A sombra dos Ipês da minha terra

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Ă€ Sombra dos

IpĂŞs da Minha Terra


2 Valdir Carniel


Rogério Recco

Anníbal, o engenheiro. O homem, sua obra, uma história. À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A

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4 Rogério Recco


Kenji Ueta

Imitando a floresta, a cidade se veste de cores. À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A

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Rogério Recco

Graciosos, deslumbrantes, florescem os ipês com a cidade a seus pés. 6


À Sombra dos

Ipês da Minha Terra PATROCÍNIO CULTURAL

VIAPAR

RODOVIAS INTEGRADAS DO PARANÁ S/A

Ao Pai Criador do Universo e ao Filho Redentor, toda a nossa glória.


PRODUTOR EXECUTIVO

Pery de Canti CAPA E PROJETO GRÁFICO

Marco Lago EDITORAÇÃO

André Bacarin AGRADECIMENTOS

André Cesar Furlaneto Sampaio, Antenor Sanches, Bruno Luiz Domingos de Angelis, Cézar Augusto de Lima, Cia Melhoramentos Norte do Paraná, Generoso de Angelis Neto, João Laércio Lopes Leal, Jorge Fregadolli, Kenji Ueta, Lídia Maria da Fonseca Maróstica, Onofre Rizzo e Sindicato Rural de Maringá PROJETO ESPECIAL

Flamma Comunicação Av. Carneiro Leão, 135, 9º andar - Sala 902 CEP 87013-080 - Maringá - PR www.flammacom.com.br APOIO

www.ipesdaminhaterra.com.br

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca Central - UEM, Maringá PR., Brasil) R723s

Recco, Rogério à sombra dos ipês da minha terra / Rogério Recco.-Londrina, PR : Midiograf, 2005. 112 p. : il. color.

1. Maringá (PR) - História. 2. Arborização - Maringá (PR) - História. 3. Paisagem - Maringá (PR) - História. 4. Árvores - Maringá (PR).I. Título.

CDD 21.ed. 981.62 ELIANE M. S. JOVANOVICH 8

CRB 9/1250


Rogério Recco

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Valdir Carniel


A VIAPAR sente-se honrada e feliz pela oportunidade de participar desta iniciativa, por sua significação histórica e pelo valor que representa, em especial, para as gerações do futuro. Um livro que nos traz interessantes particularidades acerca do singular processo de arborização urbana, modelo para as metrópoles brasileiras, e também a impressionante força realizadora dos homens que desbravaram o sertão para edificar esta cidade. Inaro Fontan Pereira presidente

Viver por alguns anos em Maringá muito acrescentou à minha vida. Foi um período de desafios com grande aprendizado profissional, de alegrias pelas inúmeras amizades e de satisfação por estar em uma cidade de astral tão reconfortante. Este livro nasceu de uma conversa com o jornalista Rogério Recco e cujo resultado é uma obra de qualidade, para ser apreciada com carinho pelos que amam esta terra. Um trabalho que muito nos orgulha. Nilton Marchetti ex-presidente

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Fonte de vida Jorge Fregadolli (*)

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uando estudava no curso primário, atual ensino fundamental, numa modesta e acanhada escola rural, feita de madeira, sem forro e cercada de balaústres, no bairro chamado Água Fria, município de João Ramalho-SP, aprendi que além da beleza e da madeira, a árvore nos dá o frescor da sua sombra.

Há centenas de nomes de árvores, todas elas com suas características, umas enfeitando cidades, outras povoando matas, florestas e selvas, outras mais oferecendo seu sombreado ao redor de casas e chácaras, esparramando seu verde, folhagens e flores. No começo de Maringá, por volta de 1930/40, tudo era uma selva quase impenetrável, onde predominavam as frondosas perobas, paus d'alho, angicos, ipês, gurucaias, cedros e muitas outras. E os pioneiros iam chegando com suas famílias, abrindo a picada no sertão bravio para construir seu rancho com matéria-prima natural: as árvores. Machado nas mãos, coragem, medo, vontade de vencer, otimismo. Aqueles intrépidos pioneiros ceifavam a vegetação para abrir e construir a Maringá de hoje. Milhões de árvores tombaram no meio da mata. Era preciso abrir espaço para o tal progresso: arar a terra, plantar e colher os frutos da sustentação das famílias. E o progresso foi acontecendo devagar. O agricultor plantava o café e a geada vinha depois para dizimá-lo. Mas o homem da terra não desanimava, seguia em frente, enfrentava os desafios para vencer com galhardia.

A Cia. Melhoramentos, mãe de Maringá, contratou Luiz Teixeira Mendes, engenheiro florestal, radicado em Campinas-SP, para no final da década de 40 aqui iniciar o plantio de árvores na cidade, criando também o Horto Florestal, principal fonte de viveiros de mudas. Anos depois, chegava Anníbal Bianchini da Rocha, também engenheiro agrônomo, para cuidar do verde de Maringá. No rastro desses valentes, o jornalista e historiador Rogério Recco escreveu um livro sobre a história da cidade, sob o ponto de vista do processo de arborização. O sucesso é de quem sabe e faz acontecer. O livro, recheado de importantes pesquisas, vai alcançar as mentes limpas e carinhosas de nossas crianças, da juventude, dos adultos e idosos, trazendo a lume outra riqueza: o conhecimento e o valor das árvores. O leitor - e o tempo - vão dizer o quanto é importante o seu trabalho. (*) Jorge Fregadolli, jornalista e membro-fundador da Academia de Letras de Maringá À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A

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Qual a origem desse verde?

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alar de Maringá é fazer referência obrigatória a dois de seus principais ícones. Um deles, a imponente Catedral Metropolitana, de arquitetura futurista, sem similar no mundo, que lembra um foguete espacial. O outro, a intensa arborização, presente em todos os lugares, que faz dela uma cidade diferenciada, agradavelmente devotada ao verde. São árvores de diferentes espécies e cores que transformam praças em aprazíveis recantos e vias em bucólicas alamedas.

É com orgulho que o morador apresenta a quem chega sua verdejante e florida cidade; ser levado a passear à sombra do magnífico arvoredo e por entre graciosos jardins é motivo de encantamento. Na primavera, inúmeros espécimes com flores em profusão interagem com os passantes, preparando-lhes, todas as manhãs, surpreendentes tapetes de pétalas sobre as calçadas, em meio a delicados aromas. Nas demais estações, a natureza é sempre pródiga em razões que nutrem o fascínio e ajudam a fortalecer o carinho dos cidadãos por sua Maringá que, por assim dizer, é um imenso parque a abrigar reservas florestais em plena área central, entre as quais um horto mantido com vegetação intocada, santuário em que a vida manifesta-se também através de diferentes espécies animais, entre as quais aves diversas, répteis e primatas.

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Difícil encontrar outra cidade com tais peculiaridades, cuja história desfia uma grande aventura em que ousados desbravadores tiveram que vencer os desafios impostos pelo íngreme sertão. Na segunda metade dos anos 40 e parte da década seguinte, reproduziu a região, resguardadas as proporções, quase que uma corrida ao ouro, algo só visto com maior intensidade na Califórnia. Mas qual a origem desse verde? Quem primeiro teve a idéia - e por qual razão de associar ao vertiginoso crescimento urbano um planejamento que contemplasse a arborização? Lembrando que não era apenas e tão somente um plantio de árvores, mas, sim, a adoção de uma mentalidade fortemente voltada ao meio ambiente, respeito à natureza, valorização da qualidade de vida.

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Sumário 17 – Parte 1 – História 18 25 30 44 47 51 54 56 63 66 67 69

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O moço Anníbal e o sonho de ter o próprio pedaço de chão. Os ingleses vislumbraram a potencialidade do Norte do Paraná. O começo. E tudo era difícil. Três povoados, uma cidade. Luiz Teixeira Mendes implantou o projeto de arborização. Nas ruas, árvores de várias regiões do País. O dedicado assistente assume a empreitada. Uma cidade em efervescência. Anníbal, cafeicultor. Administração pública assume a arborização. De “jardineiro” a secretário de Estado. Esse Bianchini...

77 – Parte 2 – Situação atual 78 – Árvores e ambiente: quadro preocupante

87 – Parte 3 – Cidade 90 – 91 – 92 – 93 – 94 – 95 – 96 – 97 – 98 – 100 – 101 – 102 – 103 – 104 – 105 – 106 – 107 – 108 – 109 –

Espécies mantêm cidade florida o ano inteiro. Erradicar as essências exóticas em favor das nativas. Plantando Maringá no Guiness. Cipós sufocam o Bosque dos Pioneiros. Sem água, como sobreviver? A florada dos flamboyants. Uma figueira e um cedro no meio do caminho. Edgar retratou a cidade dos primeiros tempos. A via dos ilustres. Nildo Ribeiro da Rocha criou as vias paisagísticas. Ipê roxo, árvore “santa” quase em extinção. O ingá tem seu reduto, o Parque do Ingá. Alecrim, ideal para arborizar. Príncipes japoneses plantam pinheiro no Parque do Ingá. Jacarandás inspiram a cor do prédio do BB. Leis que deveriam proteger as árvores. O pinheirinho da fazenda São Bonifácio deu em casamento. Frutíferas diversas tomam conta das ruas. Um bairro cujas ruas ensinam sobre árvores.

111 – Referências 16


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PARTE 1 - HISTÓRIA

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O moço Anníbal e o sonho de ter o próprio pedaço de chão

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orria o ano de 1952. A cidade não passava de um amontoado de casas de madeira e ruas descalças, tomadas por caminhões, ônibus, automóveis, carroças, gente para todo lado. Em meio ao grande burburinho dos que chegavam em busca de oportunidades, Maringá recebia um jovem paulista determinado a radicar-se na terra vermelha, cujo nome faria história na vida do pujante município fundado pouco antes, em 1947: o engenheiro agrônomo Anníbal Bianchini da Rocha, que acabava de diplomar-se pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, em Piracicaba. Quis o destino que esse moço nascido a 17 de outubro de 1928 em Santos, filho do comerciante português Anníbal Lourenço da Rocha e da professora brasileira Júlia Bianchini da Rocha, declinasse de assumir o comando do bem estabelecido armazém de secos e molhados “Flor da Mocidade”, situado em Vila Matias, naquela cidade praiana, como pretendiam os seus, para enveredar pelo incerto e desafiador sertão paranaense. Firmemente decidido, acalentava o sonho, ainda quase criança, de conquistar o próprio pedaço de chão, onde pudesse dedicar-se ao ofício de agricultor. Queria lidar com terra, plantas, lavouras e safras, tudo o que não poderia oferecer aquele rincão à beira-mar. Diante da vontade do filho, disse-lhe certa vez o pai, em tom irônico e desolado, não possuir ao derredor nenhuma fazenda de bananas. Sim, pois era só o que se podia avistar, até então, pelas cercanias do município. O pequeno Anníbal estaria, de alguma forma, reproduzindo a aventura vivida pelo próprio pai que, de família humilde, decidiu em 1921 trocar Portugal pelo Brasil, país onde, solitário, desembarcaria com apenas 16 anos. Para isso, contou com a ajuda de um padrinho radicado no Rio Grande do Sul, que lhe emprestou o dinheiro destinado a custear a viagem, e para quem trabalhou até quitar a dívida. De lá, tempos mais tarde, migraria para Santos, onde após alguns anos atuando como empregado, chegaria ao próprio armazém de produtos ao varejo. Foi nessa cidade que conheceu Júlia, filha de uma família italiana que, como tantas outras, chegara ao País no começo do século. A menina nasceu em Santos depois de atravessar o Atlântico no ventre da mãe. Casados, tiveram um casal de filhos: Anníbal e Regina Helena, esta quatro anos mais nova. “Por que esse interesse do menino pela terra?”, inquiriam, com certa perplexidade, os familiares, eles próprios, de parte de pai e mãe, descendentes de camponeses na Europa.

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Marly Aires

CafĂŠ, uma riqueza a brotar do ventre da terra. Um sonho a mover desbravadores

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Quando a família, seguindo pelos trilhos da estrada de ferro São Paulo Railway - construída por ingleses e inaugurada em 1867, com incentivo do Barão de Mauá, ligando Santos a Jundiaí -, partia para reencontrar parentes em outras cidades, o pequeno Anníbal, debruçado à janela, demonstrava fascínio ao avistar a paisagem a perder de vista, a sinuosidade do relevo, o casario das fazendas, a beleza dos rios, o colorido das matas, os rebanhos espalhados nos pastos. Reunido com os primos e outras crianças nessas viagens, em vez de ater-se a folguedos comuns da idade, ocupava ele quase todo o tempo à feitura de hortas. Era o que mais apreciava. ..... A estrada de ferro levaria o café para o interior paulista, cuja produção era limitada pelo escoamento ineficaz até Santos, ainda em lombos de mulas. Também foi com a inauguração da ferrovia que o porto de Santos ganhou maior importância e a cidade teve impulso. Até então, a primeira fase da produção de café no Estado estava concentrada na região do Vale do Paraíba. Reza a lenda que as primeiras mudas chegaram ao País em 1727, pelas mãos do sargento-mor Francisco de Mello Palheta. Designado a resolver questões de fronteira na Guiana Francesa, Palheta foi presenteado com o café pela esposa do governador da Guiana, madame D'Orviliers. O sucesso do grão em solos brasileiros não demorou a se expandir. Foi plantado primeiro no Pará e depois no Maranhão, descendo em seguida para o Rio de Janeiro. Em São Paulo, sua entrada foi pelo Vale do Paraíba. Não demorou muito para que o porto de Santos alcançasse a dianteira nos embarques de café, desbancando, a partir de 1880, o Rio. O porto santista jamais deixaria a liderança na exportação mundial de café em volume. Em São Paulo, o produto financiou por muito tempo a cultura e influenciou a política nacional. Mas, a partir da década de 30, com o crack da bolsa americana, muitos dos cafeicultores paulistas se desfizeram de suas terras, os preços do grão atingiram baixas recordes e os cafezais perderam espaço. Os velhos casarões foram demolidos e, na Avenida Paulista, começaram a ser semeados os arranha-céus. Também foi em Santos que o hábito de tomar cafezinho fora de casa começou a ser cultuado, com a inauguração do Café do Porto, depois Café Floresta, próximo ao cais, ponto atrativo para os turistas da cidade à época. Até então, o café tinha seu forte consumo em casa. O torrado e moído começou a ser vendido em feiras, nos antigos carros da Café Tiradentes, tradicional empresa no Estado.

