CAPÍTULO XCII SEGREDO ACORDADO
E
nfim, que segredo há que se não descubra? Sagacidade, boa vontade, curiosidade, chama-lhe o que quiseres, há uma força que deita cá para fora tudo o que as pessoas cuidam de esconder. Os próprios segredos cansam de calar, — calar ou dormir; fiquemos com este outro verbo, que serve melhor à imagem. Cansam, e ajudam a seu modo aquilo que imputamos à indiscrição alheia. Quando eles abrem os olhos, faz-lhes mal a escuridão. Um raio de sol basta. Então pedem aos deuses (porque os segredos são pagãos) um quase nada de crepúsculo, aurora ou tarde, posto que a aurora prometa dia, enquanto a tarde cai outra vez na noite, mas tarde que seja, tudo é respirar claridade. Que os segredos, amiga minha, também são gente; nascem, vivem e morrem. Agora o que sucede, quando um olhar de sol penetra na solidão deles, é que dificilmente sai mais, e geralmente cresce, rasga, alaga, e os traz pela orelha cá para fora. Vexados da grande luz, eles a princípio andam de ouvido em ouvido, cochichados, alguma vez escritos em bilhetes, ainda que tão vagamente e sem nomes, que mal se adivinhará quais sejam. É o período da infância, que passa depressa; a mocidade pula por cima da adolescência, e eles aparecem fortes e derramados, sabidos como gazetas. Enfim, se a velhice chega, e eles não se vexam dos cabelos brancos, tomam conta do mundo, e acaso conseguem, não digo esquecer, mas aborrecer; entram na família do próprio sol, que quando nasce é para todos, segundo dizia uma tabuleta da minha infância. Tabuletas da minha infância, ai, tabuletas! Quisera acabar por elas este capítulo, mas o assunto não teria nobreza nem interesse, e ainda uma vez interromperíamos a nossa história. Fiquemos no segredo divulgado; é quanto basta. Uma veranista elegante não dissimulou o seu espanto ao saber que os dois irmãos combinavam num ponto que faria romper os maiores amigos deste mundo. Um secretário de legação insinuou que podia ser brincadeira dos dois. — Ou dos três, acrescentou outra veranista. Iam de passeio à Quitandinha, a cavalo. Aires acompanhava-os, e não dizia nada. Quando lhe perguntaram se Flora era bonita, respondeu que sim, e falou da temperatura. A primeira veranista per-
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