Revista Velhas nº17 - Abril de 2023 - CBH Rio das Velhas

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Uma publicação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas

XIX ANO 17

ABR 2023

Imagem de capa:

A bordo de um avião monomotor, o fotógrafo Marcílio Gazzinelli registrou, nos idos de 1981, na divisa entre Belo Horizonte e Sabará, a bela cancha às margens do Ribeirão Arrudas, afluente do Rio das Velhas.

Junto a outras quase 90 fotos de campos de várzea Brasil afora, o registro estampou diversas exposições, inclusive na Europa.

“A deformidade das linhas, com o paralelismo inexistente, provoca sorrisos sempre que é exposta”, conta Gazzinelli.

Robson Oliveira

Beira-rio

A várzea de diferentes rios é, há anos, o terreno fecundo para que comunidades ribeirinhas e periféricas em todo o Brasil possam exercer aquilo que mistura lazer, paixão e laços comunitários: o futebol. Ali, onde o rio inunda, a terra é plana e fértil.

Ao longo do Rio das Velhas e seus afluentes, são muitos os icônicos campos de várzea. Mesmo acossado pelo “progresso” que sepulta os rios sob o asfalto, expulsando ribeirinhos, desfazendo comunidades e demolindo campos, o futebol de várzea resiste, seja à beira do rio ou nos “terrão” da periferia. Em uma matéria especial, contaremos histórias do futebol que acontece às margens.

Você já imaginou o Rio das Velhas sendo o grande estimulador de um turismo sustentável, consistente e justo em Minas Gerais? Pois é dessa forma que a historiadora e especialista em Governança em Rede e Desenvolvimento Territorial, Jussara Rocha, reconhece o potencial do nosso Velhas. Não à toa: o maior afluente do Rio São Francisco liga os principais destinos indutores de Minas, possui vasta rede de Unidades de Conservação e imponentes polos de atração turística. Definitivamente, o Rio das Velhas “precisa ser tratado no âmbito da educação e do turismo”, afirma ela.

O que não pode faltar é água. Relatório publicado pela Unesco, em 2022, mostrou que as reservas subterrâneas –que representam 99% de toda a água doce líquida da Terra, respondem por metade do abastecimento humano e por cerca de 25% da irrigação – estão sendo poluídas, superexploradas e esgotadas pelo ser humano, em alguns casos com “consequências irreversíveis”. Especialistas repercutem o tema na nossa bacia, com foco na região do Carste, de Sete Lagoas e do Quadrilátero Ferrífero.

Em Belo Horizonte, maior cidade de toda a bacia do Rio São Francisco, a discussão sobre as águas urbanas e as complexas ações de drenagem necessárias em uma metrópole cada vez mais impermeabilizada tem movimentado poder público, sociedade civil e companhias de saneamento – organizados em torno do Subcomitê Ribeirão Arrudas. Com o crescimento exponencial do número de bacias de detenção na capital, moradores e movimentos lançam a pergunta: são elas o melhor e único caminho?

Em 2023, quando o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas completa 25 anos, prestamos uma singela homenagem a todos aqueles que por aqui passaram e contribuíram ao fazer deste um Comitê único no Brasil, marcado pela gestão descentralizada, pela maturidade na implementação dos seus instrumentos de gestão e pela eficiência na aplicação dos recursos e desenvolvimento de ações e projetos conservacionistas em todo o território.

A 17ª edição da Revista Velhas traz também uma reportagem especial sobre como ações sustentáveis promovidas pelo setor produtivo na bacia hidrográfica contribuem para a melhoria da qualidade e quantidade de água.

A entrevistada desta edição é a belo-horizontina Fernanda Matos, referência global em estudos sobre governança, água e gênero. Fernanda é responsável pelo desenvolvimento das publicações ‘Retratos de Governança das Águas no Brasil’, que busca apresentar análises de pesquisa sobre o processo de formação e o perfil dos representantes membros dos organismos colegiados de gestão de recursos hídricos.

“A gestão sustentável da água e a igualdade de gênero são interdependentes. O reconhecimento da importância do equilíbrio de gênero é fundamental para que possamos evoluir enquanto sociedade”, afirma. Em 2022, Fernanda Matos recebeu do ex-vice-presidente dos Estados Unidos, ambientalista e prêmio Nobel da Paz, Al Gore, o prêmio Alfredo Sirkis Memorial Green Ring Award, que prestigia ações de voluntários da iniciativa Climate Reality Project que mais se destacaram ao redor do mundo.

Por fim, mostraremos a história e beleza natural da Unidade Territorial Estratégica Jabó-Baldim, vizinha à Serra do Cipó e que, cada vez mais, atrai turistas às suas belas e limpas águas.

Vamos juntos!

Editorial

Expediente

Revista Velhas

Publicação Semestral do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas

Nº 17 - Abril / 2023

CBH Rio das Velhas

Diretoria

Presidenta: Poliana Valgas

Vice-presidente: Renato Júnio Constâncio

Secretário: Marcus Vinícius Polignano

Secretário-Adjunto: Fúlvio Rodriguez Simão

Diretoria Ampliada

Sociedade Civil

Instituto Guaicuy – Marcus Vinícius Polignano

Assoc. de Desenvolvimento de Artes e Ofícios (ADAO) - Procópio de Castro

Usuários de Água

CEMIG – Renato Júnio Constâncio

Poder Público Estadual

EPAMIG – Fúlvio Rodriguez Simão

Poder Público Municipal

Prefeitura Municipal de Jequitibá – Poliana Valgas

Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – Humberto Marques

Agência Peixe Vivo

Diretora-Geral Interina: Berenice Coutinho

Gerente de Integração: Rúbia Mansur

Gerente de Projetos: Thiago Campos

Gerente de Administração e Finanças: Berenice Coutinho

Esta revista é um produto do Programa de Comunicação do CBH Rio das Velhas.

Produzida pela Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas

TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social

Direção: Paulo Vilela, Pedro Vilela e Rodrigo de Angelis

Coordenação de Jornalismo: Luiz Ribeiro

Edição: Luiz Ribeiro e Rodrigo de Angelis

Redação e Reportagem: Luiza Baggio, Leonardo Ramos, Paulo Barcala, Tobias Ferraz e Luiz Ribeiro.

Revisão: Isis Pinto

Fotografia: Acervo Pessoal Fernanda Matos, Jânio de Lima e Jussara Rocha; Adília Dalbem; Álvaro Gomes; Bianca Aun; Christelle Alix; Divulgação Copasa; Dulce Tupi; Fernando Piancastelli; Janine Moraes - WWF; Léo Boi; Lucas Nishimoto; Marcelo Andrê; Marcílio Gazzinelli; Michelle Parron; Ohana Padilha; Prefeitura de Itabirito; Robson Oliveira

Ilustrações: Clermont Cintra e Thiago Mazza

Projeto Gráfico: Márcio Barbalho

Design Gráfico e Diagramação: Albino Papa e Rafael Bergo

Impressão: ARW Gráfica e Editora

Tiragem: 3.000 unidades.

Direitos reservados.

Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.

Com a Palavra

Educação Ambiental na Bacia do Rio das Velhas

p. 08

Bacias de detenção: melhor e único caminho?

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Sumário

Entrevista: Fernanda Matos

fala sobre governança, água e gênero

p. 38

Superexploração de águas subterrâneas acende alerta na ONU

p. 20

Várzea: futebol à beira-rio

p. 26

Olhares: 25 anos do CBH Rio das Velhas

Ações sustentáveis do setor produtivo

p. 42

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Rio das Velhas como mola do turismo em Minas

Jabó-Baldim: um paraíso entre serras e cachoeiras

p. 54

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Com a palavra Bianca Aun 6

Água boa pra todo mundo

A cobrança pelo uso da água na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas tem, cada vez mais, se mostrado um instrumento imprescindível na gestão dos recursos hídricos e fomentador de ações conservacionistas em prol de mais e melhores águas no território.

É a partir desse recurso, pago pelos usuários de recursos hídricos, que o CBH Rio das Velhas tem desenvolvido uma série de projetos, que se revertem em benefícios para toda a sociedade – inclusive para os próprios usuários, que contam com maior disponibilidade de água em boa qualidade.

Uma das principais iniciativas institucionais nesse âmbito é o nosso Programa de Conservação e Produção de Água, iniciado formalmente este ano. O Programa consiste no desenvolvimento de ações com o objetivo de maximizar o potencial de produção de água em sub-bacias hidrográficas. Os territórios do Rio Maracujá, no Alto Rio das Velhas; Ribeiro Bonito, no Médio-Alto; Ribeirão Soberbo, no Médio-Baixo; e Córrego das Pedras, no Baixo Velhas, receberão recursos de até R$ 5 milhões para a recuperação ambiental.

Também este ano formalizamos a adesão ao Programa de Saneamento Rural da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Somando esforços com o Comitê Federal, o objetivo é que as demandas de saneamento de 300 famílias de oito localidades rurais da bacia do Rio das Velhas sejam plenamente atendidas. As localidades são: Engenho D’água, no município de Ouro Preto; João da Costa, em Baldim; São José da Serra, em Jaboticatubas; Lagoa, em Congonhas do Norte; Batatal, em Diamantina; Tronqueiras, em Funilândia; Doutor Campolina, em Jequitibá; e Riachinho, em Morro da Garça.

O CBH Rio das Velhas também iniciou em 2023 o projeto que realiza o levantamento aerofotogramétrico e perfilamento a laser para dar suporte à elaboração de cotas de inundação em seis municípios ribeirinhos da bacia hidrográfica. A ideia é que esse instrumento, ao fim, possa nortear políticas públicas e direcionar responsabilidades das prefeituras, Governo do Estado e sociedade, bem como dar suporte à tomada de decisão no que diz respeito às ações emergenciais de segurança e proteção.

Além desses já mencionados, seguimos executando diversos projetos de recuperação hidroambiental nos múltiplos territórios da bacia.

Tudo isso só é possível graças à maturidade institucional do CBH Rio das Velhas, que perpassa também a Agência Peixe Vivo, nossas Câmaras Técnicas e os Subcomitês. É essa estrutura que permite a seleção dos melhores projetos, devidamente vinculados ao que preconiza o Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica, bem como a contratação, fiscalização e monitoramento das ações.

Fundamentalmente, também, é a cobrança pelo uso da água na bacia do Rio das Velhas que viabiliza esses inúmeros projetos. Por isso, desde o ano passado, o Comitê se dedica ao processo de atualização da metodologia da cobrança, buscando privilegiar cada vez mais a regulação econômica do uso racional dos recursos hídricos, sem onerar o setor produtivo.

Em 2023, ano em que o CBH Rio das Velhas completa 25 anos de atuação, a ideia é que este Comitê possa continuar fazendo mais e melhor em prol da nossa bacia. Neste primeiro semestre, atravessaremos mais um democrático e salutar processo eleitoral, que definirá os novos membros e a Diretoria que guiarão este colegiado. Ao longo dos últimos meses, mobilizamos incansavelmente entidades dos quatro segmentos – poder público municipal, estadual, usuários de água e sociedade civil – a se inscreverem e se fazerem representados no colegiado. Até o final do mês de junho, concluiremos mais esse processo.

Vida longa ao nosso CBH! E viva o Rio das Velhas!

Poliana Valgas Presidenta do CBH Rio das Velhas
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Educação Ambiental

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Ações estruturadas de Educação Ambiental contribuem para a formação de uma sociedade crítica e com valores voltados à conservação do meio ambiente.

Semeando o futuro

Iniciativas de Educação Ambiental na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas formam crianças, jovens, adultos e idosos como defensores do futuro do planeta

Texto: Leonardo Ramos

Dentre as ações em prol do meio ambiente, há aquelas que agem diretamente nos recursos naturais, como também as que atuam no espírito humano com vistas a garantir que a difusão do conhecimento científico e humano também leve à preservação de bens materiais, como as nascentes dos rios. Entender como funciona a dinâmica das águas, a importância da vegetação para o rio ou como diferentes elementos químicos podem garantir ou suprimir a vida nos cursos d’água, leva, naturalmente, a uma maior consciência ambiental e, consequentemente, a um espírito de cuidado e proteção do ecossistema do qual fazemos parte e dependemos para sobreviver. Esse é o papel da Educação Ambiental.

No primeiro artigo da Lei nº 9.795 de 1999, que instituiu a Educação Ambiental como política pública nacional, ela é definida assim: “Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.” Ou seja, trata-se de despertar uma consciência individual e coletiva sobre o fato de que toda ação humana afeta – para o bem ou para o mal – o meio ambiente.

Cientes disso, diversos atores da sociedade se dedicam, ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, a cumprir este importante papel: o de educar o espírito de pessoas de todas as idades para o cuidado com o meio ambiente. Usando a criatividade e os afetos positivos, esses atores trabalham semeando o futuro de um planeta cheio de vida e de uma sociedade humana sustentável.