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..... Até os 16 anos, Anníbal viveria em Santos. Em 1947, entraria para o curso de Agronomia na tradicional Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba, cidade servida pelo histórico rio do mesmo nome, um dos quais, há mais de duzentos anos, tropas da Coroa, desbravadores, posseiros e barcos com víveres e armamentos seguiam até a divisa com o Paraguai. Em uma primeira fase, o café e outras culturas contribuíram para a prosperidade da região. A cidade tornou-se um importante centro econômico, de onde o aplicado estudante Anníbal sairia formado quatro anos mais tarde.

Cafezais a perder de vista no Paraná. Abaixo, a ESALQ, em Piracicaba-SP

Ainda em 1949, inicialmente à procura por terras no Estado de São Paulo, descobriu que teria poucas chances ali, dado que já eram, quase todas as regiões, bastante valorizadas em razão do ciclo da cafeicultura. Sensibilizado pela intensa propaganda que se fazia das terras férteis do Norte do Paraná, próprias para o plantio de café, que podiam ser compradas em condições facilitadas junto à Companhia Melhoramentos, Anníbal não teve dúvidas em tomar os caminhos que o levariam a este novo mundo.

Arquivo ESALQ

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Trabalhadoras envolvidas na colheita de café; o campo era um formigueiro humano Chegando à região em plena colheita de café, despertou-lhe atenção o porte avantajado das plantas, resultado do solo extraordinariamente fértil, a generosidade da produção, o intenso movimento de trabalhadores, a confortante sensação de prosperidade que nenhum outro lugar lhe havia proporcionado. O Paraná começava a conquistá-lo. Conheceu primeiramente Londrina, onde manteve contato com o corretor Raimundo Durães, da Companhia Melhoramentos, e fez amizade com o espanhol Celso Garcia Cid, este já dono de uma pequena empresa de ônibus que, no futuro, seria uma das maiores do País, a Viação Garcia. Partindo do escritório da Companhia, sugeriram-lhe que fosse ver um loteamento agrícola mais ao Noroeste, onde poderia comprar terras e formar a sua própria lavoura de café. Ao redor de cidades emergentes como Londrina e Maringá, já naquele tempo, quase tudo estava vendido e sendo desbravado. Em sua jornada, ora por estradas poeirentas, ora barrentas, o jovem vislumbrou o frenético trabalho de homens derrubando a mata, o fogo - muito fogo - devorando rapidamente os matos, e o plantio de cafezais em terras que, por seu elevado teor de matéria orgânica, dispensavam fertilizantes. Havia também muitos cafezais em crescimento, plantados por jovens igualmente obstinados, e caminhões que cruzavam os caminhos, transportando safras abundantes. 22


Tudo, até então, era precário, sem nenhum conforto. Muita gente abrigava-se em toscos ranchinhos construídos com troncos de palmito, não havia energia elétrica, água só com a perfuração de poços, as estradas eram precárias, repletas de atoleiros durante grande parte do ano. As cidades não passavam de amontoados de casas, apenas com uma, nem sempre convincente, perspectiva de futuro. Parecia um despropósito acreditar que valeria a pena investir nesse novo lugar. Mas, a despeito disso tudo, o engenheiro agrônomo estava resoluto do que pretendia para si. Não cogitava, de forma alguma, rever sua decisão e tomar o caminho de volta, conformar-se em assumir os negócios da família em Santos, onde a vida certamente seria bem mais fácil e previsível. Anníbal aprovaria as terras que lhe foram apresentadas em uma gleba situada no nascente patrimônio de Uniflor, município de Capelinha, hoje Nova Esperança. Adquiriu 35 alqueires paulistas ao preço de 24 contos, pagáveis em quatro anos com juro fixo de 7% ao ano. Ali, já em 1950, com recursos emprestados pelo pai, derrubaria a mata e plantaria o seu cafezal. O futuro parecia começar a definir-se. Não contava, contudo, com um convite que lhe fora formalizado nessa mesma época para prestar serviços de engenheiro agrônomo ao escritório da Companhia Melhoramentos em Maringá, a qual estruturava equipe de funcionários e preparava-se para novos desafios. Com certeza, a escolha pelo Paraná havia sido acertada e estava ele agora, recémformado, com propriedade para cuidar e uma ocupação em que poderia aplicar o conhecimento adquirido na faculdade.

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O que mais se via eram caminhões carregados de café

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Para aceitar a função, entretanto, impôs uma condição, feita diretamente ao diretor-gerente da empresa em São Paulo, Hermann Moraes Barros, com quem encontrou-se para uma entrevista: embora contente com os rumos de sua vida, só viria em definitivo para Maringá quando estivesse casado. Aguardava-lhe em Piracicaba a noiva Apparecida Thereza Azevedo, que, igualmente decidida, havia assegurado a Anníbal a disposição de deixar para trás as regalias de casa e o conforto em sua cidade para acompanhá-lo. O diretor não só aprovou a atitude do jovem engenheiro como elogiou-a. Solteiro, concordou Barros, dificilmente conseguiria aquele moço permanecer em Maringá, cidadezinha de escassos atrativos. Anníbal e Apparecida casaram-se e foi no bissexto 1952, exatamente a 29 de fevereiro, depois de uma longa viagem de jipe, que o casal chegaria à cidade. Lembra o engenheiro que durante quase todo o percurso a esposa suportou sem reclamar o cansaço e a demora, mas já próximo de Mandaguari, perguntou ao marido, aflita, se Maringá ainda estava muito longe... Na cidade, ocuparam inicialmente uma casa próxima ao escritório da Companhia, numa rua poeirenta, que viria a ser a Avenida Duque de Caxias, e assim começaram a vida de casados. Quatro filhos nasceriam dessa união: Carmen Lúcia, Antonio Carlos, Júlio e Anníbal. O engenheiro Anníbal fora contratado para trabalhar no Horto Florestal, mas, em 1953, a empresa já começava a investir na formação de pequenas lavouras de café, com o máximo de 100 mil pés cada uma, que foram plantadas sob a responsabilidade do engenheiro agrônomo nas fazendas Pitanga, município de Uniflor, Ipiranga e Fartura, em Paranacity, Mururê, Pau d'Alho e Boa Esperança, em Terra Boa, e Tuneiras, em Tuneiras do Oeste.

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Os ingleses vislumbraram a potencialidade do Norte do Paraná

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ara que se possa entender melhor o movimento de colonização do Norte e Noroeste do Paraná, necessário se faz retroceder no tempo, até 1925, ano de fundação da Companhia de Terras Norte do Paraná, a antiga denominação da atual Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. Liderada por Edwin Samuel Montagu, ex-secretário de finanças do tesouro britânico, desembarcou no Rio de Janeiro a 23 de dezembro de 1923, uma comitiva de técnicos proveniente da Inglaterra. Vinha por ordem de capitalistas e banqueiros, credores da dívida brasileira. No país, o grupo disse ter sido convidado pelo governo para negociar a dívida e fiscalizar o Tesouro Nacional. Em companhia de Montagu estava, entre outros, Simon Joseph Fraser, o 16° Lord Lovat da Escócia, profundo conhecedor de agricultura. Para atender interesses da indústria têxtil britânica, Lord Lovat pretendia encontrar terras apropriadas para o plantio de algodão. Com a experiência de já ter comandado plantações no Sudão, viajou por diversas regiões do interior paulista e, seguindo a trilha do café, foi parar nas terras vermelhas no Paraná, grande parte das quais, até então, recobertas por florestas. Entre os rios Paranapanema e Tibagi, percorreu fazendas que haviam sido abertas por

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Escritório central da Companhia em Londrina 25


Cia Melhoramentos

Antonio Barbosa Ferraz, o Tonico Barbosa, homem de grande influência entre os cafeicultores. Por iniciativa de Tonico e outros produtores, uma linha de 29 quilômetros da Estrada de Ferro Sorocabana tinha sido construída até a cidade paranaense de Cambará, para viabilizar dessa forma o escoamento de café ao município paulista de Ourinhos, de onde seguia para São Paulo. O objetivo dos cafeicultores, posteriormente era estender essa linha ao “Sertão do Tibagi”, região que anos mais tarde seria desmatada para o cultivo do café, o que originou vários povoados, dentre os quais Três Bocas, do qual surgiu a cidade de Londrina. Despertados pela exuberância das terras, os perspicazes ingleses verificaram que a Norte e Oeste do Paraná, nas bacias do Tibagi, do Ivaí e do Piquiri, metade da imensidão de selva era Simon Joseph Fraser, o Lord Lovat formada por terras devolutas, isto é, devolvidas pela Coroa Espanhola, por não terem sido colonizadas. Fundaram então uma empresa, a Brazil Plantation Sindicate. A história dita que logo após o descobrimento do Brasil em 1500, pelos portugueses, os espanhóis foram os primeiros a chegar à região, entre 1541 e 1542, tempo em que os portugueses dominavam apenas a Baía de Paranaguá, no litoral paranaense. Na América do século XVI, separada pelo Tratado de Tordesilhas, Portugal e Espanha eram rivais. Mas, embora protegidas pela mata, as terras devolutas já começavam a ser ocupadas por pretensos donos. Isto foi constatado pelo escocês Arthur Thomas, que havia sido enviado por Lovat para dirigir as fazendas de algodão da Brazil Plantation Sindicate. Nessa época, uma tal Companhia Marcondes de Colonização declarou ser dona de áreas para colonizar na Bacia do Ivaí. Eram terras “griladas”, de domínio ainda do Estado do Arthur Thomas Paraná, conforme verificou o advogado da Brazil Plantation, João Sampaio. Para evitar atritos com grileiros, Arthur Thomas e João Sampaio encontraram-se com o presidente do Estado do Paraná, Bento Caetano Munhoz da Rocha, a quem propuseram adquirir, “a preços de lei”, as terras devolutas griladas. Isso dependeria de uma autorização especial da Câmara Legislativa Estadual, sendo que a Brazil Plantation comprometeu-se a arcar com as despesas de compra das terras. Pretendia-se, com tal procedimento, “limpar a área”, eliminando todo tipo de embaraços e pendências, a fim de se empreender um projeto de colonização com segurança. Em junho de 1925, Sampaio viaja para a Inglaterra, onde, durante uma semana inteira de reuniões com Lovat e outros dirigentes, esmiúça o planejamento da colonização, a qual seria desenvolvida com precisão inglesa. Fundaram, então, a Paraná Plantation, empresa que de Londres dirigiria a Companhia de Terras Norte do Paraná. A Companhia começou comprando títulos e direitos de posse para, em seguida, adquirir novamente do Estado as mesmas áreas de terras, desembolsando 20 mil reis pelo alqueire, em

arthur thomas

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média. Ao final desse paciente processo, a empresa totalizava 515 mil alqueires de escritura indiscutível. As terras seriam, depois, vendidas aos colonos a 400 mil reis o alqueire, sendo que as despesas com demarcações, bem como construção de estradas e ferrovia, ficariam por conta da Companhia. Quem chegava, encontrava uma grande massa verde: do musgo à peroba, a árvore mais alta, que só esgalhava acima de todas as outras, a floresta chegava a 40 metros de altura, e o fogo era a única forma de ir abrindo rapidamente as clareiras. Em poucas horas, a mata desaparecia em meio às vigorosas labaredas e cortinas de fumaça, desnudando o solo recoberto de troncos que continuavam a arder por semanas. Era tanto fogo e fumaça que o dia parecia noite, escondendo a luz do sol, ao passo que à noite o clarão dos incêndios simulava um eterno amanhecer mesmo a muitos quilômetros de distância. Os planos iniciais definiam que haveria uma única estrada de ferro, a qual deixaria núcleos de colonização a 15 quilômetros. Por sua vez, os lotes rurais deveriam ter, no máximo, 15 alqueires paulistas ou 36 hectares. Como eram terras com muitos rios e ramificações de afluentes, os vales poderiam ser divididos todos com acesso a água numa ponta e estrada na outra. Seriam assim lotes finos e compridos. Os ingleses haviam acatado a sugestão dada por Gastão de Mesquita Filho: fragmentar toda a área em pequenos lotes, de modo a oferecer oportunidade para que milhares de pessoas, provenientes de todas as partes do País e do mundo, pudessem adquirir terras e fazer a vida com a agricultura. Do cafeicultor Tonico Barbosa partiu a idéia, também acolhida, de que o café, então um produto de grande valor econômico, servisse como uma espécie de âncora para as propriedades que iam sendo abertas. Ou seja, criaram-se condições para que inúmeras pessoas pudessem vislumbrar prosperidade: as terras eram adquiridas da Companhia e pagas em vários anos com recursos provenientes do próprio cafezal. Para muitos, principalmente a quem trouxe a experiência de lidar com café em outros Estados, essa atividade garantiria lucros tão consideráveis que o enriquecimento viria em poucos anos. Com a riqueza gerada pelo café, mais gente ia chegando, grande parte de forma atropelada, o que fez surgirem, quase que do dia para a noite, inúmeras cidadezinhas. Como frisou o jornalista Rubens Rodrigues dos Santos, a quem coube escrever a obra “Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná”, editada quando por ocasião do cinqüentenário da empresa em 1975, a Companhia é resultante desse espírito curioso e empreendedor, inerente à natureza de certos homens e manifestado de maneira tão viva naqueles que o destino escolhe para dilatar fronteiras e descobrir novos caminhos. Se na distante década de vinte os ingleses, liderados pelo escocês Lovat, vislumbraram a potencialidade do Norte do Paraná e deram o primeiro passo para conquistá-lo e assim integrá-lo aos meios de produção de riquezas do País, pouco mais tarde, em 1942, caberia a dois paulistas – Gastão Vidigal e Gastão de Mesquita Filho – a tarefa de assumir a condução do empreendimento, uma vez que a eminência da Segunda Guerra Mundial levou os ingleses a se desfazerem do projeto. Com os novos empreendedores, chegaria também a estrada de ferro ao Norte Velho do Paraná, o que valorizou sobremaneira as terras destinadas à exploração do café. A cafeicultura, nesses primeiros tempos, puxou o progresso da região, conferindo fama ao fertilíssimo latossolo do Norte do Paraná. Para se ter idéia, exageros à parte, corria conversa em São Paulo de que as terras daqui podiam ser ensacadas e vendidas como adubo. Nem tudo, no entanto,

