de vida que o condiciona sobremaneira a não ser escravo de si mesmo. Para a constituição do cidadão livre se fazia fundamental o estabelecimento de certa relação de domínio e controle consigo mesmo, segundo Foucault, para não ser escravo dos apetites. Esse cuidado de si, no entanto, não se formaria como um exercício da razão a ser realizado em determinado episódio, mas se desenvolveria como uma tarefa ou dever oriundo de uma forma de veridicção encontrada em um cuidado da alma. Foucault, ao analisar alguns textos do grego antigo, destaca que o termo “parresía” é atestado pela primeira vez nos escritos de Eurípedes (FOUCAULT, 2011, p.31), na problematização da democracia como o direito de falar publicamente, em que cada um se relacionaria ao outro diante desta prática de veridicção, sendo que as opiniões seriam expressas em uma ordem de coisas que interessariam tanto a si mesmo como a todos aqueles que comporiam a cidade. Doravante, o direito de dizer a palavra verdadeira na democracia grega, de certo modo, não era dado genericamente pela condição de cidadão. Mesmo que a lei proporcionasse ser um cidadão, isto simplesmente não era o suficiente para habilitar alguém a ter a liberdade do discurso político, dado que o dizer verdadeiro só era permitido àquele que era cidadão por nascimento. Outro impedimento, identificado por Foucault, encontrado na democracia da Grécia antiga para o dizer verdadeiro, referia-se ao exílio de um cidadão em uma cidade estrangeira, pois, seja qual fosse a causa que tivesse levado alguém a tal circunstância, este também não possuiria o direito à parresía. A parresía, todavia, era um direito a se exercer somente por um cidadão livre no seu sentido pleno, ou seja, um cidadão de ascendência dotado de liberdade com o direito de exercer seus privilégios em relação aos outros ou sobre os outros. Dessa forma, a parresía se consolida na Grécia antiga do século V como um direito e um dos privilégios que fazem parte da existência de um cidadão bemnascido, honrado, e que lhe daria acesso à vida
Esta investigação desenvolve-se no contexto do projeto Produção de verdade e práticas de si: a interface entre ética e política em Michel Foucault vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC 2014/UFCA), no qual o trabalho de pesquisa aqui apresentado refere-se primeiro em detalhar a relação genética entre democracia e parresía (fala verdadeira e franca fundamental nos processos decisórios da esfera política) a partir da preleção de Foucault no Collège de France, em 08 de fevereiro de 1984, e, em segundo aspecto, apontar um entroncamento ético das considerações foucaultianas nesta mesma aula no que diz respeito a identificar no âmbito do pensamento grego antigo as condições de incompatibilidade entre as práticas democráticas e a veridicção parresiástica. 2 Fundamentação teórica Na aula de 8 de fevereiro de 1984, contida na coletânea de preleções A Coragem da Verdade (2011), Michel Foucault retoma o problema da parresía no período grego do século V, esquematizando as transformações que ocorreram da passagem de uma prática de falar a verdade vinculada à política da cidade, em seu aspecto democrático, para um outro tipo de relação paradoxal e incompatível entre a parresía e a cidade democrática. Se os gregos antigos puderam problematizar efetivamente sua liberdade e a liberdade do indivíduo como um problema ético, Foucault identifica aí a possibilidade cultural para um falar franco e o desvio de sua implicação política. Assim, o cidadão que possuía um belo ethos seria visto como alguém que praticaria a liberdade em decorrência de todo um trabalho de si sobre si mesmo. A prática do cuidado de si, então fundamental no conhecer a si mesmo, foi em certo sentido decorrente da integração da parresía aos modos de vida e a exclusão dela nas decisões da cidade democrática. 281