Conheça algumas dessas iniciativas.

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Michelle Parron

Educação Ambiental é lei em Itabirito

A Prefeitura de Itabirito trabalha a Educação Ambiental em diferentes frentes, mas uma coisa é comum entre elas: na cidade, a Educação Ambiental é obrigatória por lei, o que significa que é uma ação permanente, qualquer que seja o governo municipal. Numa delas, mais abrangente, a Assessora Técnica da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Alessandra Paranhos, desenvolve um programa de Educação Ambiental permanente no Centro de Educação Ambiental (CEA), que fica dentro do Parque Ecológico de Itabirito. No local, quatro professoras e uma técnica educam um público amplo, que vai de crianças a idosos. Segundo Alessandra, a inserção dos idosos nas atividades se deve à identificação de que esse é um público que muitas vezes não é incluído nesse tipo de ação, mas que tem muito a contribuir. “A gente percebeu esse nicho de oportunidade. Os idosos possuem muito conhecimento sobre o uso de plantas medicinais para os mais diversos males. Antigamente era muito comum que as pessoas usassem unguentos no tratamento de certas enfermidades. Então, além de ajudar na produção de mudas e no seu plantio na horta medicinal, eles podem transmitir sua experiência. Ano que vem pretendemos unir crianças e idosos numa ação que funcione como uma contação de histórias”, relata.

Em outra frente, Flávia Mendanha, professora do Centro Educacional Municipal de Itabirito (CEMI), trabalha com os alunos numa Casa de Projetos anexa à escola. O nome da casa, assim mesmo, no plural, já indica que, ali, as atividades são inúmeras. Horta orgânica, horta medicinal, criação de abelhas, jardim rupestre, galinheiro, piscicultura com hidroponia são apenas alguns exemplos de práticas realizadas no local. Com 18 anos de experiência em Educação Ambiental, Flávia acredita que iniciativas que pretendem garantir o futuro precisam ser permanentes. “Nossos objetivos são trabalhar de forma prática com os alunos, ser uma escola sustentável, estimular o protagonismo dos alunos e gerar alunos empreendedores”, conta. “Tudo o que é produzido aqui é vendido e os valores arrecadados retornam para a casa em forma de investimento. Em breve seremos uma casa totalmente autossustentável. A Educação Ambiental só funciona efetivamente se houver sensibilização e conscientização através de ações práticas e duradouras. Dessa maneira é que se forma senso crítico e cidadãos que vão defender e lutar pelo meio ambiente”. A estratégia tem dado certo: Flávia recebeu diversos prêmios por seus projetos, inclusive do Projeto Manuelzão, além de conseguir angariar fundos de empresas como Coca-Cola, Vale e Gerdau.

Prefeitura de Itabirito 10
Educação Ambiental em Itabirito, no Alto Velhas, é permanente, obrigatória por lei, qualquer que seja o governo municipal em situação.

Conscientização pela Serra de Santa Helena

A Serra de Santa Helena, importante ponto turístico da cidade de Sete Lagoas, tem sido palco de ações de recuperação e de Educação Ambiental. Segundo Dilma Nunes, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Desenvolvimento e Turismo (Semadetur), o local contará com atividades permanentes de conscientização e educação ambiental para turistas e alunos das escolas do município. “Assinamos um termo de cooperação técnica com o Centro Universitário de Sete Lagoas (Unifemm) com o objetivo geral de promover a Educação Ambiental num local tão importante para a cidade. Foi feito um trabalho de pesquisa pelos alunos do curso de Ciências Biológicas para a identificação das espécies arbóreas, localizadas no entorno da Capela da Serra de Santa Helena, além de informações gerais sobre as espécies estudadas. Também foi desenvolvida uma trilha ambiental guiada”.

Ela conta que, na trilha, foram instaladas 11 placas de madeira contendo todas as informações das espécies em QR Code. “Entregamos o resultado do projeto à comunidade no dia 21 de setembro com as visitas da Escola Municipal Professor Galvão e da Escola Estadual Dr. Alonso Marques Ferreira. A Semadetur e a Unifemm realizaram oficinas envolvendo os alunos, que participaram com excelente aproveitamento”, celebra.

É na mesma Serra de Santa Helena que Nivaldo dos Santos, conselheiro do Subcomitê Ribeirão Jequitibá e presidente do Instituto Águas da Serra, realiza atividades de Educação Ambiental – ou, como prefere chamar, de ecoalfabetização –com crianças e adolescentes da região. Para Nivaldo, investir na ecoalfabetização desse público é a chave para garantir um futuro sustentável. “Terminamos de fazer o plantio de 200 mudas de espécies nativas com os alunos, e agora estamos limpando o topo do morro onde queremos fazer um mirante para eles. Eu vejo a Educação Ambiental como um dos pilares mais importantes na defesa do meio ambiente. É difícil mudar a atitude de adultos e pessoas de mais idade, mas o grande futuro para nós são adolescentes e crianças, desde que a gente mostre para eles, na prática, a importância do meio ambiente”, afirma.

Serra de Santa Helena, em Sete Lagoas, no Médio-Baixo Rio das Velhas, recebe continuamente alunos em parcerias entre escolas e ONGs. Placas e QR Code com direcionamento para celulares contribuem com informações sobre espécies arbóreas da Serra de Santa Helena.
Léo Boi Léo
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Ohana Padilha
Boi

Centro de Educação Ambiental do Programa

Gincana Ambiental em Curvelo

O Centro de Educação Ambiental (CEAM) de Curvelo é onde acontecem as visitas de alunos promovidas pelo Chuá Socioambiental, programa de Educação Ambiental da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) que tem como público preferencial os alunos do 6o ano do Ensino Fundamental. De forma lúdica, os alunos participam de uma gincana que inclui recolhimento de óleo de cozinha, recolhimento de lacres de alumínio de latinhas, Feira Verde, Feira do Desapego e Oficina de Notícias. Ao final, a escola recebe o Selo Chuá de ‘Escola Amiga do Meio Ambiente’ como reconhecimento pelo trabalho de preservação ambiental realizado.

“As nossas ações de Educação Ambiental são marcadas por transmitir o conhecimento de forma não convencional”, relata Solange Ferreira, funcionária da Copasa e integrante da equipe de Educação Ambiental da empresa. Segundo ela, as oficinas realizadas no CEAM de Curvelo capturam a atenção dos alunos com atividades práticas. “No início da visita, ensinamos alguns conceitos e logo partimos para a prática. Os alunos andam pela trilha às margens do Ribeirão Santo Antônio verificando as diferenças entre a mata preservada e o solo degradado. As escolas fazem fila para visitar o CEAM”, conta.

Solange também explica que, durante as oficinas, os alunos são despertados não só para o ambiente exterior, como também para o cuidado com o próprio corpo. “Num ecossistema, o que afeta um afeta todos. Uso com eles os exemplos de como a pandemia, que se iniciou na China, chegou até nós e como o lixo que jogamos no rio chega ao mar. Procuramos gerar essa corresponsabilidade, explicando que, quando não estamos bem de saúde, podemos causar danos a outras pessoas. Trabalhamos não só meio ambiente, como também higiene bucal, higiene do corpo. Queremos criar esse coletivo que vai se importar consigo mesmo e com um mundo melhor para as futuras gerações”, finaliza.

Ao final, a escola recebe o Selo Chuá de ‘Escola Amiga do Meio Ambiente’ Chuá, em Curvelo, recebe alunos para recolhimento de óleo de cozinha, recolhimento de lacres de alumínio de latinhas, Feira Verde, Feira do Desapego e Oficina de Notícias.
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Divulgação Copasa

Agentes multiplicadores no Baixo Velhas

No Subcomitê Rio Curimataí, Maíra Lima, coordenadora do colegiado e turismóloga na Secretaria de Turismo, Cultura, Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Joaquim Felício, aposta na formação de agentes multiplicadores de práticas sustentáveis. 17 alunos foram selecionados pela Escola Municipal Professora Odília Costa entre “aqueles com maior poder mobilizador”, segundo Maíra, e iniciaram a formação no dia 27 de setembro de 2022 numa visita de campo no Parque Estadual da Serra do Cabral. Lá eles tiveram contato com sítios arqueológicos com pinturas rupestres. Essa é a primeira turma de multiplicadores da cidade. Na ementa, conteúdos sobre Patrimônio Histórico e Cultural, Meio Ambiente e Turismo.

Para Maíra, a ideia de transformar os alunos em disseminadores de conhecimento fortalece os laços de comunidade e amplia o alcance dos benefícios da Educação Ambiental. “Esse é um projeto piloto, com uma atividade por mês para alunos do Ensino Fundamental II do 5o ao 9o ano. Queremos envolver também as famílias, uma vez que esses alunos serão multiplicadores tanto nas escolas como em seus lares. Vamos chamar pais e responsáveis para mostrar o objetivo do trabalho e de que forma eles também podem estar envolvidos. Nossa expectativa é de que eles possam desenvolver e transmitir responsabilidade socioambiental no território onde vivem, e que possam constituir uma nova visão de mundo mais sustentável, mais capaz de garantir a sobrevivência de todos”, finaliza.

Alunos da Escola Municipal Professora Odília Costa participaram de formação em visita de campo no Parque Estadual da Serra do Cabral. Coordenadora do Subcomitê Rio Curimataí, Maíra Lima aposta na formação de agentes multiplicadores de práticas sustentáveis em Joaquim Felício.
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Álvaro Gomes

Drenagem urbana

Freio na água urbana

Bacias de detenção se espalham pela cidade e lançam a dúvida: são o melhor e único caminho?

Texto: Tobias Ferraz

A observação dos fenômenos naturais sempre foi o ponto de partida para o entendimento das “leis da natureza”. Ao longo dos séculos, o gênero humano absorve, adapta e aplica o conhecimento, muitas vezes ancestral, sobre a convivência harmoniosa com o meio ambiente. Esse fato produz ideias, ações e intervenções nas áreas urbanas.

No começo dos anos 2000, a capital mineira viveu uma experiência muito rica em participação e cidadania. Preocupados com uma região farta em nascentes de água, moradores do bairro São Francisco, na Pampulha, se organizaram em torno da preservação da área e da criação do Parque Ecológico do Brejinho, com o objetivo principal de proteger os olhos d’água que brotam no lugar. Com a organização, os moradores conquistaram votos no Orçamento Participativo e a liberação de verba para cercar a área – a consolidação do parque só se deu de fato ao final de 2021.

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Bacia de detenção em construção do Córrego Olaria, na região do Barreiro, em Belo Horizonte.
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Fernando Piancastelli

A professora Dalva Lara Corrêa, hoje aposentada, participou ativamente do processo e chegou a coordenar o Projeto de Preservação das Nascentes do Brejinho. “Com verba conseguimos construir uma guarita e cercar uma área de 73 mil m² que abriga as nascentes, com boa parte em vegetação natural”. Era o início de um grande projeto ecológico, mas que seria interrompido no meio do caminho.

Dalva conta que, anos depois dessa conquista, estava de férias, longe de Belo Horizonte, quando leu a notícia sobre a construção de uma bacia de contenção na área do Brejinho. “A Praça Bagatelle e o Aeroporto da Pampulha foram construídos em área brejosa, onde passam três córregos que causavam frequentes inundações. Por causa disso, a Prefeitura decidiu construir uma bacia de detenção dentro do parque. O Brejinho, com isso, perdeu 22 mil m² de área de preservação para a implantação da obra”, fato que deixou Dalva muito decepcionada com as decisões tomadas pelo poder público.

O caso do Parque Ecológico do Brejinho ilustra muito bem essa contradição entre solução natural ou intervenção humana. A geógrafa Viviane Ferreira Batista, especialista em geoprocessamento de dados, mestranda em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais, é moradora da região e membro da iniciativa Sistema Agroflorestal do Brejinho. Viviane é quem traz a questão dos impactos causados pela obra. “A bacia de detenção do Brejinho está dentro de uma unidade de conservação. Mesmo com as audiências públicas que aconteceram nos anos 1990 e 2000, com a aprovação pelo Orçamento Participativo, boa parte da vegetação nativa do parque foi retirada para a construção da bacia. Uma área arborizada, que poderia servir com escoamento e infiltração da água, de forma natural, deu lugar às obras de concreto”, explica a geógrafa.

Para ela, a falta de comunicação com os moradores foi sempre uma falha. “Numa visão geral vemos prédios, a bacia, isso tudo dentro da área de preservação do Brejinho. Em relação à comunicação visual, eu, como moradora, não sei se essa obra está acabada, se está em processo, não sei quem é o órgão executor. A gente não tem nenhum tipo de comunicação, seja uma placa indicadora com descrição da obra”. De acordo com a Secretaria de Obras da PBH, a Bacia de Contenção do Parque Ecológico do Brejinho está concluída.