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Acervo Pessoal

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era um paraíso: gente que não tinha afinidade com o rude e difícil trabalho na roça mas, mesmo assim, aventurou-se a comprar terra e plantar lavoura, achando que não havia como dar errado, sofreu revés diante das inevitáveis geadas. Enquanto os verdadeiros homens da terra suportavam a adversidade como fato natural e perfeitamente superável em poucos anos, sobrevivendo com suas famílias graças a cultivos de subsistência e criação de animais para consumo, outros sentiam-se derrotados e, acumulando prejuízos, iam tentar a sorte nas cidades, quando não retornavam para os lugares de origem. “O cafeicultor anoitecia rico e amanhecia pobre”, conta o ex-produtor de café Hildebrando Freitas Cayres, que chegou com a família em 1947, vindo de Lucélia-SP. Apaixonado pela cultura, ele foi dono de uma O cafeicultor Freitas Cayres: orgulho de sua lavoura pequena fazenda no município de Mandaguaçu, onde orgulhava-se de ter um dos melhores cafés da região. A propriedade era visitada por pessoas que desejavam conhecer melhor essa cultura, caracterizada, naquela época, por árvores de mais de 5 metros de altura, cuja colheita tinha que ser feita com o auxílio de escadas. Famílias inteiras eram contratadas para o serviço de colheita e, na chamada derriça, os grãos vermelhos eram puxados dos ramos com as mãos e caíam sobre a terra. Juntado pelos varredores, o café passava em seguida pelo trabalho de abanação, para eliminar impurezas. Daí, transportado em sacos para a sede das fazendas, o produto era lavado antes de ser depositado em terreiros, para secagem. Essa última etapa requeria cuidados, como a remoção constante dos grãos para evitar que fermentassem, além de agilidade na proteção em caso de uma chuva repentina. Só mesmo completamente seco o café poderia ser acondicionado em sacos definitivos e guardado em tulhas na própria fazenda, onde ficava à espera de ser comercializado para máquinas de beneficiamento. Para evitar que a mão-de-obra precisasse deslocar-se diariamente até às propriedades, colônias de casas eram construídas ali. Todos apresentavam-se bem agasalhados para suportar o sol e o frio, levando comida e água. Não raro, mães eram acompanhadas de seus filhos pequenos e até de recém-nascidos, os quais recebiam amamentação debaixo de pés de café. Embora com a mesma origem, a sociedade se formava, portanto, de duas classes: a dos empreendedores, também patrões, e a dos trabalhadores braçais, que os serviam. Entre estes, muitos recém-chegados do estrangeiro, dada a dificuldade de comunicação, encontravam no trabalho nas fazendas uma das únicas maneira de sobreviver.


Rogério Rec

A cafeicultura tinha sua própria civilização, com A cafeicultura fazendas povoadas. tinha sua própria Gente civilização, comsimples, laboriosa, cheia de fé fazendas povoadas.

Rogério Recco

Gente simples, laboriosa, cheia de fé

Cia Melhoramentos

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O começo. E tudo era difícil

NN Acervo Rogério Recco

Marly Aires

o final dos anos 30 começaram a surgir as primeiras construções utilizando madeira extraída da mata do lugar onde, no futuro, viria a ser a região de Maringá. Ocupando o lote de número 1/A, a capela São Bonifácio, edificada em estilo alsaciano, ao lado de uma ampla casa, ficaria pronta em 1939 na Fazenda do mesmo nome, próxima ao local onde hoje é a Cidade Alta, financiada pelo padre alemão Michael Emil Clement Scherer, que ali residiu até 1953. Além de primeiro desbravador, sacerdote e dono de terras, Scherer foi o primeiro agricultor e empregador, derrubando a floresta para investir no cultivo de café. O padre era um homem rico e de passado controvertido, tendo sido capelão na Primeira Grande Guerra e atuado por vários anos como uma espécie de diplomata da Organização São Bonifácio, encarregada de difundir o catolicismo entre as comunidades alemãs espalhadas pelo mundo. Sentindo-se ameaçado com a ascensão do nazismo, Scherer, que falava seis idiomas, fugiu para o Brasil e foi parar em Caviúna, hoje o município de Rolândia, no Paraná.

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Scherer, o controvertido padre alemão que, fugindo do nazismo, abrigou-se no que viria a ser o embrião de Maringá, onde edificou uma capela


Em contato com a Companhia de Terras, resolveu adquirir a fazenda em plena selva e nela fixar-se. Trouxe consigo uma funcionária para cozinhar e cuidar da casa, a qual era servida de biblioteca, rádio-amador e até mesmo telefone à manivela para comunicação com outros setores da fazenda. Nessa casa hospedaram-se algumas das primeiras famílias de pioneiros que, surpresos, achavam conforto espiritual em uma capela adornada por vários santos esculpidos em madeira, verdadeiras obras de arte. Algo inimaginável para o que era chamado de confins do sertão, onde nada havia a não ser mato. Em 1938, os primeiros a adquirirem lotes foram José Guisso e Helena R. Guisso, Herbert Krause e Laurinda B. Krause, José Munhoz Marto e Maria Coleone Marto, Manoel B. de Oliveira e Eliza S. de Oliveira, Silvino Fernandes Dias e Helena Fregadolli Dias, além de Julio R. Vilella, cujas áreas foram sendo abertas em seguida. Entre 1939 e 1941, outras 37 famílias apareceram também com o objetivo de vencer o sertão e plantar café. O italiano Rodolfo Ferro, acompanhado da esposa Ana Bueno, estava entre eles. Dessa forma, pessoas e famílias surgiam de todas as partes do País e do exterior. Varavam as estradinhas em longas filas de carroças, pois caminhões e ônibus não eram tão comuns nessa época de mundo em guerra e os caminhos nem sempre estavam acessíveis a estes, principalmente quando chovia. Mulher, filhos e tralhas iam em cima e os homens, quase sempre, seguiam a pé. A última das carroças, mais vulnerável ao ataque de onças, era ocupada por indivíduos armados e olhos bem abertos. Um descuido podia ser fatal. No dia 10 de novembro de 1942 a Companhia de Terras Norte do Paraná lançou a pedra fundamental de Maringá, oportunidade em que inaugurou o Hotel Campestre (depois denominado de Hotel Maringá), de sua propriedade, construído com lascas de palmitos e coberto de tabuinhas, destinado a hospedar os interessados em investir na região. O primeiro a chegar foi José Inácio da Silva, o “Zé Maringá”, um pernambucano de Garanhuns, que veio justamente para cuidar do hotel. Em seguida, Vitório Balani instalou a primeira serraria, pertencente à companhia. Outros, depois: José Jorge Abrão, Antônio Carniel, Durval Francisco dos Santos, Mário Siqueira Jardim, Hilário Alves, Aniceto Gomes da Silva, Severino Gomes da Silva, Cecílio Lima, José Sampaio, João Tenório Cavalcanti, José Pedro Antunes, Pedro Righeto, José Sampaio Cadidé, João Limeira, Sila Soares e outros. A localidade, cercada de mata virgem, apenas cortada pela estrada, começou a progredir. José Jorge Abrão, com a primeira casa comercial; Hilário Alves, com a primeira loja de tecidos; Durval Francisco dos Santos, com a primeira máquina de arroz; Mário Siqueira Jardim, com a primeira farmácia e Aniceto Gomes da Silva com a primeira padaria. No decorrer dos meses, doze deixaram de ser os habitantes, com suas famílias, porque outros vieram: Ernesto Paiva, José Dionísio, Francisco Gonçalves e irmãos, Júlio Martinez Cia Melhoramentos

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1942: lançamento da pedra fundamental da futura cidade e inauguração do Hotel Maringá Alvarez, Arlindo Souza, Arlindo Planas, Ângelo Planas, Rodolpho Bernardi, Otávio Perioto, Alcides Alves de Souza, Napoleão Moreira da Silva, Boanerges de Oliveira Fernandes, Ângelo Maragno, Mário Reis Meira, Waldir da Silveira Dias, Irmãos Aliberti, David Rabelo de Oliveira, Domingos Salgueiro, Fiori Buzolin, Nassib Haddad e David Rodrigues Ferreira. Formou-se um pequeno núcleo de 8 quadras com casas e estabelecimentos comerciais no lugar hoje conhecido como “Maringá Velho”. Era ali o ponto final, o “fim da picada” como se dizia, um local de parada quase obrigatória para que os viajantes pudessem recompor as energias e comprar ferramentas. Vários estabelecimentos comerciais foram sendo erguidos no Maringá Velho, entre muitos outros a Casa Maringá, de José Jorge Abrão e Benedito José Jorge; Casa Monte Cristo, de Dario e Jayme Bernardeli; Casa Rodrigues & Salgueiro, de David Rodrigues Ferreira e Domingos Salgueiro; Casa Rabello, de David Rabello de Oliveira; Casa São Jorge, de Nassib Haddad; Casa Planeta, de Ângelo Planas; Casa Aliberti, de Santo e Carlos Aliberti; Casa Moreno, de Ariovaldo Moreno; Casa Hilário, de Hilário e Modesta Alves; Casa Moreira, de Napoleão Moreira da Silva; Casa Anete, de Boanerges de Oliveira Fernandes; Casa da Lavoura, de Braz José Jorge; Restaurante Verdadeiro, de João Verdadeiro; Hotel Guaíra, de Otávio Perioto; Pensão Luzitana, de José Tozzo; Pensão e Restaurante Carniel, de Antonio Carniel. Várias dessas casas, para manter equipamentos funcionando, possuiam geradores próprios de energia, com motores estacionários movidos a querosene, combustível que nem sempre se podia comprar com facilidade, sobretudo durante o período de guerra, quando houve racionamento.

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Serraria no Maringá Velho: trabalhando dia e noite Os meios de transporte mais comuns eram o cavalo e veículos de tração animal, além de jipes e carros Ford 1929, 1930 e 1931. Os raros caminhões só trabalhavam com motor adaptado para gasogênio, obtido pela queima do carvão ou lenha. A iluminação era de lampiões à querosene, a água vinha de poços profundos, puxados com baldes e sarilhos, os sanitários (que também serviam de banheiros) eram casinhas fora de casa, instaladas sobre fossas comuns. Mesmo assim, os habitantes eram alegres e festeiros, conforme relata o historiador Antenor Sanches, e um serviço de auto-falante, também movido a motor estacionário, funcionava com muita música e avisos de utilidade pública. Por falar em música, a Revista Maringá Ilustrada, que seria editada em 1957 por Aristeu Brandespin, tinha Ary de Lima como editor-chefe e textos de Antonio Augusto de Assis, entre outros, deixou registrado que o nome da cidade foi inspirado na famosa canção de Joubert de Carvalho, “retratando, em acordes sublimes, a alma ingênua e simples da imigrante cabocla”. Desencontrados, porém, são os comentários sobre quem, primeiramente, o lembrou. “Se afirmações recaem sobre a sra. Elizabeth Thomas, esposa de Arthur Thomas, ex-diretor da Companhia de Terras Norte do Paraná, outras fontes admitem-no nascido de 'peões' que demandavam o sertão, em maioria nordestina, e que na imortal página do compositor patrício, cantando sempre, buscavam motivo de consolo para a saudade que lhes cruciava os corações voltados para as terras que ficaram longe.” À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A

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M aringá (Joubert de Carvalho) Foi numa leva que a cabocla Maringá Ficou sendo a retirante que mais dava o que falar E junto dela veio alguém que suplicou Pra que nunca se esquecesse de um caboclo que ficou Maringá, Maringá Depois que tu partiste Tudo aqui ficou tão triste Que eu garrei a imaginar Maringá, Maringá Para haver felicidade É preciso que a saudade Vá bater noutro lugar Maringá, Maringá Volta aqui pro meu sertão Pra de novo o coração De um caboclo assossegar Cia Melhoramentos/Montagem

Antigamente uma alegria sem igual Dominava aquela gente da cidade de Pombal Mas veio a seca, toda água foi embora Só restando então a mágoa Do caboclo quando chora 34


..... No gelado dia 22 de junho de 1946, Onofre Rizzo, um paulista de Vila Mendonça, então com 19 anos, chegava com o pai a Maringá para, daí, seguir em direção à estrada Ivatuba, distante 30 quilômetros, onde a família havia adquirido uma propriedade. Saíram de Apucarana de ônibus, recorda-se Onofre, achando que as chuvas dariam uma trégua. Porém, chegando a Marialva, os céus desabaram em água. Como havia uma estrada barrenta com uma subida chamada de “barro preto”, o único jeito de prosseguir viagem foi os passageiros descerem para empurrar o ônibus. Ambos chegaram a Maringá no começo da noite, cansados e sujos de lama, hospedando-se no Hotel Maringá. Fazia muito frio naquela noite e até chegou a gear. De madrugada, acordaram com um barulho estranho e, curiosos, levantaram-se para ver. No pátio do hotel, que ocupava quase todo um quarteirão, tinham sido reunidos uns duzentos porcos gordos, recém-chegados da região de Peabiru. Eram animais criados soltos, que caminhavam longas distâncias, trazidos por safristas. Estavam ali, também, seis carretelas de quatro rodas, cujo interior os homens utilizavam para cozinhar, dormir, carregar mantimentos e remédios. Em cada carretela, puxada por muares, brilhavam lanternas a querosene, mantidas sempre acesas para afugentar predadores. Os safristas criavam seus porcos em clareiras abertas na mata, onde plantavam milho, abóboras e mandioca para servir de alimento a si próprios e aos animais. Só viajavam em noites frias ou sob chuva, porque os porcos não sobreviveriam ao calor. Uma jornada de Campo Mourão a Apucarana demorava semanas. Nessa última cidade os bichos eram finalmente embarcados em vagões e levados para comercialização em São Paulo. .... Quando chovia forte, as ruas de terra de Maringá tornavam-se caóticas. As pessoas andavam com dificuldades e os tombos, para muitos, eram inevitáveis. Cia Melhoramentos

Ora barro, ora poeira nos primórdios da cidade

Ao lado da porta de cada casa havia um limpador de pés, portátil, chamado de “chora paulista”. Na entrada, uma caixa sempre cheia de pó de serra para as pessoas pisarem antes de entrar. Após alguns dias de sol a terra secava. E, com o tráfego dos veículos, formava-se um pó fino e roxo, levantando uma nuvem permanente, que cobria tudo. As pessoas ficavam com o rosto e as roupas tão vermelhos que pareciam fantasmas, conta Onofre Rizzo. Tanta era a poeira que se acordava impregnado dela.

