O Molde n.º 126 - julho 2020

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O MOLDE N126 | 07.2020

DESTAQUE HIGHLIGHT

ECONOMIA E INDÚSTRIA EM TEMPO DE COVID-19 Vitor Ferreira* * Diretor Executivo Startup Leiria/Docente Politécnico de Leiria

Muitos empresários, gestores e portugueses têm hoje em mente como preocupação a definição de qual caminho seguir nos tempos vindouros. Vamos tentar escamotear este problema interligando as perspetivas macro (da economia) e micro (referentes à gestão das nossas empresas no sector dos moldes ou outros).

constitui igualmente uma oportunidade para Portugal e, sobretudo, para a indústria de moldes e plásticos se posicionar face aos ventos que sopram de Bruxelas trazendo boas novas sobre uma eventual aposta na substituição de cadeias de valor da China, aumentando a independência industrial da UE.

Primeiro o que não fazer. Há muitas vozes neste contexto a falar sobre o endividamento do Estado e o risco do défice. Convenhamos que este é o momento para potenciar a dívida pública e não ter medo de um défice.

Se soubermos investir (sim, investir em crise!), poderemos ter uma maior fatia dos fornecimentos industriais de valor acrescentado no seio da europa, aproveitando os clusters que temos desenvolvido nos últimos anos. Não esquecer que este investimento tem de ser feito de forma “inteligente”. Na verdade, é isso que “supostamente” os Governos fazem. daí ter sido criada uma “estratégia de especialização inteligente” e uma RIS3 (ligadas ao QREN e depois ao P2020), uma rede de Centros de Inovação e Tecnologia e uma política de clusters (governados) que visam melhorar as áreas em que temos potencial para ser mais competitivos.

Comecemos por uma analogia com uma empresa – o gestor que garantiu, em 2019, uma excelente autonomia financeira (a percentagem do ativo que é financiada por capital pertencente à própria empresa) tinha no início desta crise uma vantagem para fazer face a necessidades de endividamento (evitando o sobreendividamento) e apresentaria um risco menor perante um credor. Desta forma, no seu leque de opções estaria o aumento do endividamento (sobretudo se o custo deste fosse baixo). Para muitos gestores esta foi uma inevitabilidade que permitiu continuar as operações (e que até pode ter sido garantida por apoios estatais, com bonificações) ou mesmo modernizar a empresa (recorrendo a alguns programas nacionais e, futuramente, europeus). O Estado português não tem uma boa autonomia financeira (a dívida pública é das maiores da Europa), mas tem um credor com uma “taxa bonificada” – por enquanto o BCE tem mandato para comprar dívida, o que significa que as yields da dívida portuguesa a 10 anos estão sensivelmente nos 0,5%. Ora, sendo esta essencialmente uma crise do lado da procura (porque as pessoas em todo o mundo ficaram em casa e/ou desempregadas), o Estado deve assegurar que essa procura não caia a pique, garantido rendimentos e apoios (esta a chamada política contra cíclica – a título de curiosidade, nos anos da troika, tivemos uma política pró cíclica, que criou efeitos ainda mais negativos do que o natural, dado o efeito multiplicador do consumo final e intermédio). Estes apoios serão garantidos através deste défice financiado a juros baixos (enquanto é possível!) e sobretudo com a ideia de que o país crescerá 4% a 7% no ano seguinte, aliviando a pressão nas contas públicas). Se o Turismo que vale 12,5% do PIB não arrancar tão rápido, será esta também uma oportunidade para apostar em outras áreas em que Portugal tem potencial exportador (evitando o agravar do défice da balança comercial). Tal como na analogia da empresa, os apoios europeus serão fundamentais para reforçar os investimentos nas fileiras mais competitivas da economia portuguesa, que estavam já em recessão devido aos efeitos das guerras comerciais e da instabilidade política (casos como o calçado, têxteis e, em boa parte, alguma indústria de moldes e plásticos). Este será um momento ímpar para potenciar o investimento na digitalização industrial e na reconfiguração de alguns modelos de negócios para uma maior sustentabilidade – se a revolução digital está a sentir-se na nossa indústria (não ainda em toda), a revolução verde não é ainda suficientemente disseminada ou adotada. Esta

Deste modo, o investimento não deve ser generalizado, mas sim em áreas que podem gerar mais valor acrescentado (isto numa lógica de rede e integração, porque algumas áreas são fornecedoras de outras). Assim, o investimento pode ser feito em moldes (somos bons), mas em software, automação, digitalização, prototipagem virtual etc. Em calçado, mas também em máquinas e software e novos materiais nesta indústria. Em papel, madeira, floresta, mas também em máquinas, sensores, software para gestão florestal, processamento, etc., etc. No mar (mas em turismo, pescas, redes, software, aquacultura, biotecnologia), e assim por diante. Na verdade, este tipo de investimento está e esteve a ser feito nos últimos 12 anos, com resultados aquém do esperado. Continuamos a ter um grave problema, porque não temos empresas que capturem maiores fatias de valor e não gerámos campeões internacionais. Somos fornecedores altamente qualificados em algumas áreas, mas a maior fatia de valor, dentro da cadeia de valor, fica para cliente da empresa de moldes/plásticos que é dono da propriedade intelectual (das marcas, patentes, distribuição, dados sobre os consumidores finais). E aqui a aposta dos diversos governos parece ter falhado. Será esta uma altura então para conseguir inverter isso. Finalmente uma ideia sobre crises económicas. Nas recessões há quem corte a “gordura”, mas acaba por destruir a capacidade muscular (despedimentos em massa, redução total de investimentos, etc.) e há quem aproveite para ficar em forma, com mais exercício (foco nas áreas fundamentais, investimento em modernização e inovação, alteração dos modelos de negócio, fecho de áreas com pouco valor acrescentado, procura de novos clientes). Quando a crise acaba, quem estará pronto para correr? A mesma analogia poder se feita para o Estado português, mas tenho sempre algum receio sobre a análise que será feita relativamente a qual a verdadeira “gordura” do país. É que apesar de tudo Portugal em dados como peso do Estado no PIB, peso da carga fiscal no PIB, número de funcionários públicos per capita, etc., está abaixo da média europeia. O foco deveria ser em como tornar a nossa fiscalidade mais simples e inteligente, como melhorar o funcionamento do sistema judicial, como potenciar o sistema educativo – ou seja, de fazer mais com o que temos.


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