Bacias de detenção aberta

Área para receber o excedente das águas das chuvas que pode ser adaptada como área de lazer, com implantação de paisagismo, quadras de esportes e pistas para patinação e skate. Custo de implantação relativamente mais baixo.

Bacias de infiltração

Localizadas em áreas com solo apropriado, funcionam nos períodos de maior concentração de chuvas, absorvem a água captada com maior rapidez.

Bacias de retenção subterrânea

Passadas quase duas décadas, com mais conhecimento acumulado sobre as ações da natureza e com as emergências climáticas batendo em nossas portas, a discussão sobre a execução de obras de macrodrenagem em centros urbanos volta com muita força. Em agosto de 2022, o Subcomitê Ribeirão Arrudas, ligado ao CBH Rio das Velhas, organizou um webinário para debater técnicas de manejo das águas das chuvas nas cidades, em especial as bacias de detenção, contenção e retenção. A conversa gira em torno da eficiência desse tipo de construção, os custos de implantação e manutenção, a necessidade de supressão de vegetação nativa para viabilizá-la e sobre o local ideal para instalar essas áreas de amortecimento das águas.

A discussão abre uma série de reflexões sobre até onde a intervenção é necessária e eficaz. Outro fator relevante no processo de implantação de uma bacia de contenção é a instalação ou remodelamento da rede de esgoto da região, tarefa que exige alinhamento e articulação com a concessionária de saneamento, a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais).

Mantêm nível constante de água, propiciam a sedimentação dos resíduos sólidos, guardam água de melhor qualidade. Precisam de monitoramento constante do volume armazenado e necessitam de manutenção para retirada dos resíduos sólidos ou desarenadores. Tem maior custo de implantação.

Professora Dalva Lara participou ativamente do processo de preservação da área do Brejinho. Moradores dizem não saber se bacia no Parque do Brejinho está concluída ou em processo. Ohana Padilha
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Fernando Piancastelli

Bacias de Detenção de Belo Horizonte

Legenda

Cursos d’Água

Bacia de Detenção existente

Bacia de Detenção em construção

Bacia de Detenção a readequar vertedores

Bacia de Detenção a ampliar capacidade

Bacia de Detenção a construir

Empreendimento por Situação

Obra Concluída

Obra em Execução

Projeto Concluído com Recursos Assegurados para Obra

Projeto Concluído sem Recursos Assegurados para Obra

Projeto em Desenvolvimento com Recursos Assegurados para Obra

Projeto em Desenvolvimento sem Recursos Assegurados para Obra

Empreendimento Previsto

Fonte: PBH
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Soluções baseadas na Natureza

A engenheira Ambiental Andreiva Lauren Vital do Carmo, mestre em Engenharia Civil na área de Concentração Sanitária e Ambiental, aponta que um dos caminhos que podem ser adotados é reduzir o volume das águas que chegam até o curso d’água. “Existem as SbN [Soluções baseadas na Natureza], como, por exemplo, as trincheiras de infiltração. São caixas escavadas em áreas livres, a exemplo dos trechos do passeio público, com camadas de areia e brita para receber parte da água das chuvas do local. Já temos também tecnologia de revestimento que permite a infiltração de água como paralelepípedo ou bloquetes, que podem ser usados em áreas de estacionamento, por exemplo”, detalha a engenheira.

Andreiva destaca como um modelo de bacia de detenção subterrânea a obra construída na cidade de São Paulo. “No Estádio do Pacaembu, a bacia foi feita no subsolo. As galerias da região direcionam as águas excedentes para essa área, evitando alagamentos no entorno”, explica.

A busca por uma convivência mais harmônica com as bacias dos rios nasceu da necessidade de melhorar a saúde da população. Chamada de abordagem higienista no princípio, ganhou versão contemporânea mais abrangente, englobando o meio ambiente e a biodiversidade do território. Márcia Marques, coordenadora do Subcomitê Ribeirão Arrudas, cita o exemplo do Ribeirão Cercadinho. “É uma região mais ‘encaixada’, com poucas áreas suscetíveis a enchentes. O Cercadinho é um dos poucos ribeirões que não foram canalizados. A população pede por uma urbanização que dialogue mais com os espaços naturais”.

O temor é que ocorra, por exemplo, como se deu com a bacia de detenção do Córrego Jatobá, na região do Barreiro. “É muito interessante porque dá para ver que o lugar, antes, era muito melhor do que é hoje em termos de cobertura vegetal, em termos de característica natural. Desmatou bastante. Então, o que questionamos é a eficiência dessas obras, se são construídas no melhor ponto e se é necessária a retirada da vegetação nativa”, indaga Márcia.

O analista ambiental da Copasa, Cristiano Abdanur, também membro do Subcomitê Ribeirão Arrudas, sublinha que o papel da companhia nesses casos é basicamente o de redesenhar o sistema de esgotamento sanitário local. “São áreas onde geralmente já existe uma rede coletora, o que facilita a nossa ação”, afirma. Ele lembra, contudo, do exemplo da bacia de contenção do Córrego Camarões, também no Barreiro – uma obra que, segundo ele, solucionou os problemas de inundação na região. “Era uma área verde que foi desmatada e a comunidade tem uma percepção muito positiva da obra. Para eles, ficou mais bem urbanizado do que com a área verde que tinha antes”. Por outro lado, Cristiano também questiona esse tipo de intervenção de macrodrenagem. “É algo para repensarmos porque pode virar um ‘saco sem fundo’, onde se faz uma obra atrás da outra, ao invés de pensar algo maior, com resultado para longo prazo”.

Bacia de contenção do Córrego Camarões, também na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Coordenadora do Subcomitê Ribeirão Arrudas, Márcia Marques conclama uma urbanização que dialogue mais com os espaços naturais. Bianca Aun
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Fernando Piancastelli

Complementaridade

A adoção dos recursos da engenharia para contornar e solucionar os problemas naturais causados pela espécie humana é polêmica antiga, com discussões que seguem pelo mundo atual. A diretoria de Gestão das Águas Urbanas da PBH trabalha com novas referências no manejo das águas urbanas, a partir do Plano Diretor de Drenagem Urbana e da Instrução Técnica para Elaboração de Estudos e Projetos de Drenagem. Este último, em particular, aponta que a Região Metropolitana de BH tem 17 bacias construídas, quatro em construção e 14 devem ser construídas nos próximos anos.

Com mais de 30 anos no serviço público, o engenheiro Ricardo Aroeira, diretor de gestão de águas urbanas da PBH, integra uma equipe que fez a revisão do conceito de saneamento da visão higienista, “enterrada em BH”, para uma abordagem de reabilitação ambiental na gestão das águas. “Hoje em dia é proibido canalizar rios em Belo Horizonte”, lembra.

Ele pondera, contudo, o argumento de quem desacredita as bacias de detenção como soluções na gestão das águas urbanas. “É um equívoco achar que as medidas compensatórias podem substituir as grandes obras estruturantes; em hipótese alguma isso é verdade. Elas são soluções que se somam, cada uma com a capacidade de resposta que consegue dar. Medidas compensatórias como telhados verdes, jardins de chuva, reservatórios individuais de detenção e retenção, caixas de infiltração ou valas de infiltração, a gente incentiva o uso, a Prefeitura exige o uso, mas elas conseguem responder a eventos de chuvas menos intensos”, argumenta.

Para além das obras de macrodrenagem, Ricardo destaca também a criação do Plano Diretor de Drenagem Urbana e do Programa Drenurbs, como estratégias complementares para se mitigar e minimizar as inundações na cidade e seus efeitos. São instrumentos que apontam os principais eixos de ação para a gestão do risco de inundações, como planejamento, gestão, implantação de obras, manutenção e comunicação com sistemas de aviso e alerta para a população. “A gente tem placas espalhadas pela cidade chamando a atenção para aquela área está sujeita à inundação, orientando para que você se desvie daquela rota”, conclui.

Cercadinho é um dos poucos ribeirões que não foram canalizados na capital mineira. Diretor de gestão das águas urbanas da PBH, Ricardo Aroeira acredita na complementaridade entre grandes obras estruturantes e medidas compensatórias.
Adília Dalbem 19
Léo Boi
Segurança
Ilustração Clermont Cintra 20
hídrica

Águas subterrâneas: o essencial escondido

Relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2022, mostrou que as águas subterrâneas representam 99% de toda a água doce líquida da Terra, respondem por metade do abastecimento humano e por cerca de 25% da irrigação. Na apresentação do documento, cujo subtítulo é “Fazer visível o recurso invisível”, a diretora-geral da entidade, Audrey Azoulay, afirma que “cada vez mais recursos hídricos estão sendo poluídos, superexplorados e esgotados pelo ser humano, às vezes com consequências irreversíveis”.

A extração mundial de água doce – de rios, riachos, lagos, aquíferos e reservatórios artificiais, as chamadas fontes de “água azul” –, que era de aproximados 600 km³/ano em 1900, saltou para 3.880 km³/ano em 2017. O volume total de água doce líquida subterrânea varia, conforme o estudo, entre 11 e 16 milhões de km³.

Texto: Paulo Barcala
“Poupança hídrica” do planeta está sendo poluída e superexplorada, “às vezes com consequências irreversíveis”, diz relatório da ONU
“O que mata um jardim É esse olhar vazio de quem por eles passa indiferente”.
(Jardim interno - Mário Quintana)
Diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, destacou aumento progressivo na poluição e superexploração dos recursos hídricos em todo o mundo.
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Christelle Alix

Benefícios e oportunidades

Como em geral a qualidade das águas subterrâneas é boa, elas podem ser usadas de forma segura e acessível em termos financeiros, sem exigir muitos recursos de tratamento. Tudo, no entanto, precisa ser conduzido com um olho no presente e outro no futuro, de modo a impedir o comprometimento dessa “poupança hídrica”, na síntese do doutor em Geologia Paulo Rodrigues, do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN).

Para aproveitar sustentavelmente esse vasto potencial, a Unesco recomenda três frentes de ação: impulso na produção de informações e conhecimento; fortalecimento “dos regulamentos ambientais”, já que “a poluição das águas subterrâneas é praticamente irreversível”; e “reforçar os recursos humanos, materiais e financeiros”, já que “em muitos países, a falta geral de profissionais” nesse campo, bem como de “financiamento e apoio insuficientes”, “dificultam a gestão eficaz”.

Doutor em Geologia, Paulo Rodrigues vê necessidade de planejamento a longo prazo para que “poupança hídrica” não seja comprometida. Em destaque, atividade minerária no Quadrilátero Ferrífero. Lagoa de Santo Antônio, em Pedro Leopoldo, sofre com adensamento do vetor norte e saneamento deficitário. Ohana Padilha
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Léo Boi

Perto de Casa

Minas Gerais tem ao menos quatro regiões que chamam a atenção nesse tema: o Norte, cujas águas subterrâneas sofrem pressão do crescimento industrial e agrícola num quadro de escassez de chuvas e de águas superficiais; Sete Lagoas e seu entorno, onde o volume de água consumida ultrapassou a taxa anual de recarga do aquífero desde 2017; o Quadrilátero Ferrífero, por conta da intensa atividade minerária; e a delicada região cárstica de Lagoa Santa. As três últimas áreas estão na bacia do Rio das Velhas.

O professor Paulo Galvão, doutor em geologia pela USP e professor do Instituto de Geociências da UFMG, adverte: “As águas do Aquífero Guarani, na região central de São Paulo, têm mais de 60, 70 mil anos. Em Alter do Chão, no Pará, uns 18 mil anos. Se esgota, dificilmente será renovável no tempo humano”. E constata: até há pouco, “o debaixo da terra era terra sem lei”

Proteção

Embora “em comparação aos países desenvolvidos ainda precisemos percorrer caminho longo”, Galvão vê avanço na gestão das águas subterrâneas no estado. Remetendo ao mote do relatório da Unesco, o professor avalia que “Minas, com o IGAM [Instituto Mineiro de Gestão das Águas], a Semad [Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável], a ABAS [Associação Brasileira de Águas Subterrâneas], universidades e empresas, está trabalhando para tornar visível o invisível”.

Para o diretor-geral do IGAM, Marcelo da Fonseca, “temos observado aumento significativo da exploração da água subterrânea”. Isso, diz, tem “nos preocupado, pois a água é uma só, tem que ter visão integrada”.

Fonseca ressalta as “ações preventivas e repressivas” adotadas e os aspectos legais: “Avançamos em normativas, num trabalho conjunto com o Serviço Geológico do Brasil e universidades, para aprimorar a gestão”. Segundo ele, um grupo de trabalho transformou as recomendações em deliberações”, especialmente a DN 76/2022, do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH), que define critérios para a regularização dos usos das águas subterrâneas em Minas Gerais.

Marcelo da Fonseca acrescenta que a “avaliação das reservas do Norte de Minas está concluída e que a “metodologia vai ser empregada na análise de processos de outorga para o resto do estado” e, ainda, “que um novo convênio com o Serviço Geológico do Brasil vai fazer o estudo das Águas do Centro-Sul”.