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Vivia-se em um ambiente hostil, próprio das grandes florestas, com a infestação de vermes como solitárias e lombrigas, cujos hospedeiros eram os porcos, galinhas e outros animais. As pessoas sofriam com dordolhos e o incômodo do ataque de borrachudos, que lhes sugavam o sangue durante o dia. À noite, chegava a vez dos pernilongos, mosquitos-pólvora e outros insetos. Para que se pudesse dormir, era preciso afugentá-los com fumaça, queimando pó de serra e estrume de vaca em latas ou em montes sobre o chão de terra batida. ..... Até essa época, a empresa colonizadora não tinha muitas expectativas para o patrimônio, conta Anníbal, acreditando-se que o povoamento ali surgido quase espontaneamente, não teria mais que 20 mil habitantes. Para prover os colonos e os trabalhadores que se instalaram na área rural, o Maringá Velho concentrava além das casas comerciais e de hospedagem, também atividades de compra e venda de terras. A Companhia, no entanto, decidiu não vender mais terrenos “urbanos”. De um lado, porque queria evitar que o lugar crescesse rapidamente, de forma desordenada. De outro, porque estava determinada a planejar e a construir a cidade em um local plano a alguns quilômetros dali, projetando-a para 200 mil moradores. O urbanista paulista Jorge de Macedo Vieira, lápis à mão, diante de sua prancheta, idealizou o traçado de Maringá sem jamais ter visitado o lugar, inspirado nas cidades-jardins de Ebenezer Howard e nas Cartas de Atenas. Imaginou as avenidas com seus canteiros, as ruas, a área central, os bairros, enfim. E assim se fez. O padrão de desenho urbano utilizado em Maringá buscaria um traçado que se adequaria às características da paisagem e climas locais, bem como a proteção dos fundos de vale de vegetação natural, criando-se amplos parques integrados à malha viária. O projeto original obedecia a um zoneamento de usos e níveis de habitação, sendo a cidade dividida em várias zonas, como as de comércio, indústria, armazéns, habitação de vários padrões e uma área de serviços público-administrativos.

A planta original de Maringá, traçada pelo urbanista Jorge de Macedo Vieira 36


Nascido a 5 de agosto de 1894 e falecido em 1978, Macedo declarou em 1972 a funcionários do município: “Pretendi criar uma cidade muito moderna, em que o traçado das ruas não seguisse o xadrez, que é o que os portugueses nos ensinaram. Segui o processo moderno que era de acompanhar o terreno o máximo possível e uma cidade já pré-traçada, por zoneamento estudado, com parques, seus lugares de lazer, seus verdes todos caracterizados.” Dois parques foram criados no perímetro urbano em formato de pulmão, onde manteve-se vegetação nativa. Foram deixados em forma de pulmão “para que a população do futuro pudesse conhecer a vegetação da época da colonização e também para que a cidade jamais viesse a sofrer com problemas de poluição”, disse ele. ..... A cidade descia assim para a planície. A Companhia de Terras Norte do Paraná ergueu seu escritório com os funcionários Alfredo Werner Nyffeller e Arlindo Marquesine. Aportaram ali também Basílio Sautchuk, Irmãos Ribeiro (Casa Ribeiro, a primeira da cidade, na planície), Francisco Gonçalves, Inocente Vilanova Júnior, José Pardial Peralta, José Leopoldo Soares, Alfredo Moisés Maluf e filhos, Sérgio Cerávolo, Joaquim Pereira Rosa, Tirso Rodrigues e outros. O suíço Alfredo Werner Nyffeller, que gerenciou o escritório da Companhia em Maringá, é considerado um dos responsáveis pelo êxito da colonização do Norte do Paraná. Ele adaptou-se tão bem a essa região que nela ficou com a família. Relatou Nyffeller que nos primeiros anos a cidade era igual às demais que iam sendo abertas, com ruas de terra mal definidas e com terrenos de um lado e de outro onde se viam raízes e troncos queimados. Muita poeira em dia de sol e lama até os joelhos em dia de chuva. Era uma beleza ver a mata pertinho: altas perobas, figueiras, paus d'alho, tudo ao alcance dos olhos, bastando chegar à janela. Era mesmo o sertão, aberto a machado para oferecer novas oportunidades ao agricultor brasileiro. “Repetiam-se os mesmos Cia Melhoramentos

Primeiro avião a pousar em Maringá (21/11/47) 37


quadros que muitos de nós havíamos presenciado em Londrina e em outras cidades mais antigas: gente vindo de longe, forasteiros surgidos de repente, famílias inteiras que de uma hora para outra apareciam vagando pelas ruas à procura dos escritórios da Companhia para comprar o seu lote e começar vida nova plantando café. Muitos começaram assim e ficaram ricos.” Sabe-se que, eventualmente, quando compradores de terrenos ou lotes rurais enfrentavam dificuldades financeiras e não conseguiam honrar seus compromissos com a empresa, bastava recorrer a Nyffeller que, sem criar embaraços, parcelava a dívida por mais um tempo.

Fotos: Cia Melhoramentos

Loteada a nova cidade - que por muito tempo as pessoas chamariam de “Maringá Novo”, para não confundir com o “Maringá Velho” - ainda em meio à densa floresta a ocupação foi acontecendo, sem muita surpresa, em ritmo igualmente veloz, sob uma sinfonia de martelos e serras. Fundada no dia 10 de maio de 1947, um ano depois foi elevada à categoria de Vila. E o governo estadual, sabendo de sua existência e reconhecendo-a como fonte de recursos, providenciou a instalação da primeira repartição para arrecadar rendas. Desmembrando-se de Mandaguari com a criação do município através da Lei 790/51 de 14 de novembro de 1951, com área de 486.527 km2 e três distritos (Iguatemi, Floriano e Ivatuba), Maringá tomou impulso. Até então, Mandaguari concentrava o judiciário, a polícia, o executivo e o legislativo. Os Alfredo Werner Nyffeller inquéritos só passaram a ser feitos em Maringá no ano de 1953, quando instalou-se um espaço físico para guardar os documentos. Naquele tempo, quem adquirisse um

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terreno teria que construir uma moradia ou, se fosse o caso, uma casa comercial. Como muita gente foi comprando mas sem fixar residência de imediato, por algum período se viu uma quantidade enorme de casas desocupadas e estabelecimentos fechados. Dizia-se por isso, em tom de brincadeira, que a cidade tinha dez casas para cada morador e dez bares para cada bêbado. Paulistas, mineiros, nordestinos, japoneses, italianos, portugueses, libaneses: a formação da população se serviu de várias fontes imigrantes. Algumas foram mantidas e preservadas pela memória de pioneiros, livros e pela própria história da cidade. Outras foram esquecidas.

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O historiador João Laércio Lopes Leal lembra que a colonização de Maringá vai além dos pioneiros que vieram comprar terras ou estabelecer comércios ou negócios na cidade recémcriada. Os nordestinos eram numerosos e deram grande contribuição na formação de Maringá. Vinham abrir picadas, trabalhavam nas lavouras, eram furadores de poço, operários de construção de casas, carregadores de sacos de café. Muitos pioneiros vieram também de outras cidades do Estado, principalmente do Norte Velho. O primeiro prefeito, Inocente Villanova (1953 a 1956), era paranaense. De acordo com Leal, a maioria dos primeiros homens que aqui chegaram foi embora. Apenas uma minoria acreditou no projeto e progrediu. Os outros foram atrás de novas fronteiras de expansão. Nascido em Minas Gerais, o carpinteiro Izaltino Machado desembarcou no povoado em 1944. Sua impressão inicial era de que se tratava de uma “boca de sertão”: o Maringá Velho tinha uma avenida principal e várias Construção da Capela ruas adjacentes, tudo de barro, cercado por uma floresta. Ele Santa Cruz, em 1945 começou a trabalhar na Companhia em 1946 para exercer seu ofício. Além de construir centenas de casas, Machado participou da construção da capela Santa Cruz em 1945, estação rodoviária na praça Napoleão Moreira da Silva, Santa Casa de Misericórdia e tantas outras. Com o tempo, percebeu que melhor negócio seria comprar os terrenos da companhia, construir as casas e vender por conta própria. Ainda em 1947 os japoneses fundariam sua associação. Era um local onde podiam reunir-se para assimilar os costumes locais e manter a cultura do Japão. O fotógrafo Kenji Ueta veio para a cidade em 1951, com seus irmãos Yukio e Luiz Tetsuaki, para trabalhar com fotografia. Ele À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A

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encontrou uma cidade que, na época, praticamente não tinha nada. Vindo de Fukushima, leste do Japão, em 1933, Ueta trabalhou na lavoura e como tintureiro antes de se estabelecer como fotógrafo. Ele conta que a cidade crescia muito depressa, mas existiam poucas opções de diversão. Também havia o problema da falta de luz e água encanada. Em alguns casos, o idioma era um obstáculo. Outra dificuldade era a falta de vegetais, um dos ingredientes principais da culinária japonesa. Basicamente a alimentação era de enlatados e o japonês não estava acostumado; por isso todas as casas desses imigrantes tinham hortas. As mulheres choravam em função de tanta sujeira e queriam ir embora.

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Em 1947 chegavam Odwaldo Bueno Netto e Winifred Ethel Netto. Natural de CatanduvaSP, Odwaldo foi fundador de Colorado, no Paraná. Sua família teve participação importante na formação de Maringá, assim como em boa parte de sua história. Atuou no transporte com táxi aéreo, montou um dos primeiros cinemas da cidade e vários estabelecimentos comerciais, foi produtor de café mas a principal atividade era a compra e a venda de terras. Na noite de 27 de março de 1963, Odwaldo Bueno Netto participaria da reunião de constituição da Cooperativa de Cafeicultores de Maringá Ltda., a Cocamar, organizada por Milton Mendes, gerente do Banco do Brasil. Tornou-se o cooperado número 1. Relatou ele, certa vez: “O problema que tínhamos aqui era que haviam máquinas de beneficiamento de café que pagavam um preço muito barato. Nem todos nós tínhamos tulhas para guardar, era preciso ir entregando o café depressa. E os preços

Esquina das avenidas Brasil e Duque de Caxias 40


eram muito baixos na colheita. Por isso, fundamos uma cooperativa com uma máquina de café”. ... Quando a família Meneguetti chegou ao Paraná, proveniente de Quatá-SP, em 1946, liderada pelo casal Júlio e Angelina, não pensava em outra coisa senão concentrar todos os esforços no plantio e produção de café. Era, afinal, um trabalho que eles conheciam de longa data. A mudança para o Estado vizinho ocorreu depois que Júlio entusiasmou-se com anúncios veiculados em jornais, nos quais a Companhia de Terras Norte do Paraná oferecia aos interessados a oportunidade de comprar terras baratas em uma região que estava sendo desbravada. Exatamente onde, em 1947, seria fundado o município de Maringá. Nas mensagens publicitárias, um detalhe tornava o apelo quase irresistível: a região, de terras muito férteis, era livre de formiga saúva, praga que disseminava-se em ritmo assustador pelo interior paulista, para desânimo dos agricultores. Convencidos de que poderia estar aí a chance de proporcionar um futuro melhor para a família, Júlio e Angelina decidiram vender seus bens em Quatá e, em companhia de seus 11 filhos, todos ainda jovens, seguir de mala e cuia para o Paraná. Felizardo, um dos filhos, tinha 20 anos e chegou ao Paraná casado com Dolores, de 16. Ele lembra que, à primeira vista, Maringá era uma desolação: um pequeno amontoado de casas construídas com troncos de palmito. As ruas não passavam de caminhos ora poeirentos ora tomados de lama. E no lugar onde é hoje o centro da cidade, havia um enorme trançado de toras que nem o fogo conseguia consumir. Foi em meio a essa coivara que os Meneguetti reuniram-se em um rancho da Companhia para comprar do primeiro gerente da empresa, Basílio Sautchuk, uma propriedade próxima ao local onde no futuro seria instalado o distrito de Iguatemi. Recorda-se Felizardo que, nessa época, estavam sendo vendidos terrenos na cidade por praticamente o mesmo preço de um alqueire de terras. Quem comprava, podia parcelar a dívida a perder de vista. A família plantou 70 mil pés de café que, de 1949 a 1955, possibilitaram safras generosas. “Foram os primeiros cafezais a produzir na região”, orgulha-se Felizardo, acrescentando que a qualidade do café da família despertou a atenção de muitos sitiantes que iam até lá interessados em comprar grãos ainda em estado cereja para a produção de mudas. Ao mesmo tempo em que investiam no café, os Meneguetti acabaram enveredando, quase que por acaso, em um outro tipo de negócio: a produção de aguardente. Ainda em 1949, Alberto Seghezi, cafeicultor que era dono de área próxima às terras da família, em Iguatemi, mostrava-se desanimado com a cultura em razão dos constantes insucessos, em especial devido às geadas. Seghezi, que era funcionário da Usina de Açúcar e Álcool Bandeirantes, localizada na cidade do mesmo nome, parava pouco por aqui, mas estava decidido

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Avenida Brasil e Praça Napoleão Moreira da Silva, em meados da década de 50

a trocar o café pela cana. Em uma de suas visitas aos Meneguetti, dos quais era amigo, ele manifestou o desejo de instalar em sua propriedade um pequeno alambique. Porém, como não tinha capital suficiente, convidou a família para que entrasse de sociedade no projeto. Alberto não só passou a ter os Meneguetti como sócios, como adquiriu laços familiares ao casar-se com Terezinha, uma das filhas de Júlio e Angelina. A produção de aguardente da destilaria Santa Terezinha começou assim, ainda em 1949, depois da aquisição de equipamentos, em meio a muitas dificuldades. Como ainda não havia plantio de cana por aqui, a matéria-prima, para se ter idéia, precisava ser trazida de Bandeirantes. Da mesma forma, como a região não era servida de energia elétrica, foi preciso investir na geração própria de eletricidade. Nessas condições quase heróicas, fabricava-se 20 mil litros por dia. A administração do alambique ficou a cargo de Mauro e Hélio, outros dois filhos do casal que, assim, mostrava-se cada vez mais satisfeito e contente com a decisão de ter migrado para o Paraná. Fácil imaginar o sucesso da aguardente. Naqueles tempos remotos, toda a pinga consumida pelo enorme contingente de trabalhadores envolvido com o pesado trabalho do desmatamento, tinha que vir de São Paulo. Com a pequena indústria em operação, lembra Felizardo, filas de compradores formavam-se à porta. Tudo o que se produzia era rapidamente comercializado. 42


O alambique foi, assim, de vento em popa, tornando conhecidas duas marcas de cachaça: “Corumbatona” e “Lambari”. Aos poucos, os Meneguetti, juntamente com Seghezi, plantaram os seus canaviais e prosperaram nessa atividade, época em que o café começava a entrar em declínio. Essa pequena unidade industrial foi o embrião da Usina de Açúcar Santa Terezinha, que se tornaria o maior grupo produtor de açúcar e álcool do Sul do País.

