— Se ele for, eu peço ao governo o lugar de secretário e vou também. A luz intermitente das lojas refletindo no rosto da moça, à medida que eles iam passando por elas, ajudava a dos lampiões da rua, e mostrava a emoção daquela promessa. Sentia-se que o coração de Flora devia estar batendo muito. Em breve, porém, começou ela a pensar em outra coisa. Natividade não consentiria nunca; depois, um estudante... Não podia ser. Pensou em algum escândalo. Que ele fugisse, embarcasse, fosse atrás dela... Tudo isto era visto ou pensado em silêncio. Flora não se admirava de pensar tanto e tão atrevidamente; era como o peso do corpo, que não sentia: andava, pensava, como transpirava. Não calculou sequer o tempo que ia gastando em imaginar e desfazer idéias. Que isto lhe desse mais prazer que desprazer, é certo. Ao pé dela, Pedro ia naturalmente cuidando, com os olhos nos pés, e os pés nas nuvens. Não sabia que dissesse no meio de tão longo silêncio. Entretanto, a solução parecia-lhe única. Já não pensava na presidência do Rio. Queria-se com ela, no ponto mais remoto do império, sem o irmão. A esperança de se desterrarem assim de Paulo verdejou na alma de Pedro. Sim, Paulo não iria também, a mãe não se deixaria ficar desamparada. Que perdesse um filho, vá; mas ambos... A quem quer que este final de monólogo pareça egoísta, peço-lhe pelas almas dos seus parentes e amigos, que estão no céu, peço-lhe que considere bem as causas. Considere o estado da alma do rapaz, a contiguidade da moça, as raízes e as flores da paixão, a própria idade de Pedro, o mal da terra, o bem da mesma terra. Considere tudo, idade de Pedro, o mal da Terra, o bem da mesma Terra. Considere mais a vontade do Céu, que vela por todas as criaturas que se querem, salvo se uma só é que quer a outra, porque então o Céu é um abismo de iniqüidades, e não lhe importe esta imagem. Considere tudo, amigo; deixe- me ir contando só e contando mal o que se passou naquele curto trânsito entre as duas casas. Quando lá chegaram, falavam de boca. Em cima, como viste, continuaram a falar, até que o assunto da presidência voltou. Flora notou então a cautelosa insistência com que Aires olhava para eles, como se buscasse adivinhar a matéria da conversação. Sentia que não estivesse ali também, ouvindo e falando, finalmente prometendo fazer alguma coisa por ela. Aires podia, sim, — era seu amigo e todos o tinham em grande conta, — podia intervir e destruir o projeto da presidência.
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