Paulo Rodrigues questiona, contudo, a capacidade de fiscalização: “Falta estrutura aos órgãos públicos, servidores de carreira. Não temos dados de qualidade de águas subterrâneas, até nas superficiais é uma penúria, só 300 pontos [de monitoramento] para um estado do tamanho de Minas”.

Volume de água consumida em Sete Lagoas, no Médio-Alto Rio das Velhas, ultrapassou a taxa anual de recarga do aquífero desde 2017. Diretor-geral do IGAM reconhece aumento significativo da exploração da água subterrânea. Em destaque, gruta na região do Carste, em Matozinhos. Léo Boi
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Fernando Piancastelli

O Carste

A palavra define um terreno exposto a processos de dissolução de rochas como o calcário, com drenagem subterrânea, cavernas e dolinas, e nomeia uma região única no mundo, localizada no Médio-Alto Rio das Velhas, em que a relação entre águas subterrâneas e superficiais se dá de forma especial.

Não é à toa que seu perímetro foi transformado na Área de Proteção Ambiental (APA) Carste de Lagoa Santa. Segundo Galvão, a situação da APA coincide com a de Sete Lagoas, “sem contaminação das águas subterrâneas, só em lagos, com nitrato e coliformes fecais, e nos rios principais, como o Velhas, que traz a poluição de BH”.

Estudos anteriores na região comprovaram o uso intensivo das águas subterrâneas, em especial para fins agrícolas, em Matozinhos; industriais, em Vespasiano, e para condomínios e abastecimento público, em Lagoa Santa. Um novo projeto de pesquisa está em fase de captação de parceiros e recursos”, informa Galvão.

No aquífero em Sete Lagoas, igualmente cárstico, a “multiplicação de siderúrgicas, mineradoras e indústrias com forte uso de água”, torna inadiável “entender esse contexto de alto consumo de água subterrânea”, diz o professor da UFMG. Para garantir o abastecimento humano, antes totalmente proveniente, segundo o SAAE local, da captação por poços tubulares profundos, o município passou a captar água do Rio das Velhas como recurso complementar. Novas regras não permitem mais a perfuração de poços na região central da cidade. No norte e nordeste de Sete Lagoas, estudos envolvendo empresas, IGAM e UFMG buscam bases para um consumo sustentável, um “tempo para que o aquífero respire”, explica Paulo Galvão.

Na região de Pedro Leopoldo e sua famosa Lagoa de Santo Antônio, outra de formação cárstica, Conceição Lima e Márcia Lopes, da ONG Movimento Lagoa Viva e integrantes, respectivamente, dos Subcomitês Ribeirão da Mata e Carste, do CBH Rio das Velhas, denunciam “o nível de degradação, a retirada do solo original por grandes loteamentos, a falta de controle sobre a destinação de resíduos, o adensamento do vetor norte da cidade e as dificuldades nas políticas públicas de saneamento básico”.

Estudiosa da Lagoa, a professora Maria Giovana Parisi, do IGC, doutora em Geologia pela UFOP, ensina que “a depressão que forma a Lagoa é uma uvala, união de duas ou mais dolinas” e que, embora sofra “como outras, os impactos da urbanização do entorno”, “não tem contaminação de metal pesado, elemento químico, mas a proveniente de área urbana, de águas pluviais que trazem agrotóxicos, detergentes”.

A professora, com pesquisa em andamento no território, suspeita que há “conexão com o aquífero, pelo menos de alimentação. As águas pluviais não justificam a quantidade de água. Vamos investigar”.

Márcia Lopes e Conceição Lima, dos Subcomitês Carste e Ribeirão da Mata, integram a ONG Movimento Lagoa Viva. Na região do Carste, única no mundo, relação entre águas subterrâneas e superficiais se dá de forma peculiar.
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Fernando Piancastelli

Alto Rio das Velhas

Região de mineração intensiva e berço do rio que abastece quase metade da Região Metropolitana de BH, o Quadrilátero Ferrífero sofre, além dos riscos de rompimento de barragens e contaminação dos recursos hídricos, com o rebaixamento do lençol freático para a expansão das lavras.

Fonseca, do IGAM, realça que o rebaixamento “passa por avaliação dos CBHs e por etapa anterior”, de estudo hidrogeológico e simulações. A partir daí, vêm “as condicionantes para outorga”. De acordo com ele, estudos na Serra da Moeda vão permitir “uma visão global”.

Paulo Rodrigues, do CDTN, diz que “é preciso entender que quando você bombeia a água do aquífero e a transforma em superficial, é um péssimo negócio”, e traduz: “a velocidade de água subterrânea é mínima. Se fosse a mesma da superficial, parou de chover, secaria o aquífero. Estamos perdendo a resiliência do território”. E adverte: “Se você quebrar a caixa d’água, não adianta economizar água. Há um comprometimento para sempre pela destruição do aquífero do Cauê. O minério é o aquífero. Isso não volta”.

Assista ao webinário “Impactos da escassez hídrica na bacia do Rio das Velhas”: bit.ly/webinario-escassez-hidrica

Rebaixamento do lençol freático pelas atividades minerárias, transformando água de aquífero em superficial, é questionada por especialistas.

Léo Boi
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Preservação

Várzea, onde o futebol germina

O futebol de várzea nasce à beira-rio e personifica o espírito comunitário do esporte que se tornou sinônimo de brasilidade no mundo inteiro

Texto: Leonardo Ramos Fotos: Robson Oliveira
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Campo à margem do Rio das Velhas, no bairro Matadouro, em Raposos.

Ainda que, quando trazido para o Brasil, o esporte bretão praticado em clubes tenha sido exclusividade das elites paulistanas do século XIX, não demorou muito para que germinasse e florescesse espontaneamente nas planícies de inundação dos Rios Tietê e Pinheiros, protagonizado por operários das indústrias e pelos lavradores das fazendas de São Paulo. Assim começou o futebol de várzea. Não é preciso dizer que, no Brasil, basta um local minimamente plano e tranquilo para que haja duas ou mais pessoas reunidas em nome de Pelé e Garrincha batendo uma bola. Pode ser a rua, a garagem de casa, um terreno baldio, à beira do rio… E é por isso que a várzea de diferentes cursos d’água do território brasileiro foi o terreno fecundo para que comunidades ribeirinhas e periféricas pudessem exercer aquilo que mistura lazer, paixão e laços comunitários em torno do futebol. Ali onde o rio inunda, a terra é plana e fértil.

Ao longo também do Rio das Velhas e seus afluentes, foram muitos os campos de várzea que viram os pés de trabalhadores mineiros desfilarem habilidade num esporte cuja principal e mais elementar regra exige que seus jogadores não utilizem as mãos enquanto direcionam a bola para o espaço delimitado no fundo do campo adversário. Mesmo sendo acossado, especialmente nas grandes cidades, pela especulação imobiliária e pelo “progresso” que sepulta os rios sob o asfalto, expulsando ribeirinhos, desfazendo comunidades e demolindo campos, o futebol de várzea resiste, seja à beira do rio ou nos “terrão” da periferia. Ali, na várzea, esses trabalhadores encarnam o espírito comunitário num esporte que se tornou sinônimo de brasilidade no mundo inteiro.

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Na várzea, todo jogo socioambiental se ganha de virada

Aquela comum dinâmica territorial urbana, em que uma área é considerada mais “nobre” e a população com menos recursos financeiros é empurrada para as bordas da cidade, num movimento sempre contínuo, também acontece em Belo Horizonte, cuja periferia já foi vizinha do Centro. Nesse movimento urbanizante, os cursos d’água da cidade se tornam ruas e canais de esgoto, os ribeirinhos são desalojados e vão sendo levados a regiões com menos infraestrutura e com mais problemas. A várzea do rio desaparece e já não há mais espaço para o campo comunitário – até porque também a comunidade já nem está lá mais. Isso coloca de cara uma desvantagem: o futebol de várzea já começa o jogo com o placar negativo.

Mas na várzea, todo jogo é uma vitória, e é de virada. Os problemas comuns das periferias, esquecidas pelos poderes público e econômico, são enfrentados por esquemas táticos ofensivamente ousados. O futebol de várzea é, para além de um jogo, um terreno de construção social comunitária. Ali, os uniformes são feitos por pessoas da comunidade, o campo é preparado em mutirão e, depois do jogo, tem churrasco e cerveja gelada com os vizinhos. E é assim que questões como inundações e carência de infraestrutura são enfrentados: em comunidade.

Luiz Fabiano Filho, ou Luizinho do Ideal, como é conhecido em Raposos, tem 73 anos de idade e, desde os dez, está no futebol de várzea. Foi artilheiro da Copa Itatiaia de 1987 e, às margens do Rio das Velhas, é dirigente do Ideal Sport Club, time fundado em 1928. Ele presenciou as mudanças do rio que, segundo ele, passou a sofrer com mais enchentes depois de ser assoreado por mineradoras e represado por hidrelétricas. Passou por três grandes inundações: uma em 1997, destruindo o muro e a quadra – que nunca foi recuperada –, uma em 2020, sem maiores consequências, e uma em 2022 – que deixou o clube parado por 10 meses. “E ainda teve a pandemia, né? Então, juntando, foram dois anos”, lamenta.

Mas, se não tem bola rolando, tem trabalho social, que não pode parar. “Temos quase 200 alunos. Aqui a gente trabalha com reforço escolar, ajuda como pode as famílias desses meninos e formamos uma ONG que se chama ‘Ideal do Amanhã Guaicuí’ – e esse ‘Guaicuí’ aí é do Rio das Velhas, né?”, conta, lembrando o nome indígena do rio. O solo varzeano do Ideal guarda muita história. Segundo Luizinho, o campo já foi palco da Copa do Mundo de 1950: lá treinava a seleção da Inglaterra, que estreava na competição.

Morador de Raposos, Luizinho é ex-jogador e dirigente do Ideal Sport Club, fundado em 1928.
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Campo em Raposos, bairro Cândida, próximo ao Ribeirão da Prata.

Cara ou coroa: campo ou bola?

O jogo socioambiental do futebol de várzea não é pelada em que “o último cata”. Ele é construído com organização coletiva, e esse é o esquema mais usado por todos os times, não só o Ideal. O Ica Futebol Clube, por exemplo, do bairro BeijaFlor, em Belo Horizonte, tem como principal rival a questão territorial. Fundado em 1948 e sob ameaça de despejo, o campo fica na incerteza de seu futuro, sem poder investir em melhorias. Localizado na divisa entre Belo Horizonte e Sabará, foi construído onde antes era a Fazenda Capitão Eduardo, na mesma época e local em que surgiram vários bairros, como o Paulo VI e parte do Ribeiro de Abreu, bem às margens do Rio das Velhas. Mas o terreno foi vendido, e o novo dono não abre mão do local onde se encontra o campo do Ica. “Temos dois campos, o de cima e o de baixo, mais perto do rio. O local já é de usucapião nosso, mas o antigo dono vendeu pra outra pessoa um terreno que não seria mais dele. Aí foi pra Justiça. A gente tentou um acordo com o rapaz que comprou o terreno, porque a gente ficava feliz só com um campo, mas ele não aceitou, quer fazer um bota-fora lá”, conta Luciano Moreira, presidente do clube, que relata também insegurança de quem quer investir num campo de futuro incerto.

“Moro do lado do Rio das Velhas desde que nasci aqui, pertinho do campo, cinco minutos a pé. A empresa do lado contrário, eles estão levantando demais o rio, eles conseguem alvará em Sabará. Na minha casa nunca tinha vindo água porque é um barranco alto, mas, com o passar do tempo, o meu terreno ficou comprometido com as enchentes mais fortes”. O campo de várzea, ali, não abriga só o futebol, como também os encontros dos moradores da comunidade Beira-Linha. “Fizemos um jogo e uma festa no dia 15 de outubro, depois teve churrasco, ficamos até 21h lá. A gente não tem muita opção na comunidade Beira-Linha, então, em 2023, vamos fazer um Natal para as crianças no campo. Nossa relação aqui é muito mais social, de confraternização. Queria fazer um alambrado e um vestiário, mas fico com medo de fazer e o dono ir lá e derrubar tudo”, conclui.

Luciano Moreira é presidente do Ica Futebol Clube: “Moro do lado do Rio das Velhas desde que nasci aqui, pertinho do campo”.
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Rio das Velhas margeia o campo do Ica Futebol Clube, na divisa entre Belo Horizonte e Sabará.
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BR-381 atravessa o Rio das Velhas, na divisa entre Belo Horizonte e Sabará. Campos do Ica Futebol Clube, ao lado, foram construídos onde antes era a Fazenda Capitão Eduardo.