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Três povoados, uma cidade

A A

Revista Maringá Ilustrada, de agosto de 1957, trouxe algumas curiosidades sobre os pioneiros. O primeiro escritório de contabilidade - Organização Mercúrio - foi instalado por Waldomiro Cordeiro da Silva. A primeira bicicleta que correu em Maringá foi a de Francisco Machado Homem. O Cinema Primor foi o primeiro do Maringá Velho, e quando se incendiou, no dia 2 de novembro de 1949, exibia o filme “Brutalidade”. Quando a cidade desceu para a planície, Ernesto Paiva foi o proprietário da primeira padaria, Arco-Íris. Américo Granado adquiriu o bilhete número 1 da Rede Viação

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Quando foi concebida, a área de Maringá abrangia 600 alqueires, com cerca de 5 km de comprimento, por 3 km de largura - isto já somados os 2 bosques (Parque do Ingá e Bosque dos Pioneiros), com 22 alqueires cada um. Maringá Velho, Maringá Novo e Vila Operária

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Paraná Santa Catarina, na estação de Maringá. O primeiro vagão para escoamento de safra, da RVPSC, foi requisitado por Antônio Úngaro, da Máquina Santa Mônica. O primeiro casamento realizado em Maringá, entre Deocleciano Rotta e Ângela Carniato, foi no dia 2 de julho de 1949. O primeiro trem de passageiros chegou às 12 horas do dia 31 de maio de 1954. Tinha como maquinista José Mariano, José Glade como foguista e Edgar Damiani como chefe-de-trem. Apitou, festivamente, a máquina número 608. Alfredo Martins foi o primeiro chefe-de-estação de Maringá: João Crescêncio o primeiro faxineiro; o primeiro bilheteiro da RVPSC foi José Benedito Corrêa; o telegrafista, José Rúbio; o primeiro praticante, Amândio Antônio de Sena e, o primeiro guarda-chave, Alcebíades Mileu. A Ermelindo Boso pertenceu a primeira relojoaria. Olímpio Prompt foi fundador do primeiro jornal de Maringá. A história registra o nome de Lafayete Costa Tourinho como o primeiro médico da cidade. O primeiro farmacêutico, Mário Siqueira Jardim, também primeiro delegado. Esmeraldo Leandro, além de primeiro tabelião, foi também o primeiro churrasqueiro que a cidade conheceu. A primeira bomba de gasolina de Maringá foi a de Ângelo Planas. O primeiro coletor, Onésimo Ferraz. O primeiro criminoso de Maringá foi o indivíduo alcunhado “Paraguai”, que estripou Arlindo Viana. ..... Maringá se dividiu, assim, em três povoados distintos: Maringá Velho, Maringá Novo e Vila Operária. Somente com o passar dos anos, em razão da venda dos terrenos e a expansão para os lados é que as localidades finalmente se fundiram para formar uma cidade única. Bonita no papel, pois obedecia a um planejamento, Maringá era um lugar onde a devastação do verde acabou produzindo um quadro pouco agradável de intensa insolação. Para onde se caminhasse, havia pouca sombra, pois todas as grandes árvores da floresta que ali existiu haviam sido derrubadas. Seria uma insensatez, afinal, preservar alguns poucos daqueles grandes espécimes pelas ruas da cidade. Em mata fechada, como se sabe, o enraizamento da vegetação acaba sendo apenas superficial, de maneira que árvores centenárias, preservadas isoladamente, significavam um grande risco de acidente para a população quando de tempestades e fortes ventanias. A saída encontrada pela Companhia seria implementar um projeto de arborização do lugar. Ou seja: plantar novas espécies de forma organizada pelas ruas, protegendo dessa maneira a cidade do sol escaldante, que, por muitas horas diárias esquentando a terra, produzia um mormaço quase insuportável. O único problema é que as novas espécies demorariam alguns anos para crescer e proporcionar sombreamento. “Maringá é uma jovem bonita que precisa ser vestida”, diziam, à época, os homens da companhia.

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Kenji Ueta

Abaixo, movimento com a primeira eleição de Maringá (1953)

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Acervo Annibal Bianchini da Rocha

Luiz Teixeira Mendes implantou o projeto de arborização

m 1949, a diretoria da Companhia Melhoramentos, impressionada com a devastação de extensas áreas do Norte do Paraná, decorrente de formidável rush da colonização por ela empreendida, sentiu a necessidade de criar um serviço florestal que garantisse a preservação dos recursos naturais e ao mesmo tempo fomentasse o reflorestamento e a arborização das cidades recém-criadas. Para conduzir o projeto de arborização, a empresa contrataria um especialista de grande conceito em São Paulo, o engenheiro florestal Luiz Teixeira Mendes, formado em Piracicaba, onde foi professor de botânica e silvicultura, áreas em que era especialista. Mendes havia participado da implantação, em 1905, do projeto original do Parque da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, idealizado pelo arquiteto-paisagista belga Arsenio Puttemans e inaugurado em 1907. Tal Parque, com aproximadamente 15 hectares, é ainda o único no estilo inglês de paisagismo existente no Brasil. Conserva valores naturais, tais como espécies florestais nativas e exóticas que mereçam ser perpetuados e estudados, além de ser uma grande área destinada a recreação da população. ..... Aos 68 anos, Luiz Teixeira

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Mendes estava aposentando-se da chefia do Serviço Florestal de São Paulo, órgão vinculado à Secretaria da Agricultura. Ligado por laços familiares ao diretor-gerente da empresa, Hermann Moraes Barros, o Dr. Luiz, como era chamado, passaria a vir para Maringá rotineiramente, a partir de outubro de 1949, sempre acompanhado da esposa Adélia Mattos Mendes. Nos dias em que permanecia na cidade, o casal ocupava uma casa que lhe fora cedida ao lado de outra que, anos mais tarde, seria habitada por Anníbal e Apparecida Thereza. O primeiro trabalho do Dr. Luiz foi a criação do Horto Florestal, onde seriam produzidas as mudas de árvores. Com área de 37 hectares, essa reserva conserva até hoje intacta a mata nativa original. Trata-se de um retrato vivo, de inestimável valor histórico, de como seria a região antes da chegada dos desbravadores. Ali vegetam exemplares seculares de gurucaias, cedros, marfins, alecrins, paus d'alhos, perobas, figueiras e tantos outros. A idéia da constituição do Horto não era apenas a de preservar um belo pedaço de mata junto à cidade. O objetivo da empresa era o de ir além, pois desejava também que este empreendimento fosse o núcleo inicial de um futuro instituto científico, e que fizesse escola em seu trabalho de arborização urbana. Conta o pioneiro e historiador Antenor Sanches que a criação do Horto Florestal se deve à intervenção pessoal de Hermann Moraes Barros, diretor-gerente da Companhia Melhoramentos. No final dos anos 40, o então governador Moysés Lupion, que esteve no comando do Estado entre 12 de março de 1947 a 31 de janeiro de 1951, teria entrado em entendimento com a empresa visando a instalação de uma pedreira em Maringá. O objetivo seria, certamente, contar com uma fonte de extração de pedras para suprir o rápido processo de desenvolvimento da região, sobretudo na melhoria das estradas. A pedreira, no entanto, tão logo começou a operar, promoveu estragos de tal ordem que Hermann, apreensivo, entrou em contato com o governador para informar-lhe que a mesma seria imediatamente desativada, o que aconteceu. Na seqüência, determinou que o lugar fosse preservado. A detonação de rochas teria aberto uma cratera no local que mais tarde seria inundado para a Hermann Moraes Barros formação da lagoa ali existente. Um dos motoristas da companhia naquela época, José Mauri Sibisquini, relatou que Hermann Moraes Barros costumava falar de sua especial predileção pelo Horto. Teria dito inclusive de sua vontade, após a morte e a cremação do corpo, que suas cinzas fossem esparramadas por aquele recanto. ..... Lembra Anníbal que o Dr. Luiz era um homem franzino, de estatura baixa, extremamente simpático e apaixonado pela natureza. “Não gostava, por exemplo, que removessem nem mesmo uma teia de aranha nas árvores, pois dizia que era preciso respeitar a vontade da natureza”. O engenheiro diz que foi uma felicidade para Maringá ter podido contar com o trabalho do Dr. Luiz em seus primeiros anos. Nesse sentido, elogia a visão dos dirigentes da Companhia Melhoramentos, que garantiram todo o respaldo necessário. A empresa custeou suas diárias e


Rogério Recco

A entrada do Horto Florestal “Dr. Luiz Teixeira Mendes”

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Acervo Lídia Maróstica

todas as despesas, disponibilizou a reserva florestal e a estrutura para o funcionamento do Horto, arregimentou equipe de trabalhadores destinada à produção de mudas, plantio e cuidados com as mesmas após plantadas - incluindo a construção de grades protetoras de madeira -, veículos para rega, enfim. Mais do que tudo isso, foi criado um plano completo de arborização para Maringá, acrescenta Anníbal, sendo ele próprio, na função de engenheiro agrônomo, nomeado como assistente do Dr. Luiz. Dessa forma, ambos viajaram pela região e até mesmo para outros Estados em busca de mudas e sementes destinadas à multiplicação. As primeiras mudas, de jacarandá mimoso, foram plantadas na rua Joubert de Carvalho, no centro. A partir daí, o plantio não parou. O funcionário da Companhia, Geraldo Pinheiro da Fonseca, era encarregado do plantio, cabendo a ele plantar a primeira árvore do perímetro urbano, na esquina da avenida Duque de Caxias com a rua Joubert de Carvalho, em frente ao escritório da empresa colonizadora. Mineiro de Montes Claros, onde nasceu a 7 de setembro de 1920, Geraldo Pinheiro da Fonseca desembarcou em Maringá no ano de 1946, depois de uma passagem por Londrina, para trabalhar como responsável pelo setor de topografia, demarcando os lotes que eram colocados à venda pela CMNP. Homem simples e autodidata, apreciava a leitura e trazia a experiência de ter atuado, ainda em Minas, como responsável pela produção de algodão do Grupo Guararapes, fabricante de tecidos. Como ouvia muito rádio, foi despertado pela intensa propaganda que a Companhia fazia do Norte do Paraná, cujas mensagens, lembrava ele, tinham como slogan: “Venha conhecer o Paraná e depois mande buscar a família”. Geraldo Pinheiro da Fonseca Geraldo costumava lembrar que após a chegada de Luiz Teixeira Mendes em 1949, formou-se um grande viveiro de mudas para dar início ao processo de arborização. No entanto, não se sabendo ao certo as razões, o plantio da primeira leva de árvores resultou em insucesso: quase todas morreram. Chamado em seguida para coordenar a tarefa de plantar as mudas pelas ruas, ele desempenharia seu trabalho com grande dedicação, inclusive nos finais de semana e feriados, sem que houvessem novas perdas. Recordava também que árvores tiveram que ser replantadas várias vezes pela avenida Duque de Caxias, porque quase sempre as mudas eram destruídas durante manobras de caminhões. Ele casou-se em 1955 com a mineira Eva Augusta da Fonseca, de cuja união nasceram os filhos Lídia, Eraldo e Geraldo. Em 1956, deixou a empresa para montar seu próprio viveiro. Geraldo Pinheiro da Fonseca faleceu no dia 11 de fevereiro de 1998, aos 78 anos. Entre esses pioneiros, Altino Cardoso, mineiro de Vila Brasília, desponta como o primeiro jardineiro de Maringá, tendo aqui chegado em 1948 para trabalhar inicialmente na Companhia Melhoramentos e, mais tarde, na Prefeitura Municipal. Braulino Pereira, por sua vez, foi um dos primeiros funcionários do Horto Florestal, dedicando-se a várias tarefas, inclusive à produção de mudas destinadas à arborização da cidade.


Kenji Ueta

Nas ruas, árvores de várias regiões do País

Avenida Getúlio Vargas, 1954

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conjunto de espécies que formaria a grande massa verde de Maringá teria origens diversas. A grevílea robusta, por exemplo, hoje presente em avenidas e parques, foi trazida da sede do Serviço Florestal de São Paulo, localizado na Serra da Cantareira, que por muito tempo estivera sob a chefia do Dr. Luiz. De Campinas vieram, originariamente, as sementes e mudas de flamboyants, sibipirunas, tipuanas, pau-ferro e tantas outras, abundantes atualmente por toda a cidade. Como não poderia deixar de ser, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, através da seção de Horticultura, também À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A

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contribuiria, fornecendo exemplares de palmeiras e também das tamareiras que hoje ornamentam algumas avenidas centrais. Por outro lado, a introdução de certas espécies foi possível colhendo sementes na mata. É o caso do ipê-roxo, que despertava o especial interesse do engenheiro Anníbal. Sempre que tinha uma visão panorâmica da floresta, em particular na região que era conhecida como Serrinha do Camargo (hoje o município de Doutor Camargo, perto de Maringá), observava ele com incontida admiração que, em muitos pontos, salpicados, o ipê se manifestava com toda a sua majestade. Graças ao trabalho de mateiros destemidos como Antonio Dálio Azevedo, habituados à rusticidade da vida no sertão, foi possível alcançar muitos desses ipês, escalá-los e colher as cobiçadas sementes. Hoje, essa espécie viceja, principalmente, na Avenida Brasil, a mais importante da cidade. Da Região Sul do Paraná e também de Santa Catarina, Maringá recebeu mudas de bromélias, orquídeas e outras plantas ornamentais. Segundo o engenheiro Anníbal, o plano de arborização teve por objetivo o plantio de espécies que fossem as mais adequadas possíveis, visando o embelezamento, a boa qualidade de vida dos cidadãos e também para que, como resultado final, a cidade fizesse escola, servindo de modelo para outras. Bem sucedido, o plano de arborização não demorou a chamar a atenção dos administradores públicos de vários municípios. Certa ocasião, na década de 60, Anníbal recebeu a visita em sua casa do secretário municipal de Londrina, Adriano Valente - que no futuro viria a ser prefeito de Maringá - que o procurara a pedido do então prefeito daquela cidade, Milton Menezes, interessado na formação de um horto florestal, o que viria a acontecer em seguida. Cidades como Cianorte, Umuarama, Nova Esperança, Cruzeiro do Sul, Mandaguaçu, Paranacity, Colorado e Jussara, entre outras, todas no Paraná, também foram inspiradas no projeto maringaense para arborizar suas vias e parques. A fama de Maringá extrapolaria as divisas do Estado: durante o governo de Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro, a arborização do aprazível Parque do Flamengo contaria com uma especial deferência da verdejante cidade paranaense, que, solicitada, cederia um lote de 200 mudas de sibipirunas para compor sua vegetação. Editado em 1992, o livro “Árvores Brasileiras”, um manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil, de autoria do estudioso Harri Lorenzi, cita que o plantio de espécies nativas em ruas, avenidas parques e praças públicas ainda é prática insignificante no País, a despeito da riqueza da flora brasileira, o que ocorre exclusivamente por desconhecimento das nossas espécies. Desde o início da colonização foram trazidas de outros países as espécies para arborizar ruas e praças. Esse fato foi um dos responsáveis pela quase extinção de muitas variedades de pássaros

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devido a não adaptação ao consumo dos frutos das árvores exóticas. Das nativas, apenas algumas variedades de ipês, a sibipiruna, o oiti e o coqueiro-jerivá são relativamente plantadas nas áreas urbanas. Acredita-se, pois, que mais de 80% das árvores cultivadas nas ruas das cidades brasileiras são da flora exótica. Evidentemente, nem todas as espécies de árvores da flora nacional prestam-se para o plantio com essa finalidade. Muitas apresentam porte demasiadamente alto ou raízes volumosas, enquanto outras possuem frutos enormes ou quebram galhos facilmente com o vento, oferecendo risco à população. A grande maioria, entretanto, pode ser plantada em praças, parques e grandes avenidas. Entre as principais espécies cultivadas nas vias públicas de Maringá, encontram-se sibipirunas, tipuanas, alecrins, jacarandá mimoso, diferentes variedades de ipês, flamboyant, grevílea robusta, figueiras brancas, bougainvilleas, palmeiras, tamareiras, rebelines, coqueirosanão, coqueiros nativos, ficus elástica, pau-ferro, canelinha-cheirosa e pata-de-vaca.

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O dedicado assistente assumiu a empreitada

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onvivendo diretamente com o Dr. Luiz, o engenheiro Anníbal foi aprendendo tudo, rapidamente, na prática. Acumulando conhecimentos que não encontraria em livros ou em sala de aula. A oportunidade de trabalhar por alguns anos com um profissional de tamanha experiência significaria, para ele, um precioso aprendizado. Não era apenas um chefe: o Dr. Luiz foi também um mestre e grande amigo. E sem que Anníbal se desse conta, estava sendo preparado para conduzir o ambicioso projeto de arborização da cidade.

A idade avançada e alguns problemas de saúde, afinal, impediam que o Dr. Luiz permanecesse por muito tempo em Maringá. Em sua ausência, confiava o trabalho ao dedicado assistente. Anníbal muito o admirava. Era um profundo conhecedor da natureza e também um homem despojado, modesto, de personalidade simples, apaixonado pelo que fazia. Quando instado a falar sobre arborização, costumava incluir na conversa uma frase, sempre repetida: “Os homens passam, as árvores ficam”.

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ago arc oL Art eM

Em 1954, o momento de afastar-se de vez. O coração do Dr. Luiz, merecedor de maiores cuidados, havia dado um alerta. Com isso, o engenheiro não mais retornaria. Cumprira sua missão, com a tranqüilidade de ter feito um sucessor à altura. Em 12 de julho de 1957, a cidade que ajudou a ter mais vida e beleza entristecia com a notícia de sua morte, aos 74 anos. Para homenageá-lo, foi dada a denominação, Dr. Luiz Teixeira Mendes, a uma importante avenida, que não poderia ser outra senão a que conduz ao Horto Florestal, reserva, aliás, que também herdou o nome do saudoso engenheiro. Mendes, nascido em 7 de dezembro de 1883, foi enterrado em Piracicaba, no cemitério da Saudade, onde já estava sepultado o filho Cyro, morto aos 26 anos. Em 25 de julho de 1967, o jazigo seria compartilhado com a sua Adélia, falecida aos 81 anos.

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A chegada da primeira composição ferroviária, em 31 de março de 1954

Uma cidade em efervescência

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s anos 50 foram especialmente interessantes para a jovem cidade, que crescia de forma muito rápida. Em 1954, fato de especial relevância foi a chegada, em clima dos mais festivos, da primeira composição ferroviária, puxada pela “Maria Fumaça”, locomotiva que hoje pode ser vista como relíquia no interior no Parque do Ingá. O primeiro trem de passageiros chegou às 12 horas do dia 31 de março.

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Em 24 de março de 1957, com apenas 9 anos, Maringá tornava-se sede de bispado, assumindo as funções de primeiro bispo, dom Jaime Luiz Coelho, vindo de Ribeirão Preto, que cumpriria sua missão episcopal por 40 anos. Acima, a antiga Igreja Nossa Senhora da Glória. Ao lado, exemplar da publicação Norte do Paraná em Revista, de setembro de 1958, com uma projeção da moderna Catedral de Maringá, idealizada pelo arquiteto José Antônio Belucci.

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Em 1956, a Companhia Melhoramentos fazia inaugurar o Grande Hotel - atual Maringá Bandeirantes Hotel -, passando a oferecer, assim, condições mais confortáveis de acomodação aos que chegavam. Aliás, a existência desse hotel possibilitaria a realização de dois grandes eventos que ficariam marcados naqueles primeiros anos do município: em 1957, um congresso internacional de geografia, que trouxe à cidade vários especialistas e convidados de renome; o segundo, em maio de 1958, o Festival Nacional de Cinema, organizado por Renato Celidônio e com a presença de alguns dos mais importantes cineastas e atores da época.

Detalhe da futura praça José Bonifácio, com o Posto Maluf à esquerda Outro fato a merecer especial destaque nos anos 50 foi o grande movimento que registrava o Posto Maluf, construído no início daquela década por Alfredo Maluf, ele mais um paulista vindo de Ribeirão Preto. Era, simplesmente, até então, o que mais vendia combustíveis na América Latina. O posto retratava a odisséia da região: ficava na saída da cidade em direção ao “Maringá Velho”, de onde se partia para vários outros municípios que iam sendo fundados pela Companhia, entre eles Cianorte e Umuarama. Surpresa, a companhia Esso chegou a enviar, por várias vezes, emissários para ver de perto esse fenômeno em Maringá. .....

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Anúncios veiculados nas revistas Maringá Ilustrada (1957) e Norte do Paraná em Revista (1958)

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A praça Napoleão Moreira da Silva, no centro de Maringá, era um bosque de essências nativas mantida pela Companhia Melhoramentos. Segundo Anníbal Bianchini, entre as espécies estavam perobas, gurucaias e outras, mas o bosque teve vida curta. Isto porque o segundo prefeito de Maringá, Américo Dias Ferraz (1957-1960) brigou com a companhia e, como vingança, mandou derrubar todas as árvores nativas. A empresa então construiu a praça, ajardinou, arborizou e a entregou para a cidade durante o primeiro governo de João Paulino Vieira Filho, que sucedera Américo Dias na prefeitura.

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Acervo de família

..... O poeta Ary de Lima (ao lado), mineiro de São Sebastião do Paraíso, onde nasceu a 27 de setembro de 1914 e de onde mudou-se em 1953 para Maringá com o objetivo de gerenciar o Banco Mineiro da Produção, tendo sido vereador e deputado federal, escreveu a letra do Hino à Maringá. A música é de autoria do italiano Aniceto Matti, um maestro que, em 1948, pouco tempo depois de chegar ao Brasil, vendeu seu piano e seguiu rumo à Argentina, onde pretendia fixar-se. Em 1953, no entanto, apareceu em Londrina para conhecer o cultivo de café e acabou sendo trazido para Maringá. Na cidade, fez amizade com Joaquim Dutra, que o empregou na Rádio Cultura, e com o professor Geraldo Altoé, através do qual passou a dar aulas de educação artística no Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal.

HINO À MARINGÁ Música: Aniceto Matti Letra: Ary de Lima Quem te avista, nos dias de agora, Acenando ao porvir da esperança, Adivinha a floresta de outrora Que embalou tua vida criança. Há em ti a grandeza imponente De um passado que exemplos nos dá: Se és glória da Pátria contente, És orgulho do teu Paraná. Estribilho: Linda flor, a mais gentil, Do Norte do Paraná, (bis) És orgulho do Brasil, Nossa amada Maringá. O teu vulto traduz a mensagem De teu passado coberto de glória, Arrancando à floresta selvagem Para eterno viver na história. Um poema de luz para o mundo O teu nome sublime será, E de nosso afeto profundo Sempre filha serás, Maringá. Estribilho: Linda flor, a mais gentil, Do Norte do Paraná, (bis) És orgulho do Brasil, Nossa amada Maringá. Teu encanto de hoje é retrato Das belezas que Deus espalhou Como bênçãos do céu sobre o mato Que a tua grandeza enfeitou. A poesia de todos os ninhos, É uma luz que acende fulgores, Clareando teus novos caminhos. Estribilho: Linda flor, a mais gentil, Do Norte do Paraná, (bis) És orgulho do Brasil, Nossa amada Maringá.

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Marly Aires

Outro filho de São Sebastião do Paraíso, Reynaldo Costa, que aqui chegou aos 15 anos com a família entre 1950/51, acompanhando os pais Alfredo e Dolores e 11 irmãos, também perpetuaria seu nome na história da cidade. Desenhista e estudioso de heráldica, no começo dos anos 60, durante a primeira gestão do prefeito João Paulino Vieira Filho, ele idealizaria o brasão e a bandeira de Maringá. No brasão foram representados a Companhia de Terras, a lira (simbolizando a música que deu origem ao nome da cidade), o machado, primeira ferramenta a ser usada pelos desbravadores, o Cruzeiro do Sul (referência à brasilidade) e o campo vermelho, lembrando a bravura e a intrepidez dos pioneiros. Da mesma forma, as três cores da bandeira têm seus significados. O branco representa a paz que marcou o desbravamento da região; o amarelo, a riqueza gerada pelo trabalho nas lavouras e, o vermelho, o espírito impetuoso e realizador dos que aqui chegaram em tempos tão difíceis.

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Anníbal, cafeicultor

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Norte do Paraná fascinara o jovem engenheiro Anníbal desde a primeira vez em que o visitou, em 1949, interessado em terras para comprar e começar a vida de cafeicultor. Embora sem a necessária experiência para enfrentar na prática esse desafio, havia sido ele preparado por uma das melhores faculdades de Agronomia do País. Confiante, encorajou-se a aplicar todo o dinheiro que possuía - e a endividar-se - na compra de uma propriedade em região que não conhecia, acreditando na seriedade dos homens da Companhia. Nascia ali a Fazenda Santa Júlia que, em 1950, receberia as primeiras 32 mil mudas de café. Três anos mais tarde, com o cafezal ainda em formação, a lavoura seria atingida seriamente por uma geada, fenômeno climático que se opunha à determinação dos pioneiros, constituindo sério obstáculo. Não raro, a adversidade destruía, da noite para o dia, todo um cafezal. Abatido, mas sem desanimar, Anníbal investiu na recuperação do café que, em 1955, seria quase que inteiramente prejudicado por outra geada, bem mais severa que a anterior.

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Cia Melhoramentos

Só em 1958, sem nunca ter deixado de acreditar na atividade, é que o engenheiro conseguiu, enfim, colher sua primeira safra. Valeu a pena: com o passar dos anos, graças aos rendimentos obtidos com o café, a propriedade foi sendo estruturada e ampliada, pertencendo até hoje à família. Chegou a 264 alqueires paulistas, sendo considerada por vários anos uma das referências em cafeicultura no Norte do Paraná, produzindo grandes volumes, cuja colheita absorvia um enorme contingente de trabalhadores. Nos tempos áureos, contava com 15 famílias para esse trabalho. ..... No amanhecer de 18 de julho de 1975, uma das geadas mais intensas do século reduziu a zero a área cultivada com café no Estado. Em escala maior, o próprio Paraná nunca mais foi o mesmo. Aquela manhã fria, aliada a outros fatos ocorridos na mesma época, disparou uma série de transformações econômicas e demográficas que fizeram do Estado o que ele é hoje. As estatísticas dão uma dimensão grandiosa dos eventos daquele dia. Na safra de 1975, cuja colheita já havia sido encerrada antes da

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geada, o Paraná havia colhido 10,2 milhões de sacas de café, 48% da produção brasileira. Era o maior centro mundial dessa cultura e tinha uma produtividade superior à média nacional. No ano seguinte, a produção foi de 3,8 mil sacas. Nenhum grão chegou a ser exportado e a participação paranaense caiu para 0,1%. Nos dias seguintes já começou a consolidar-se uma idéia de que o estrago seria duradouro. O governador Jayme Canet Júnior anunciava que o orçamento do Estado seria reduzido em 20% no ano seguinte. O prognóstico dos especialistas era de que o prejuízo chegaria a CR$ 600 milhões (o equivalente, pela cotação da época, a US$ 75 milhões), apenas nas lavouras de café. Outras culturas, como o trigo, também sofreram perdas importantes, de mais de 50%. Mas era o café que sustentava a economia do Paraná naquela época – uma situação que mudaria logo em seguida, já que os cafeicultores nunca mais se recuperariam desse impacto. Em muitas regiões, os cafezais perderam lugar para as lavouras mecanizadas, o que provocou, de uma hora para outra, o desemprego de centenas de milhares de pessoas, que se transferiram para os centros urbanos do Paraná e outros Estados, fenômeno que causou o esvaziamento de inúmeras cidades. A geada negra de 1975 foi um daqueles raros momentos em que um único fato é capaz de precipitar mudanças históricas. Difícil imaginar como seria o Paraná hoje se a geada não tivesse ocorrido. Com a decadência do café no início dos anos 90, fenômeno que registrou-se em todas as regiões produtoras do Estado, a cultura foi perdendo espaço para outras explorações. A trajetória do engenheiro Anníbal, como proprietário rural e agricultor, tem muito a ver com a de inúmeros outros homens que, um dia, decidiram apostar no Paraná. As histórias guardam semelhança. Quem soube trabalhar e aproveitar a oportunidade, fez da região um ótimo lugar para se viver e ganhar a vida. Flamma

Café ressequido pela geada de 1975: grande impacto econômico e social

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Administração pública assume a arborização

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uito embora Maringá tivesse, como qualquer outro município, uma administração pública, por vários anos coube à Companhia Melhoramentos a tarefa de plantar as árvores nas vias públicas e levar adiante o plano de arborização. Somente na administração do prefeito João Paulino Vieira Filho, entre 1961 e 1964, é que a empresa, finalmente, desincumbiu-se dessa atribuição que, com o tempo, tornara-se muito grande. A cidade, afinal, já era considerada um centro regional importante, com uma população ao redor de 100 mil habitantes. “Estava ficando muito difícil para a Companhia manter esse serviço e nada mais justo e natural que passasse para o município”, explicou Anníbal. Afinal, diante do rápido crescimento urbano, com a constante abertura de novas ruas, já não fazia sentido que esse trabalho continuasse sendo executado pela empresa colonizadora, cuja principal finalidade, a comercialização de lotes urbanos e áreas agrícolas, a esta altura, começava a diminuir. Na realidade, esgotaram-se primeiramente as vendas de propriedades destinadas à exploração agrícola, sendo que a venda de terrenos urbanos perduraria até a década de 80.