Bola dividida

As questões ambientais também não passam despercebidas para quem tem no futebol de várzea sua primeira e mais duradoura paixão. “Sou morador do Jardim Felicidade há 33 anos, a minha atuação social na comunidade é toda voltada para o meio ambiente. Contribuí para um trabalho de catalogação de nascentes urbanas que foi publicado pelo Projeto Manuelzão.” Esse é o Marcos Paulo Vieira Torres, dirigente da Associação Atlética Felicidade, que fica no Conjunto Felicidade, região Norte de Belo Horizonte. “Nosso campo é ao lado do Ribeirão Isidoro, afluente direto do Onça. Quando a gente joga e a bola sai, ela cai dentro do rio”, graceja. “Nas categorias de base a gente ensina aos meninos a importância da proteção das nascentes, da sustentabilidade, da coleta seletiva de lixo. Sempre fui engajado com essas questões. Eu conto pra eles como é o processo do rio: ‘Olha, essa nascente aqui dá origem ao Córrego do Tamboril, o Tamboril chega no Isidoro, o Isidoro cai no Onça, que vai parar no Velhas, o Velhas vai para o São Francisco, e o São Francisco deságua no mar, onde você vai tomar banho de água salgada’.

Aí o pessoal pergunta: ‘Nossa, Marquinho, isso tudo?’, aí eu respondo: ‘sim, é por isso que a gente tem que cuidar aqui para ninguém sofrer lá embaixo’.

Marquinho, como gosta de ser chamado, se queixa bastante do poder público, que, segundo ele, deveria estar mais presente nas comunidades mais distantes do centro, pois lá é que estão a maioria das nascentes da Região Metropolitana de Belo Horizonte. “O pessoal na periferia é muito carente desses assuntos, e o poder público não demonstra muito interesse em atender a essa demanda. Mas o lugar certo é aqui embaixo, na periferia, onde a maioria dos cursos d’água têm suas nascentes, a maioria dos rios que não estão tamponados estão aqui. Quando eu levo os meninos pra ver o Rio Arrudas na região central eles não conseguem ver, porque está “sepultado”, como eu costumo dizer. Aí eu tenho que levar eles lá no Pompeia e dizer: ‘este aqui é o Arrudas que seu pai fala com vocês que era ponto de referência da capital’”.

A urbanização que sepultou rios da capital de Minas Gerais como o Arrudas também agiu para afastar a população trabalhadora do Centro e para transformar antigos campos genuinamente varzeanos em estacionamentos e shoppings. Mas a várzea, para o futebol amador, deixou de ser um lugar físico à beira-rio para se tornar uma entidade imaterial que vaga procurando um solo fértil onde o futebol comunitário possa germinar.

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Associação Atlética Felicidade, do dirigente Marcos Paulo Torres, fica às margens do Ribeirão Isidoro, afluente do Onça, em BH.
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Entrevista

Água: substantivo feminino

Referência global em estudos sobre governança, água e gênero, belo-horizontina Fernanda Matos fala à Revista Velhas sobre representação em colegiados e sobre como a igualdade de gênero pode contribui r para o alcance das metas relacionadas à emergência climática

Texto: Luiz Ribeiro

Fernanda Matos é responsável pelo desenvolvimento das publicações ‘Retratos de Governança das Águas no Brasil’, que busca apresentar análises de pesquisa sobre o processo de formação e perfil dos representantes membros dos organismos colegiados de gestão de recursos hídricos.

Acervo pessoal 38

“Fernanda Matos desempenha um papel importante para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, particularmente sobre a meta 6, focada em água potável e saneamento para todos. Como única representante brasileira na iniciativa de Monitoramento Integrado ONU-Água, ela integra um grupo de especialistas que ajuda o projeto a criar abordagens de contextualização de gênero nos indicadores globais que possibilitarão a elaboração de políticas baseadas em relevância de gênero em todo o mundo. Fernanda exemplifica a coragem e o compromisso de Alfredo Sirkis [jornalista, escritor, ambientalista e político brasileiro, que liderou o Centro Brasil no Clima e o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, falecido em 2020] com a ação climática.”

As palavras acima são do ex-vice-presidente dos Estados Unidos, ambientalista e prêmio Nobel da Paz, Al Gore, em 2022, quando concedeu à pesquisadora mineira Fernanda Matos o prêmio Alfredo Sirkis Memorial Green Ring Award, que prestigia ações de voluntários da iniciativa Climate Reality Project que mais se destacaram ao redor do mundo.

Graduada em Administração, Mestre em Turismo e Meio Ambiente e especialista em Gestão Estratégica de Marketing, Fernanda tem ainda Doutorado e Pós-Doc em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Desde 2017, atua como subcoordenadora do Projeto Governança e Recursos Hídricos, no Centro de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da universidade.

É também responsável pelo desenvolvimento das publicações ‘Retratos de Governança das Águas no Brasil’, que busca apresentar análises de pesquisa sobre o processo de formação e perfil dos representantes membros dos organismos colegiados de gestão de recursos hídricos. “O estudo visa também colaborar para a difusão e socialização do conhecimento e falhas de governanças identificadas nos espaços colegiados, de modo que possa subsidiar a elaboração de políticas para fortalecimento da democratização na gestão das águas”, afirma.

Desde 2019, é editora colaboradora da Rede Brasil de Organismos de Bacia, na seção REBOB Mulher – um espaço para divulgar experiências, relatos, ações de engajamento de mulheres na área de meio ambiente e, especialmente, na gestão das águas.

Nesta entrevista à Revista Velhas, Fernanda Matos explica o que gênero tem a ver com gestão das águas, o que fazer para estimular uma representação mais igualitária nos Comitês de Bacias Hidrográficas e Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos de todo o país, e como a igualdade de gênero pode contribuir para o alcance das metas relacionadas à emergência climática.

O que te despertou a enveredar na pesquisa sobre governança, água e gênero?

Nos primeiros ENCOBs [Encontro Nacional dos Comitês de Bacias Hidrográficas], as pessoas me falavam: “você está vendo, tem poucas mulheres, tem poucos jovens” – e isso para o pesquisador é muito

inquietante. Poucos é quanto? O que é pouco? Aí veio o projeto e a gente começou a ter números. Realmente são poucas [mulheres], são 30%. Assim, o estudo ‘Retratos de Governança das Águas no Brasil’ buscou apresentar de modo simples, mas sem ser simplista, as análises de pesquisa sobre o processo de formação e perfil dos representantes membros de Comitês de Bacias Hidrográficas. Como atividade de extensão, buscou colaborar para a difusão e socialização do conhecimento e falhas de governanças identificadas nos espaços colegiados, de modo que possa subsidiar a elaboração de políticas para o fortalecimento da democratização na gestão das águas.

Você analisou esses mais de 15 mil espaços de participação (entre titulares e suplentes) nos Comitês de Bacias Hidrográficas e Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos de todo o país. O que de principal lhe chamou a atenção?

Nos organismos colegiados de gestão das águas constituídos no país, o número de mulheres é baixo – apenas 31% nos CBHs estaduais, 27% nos CBHs interestaduais e 32% nos CERHs –, sendo ainda identificados problemas de igualdade de tratamento, como relatos de preconceito e práticas de silenciamento das participantes. É preciso ampliar o debate sobre as questões identificadas. A gestão sustentável dos recursos hídricos e a igualdade do gênero são interdependentes. O reconhecimento da importância do equilíbrio de gênero é fundamental para que possamos evoluir enquanto sociedade. Mesmo que este tema esteja em debate e muito se fale da participação da mulher na gestão de recursos hídricos é preciso que, na prática, isto se concretize de forma cada vez mais evidente.

Lançamento do segundo volume do livro ‘Mulheres das Águas’, organizado por Fernanda Matos, se deu no último Encontro Nacional de CBHs, em 2022.
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Dulce Tupy

Outro ponto que dificultou é que alguns sites estavam muito desatualizados – porque o primeiro ponto é mapear quantos Comitês criados e instalados têm, quantas pessoas estão destinadas a ocupar esses espaços, quantas cadeiras são entre titulares e suplentes, quantos participam. Feito isso, passa-se a entender quem está dentro. E são, em grande maioria, homens, de classe média alta, em torno de 50 anos, com graduação ou pós-graduação na área da engenharia – isso de um recorte nacional. Aí a gente questiona: qual é a representatividade do Comitê com relação a sua população? Outro dado que chama a atenção é que em alguns estados havia um grande número de cadeiras vagas. Esse exercício de olhar quem está dentro pode conduzir a dois pontos: primeiro, se a gente tem cadeira vaga, quem é que pode ocupar esse espaço? Um segundo é observar quem está fora. Quando você olha quem está dentro você exercita o pensar na diversidade. A gente precisa olhar quem não está dentro: comunidades, mais mulheres, mais jovens, mais pessoas de outras áreas. Não é isso o que preconiza a nossa legislação? Que tenhamos diferentes olhares, diferentes atores envolvidos na gestão das águas?

Minas é regra ou exceção nesse contexto?

Minas Gerais não é exceção à regra; pelo contrário, tem uma baixa participação feminina. São 27% de mulheres, portanto abaixo da média nacional, que é de 30%. Nós precisamos avançar em relação à participação! Algo que me chamou a atenção, que Minas destoa de todos os estados, em relação ao eixo representação/ representatividade, é a participação de um mesmo representante em vários Comitês. Chega a ter membros que participam de sete, às vezes nove CBHs. Sendo os Comitês pensados sobre a ótica da territorialidade, o chamado “pertencer para falar”, se ele [conselheiro] está em sete ele não pertence a esses sete. Ele está de fato acompanhando? O que será que ele está levando para essas deliberações?

O que fazer para estimular uma representação mais igualitária nessas esferas?

Diálogo. O primeiro ponto é a identificação da questão. Quanto mais a gente conversa e vai falando sobre a necessidade de que é preciso ter igualdade nesses espaços de participação, que é preciso buscar equidade de participação, cada vez que a gente fala que é preciso que tenha diversidade nos espaços, a gente já acende um alerta. Outro ponto importante nessa identificação são os dados, é saber de fato quem está participando. São homens? São mulheres? Ao mapear isso, a gente pode encontrar alguns eixos de trabalho que vão estar relacionados à comunicação e divulgação para que mais mulheres participem, capacitação, produção de conteúdo direcionados para que elas estejam aptas a participar. Importante investigar junto às próprias mulheres se os horários das reuniões dos Comitês são bons para participar, se o espaço de participação é considerado seguro – imagine, a gente tem uma alta taxa de feminicídio no nosso país. Será que ela considera que é um ponto iluminado o suficiente, que tem acesso a transporte público? Se não vai atrapalhar os horários de buscar crianças – porque as mulheres ainda são responsáveis pelas atividades domésticas. São questões sobre a participação que a gente precisa começar a refletir internamente.

27%

OCUPADOS POR MULHERES

Comitês Federais

OCUPADOS POR HOMENS

69%

Comitês Estaduais em MG

(12.653 membros)

73%

OCUPADOS POR MULHERES

31%

OCUPADOS
OCUPADOS POR HOMENS
32
(944 membros) OCUPADOS
40
Participação masculina e feminina nos organismos colegiados de gestão das águas.

Em quais outros indicadores relacionados à governança os CBHs, a seu ver, precisam avançar?

OCUPADOS POR MULHERES

Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos (1.522 membros)

OCUPADOS POR HOMENS

32% 68%

Melhorar a articulação com a sociedade. A gente tem vários exemplos, como o [CBH Rio das] Velhas, que tem sim um trabalho muito interessante, o [CBH do Rio] São Francisco também, são Comitês que desenvolvem um trabalho de comunicação, de tentar o envolvimento com outros espaços. Mas grande parte dos representantes [do conjunto de CBHs de todo o país] considera que ainda não consegue transpor os espaços colegiados. Esse é um ponto em que a gente precisa caminhar, o espaço dos Comitês precisa ser reconhecido, o CBH ser reconhecido como um ator relevante, um ator importante para a comunidade do entorno. A gente precisa observar como fazer para transpor essa barreira junto às Assembleias Legislativas, junto às Câmaras Municipais, iniciativas da sociedade civil e do setor público, para que a opinião pública reconheça o Comitê como espaço legítimo e democrático de gestão das águas.

Em 2022, você ganhou o prêmio Alfredo Sirkis Memorial Green Ring Award, que prestigia ações de voluntários que mais se destacaram ao redor do mundo. Como foi essa experiência?

Eu diria que é uma daquelas coisas inesperadas e surpreendentes do viver. Difícil ainda explicar o sentimento de ganhar um prêmio e estar em uma chamada de vídeo para gravação com Al Gore, ex-vicepresidente dos Estados Unidos, ganhador do Prêmio Nobel, ativista ambiental, fundador do The Climate Reality Project. A voz, de tão embargada, quase falha na busca por agradecer. Muitas lágrimas derramadas de alegria, gratidão e outros muitos sentimentos, juntos e misturados.

Como esses dois assuntos se conectam?

OCUPADOS POR HOMENS

Como a igualdade de gênero pode contribuir para o alcance das metas relacionadas à emergência climática?

CBH Rio das Velhas (56 membros)

OCUPADOS POR MULHERES

70% 30%

Fonte: Retratos de Governança das Águas no Brasil, Fernanda Matos (2021)

Quando a gente vai ler os estudos sobre gênero, sobre acesso à água, sobre mudança do clima, a gente observa que as mais atingidas são as populações vulnerabilizadas. Estão nas áreas de risco, há os que não possuem casa e a maior parte dessa fatia impactada são mulheres e meninas. Quando você impacta a vida de uma menina você vai criando ali um ciclo de pobreza e de exclusão que reverbera para outras pessoas. Essa necessidade de a gente repensar os modos de vidas na cidade, do combate à mudança do clima, de ter acesso à água, de ter o acesso ao saneamento é tirar as pessoas de uma situação de miséria – que em grande parte são mulheres e, em termos de interseccionalidade, especialmente pardas e negras. Eu gosto sempre de citar o exemplo da higiene menstrual. Em 2020, nós tínhamos mais de 1.500 escolas sem acesso à água, sem acesso a banheiro no Brasil. Isso é difícil, mas para a vida de uma menina isso ainda é pior. Entre os 13 e os 17/18 anos, idealmente ficamos em torno de 5 horas dedicados à escola. Se uma menina não tem acesso a banheiro, pelo menos em três dias do mês ela não vai conseguir ir à escola. Imagine o que isso impacta no aprendizado, na autoestima, na vida financeira dela? São mais de 173 mil meninas impactadas no Brasil pela falta de acesso a banheiro para ir à escola.

MULHERES
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Boas práticas

O caminho da sustentabilidade

Como ações sustentáveis promovidas pelo setor produtivo contribuem para a melhoria da qualidade e quantidade de água

Texto: Luiza Baggio
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Projeto Bacias, da cervejaria Ambev com as ONGs The Nature Conservancy e WWF Brasil, busca a recuperação do solo e da mata ciliar na região de Sete Lagoas.

A sustentabilidade é uma prática cada vez mais necessária para a preservação de recursos naturais e o desenvolvimento das próximas gerações. Para alcançar esses objetivos, a produção sustentável é um caminho importante.

Em setembro de 2015, representantes dos 193 estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) se reuniram em Nova Iorque e reconheceram que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Em vista disso, foi lançada a Agenda 2030 que contêm 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sendo um deles, o de número 6, o de garantir disponibilidade de água potável e saneamento para todos.

O CBH Rio das Velhas tem investido em ações de melhorias ambientais relacionadas ao ODS 6. As ações são financiadas com recursos da cobrança pelo uso da água e servem de modelo a serem replicados em toda a bacia.

O secretário do Comitê, Renato Junio Constâncio, esclarece que a cobrança é um instrumento que proporciona melhorias nas bacias hidrográficas. “Na prática, os recursos pagos pelos usuários dos recursos hídricos são investidos em ações de revitalização e conservação das bacias, gerando água em qualidade e quantidade. O recurso pago pelos usuários volta ao setor produtivo com águas de melhor qualidade e em quantidade, o que muitas vezes pode reduzir o tempo ou os gastos com a produção”, explicou.

Um exemplo é o Projeto de Controle e Recuperação de Erosão na Bacia do Rio Itabirito, projeto desenvolvido pelo CBH Rio das Velhas em parceria com o Subcomitê Rio Itabirito, no Alto Rio das Velhas, que é uma área importante para a produção de água e que abastece a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

O projeto foi concluído em dezembro de 2022 e promoveu a recuperação das microbacias dos Ribeirões Carioca e Silva, do Córrego do Bação e do Baixo Rio Itabirito. Ao todo foram implantadas 63 bacias de contenção de água das chuvas, 844 metros de cercas em Áreas de Preservação Permanente (APPs), 15 hectares de áreas reflorestadas com espécies nativas, 4.800 metros de terraços de níveis e 59 caixas de infiltração/dissipação, além da capacitação e educação ambiental para os moradores da região.

As bacias de contenção de água da chuva contêm enxurradas com sedimentos e abastecem os lençóis freáticos. Já as cercas e o plantio de espécies nativas auxiliam a conservação de nascentes e cursos d`água. “O projeto é muito importante, não só para os afluentes, mas para toda a bacia do Rio Itabirito. Em alguns anos vamos ver os resultados com águas de melhor qualidade e quantidade”, esclareceu a conselheira do Subcomitê Rio Itabirito e representante da secretaria municipal de Meio Ambiente de Itabirito, Fabíola Nonato.

Janine MoraesWWF 43

A cobrança pelo uso da água na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas foi implementada em 2010. De lá para cá, o Comitê destinou mais de R$ 51 milhões em 73 projetos. Boa parte dos recursos foram investidos em projetos hidroambientais (36,37%) e nas ações de educação ambiental, mobilização e comunicação social (27,14%), totalizando 63,51%. Os investimentos em prevenção e controle de processos erosivos e de proteção de Áreas de Preservação Permanente (APP) deram os seguintes resultados:

63 mil mudas nativas plantadas;

230 hectares de área plantada;

122 km de áreas de APP e de áreas reflorestadas cercadas;

124 mil m2 de aceiros de proteção contra o fogo;

1.094 nascentes urbanas mapeadas na bacia;

1.044 nascentes urbanas com plano de ação para a recuperação e conservação;

4.332 barraginhas (bacias de contenção da água da chuva) construídas;

2.116 bigodes;

800 lombadas;

800 metros de mecanismos para a contenção de voçorocas.

15,5 hectares restaurados no Ribeirão Jequitibá

Investir em medidas que visam a aplicação de práticas sustentáveis na cadeia produtiva são ações que diversas empresas estão adotando para aperfeiçoar processos, reduzir o impacto ambiental e atrair consumidores. Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que os brasileiros estão interessados em consumir marcas preocupadas com o meio ambiente e com a qualidade de vida de todos os envolvidos na cadeia produtiva.

Buscando alternativas sustentáveis, a cervejaria Ambev ajudou a conservar, desde 2016, mais de 7,5 mil hectares de vegetação no Brasil, uma área equivalente a 50 vezes o Parque Ibirapuera, em São Paulo. Isso foi possível graças ao Projeto Bacias, iniciativa da companhia em parceria com as ONGs The Nature Conservancy (TNC) e World Wide Fund for Nature (WWF-Brasil). O projeto tem como principal objetivo a recuperação do solo e da mata ciliar no entorno de importantes bacias hidrográficas, firmando parcerias com agricultores e produtores rurais para conservar a qualidade da água nesses locais.

Na bacia do Rio das Velhas o Projeto Bacias foi desenvolvido em Sete Lagoas, na sub-bacia do Ribeirão Jequitibá, no Médio Alto Rio das Velhas. As diferentes frentes do projeto envolveram a restauração de 15,5 hectares e mais de 30 hectares de fragmentos florestais conservados.

O trabalho de saneamento rural do Projeto Bacias foi acompanhado de mobilização social e educação ambiental em escolas públicas municipais, no qual foram instaladas 12 fossas ecológicas (TEvap – tanque de evapotranspiração) e 26 biodigestores, atendendo a mais de 30 famílias. Esses esforços tiveram como objetivo melhorar a qualidade e quantidade dos recursos hídricos para os mais de 250 mil habitantes que residem na Bacia Hidrográfica do Ribeirão Jequitibá.

a cobrança pelo uso da água se reverte em benefícios aos próprios usuários de água.

O engenheiro sanitarista ambiental responsável pela instalação dos sistemas de fossas combinados a biodigestores na bacia do Ribeirão Jequitibá, Alvânio Ricardo Neiva Júnior, esclarece que com a tecnologia de biodigestor, somente no ano de 2021, aproximadamente 187 mil litros de efluentes foram tratados e 3,7 milhões de litros de água deixaram de ser contaminados por efluentes domésticos.

“Cuidar da água é prioridade na Cervejaria Ambev. Ela sempre foi um dos nossos principais pilares de sustentabilidade, até porque sem água, não tem cerveja. O Bacias é um projeto muito bacana e com muitos desdobramentos. Sabemos que, para ampliar o alcance de nossas ações, é importante atuar para fora dos muros das nossas cervejarias. No Bacias, são muitas as pessoas envolvidas, tanto da Cervejaria Ambev, como das ONGs e dos próprios municípios. É importantíssimo ver todo mundo trabalhando em parceria para preservar o meio ambiente”, conta Filipe Barolo, gerente de sustentabilidade da cervejaria.

Representantes da Cemig e Copasa no CBH Rio das Velhas, Renato Constâncio e Nelson Guimarães destacam que Ohana Padilha
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Mobilização e recuperação de 21 mananciais

A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) é outra empresa usuária de água que tem investido em uma produção sustentável. Com o objetivo de proteger e recuperar as microbacias hidrográficas e as áreas de recarga dos aquíferos utilizados na captação de água para tratamento e distribuição ao público, a Copasa desenvolve desde 2017 o Programa Socioambiental de Proteção e Recuperação de Mananciais da Copasa, o Pró-Mananciais.

O programa atua na mobilização de comunidades e instituições parceiras para construir coletivamente o sentimento de pertencimento da população à microbacia da região em que está inserida. Entre as principais ações estão cercamento de áreas de proteção ambiental (APP), plantio de mudas, construção de barraginhas e adequação de estradas, além do treinamento e capacitação da população local e de estudos ambientais.

O superintendente de Desenvolvimento Ambiental da Copasa, Nelson Guimarães, conta que na bacia do Rio das Velhas o programa já investiu mais de R$ 11,5 milhões. “Com os recursos foram realizados o plantio de 87 mil mudas, cercamento de 171.630 metros para a proteção de APPs, recuperação de 148 km de estradas e instalação de 3 mil bacias de contenção de água pluvial”, destacou Nelson, enfatizando ainda que o Pró-Mananciais é uma ação adicional aos recursos da cobrança pelo uso da água que também são investidos em melhorias para a bacia.

Para Nelson Guimarães, a parceria com o CBH Rio das Velhas tem sido fundamental para o sucesso do programa da Copasa.

“Principalmente no planejamento e desenvolvimento de ações ambientais para proteção do Rio das Velhas nos municípios em que temos a concessão, mas que estão localizados a montante da principal captação que é em Bela Fama, em Nova Lima, responsável pelo abastecimento de água da RMBH”.

O Pró-Mananciais é desenvolvido em 21 municípios da bacia do Rio das Velhas: Ouro Preto, Itabirito, Rio Acima, Nova Lima, Corinto, Curvelo, Diamantina, Inimutaba, Jaboticatubas, Jequitibá, Matozinhos, Morro da Garça, Nova União, Presidente Juscelino, Sabará, Santa Luzia, São José da Lapa, Vespasiano, sendo que no ano de 2022 foram incluídos os municípios de Buenópolis, Capim Branco, Santana do Pirapama e Taquaraçu de Minas.

Mais de 63 mil mudas nativas foram plantadas pelo CBH a partir da cobrança pelo uso da água. Terraceamento promovido pelo Programa Pró-Mananciais, da Copasa. Divulgação Copasa
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Fernando Piancastelli

Um rio para irrigar o bom turismo

Rio das Velhas pode ser o grande estimulador de um desenvolvimento sustentável, consistente e justo, afirma especialista

Texto: Paulo Barcalla

Turismo
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Rio das Velhas em Jequitibá, conhecida com a capital mineira do folclore.
Marcelo Andrê 47

“Quem conduz esse manancial de desenvolvimento que o turismo pode representar é o Rio das Velhas. O rio vai nutrindo, liga a natureza e a história. Traz as potencialidades. Sem água não tem turismo, não tem vida”. As palavras são da historiadora e especialista em Governança em Rede e Desenvolvimento Territorial, Jussara Rocha, há mais de duas décadas atuando nas áreas do turismo e da economia criativa, nas esferas pública e privada.

“Se olhar pro mapa”, continua, “ele nasce em Ouro Preto e vai até a Barra do Guaicuí, passando por BH, pelas grutas, Serras do Cipó e do Cabral e o Circuito dos Diamantes”. Para ela, o Rio das Velhas, que pode ser “o grande estimulador de um processo mais consistente” de turismo em Minas, é “pouco falado, subdimensionado, só vem à tona nos desastres ambientais, mas precisa ser tratado também no âmbito da educação e do turismo”.