Portanto, quando o plano de arborização foi transferido ao poder público, tudo estava em dia, rigorosamente funcionando. Árvores plantadas e bem cuidadas em todas as ruas, avenidas e praças, e um horto florestal dotado de estrutura física adequada e equipe técnica que atuava na produção e no fornecimento de milhares de novas mudas de diferentes espécies a cada ano.

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De 'jardineiro' a secretário de Estado

Cia Melhoramentos

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nníbal deixaria o comando do plano de arborização de Maringá para assumir em 1978 as funções de diretor da Companhia Melhoramentos na cidade e ter mais tempo para dedicar-se à sua fazenda de café em Uniflor. Até 1972 colaborara diretamente com o poder público, atuando como um consultor e participando da implantação do Parque do Ingá, inaugurado naquele ano. Jamais, no entanto, deixaria de preocupar-se com os rumos da arborização da cidade, oferecendo sugestões, proferindo palestras e mesmo fazendo críticas quando necessário, mantendo seu nome, portanto, sempre associado a esse assunto.

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Anníbal se transformaria naturalmente em uma sólida e respeitável liderança em Maringá. De junho de 1965 a fevereiro de 1966, ao final do primeiro mandato do governador Ney Braga, atendeu convite do mesmo para assumir o cargo de secretário de Estado da Agricultura em substituição a Paulo Cruz Pimentel, que deixara a função com o objetivo de disputar as eleições para o governo do Estado, vencidas por ele. No início de 1966, tornou-se o primeiro presidente da Cooperativa de Laticínios de Maringá Ltda (Colmar), resultado de sugestão do então gerente do Banco do Brasil de Maringá, Milton Mendes; foi também o primeiro presidente da Santa Casa de Misericórdia de Maringá; integrou a diretoria da Sociedade Rural de Maringá, fez parte do conselho de administração de outra cooperativa local, a Cocamar, e dos conselhos consultivos do Instituto Brasileiro do Café (IBC) e do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar). Em 1982, disputou a eleição para a Prefeitura de Maringá. Procurado por lideranças como João Paulino Vieira Filho, o então bispo diocesano dom Jaime Luiz Coelho e o ex-governador Ney Braga, Anníbal aceitou ser candidato pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido que contava com outros dois pretendentes, Antonio Facci e Ademar Schiavone, concorrendo com Said Felício Ferreira e Horácio Racanello Filho, ambos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Foi o terceiro mais votado. Em sua campanha, utilizou como símbolo o ipêroxo, distribuindo cerca de 100 mil mudas a eleitores do município. No final dos anos sessenta, assumiu a presidência do Sindicato Rural, sendo reeleito por várias gestões e deixando essa função em 2004. No mês de junho de 2003, através de proposição do deputado Ricardo Maia, recebeu em Curitiba, na Assembléia Legislativa, o título de Cidadão Benemérito do Paraná, viabilizado, também, graças ao empenho da deputada Cida Borghetti. Aliás, como não poderia deixar de ser, desde 1965 é também Cidadão Benemérito de Maringá, honraria concedida a pedido do então vereador Silvio Magalhães Barros no período em que Mário Clapier Urbinatti presidia o Legislativo.

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O jornalista Luiz Carlos Rizzo, assessor de Anníbal Bianchini nos tempos de Sindicato Rural de Maringá e seu amigo de muitos anos, o descreve como um homem de muita sensibilidade.

Esse Bianchini...

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em pessoas na vida que a gente gosta de graça. Você não precisa conhecê-la e nem com ela conviver mais de perto para nutrir simpatia, respeito e carinho, tendo-a como referencial em diversas áreas. Agora, quando esta pessoa se aproxima mais de você, então esta afirmação se consolida.

Dentre muitas pessoas com as quais convivo – e me toleram -, está Annibal Bianchini da Rocha, que, do alto de sua vida extremamente produtiva, é exemplo de luta, fé cristã, determinação e coragem para enfrentar novos desafios. Não importa o tamanho. Quem o conhece, ainda que superficialmente, sabe disto. Rogério Recco

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O marido de dona Cida e pai de Antônio Carlos, Júlio, Carmem e Annibal Azevedo e avô de um punhado de netos nunca abriu mão de um traço de sua personalidade: no caráter, na conduta, no estilo, em todas as coisas, a simplicidade é a sua maior virtude. Ele é assim mesmo. Afável, culto, tolerante, sabe compartilhar seus conhecimentos. Quem vê a Maringá de hoje talvez desconheça que o projeto de arborização reflete os seus ideais de vida: respeito absoluto ao meio ambiente. Afinal, conforme costuma dizer, o solo é a base de tudo. E sobre o solo há que se ter o verde preservado, lógico. Bianchini está convicto: a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás. Mas, só pode ser vivida olhando-se para a frente. Tal como o filósofo Plutarco, este personagem – uma verdadeira reserva moral e ética de Maringá e do Paraná – reconhece: é preciso viver, não apenas existir. Mais do que uma frase filosófica, uma lição de vida que emana de Bianchini. Engenheiro agrônomo, ele se orgulha de ter apenas um registro em sua carteira de trabalho. Foi na Companhia Melhoramentos Norte do Paraná que exerceu sua profissão por mais de 50 anos. E, por mais de 30 anos, foi presidente do Sindicato Rural de Maringá. Muito bom conhecer Bianchini. A gente aprende, tal como o filósofo grego Aristóteles, que a grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las. É apenas com o coração que se pode ver direito; o essencial é invisível aos olhos. A exemplo de Antoine de Saint-Exupéry, Bianchini – pessoa extremamente sensível – vai às lágrimas facilmente ao falar das coisas que lhe são mais caras: seus familiares e amigos. Com o semblante sereno da missão cumprida, quem o procura sempre encontra um conselho marcado pela sabedoria de vida e serenidade. Assim como o apóstolo Paulo, Annibal Bianchini da Rocha pode dizer sem medo de errar: “Combati o bom combate. Guardei a minha fé!”. Eis aí uma receita infalível de uma vida voltada para o bem e que só assim vale a pena ser vivida.

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Agradeço todos os dias ao Criador pela oportunidade de ter participado do projeto de arborização, que começou com o Dr. Luiz Teixeira Mendes, do qual fui assistente. Portanto, participei praticamente desde o início, quando ainda havia tudo por fazer. Considero-me um privilegiado. .....

Quando ando pelas ruas, fico olhando para as portentosas árvores, como as figueiras brancas da Avenida Dr. Luiz Teixeira Mendes. Elas, como muitas outras, são do meu tempo. Conheço sua história. Emociona-me, também, toda vez que as diversas espécies ficam floridas. É como uma saudação. Em 2001, os ipês-roxos da Avenida Brasil tiveram uma das mais bonitas floradas de todos os tempos, até mandei fazer um quadro. .....

Não diria que a colonização do Norte do Paraná tenha Valdir Carniel

sido melhor que em outras regiões, mas, definitivamente, os ingleses conduziram o projeto dentro da maior seriedade possível, e isto foi importante. Um exemplo: jamais alguém ouviu falar de problema com terras, e olhe que, no começo, eram 515 mil alqueires paulistas. Quando alguém adquiria lotes da Companhia, ficava tranqüilo. Da mesma

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forma, as cidades foram projetadas a partir de um planejamento inicial. Com o tempo, obviamente, e o rápido processo de desenvolvimento, ocorreram inevitáveis mudanças. .....

Por que a opção pela sibipiruna? Por ser uma espécie que, ao contrário das outras, cresce rapidamente e proporciona sombreamento com dois anos e meio a três anos. Quando iniciamos o plano de arborização, era preciso que se tivesse sombra logo. Não poderíamos plantar uma árvore que demorasse sete, oito, dez anos para crescer. .....

É preciso não apenas ir fazendo a reposição de árvores mortas, mas seguir o que manda a natureza. Entender, por exemplo, que elas têm um ciclo de vida, médio, de 50 anos, e grande parte do arvoredo da cidade já tem ou ultrapassou essa idade. Temos pela cidade toda, muitos espaços vazios. Necessário se faz dar tratamento adequado à conservação e à expansão do verde. Se a reposição não for feita à risca, as falhas logo começarão a ser percebidas. Somando a arborização de praças e reservas florestais, Maringá oferece 26 metros quadrados de área verde por habitante. Mas este patrimônio corre o risco de minguar se o poder público não der a devida atenção. .....

Depois que a Companhia transferiu o plano de arborização ao poder público, diria que por alguns anos esse trabalho foi acontecendo nos moldes do que havia sido estabelecido pela Companhia. Mas, aos poucos, foi perdendo sua essência, até acabar. Hoje, infelizmente, Maringá não conta mais com um plano de arborização como antes. Vemos que até mesmo o Horto Florestal, onde antigamente eram produzidas as mudas, encontra-se relegado ao abandono e, desprotegido, está sendo destruído pela erosão. .....

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O poder público precisa priorizar o diferencial que representa o verde para Maringá. É a marca registrada da cidade. Não podemos permitir que isto deixe de ser importante para os maringaenses. É triste quando vemos, por exemplo, árvores sendo drasticamente mutiladas por causa da rede elétrica, o que acontece todo dia pela cidade. Faz-se necessário criar um organismo que valorize e proteja a arborização e até, quem sabe, resgatar o plano nos moldes do que havia antigamente. Sei que instituições de ensino como o Cesumar estão preocupados com isto e falam até em criar a Fundação da Árvore. Talvez isto seja um sinal de reação da sociedade. .....

Maringá é uma cidade arborizada, mas a cobertura florestal no município e região à volta, atingindo apenas 7% da área, é considerada insignificante. Vejo isto com muita preocupação. Houve uma grande devastação em nome da exploração agrícola e até mesmo as matas ciliares acabaram. Com isso, todo o meio ambiente é prejudicado. Sabemos que rios como o Pirapó estão ameaçados e, se nada for feito, o próprio abastecimento de Maringá estará comprometido em poucos anos.

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Acervo Sindicato Rural de Maringá

1 - Na Assembléia Legislativa, em junho de 2003, com a família, ao receber o título de Cidadão Honorário do Paraná. 2 - Na mesma oportunidade, ao lado do vice-governador Orlando Pessuti. 3 - Com o companheiro Ágide Meneguette, presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP). 4 - Recebendo a visita do ministro do Superior Tribunal do Trabalho (STT), Almir Pazianotto.

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5 - Annibal presidiu o Sindicato Rural de Maringá por mais de 30 anos. 6 - A certificação ISO foi uma importante conquista para a entidade. 7 - O casal Annibal e Apparecida com o secretário executivo do sindicato, Valdecir Mocwa. 8 - Após ter deixado a presidência, na inauguração da sala de treinamento que empresta seu nome, na mesma entidade, ao lado dos dirigentes Marco Bruschi Neto, José Antonio Borghi (presidente) e Antônio Gomes Neto.

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ipe vista de cima

PARTE 2 - SITUAÇÃO ATUAL

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Árvores e ambiente: quadro preocupante

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ob a coordenação do engenheiro florestal André César Furlaneto Sampaio, o Centro Universitário de Maringá (Cesumar), com apoio das empresas Gelita do Brasil, Transportes Coletivos Cidade Canção (TCCC) e Companhia de Energia Elétrica do Paraná (COPEL), deu início no dia 1° de março de 2004 ao Projeto Árvore, originado em tese de mestrado desenvolvida pelo mesmo, na Universidade Estadual de Maringá (UEM). O objetivo, realizar um inventário quali-quantitativo total da arborização das vias públicas para o estabelecimento de um sistema de informações geográficas. Através de trabalho executado por dez equipes formadas por duplas de alunos do curso de Ciências Biológicas do Cesumar, foram catalogadas e examinadas espécies cultivadas na área urbana do município. O Projeto Árvore finalizou oficialmente a coleta de dados no dia 30 de agosto de 2005, atingindo 72,55% da área efetiva de Maringá. Porém, estima-se que tenham sido cadastradas 85% das árvores de vias públicas, sendo que as restantes 15% serão analisadas por estatística. Uma análise parcial foi feita em várias zonas de Maringá e chegou-se, por exemplo, à relação de todas as espécies arbóreas encontradas, bem como as condições gerais das mesmas.