De fato, o maior afluente do São Francisco liga os principais destinos indutores de Minas Gerais e possui vasta rede de Unidades de Conservação (UCs), também polos de atração turística. Os 27.850 km2 da bacia abrigam 51 municípios, 4,5 milhões de habitantes, seis circuitos turísticos e 118 Unidades de Conservação, distribuídas entre 66 Parques, sendo três nacionais, importantíssimos [Serras do Gandarela e do Cipó e Sempre-Vivas], sete estaduais e 56 municipais, 23 Áreas de Proteção Ambiental (APAs), 14 Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), nove Monumentos Naturais, três Estações Ecológicas, dois Refúgios de Vida Silvestre (REVIS) e uma Floresta Estadual. Além de tudo isso, a Serra do Espinhaço, que emoldura grande parte da bacia, é Reserva da Biosfera reconhecida pela Unesco desde 2005.

Caminho das pedras

Treinado na longa trajetória profissional, o olhar prático de Jussara se volta “para o chão do turismo”. A atividade, “tão falada”, é segundo ela “ainda muito pouco definida” e “até hoje não foi prioridade na esfera pública, em nenhuma instância”.

As lacunas ganham forte exemplo nas Unidades de Conservação (UCs), áreas preservadas que trazem todo um contexto não só da natureza, mas da história e das pessoas. No mundo, há pelo menos 15 anos é crescente a demanda por esse nicho, em que o turista espera encontrar mais segurança, informação e opções orientadas.

Jussara Rocha aponta, contudo, “uma falta muito grande de gestão, deficiências estruturais para cuidar da conservação, imagina para o processo de gestão turística”. Os números não ajudam. Das 313 UCs federais, 173 não tinham plano de manejo um ano atrás, 60 não tinham conselho formado e 297 não haviam concluído a consolidação territorial.

Remando ao lado dos que veem no turismo, em UCs ou fora delas, combustível poderoso para “dinamizar a economia de forma justa e equilibrada”, a historiadora frisa: “Tem que trazer benefícios às comunidades do entorno”.

Preconizando medidas de ordenamento e estratégias para superar a ação fragmentada, clama para que os seis circuitos da bacia comecem a trabalhar de forma integrada, computem dados como ticket médio, perfil do turista, preferências e demandas e traduzam sua oferta em bons produtos.

A profissionalização é outra vertente crucial: “incluir as pessoas do lugar de forma qualificada, preparar os destinos e roteiros, capacitar os receptivos, descobrir os vazios a preencher para criar novas atividades turísticas”, receita.

“Precisa deixar de romantizar o turismo”, indica, e ressalta que a atividade envolve “uma cadeia produtiva muito grande”. A arte reside em atrair o fluxo turístico, mas fazer com que ele venha de forma estruturada, “que queira preservar, se integrar às comunidades existentes, se inteirar da história que ali existe, dos saberes, dos ofícios, de todas as pequenas singelezas que contém cada milímetro de mata, de rua, de pedra, de água”.

“Enquanto a gente não se sentir rio, montanha, a gente não anda”, diz, ecoando a alma xamânica dos povos originários.

Estátua do Juquinha, na Serra do Cipó. Região compõe um dos Circuitos Turísticos inseridos na bacia do Rio das Velhas Bianca
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Aun

RioSão Francisco

Várzea da Palma

Parque Estadual Serra do Cabral

Lassance

Joaquim Felício

Buenópolis

Parque Nacional Das Sempre Vivas

Augusto de Lima

Diamantina

Santana do Riacho

Parque Nacional da Serra do Cipó

Jaboticatubas

Parque Estadual Cerca Grande

Matozinhos

Lagoa Santa Pedro Leopoldo

Parque Estadual do Sumidouro

São José da Lapa

Parque Estadual da Baleia e Serra Verde

Belo Horizonte

Parque Estadual do Rola Moça

Parque Estadual Serra do Sobrado

Caeté Sabará

Nova Lima

Parque Nacional do Gandarela

Ouro Preto
Ri o d as Vel h as
Infografico Clermont Cintra 49

O papel do Comitê

De acordo com a especialista, o CBH Rio das Velhas pode ter “papel significativo” no “desenvolvimento de novas experiências turísticas sustentáveis” por agir em toda bacia e “por sua capilaridade”, que lhe daria condições de uma ação “sistêmica, sem barreiras, olhando para o rio como o ponto mega relevante”.

Marcus Vinícius Polignano, secretário do Comitê, cerra fileiras: “Todo mundo que convive com esse rio aprende a amá-lo e a querê-lo cada vez mais vivo, cada vez mais limpo, com sua biodiversidade, com toda a sua riqueza natural. A história, as belezas naturais são razões para a sua preservação, para além do uso da água. O Rio das Velhas conta a história de Minas. Essa perspectiva do turismo é muito pouco explorada. Ao invés de extrair, de destruir, é preciso construir, através do turismo, uma geração de renda sustentável”.

O tema já havia merecido atenção nos debates internos do CBH. Um dos principais produtos dos Diálogos Regionais, encontros que reuniram os Subcomitês das quatro regiões fisiográficas da bacia, realizados em junho passado, foi a elaboração da Matriz de Prioridades. No evento do Alto Rio das Velhas, ficou destacada a promoção do uso sustentável dos territórios com base no ecoturismo, no turismo de experiência e outras modalidades.

Jussara Rocha crê que “o bom viajante, aquele que se interessa por esses lugares todos da bacia, quer fazer parte desse processo de preservação”, no que chama de “um turismo regenerativo”. E recomenda “não ficar esperando só a esfera estatal, dando mais protagonismo à própria sociedade civil. O CBH pode puxar isso”.

Circuitos Turísticos são instâncias de governança regionais constituídas em 2001 pelo Programa de Regionalização do Turismo do governo mineiro, reunindo municípios de uma mesma região com afinidades culturais, sociais e econômicas, sociedade civil e setor privado. Na bacia do Rio das Velhas são seis os circuitos turísticos consolidados: Circuito do Ouro, Belo Horizonte, Grutas, Serra do Cipó, Serra do Cabral e Diamantes.
Especialista em Governança em Rede e Desenvolvimento Territorial, Jussara Rocha destaca capilaridade do Comitê na bacia para fomentar experiências turísticas sustentáveis.
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Acervo pessoal
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Vários pontos da bacia do Rio das Velhas são considerados ideais para a prática de esportes ao ar livre, como o mountain bike. Grutas na bacia do Rio das Velhas impressionam estudiosos e turistas de todo o mundo. Robson de Oliveira Léo Boi

Trilha sobre as águas

Exemplo de quem não fica de braços cruzados vem de Taquaraçu de Minas, cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a cerca de 60 km da capital. Lá, Jânio Marques, conselheiro do Subcomitê Rio Taquaraçu do CBH Rio das Velhas, fundador e presidente da Taquaraçu Ecotur, começou a descer de caiaque as águas Classe 1 do rio para mostrar, a naturais do lugar e a turistas, as maravilhas da região e a beleza do Taquaraçu. Numa dessas, acabou conhecendo Marcelo Bastos, espeleólogo e operador de turismo de aventura. Daí nasceu a ideia da Trilha Aquática que entra em cena ainda em 2023.

“Precisamos mostrar o inesgotável potencial turístico, religioso, rural, ecológico,”, diz Jânio, para quem a trilha vai “falar da história da cidade e gerar renda e emprego” para a população urbana e rural.

O projeto é norteado pelo conceito de Turismo de Base Comunitária, no qual a comunidade organiza e presta serviços aos visitantes, e tem como bandeira a proteção do rio. “Quando atrai o turista, gera renda, vende queijo, doce, sorvete, tem a gastronomia, a hospedagem, os pontos de apoio na descida do rio, um café da manhã, um almoço, vários tipos de ganho”, antecipa Jânio. Marcelo destaca a importância “de incluir a população ribeirinha, as comunidades tradicionais, os moradores urbanos”.

Trilha Aquática do Rio Taquaraçu pode se estender por dois dias ou mais, desde a cabeceira até a barra no Rio das Velhas.

Assista ao webinário “O turismo como aliado da proteção, educação e desenvolvimento regional”: bit.ly/webinario-turismo

Conselheiro do Subcomitê Rio Taquaraçu, Jânio Marques idealiza Trilha Aquática na região.
Bianca Aun
Acervo pessoal
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Muita história e beleza

Com população de 4 mil habitantes e extensão territorial apenas três quilômetros menor que a da capital, Taquaraçu de Minas é bem preservada, muito hospitaleira e ainda guarda os aspectos coloniais do ciclo do ouro, testemunhados nos anos de 1820 pela famosa Expedição Langsdorff.

A Trilha Aquática do Rio Taquaraçu pode se estender por dois dias ou mais, desde a cabeceira até a barra no Rio das Velhas, reunindo várias opções de esportes náuticos: rafting (descida em corredeiras utilizando botes infláveis), caiaques simples ou duplos, com condutor, e canoas.

Do município seguindo rio abaixo, em águas tranquilas, o cenário fica perfeito para o banho e o turismo de observação de aves, da vegetação e de belas paisagens. No caminho, cachoeiras, ranchos e prosas ribeirinhas, causos de antigos tropeiros, preciosidades arqueológicas e muita história.

Anote aí alguns atrativos imperdíveis:

• Igreja do Santíssimo Sacramento

• Fazenda São José, a primeira fazenda da região

• Teatro São Francisco de Assis, um dos dois únicos “teatros de curral” do mundo, fundado em 1954

• Sítio Arqueológico Lapa Grande, com tombamento federal e objeto de estudo da USP e da UFMG, que remonta à época de Luzia, o mais antigo fóssil humano encontrado na América do Sul, na região de Lagoa Santa, com cerca de 12 500 a 13 000 anos

• Gruta Lapa Grande

• Sítio Arqueológico. Lapa do Padre Borges

• Banda de música Estrela de São João, de 1956

• Túneis abandonados da linha férrea, da década de 50, que ligaria BH a Itabira

Conexões terrestres

Quem mergulhar na Trilha Aquática ainda terá a chance de conhecer o Caminho Macaúbas/Piedade, trilha terrestre conectada que desemboca em duas joias raras: o Monumento Natural da Serra da Piedade, em Caeté, de alto valor ambiental e abrigo do oitocentista santuário católico, e o Convento de Macaúbas, em Santa Luzia, nascido Recolhimento do Monte Alegre de Macaúbas, em 1712.

Trilha terrestre conectada permitirá ao visitante conhecer o Convento de Macaúbas, em Santa Luzia, datado de 1712. Monumento natural da Serra da Piedade Fernando Piancastelli
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Fernando Piancastelli

Jabó-Baldim: um paraíso entre serras e cachoeiras

Unidades Territoriais
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Imponente cachoeira do Bené, a 16km do centro de Jaboticatubas, é um dos pontos de destaque da região. Fernando Piancastelli

“Ah, ah, ah! Tô indo agora pra um lugar todinho meu. Quero uma rede preguiçosa pra deitar. Em minha volta, sinfonia de pardais cantando para a majestade, o sabiá”. A canção ‘

A Majestade o sabiá’ é um dos grandes sucessos da cantora e compositora Roberta Miranda e mostra muito bem a realidade da Unidade Territorial Estratégica (UTE) Jabó-Baldim, localizada no Médio-Alto Rio das Velhas.

Composta pelos municípios de Baldim e Jaboticatubas, ocupa uma área de 1.082,10 km2. A unidade é caracterizada por sua beleza natural, serras, cachoeiras e rios preservados que atraem um número crescente de turistas, devido a sua proximidade com a capital Belo Horizonte.

O principal rio da UTE é o Jaboticatubas, com 83,25 km de extensão, seguido pelo Córrego Trindade (ou Córrego Grande, como é conhecido por alguns), com aproximadamente 30 km. Esses cursos d’água são afluentes diretos do Rio das Velhas e responsáveis pelas águas caudalosas que o oxigenam, após o Velhas percorrer a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

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Conheça a história e a beleza natural que atraem turistas à Unidade Territorial da bacia do Rio das Velhas composta pelos municípios de Jaboticatubas e Baldim
Pacata cidade de Baldim é conhecida pelos doces caseiros, como goiabada cascão, doce de leite e bananinha cremosa. Lucas Nishimoto

Os municípios da UTE

Jaboticatubas possui em parte do seu território a Serra do Espinhaço, declarada Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em razão da rica biodiversidade, e é um dos destinos que compõem a região da Serra do Cipó. Seu território integra o Parque Nacional da Serra do Cipó (ParnaCipó) num percentual de 80% da área total. A grande diversidade de recursos naturais e riqueza biológica, os recursos hídricos, notadamente os Rios Cipó, Vermelho e das Velhas, são fortes atributos locais.

Sua estrutura urbana é a de uma tradicional cidade mineira, com um povo hospitaleiro, culinária típica, igrejas centenárias, comunidades tradicionais quilombolas, festejos folclóricos, religiosidade, cachoeiras, fazendas e outros monumentos históricos. Essas características elevam Jaboticatubas à condição de detentora de bens imateriais que confirmam a própria identidade cultural do estado de Minas Gerais.

MAPA DE LOCALIZAÇÃO UTE JABÓ-BALDIM LEGENDA Rios e Córregos UTE Jabó-Baldim Sede Distrito Baldim Jaboticatubas Córrego Mato Virgem CórregoAmorim CórregodaFlor RiachodaGordura CórregoJaguara CórregoGrandeou Trindade Córrego Botafogo Córrego QuebraPerna Córrego Grande CórregodaCuia CórregoGrande Córrego Gentil CórregoSantaCruz Córrego Taboquinha CórregoTaboquinha Jaboticatubas Baldim Jequitibá Lagoa Santa CórregoUruçu CórregodosPorcos Córrego Pau de Cheiro CórregoBarreiro CórregodoBrejó CórregoGrosso Rio Jabuticatubas Rio Jabuticatubas Rio Vermelho CórregodasMelancias CórregoPoções São Vicente Vargem Grande Amanda Mucambo Joana São José do Almeida Matição Capão Grosso São José da Serra Filipe Fidalgo Lapinha RiodasVelh as
Vista aérea da centenária Igreja Matriz de Jaboticatubas.
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Fernando Piancastelli

A denominação “Jaboticatubas” provém do nome do ribeirão que banha a localidade, assim designado em virtude da abundância de pés de jabuticabas, planta da família das mirtáceas, gênero “Eugenia”, típica de solos úmidos de Cerrado ocorrentes na área central de Minas Gerais.

A cidade de Jaboticatubas teve sua origem nas sesmarias. No século XVIII, Félix da Costa, Ermitão da Caridade, iniciou as obras de construção dos mosteiros de Macaúbas e, na busca ansiosa de recursos, deparou com terras de aparências fértil e agradável “na barra de Jaboticatubas, Rio das Velhas abaixo”. Surgiu-lhe, então, a ideia de conseguir posse daquela região, que seria colonizada para o sustento das recolhidas.

O outro município pertencente à UTE Jabó-Baldim também teve seu processo de formação do núcleo populacional no século XVIII. Na verdade, a região era rota de passagem e parada dos tropeiros que viajam pela Estrada Real. O primeiro nome dado ao vilarejo foi Pau Grosso, devido à existência de um jequitibá gigante que abrigava os tropeiros que passavam pela região, rumo ao norte. Em 1917, surgiu o nome Baldim, cuja origem é o nome Balduino ou Ubaldino, português que residiu no extremo do município.

As belezas da região

No coração da UTE Jabó-Baldim está São José da Serra, distrito de Jaboticatubas, um povoado aconchegante e charmoso, de receptividade simples e acolhedora por parte de seus moradores. O distrito faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) Morro da Pedreira e reúne belos atrativos de grande valor ecológico.

O Rio Jaboticatubas corre em torno da vila e reserva aos seus visitantes muitos lugares para lazer e descanso. Sua comunidade guarda “causos” e tradições irresistíveis de se ver, ouvir e experimentar. Ainda hoje vê-se pelo vilarejo casas antigas e sedes de fazendas, que guardam na arquitetura e em seus moradores a memória local.

São José da Serra é sinônimo de tranquilidade e simplicidade. Lá é possível caminhar pelas matas, através de belas trilhas pelas serras, se refrescar em cachoeiras e contemplar lindas paisagens. No distrito se encontra a Cachoeira Lagoa Dourada, também conhecida como Cachoeira das Fadas, situada nos arredores do Parque Nacional da Serra do Cipó (ParnaCipó). A cachoeira tem esse nome pois, em determinada hora do dia, a lagoa formada antes da queda recebe os reflexos do sol e ganha uma cor dourada.

Segundo Sônia Oliveira, da Associação Amanu - Educação, Ecologia e Solidariedade e membro do Subcomitê Rio Cipó, a beleza de destaque da UTE Jabó-Baldim é a Cachoeira do Bené. “Ela fica no Parque Nacional da Serra do Cipó, que por sua vez conta com uma infinidade de atrações. Para mim é a beleza mais bem preservada da unidade. É um lugar que todos devem conhecer. São quedas d’água de várias alturas, a última e maior delas forma um poço grande. Um lugar muito lindo, que vale a pena ir para passar o dia todo”, afirma.

A Cachoeira do Bené se localiza a 16 Km do centro de Jaboticatubas. O acesso de carro é um pouco complicado, por isso, é aconselhável a contratação de um guia local, mas a trilha a pé é fácil e agradável.

Baldim é uma cidade aconchegante, com a Praça Emilio Vasconcelos enfeitando a região central do pequeno município que possui aproximadamente 8 mil habitantes. A cidade fica movimentada nos finais de semana e promove festividades religiosas, encontros folclóricos com as tradicionais festas do Rosário e jantar do Divino Espírito Santo.

Economicamente, Baldim é um município voltado para as práticas agropecuárias como a produção de hortifrutigranjeiros e hortaliças para o abastecimento do CEASA-MG e a pecuária leiteira. Além disso, quem visitar Baldim pode se deliciar com os doces produzidos em diversas partes da cidade, como goiabada cascão, doce de leite e bananinha cremosa. Essa atividade vem fortalecendo, ao longo dos anos, o cooperativismo e a criação de postos de trabalho – recentemente instituíram a badalada Festa do Doce com o slogam “Baldim: a cidade do doce, um doce de cidade”.

Associação Amanu atua no intuito de mobilizar e apoiar ações populares comprometidas com uma sociedade mais justa e ecológica.

Grande parte da economia de Baldim se deve às práticas agropecuárias. Fernando Piancastelli
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Lucas Nishimoto

Loteamentos irregulares podem causar impactos ambientais

O parcelamento irregular de solo e a abertura de loteamentos irregulares são motivos de preocupação na UTE Jabó-Baldim. Somente no município de Jaboticatubas são cerca de 25 empreendimentos com indícios de irregularidades, de acordo com a Secretaria Municipal de Agropecuária e Meio Ambiente. Em geral, os lotes de 20 mil m² situados em zona rural estão sendo fracionados em glebas de 1 mil m². O fracionamento irregular de solo configura crime, conforme a Lei nº 6.766/79. Para o secretário municipal de Segurança Social e Meio Ambiente, Fernando Henrique Siqueira Silva, essa é uma prática que foge totalmente dos moldes da Lei Municipal: “Nossas equipes estão cumprindo o dever de fiscalizar esse tipo de crime com a intensão de colocar em prática a lei que deve ser respeitada. Se isso não for feito, nosso município pode se transformar em uma terra de ninguém, o que irá prejudicar toda a população”.

As consequências ambientais decorrentes da instalação desses loteamentos irregulares é a poluição de nascentes e mananciais, a degradação das Áreas de Preservação Permanente (APP) e de Proteção Ambiental (APA), a derrubada de árvores nativas, graves prejuízos à biodiversidade local. Além desses impactos, também pode ocorrer o aumento da erosão, com o consequente carreamento de resíduos para os ribeirões e cursos d’água, a contaminação das águas, o aumento no volume dos resíduos sólidos descartados em desrespeito à legislação ambiental, com a consequente contaminação dos solos onde se instalaram tais loteamentos.

Distrito de São José do Almeida, em Jaboticatubas: ponto de parada de quem visita a Serra do Cipó.
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Fotos Fernando Piancastelli

Projeto

promove revitalização na região de Jaboticatubas e Baldim

Com o objetivo de promover a recuperação ambiental, favorecendo assim a produção de água na UTE Jabó-Baldim, o CBH Rio das Velhas executou na região o Projeto de Produção de Água. A ação foi financiada com os recursos da cobrança pelo uso da água.

O projeto foi finalizado em dezembro de 2022 e contou com a construção de 321 bacias de contenção, 415 metros de terraço de nível, 4.457 metros de cercas em APPs, além do plantio de mudas em 8,31 hectares. A população local também foi capacitada com oficinas de Educação Ambiental realizadas ao longo da execução do projeto. As obras realizadas vão proteger as APPs, as matas ciliares e contribuir para uma disponibilidade hídrica de qualidade na região.

O secretário de Agricultura de Baldim, Marcos Lopes, que também é membro do Subcomitê Rio Cipó e do CBH Rio das Velhas, avalia que o projeto também auxilia na aproximação e no envolvimento das comunidades contempladas. “O Comitê tem prestado um grande serviço ao meio ambiente e ao modo como a comunidade se relaciona com ele. Como resultados, colhemos muito mais que aumento de infiltração da água no solo, redução de processos erosivos, perda de solo e de assoreamento de cursos hídricos, como também o engajamento da comunidade nas questões de preservação do meio ambiente e uma cultura de descobrimento e valorização da nossa região”, destaca.

O projeto também abrangeu as UTEs Rio Cipó e Peixe Bravo. As intervenções foram realizadas principalmente nas bacias dos Córregos Grande, Curralinho, Curral Queimado e no Córrego dos Cocos.

População também foi capacitada com oficinas de Educação Ambiental.

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Projeto nas UTEs Jabó-Baldim e Rio Cipó viabilizou a construção de mais de 320 bacias de contenção da água da chuva (barraginhas).

Saneamento Básico

Outro investimento do CBH Rio das Velhas destinado à UTE foi o financiamento dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) de Jaboticatubas e Baldim. O documento é a referência para os municípios desenvolverem melhorias, pois estabelece as diretrizes para o saneamento básico e fixa as metas de cobertura e atendimento com os serviços de água, coleta e tratamento do esgoto doméstico, limpeza urbana, coleta e destinação adequada do lixo urbano, e drenagem e destino adequados das águas de chuva.

No entanto, os municípios encontram dificuldades para conseguir recursos financeiros para implantar melhorias no saneamento básico. “O custo para implementar o PMSB é equivalente ao orçamento anual da prefeitura. Baldim ainda não possui tratamento de esgoto. Em nossa cidade temos zero esgoto tratado e um índice de zoonoses comparado a países da África. Uma situação vergonhosa que precisa ser mudada”, pontuou o prefeito de Baldim, Fabrico Andrade Magalhães.

O representante do município afirmou ainda que já recorreu à Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e outras instituições para conseguir verbas para o saneamento básico e que, no entanto, o retorno foi negativo. “Fui informado de que não é possível incluir Baldim nos financiamentos, visto que nos encontramos na RMBH. É muito triste pensar que não conseguiremos mudar a realidade do saneamento no município a curto prazo”, declarou.

Mobilização para a criação do Subcomitê Jabó-Baldim

A UTE Jabó-Baldim ainda não possui Subcomitê instituído. Entretanto, a mobilização para a criação dele vem de longa data

A mobilizadora social Izabel Nogueira é natural de Baldim e aponta a importância de se criar de fato o Subcomitê Jabó-Baldim. “A bacia do Rio das Velhas possui 23 Unidades Territoriais e em cada unidade existe uma relevância especifica a ser trabalhada. No território de Jabó-Baldim é preciso capacitar os produtores rurais para aproveitar o solo e as águas de maneira mais sustentáveis, utilizando menos defensivos agrícolas para evitar a contaminação dos recursos hídricos” comentou.

Izabel também destacou a importância do senso de pertencimento dos moradores da região. “O projeto hidroambiental foi muito importante, pois a comunidade abraçou as ideias propostas e viu o quão importante é tomarem conta do território onde moram e, com isso, voltaram a dialogar sobre a criação do Subcomitê Jabó-Baldim e discutiram muito sobre a preservação dos mananciais em uma região com grande beleza natural e farta riqueza ambiental com cursos d´água que injetam vida e água limpa no Rio das Velhas”, finalizou.

Os Subcomitês são ferramentas importantes na gestão de recursos hídricos do CBH Rio das Velhas, sendo entidades consultivas e propositivas que funcionam obrigatoriamente com a participação dos três segmentos da sociedade (poder público, usuários da água e sociedade civil organizada), constituindo um avanço na descentralização da gestão das águas. Exercem a função de articuladores das entidades existentes na bacia e possuem funções públicas relacionadas às questões ambientais, sociais e educacionais.

Foz do Rio Jaboticatubas, no encontro com o Rio das Velhas. Secretário de Agricultura de Baldim, Marcos Lopes celebrou resultados do projeto do CBH na região. Sônia Oliveira, Izabel Nogueira e Yasmin Maciel atuam há anos na mobilização da população e gestão das águas da região.
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Fotos Fernando Piancastelli

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Bianca Aun
Rio Jaboticatubas percorre o distrito de São José da Serra: água limpa e boa de beber.
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A Revista Velhas semestralmente homenageia um artista em suas contracapas. Nesta edição: Thiago Mazza.

Designer, artista autodidata, e com estilo próprio baseado na arte do grafitte, seu trabalho reflete a sua paixão pela natureza e são características da sua obra a representação da fauna e da flora, o uso de cores variadas e o excesso de elementos.

Seus murais podem ser vistos em diversos pontos de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e cidades da Europa, como Madri e Barcelona (Espanha), Bristol (Inglaterra), Yekaterimburgo (Rússia) e Vukovar (Croácia) – esta última, com Iris Croatica, que estampa a contracapa desta edição.

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