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NOME POPULAR ARITICUM PINHA PINHEIRO DO PARANÁ ARAUCÁRIA JACA PEROBA GUARITÁ PATA DE VACA 2 PATA DE VACA PRIMAVERA PAU FERRO PAU BRASIL SIBIPIRUNA FLOR DE PAVÃO CALISTEMUM CALIANDRA MAMOEIRO CHUVA DE OURO 2 CHUVA DE OURO CEDRO DAMA DA NOITE TUIA PAINEIRA LARANJEIRA LIMOEIRO MEXERÍCA PALHETEIRA COQUEIRO SOBRASIL LOURO PARDO CEDRINHO FLAMBOYANT CAQUI DRACENA PITANGUEIRA TIMBAÚVA AMEIXA EUCALÍPTUS FICUS FIGUEIRA PAU D´ALHO GREVÍLEA HIBISCOS ALECRIM UVA DO JAPÃO JATOBÁ INGÁ JACARANDÁ JACARANDÁ 2 EXTREMOSA PALMEIRA DE LAQUE

NOME CIENTÍFICO Annona sp. Annona sp. Araucaria angustifolia Araucaria sp. Artocarpus beterophyllus Lam. Aspidosperma polyneuron Astronium graviolens Bauhinia sp Bauhinia sp. Bouganvillea glabra Caesalpinea ferrea Caesalpinia echinata Lam. Caesalpinia peltophoroides Caesalpinia pulcherrima Calistemum sp Calliandra sp. Carica sp. Cassia ferruginea Cassia fistula Cedrela fissilis Cestrum sp. Chamaecyparis sp. Chorisia speciosa Citrus sp. Citrus sp. Citrus sp. Clitoria fairchildiana Howard. Cocos nucifera Colobrina glandulosa Cordia trichotoma Cupressus sp. Delonix regia Diospyros kaki Dracaena sp. Engenia uniflora Enterolobium contortisiliquum Eryobotria japonica Lindl. Eucaliptus sp. Ficus benjamina Ficus sp. Gallesia integrifolia Grevillea robusta Hibiscus sp. Holocalix balansae Hovenia dulcis Hymenaea courbaril Inga sp. Jacaranda cuspidifolia Jacaranda sp Lagerstroemia indica Latania lontaroides

PROCEDÊNCIA Exótica Exótica Nativa Exótica Exótica Nativa Nativa Exótica Exótica Nativa Nativa Nativa Nativa Nativa Exótica Nativa Nativa Nativa Exótica Nativa Exótica Exótica Nativa Exótica Exótica Exótica Nativa Nativa Nativa Nativa Exótica Exótica Exótica Exótica Nativa Nativa Exótica Exótica Exótica Nativa Nativa Exótica Exótica Nativa Exótica Nativa Nativa Nativa Nativa Exótica Exótica

NOME POPULAR

52 LEUCENA 53 OITI 54 LIGUSTRUM 55 PALMEIRA DE LEQUE 56 SAPUVA 57 MANGUEIRA 58 CINAMOMO 59 MAGNÓLIA 60 AMOREIRA 61 FALSA MURTA 62 JABOTICABEIRA 63 CANELINHA 64 ESPIRRADEIRA 65 CASTANHA DO BREJO 66 GURUCAIA 67 KIRI 68 CANAFÍSTULA 69 ABACATEIRO 70 TAMAREIRA 71 PINUS 72 JASMIM MANGA 73 ÁLAMO 74 CEREJEIRA 75 PESSEGUEIRO 76 GOIABEIRA 77 ARAÇÁ 78 ROMÃ 79 MAMONA 80 PALMEIRA IMPERIAL 81 AROEIRA CHORÃO 82 AROEIRA PIMENTA 83 GUAPURUVU 84 SÃO JOÃO 85 MANDURIANA 86 PAU CIGARRA 87 JURUBEBA 88 BISNAGUEIRA 89 CIRIGUELA 90 CAJAMANGA 91 JAMBOLÃO 92 IPÊ AMARELO 93 IPÊ ROXO 94 IPÊ BRANCO 95 IPÊ 2 96 IPÊ VINHOTO 97 PITOMBA 98 TAMARINDUS 99 CHAPÉU DE SOL 100 QUARESMEIRA 101 QUARESMEIRA 2 102 TIPUANA Fonte : Projeto Árvore

NOME CIENTÍFICO Leucena leucocephala Licania tomentosa Ligustrum lucidum Livistona Benthamii Machaerium stiptatum Mangifera indica Melia azedarach Michelia champaca Morus nigra Murraya paniculata (L.) Jacq. Myrciaria cauliflora (Mart.) O. Berg Nectandra sp. Nerium oleander Pachira aquatica Aubl. Parapiptadenia rigida Paulownia sp. Peltophorum dubium Persia gratissima Phoenix dactylifera Pinus sp. Plumeria rubra Populus nigra Prunus sp. Prunus sp. Psidium guajava Psidium sp. Punica granatum Ricinus sp. Roystonea oleracea Schinus molle Schinus terebinthifolius Schizolobium parahiba Senna spectabilis Senna macranthera Senna multijuga Solanum sp. Spathodea campanulata Spondias purpurea Spondias sp. Syzygium sp. Tabebuia chrysotricha Tabebuia avellanedae Tabebuia róseo-alba Tabebuia sp. Tabebuia sp. Talisia esculenta Tamarindus indica Terminalia catappa Tibouchina granulosa Tibouchina sp Tipuana tipu

PROCEDÊNCIA Exótica Nativa Exótica Exótica Nativa Exótica Exótica Exótica Exótica Exótica Exótica Nativa Exótica Nativa Nativa Exótica Nativa Exótica Exótica Exótica Exótica Exótica Nativa Nativa Nativa Nativa Exótica Nativa Exótica Nativa Nativa Nativa Nativa Nativa Nativa Nativa Nativa Nativa Nativa Exótica Nativa Nativa Nativa Nativa Nativa Nativa Nativa Exótica Nativa Nativa Exótica

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Saindo pela cidade é possível encontrar, sem procurar muito, exemplos do que não se pode e não se deve fazer com uma árvore. Há quem se ache no direito de pintar os troncos, enquanto outros não hesitam em afixar, neles, tabuletas de propaganda. Amarrar fios aos galhos, então, é prática corriqueira. Árvores, quase sempre, têm servido de escora para letreiros. Esquece-se que árvores não são coisas, mas seres vivos. A mais danosa de todas as agressões, no entanto, é a poda drástica efetuada para a passagem da rede elétrica. As árvores são mutiladas, abrindo-se enormes vãos em suas copas, um passo para que adoeçam e morram, como aconteceu com a sibipiruna desta foto.


Rogério Recco

Por crescer rapidamente, a sibipiruna é a espécie mais cultivada A diversidade de espécies em Maringá vem aumentando principalmente pelo fato de que a própria população acaba por fazer muitos plantios irregulares com espécies escolhida a gosto. De acordo com Miguel Serediuk Milano (1988), Maringá possuía cerca de 60 espécies na arborização de vias públicas e atualmente, na lista da página anterior, se vê um número acima de 100 espécies, sendo que as mais encontradas continuam as mesmas apuradas por Milano. As informações levantadas pelas equipes já revelam um quadro preocupante em relação a saúde das árvores cultivadas nas vias públicas. As zonas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 12, 20 e 23 tiveram uma avaliação prévia em que se observou que 46,34% das árvores estavam em estado geral sofrível, ou seja, com severos danos físicos, doença ou sintomas muito aparentes, infestação grande de praga e que podem requerer muito trabalho de recuperação. No restante, 16,30% foram classificadas como boas (vigorosas, sem agressões e doença aparente), além de 37,35% em estado satisfatório (com doença ou pragas em estágio inicial ou dano físico pouco aparente). Os pesquisadores observaram também que 21,62% das árvores apresentavam vestígio ou a presença de cupins. O grande número de exemplares doentes justifica as constantes quedas dos mesmos quando de tempestades, oferecendo riscos e causando transtornos à população, além de exigir muito trabalho por parte dos setores especializados da administração municipal.

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O bem conduzido estudo realizado pelo coordenador do Projeto Árvore constatou vários problemas no gerenciamento da arborização das vias públicas, como a inexistência de dados científicos para embasar o planejamento e manejo, ausência de um plano diretor, falta de política e de uma legislação municipal específica que regulamente os procedimentos administrativos necessários à execução dos trabalhos, bem como de um número adequado de mão-de-obra qualificada e de equipamentos apropriados, escassez de mudas para substituição de árvores e de podas de limpeza, execução de podas drásticas, calçadas quebradas, interferência na rede elétrica e de comunicação, entupimento de calhas, danos à rede de água e esgoto, manejo inadequado, severa infestação de cupins e brocas. Em resumo, uma deplorável situação física das árvores, apresentando caules podres, galhos lascados etc. Anteriormente, o estudo elaborado por Milano sobre a arborização nas vias públicas de Maringá, apontava que apenas três espécies (sibipiruna, tipuana e jacarandá) representavam 70% do total, sendo que só a primeira delas detinha 49,83% de participação. Tal fato, segundo ele, favorecia a ocorrência de certas pragas em nível agressivo e abrangente por toda a cidade. Os dados analisados pelo projeto comprovaram que a elevada freqüência de poucas espécies continua, mostrando que um manejo mais adequado deve ser feito, pois nas zonas analisadas a somatória de freqüências das 3 principais espécies resultou em 68,47% da arborização examinada, sendo que 46,35% são apenas da espécie Caesalpinea peltophoroides (sibipiruna). Por sua vez, o estado geral das árvores, considerando doenças, pragas e outros, principalmente daquelas com média de idade de 30 a 40 anos, tida como avançada para o meio urbano devido às condições desfavoráveis em que vivem, era considerado ruim. O ataque de cupins, por exemplo, encontrava-se em estágio tal que o próprio poder público estimava que cerca de 20 a 30% das árvores estavam atacadas. O engenheiro florestal André Sampaio observou que em paralelo ao desenvolvimento urbano, com a expansão das redes de telefonia, elétrica e de esgoto, houve o sumário corte de raízes e a execução de podas arbóreas, muitas vezes agressivas, deixando claro a necessidade de contratação de mão-de-obra qualificada para a manutenção. Ele lembra que o município fez um grande investimento para reduzir os problemas das árvores com a rede elétrica, implantando a rede compacta protegida, com apoio da Copel e de várias outras empresas. No entanto, a falta de capacitação permanente para essa tarefa e o número reduzido de profissionais contratados são fatores que têm ocasionado deterioração no estado das árvores. A conclusão dos trabalhos de pesquisa na Zona 1 – região central da cidade – apontou para um cenário alarmante: a condição geral foi considerada boa e satisfatória para, no máximo, 53,11% delas, sendo que 46,89% apresentavam probabilidade de serem removidas com urgência. Esse dado pode ser explicado pelo fato de a Zona 1 ter sido um dos primeiros lugares a receber arborização, exibindo portanto um grande número de árvores com idade entre 30 e 40 anos. De acordo com André Sampaio, em zonas urbanas uma árvore tem seu envelhecimento antecipado em razão das grandes adversidades que enfrenta, como pequenas áreas para ciclagem de nutrientes e absorção de água, poluição atmosférica elevada, iluminação tanto durante o dia quanto à noite, vandalismo e outras. A falta de um plano diretor, com a conseqüente ausência de infra-estrutura dos organismos gerenciadores da arborização urbana de Maringá, contribuiu certamente para que essa porcentagem fosse tão alta. Outro dado que chamou a atenção: 15,56% das árvores da Zona 1 foram cadastradas como apresentando infestação de cupim, demonstrando que o controle dessa praga não vem sendo feito de forma eficiente. Nessa região, dentre as principais espécies, a sibipiruna respondia por 36,92% do total, ficando a tipuana em segundo com 16,75%, o alecrim em terceiro com 11,78% e o ipê-roxo em

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quarto com 6,50%, aparecendo também a palmeira imperial (4,82%), jacarandá (3,36%), flamboyant (3,22%), tamareira (3,04%), ipê-amarelo (1,85%) e demais (11,75%). Ressalte-se que a freqüência percentual de 36,92% de apenas uma espécie é motivo de preocupação. De acordo com Milano, uma grande concentração de árvores de apenas uma espécie facilita a proliferação de pragas e doenças. Grey e Deneke (1978) afirmam que o limite máximo de freqüência é de 10 a 15% para uma mesma espécie dentro do perímetro urbano, o que propicia que os riscos fiquem mais distribuídos, evitando que a arborização de ruas de uma cidade seja afetada por um surto de pragas e doenças. Somente as três primeiras espécies representavam 65,45% de total de árvores encontradas na Zona 1. O estudo constatou, portanto, que inexiste em Maringá um plano que vise orientar, dentre outros fatores, uma distribuição mais homogênea das espécies. No que refere à condição fitossanitária, verificou-se que 43,76% das sibipirunas examinadas apresentavam situação considerada ruim, o mesmo ocorrendo com 25,31% das tipuanas e 7,69% dos alecrins. Os jacarandás e ipês-roxo exibiam 5,15% de indivíduos em condição fitossanitária ruim, quadro semelhante para 2,69% das palmeiras imperiais. Conclui-se, portanto, que as árvores com maior freqüência percentual dentro da Zona 1 são as que apresentam maior incidência de doenças e pragas, ocorrendo justamente o contrário em relação àquelas espécies com menor número de exemplares. De acordo com o engenheiro André Sampaio, ao comparar a primeira análise - feita em zonas periféricas, onde as árvores eram mais jovens - com os dados da análise realizada na Zona 1, a parte mais antiga da cidade, onde há muitas árvores com mais de 40 anos, a porcentagem de árvores com condição fitossanitária ruim se elevou de 20,73% para 46,81%, o que comprova que as condições oferecidas por uma região central, onde há mais poluição, vandalismo e outras agressões, influi

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Ipê em flor na praça 7 de Setembro

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decisivamente na saúde das mesmas. Importante destacar que o trabalho científico realizado por Miguel Serediuck Milano, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1988, era o único até então abrangendo toda a extensão da arborização da cidade, identificando as setenta e cinco espécies de árvores plantadas nas vias públicas do município. Esse trabalho foi uma tese de doutorado viabilizada econômica e estruturalmente pelo Poder Público, com o título “Avaliação Quali-quantitativa e Manejo da Arborização Urbana: Exemplo de Maringá-PR”. Além de fazer um inventário da arborização urbana, definiu o índice de área verde por habitante, que na época era de 20,62 m2 . Por sua vez, o levantamento “A praça no contexto das cidades – o caso de Maringá-PR” realizado em 2000 por dois professores da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Bruno Luiz Domingos De Angelis (do Departamento de Agronomia) e Generoso De Angelis Neto (Departamento de Engenharia Civil), apontou a existência de 42 espécies de árvores cultivadas nesses logradouros e, a exemplo do que foi apurado nas ruas da cidade, apenas duas delas – sibipiruna e ipê-roxo – correspondem a 56,34% do total. Acrescentando a estas a espécie tipuana, o índice sobe para 69,98%. Insiste-se que do ponto de vista técnico essa concentração é temerária, tendo em vista a situação de risco a que fica exposta parte considerável dessa arborização diante de eventual ataque de pragas ou incidência de patógenos. O trabalho constatou também a ocorrência, nas praças, de espécies arbóreas nativas como paineira, peroba, cedro, figueira-branca, angico e pinheiro-do-paraná, exemplares estes, em sua maioria, remanescentes da mata nativa. Entre as frutíferas, a de maior freqüência foi a mangueira, representando 34,07% do total encontrado. Já as palmáceas estavam representadas por 11 diferentes espécies, sendo a de maior ocorrência a palmeira jerivá, com 35,42% do total. Avaliadas sob o ponto de vista de seu estado geral e de manutenção, constatou-se que 63,7% das praças apresentavam vegetação em bom ou ótimo estado, contra 16,3% com conceito ruim e péssimo. Os problemas mais comuns na arborização das praças maringaenses estão relacionados a danos físicos por vandalismo e problemas fitossanitários, além de podas mal conduzidas. Os professores expressaram que o uso inadequado de determinadas espécies, seja em função do clima ou do solo, é outro problema verificado. Essa diagnóstico lança por terra o mito de uma cidade que ostenta índices apreciáveis de área verde per capita, ou seja, é a quantidade em detrimento da qualidade. “Efetivamente, constatamos a decadência na qualidade da arborização que compõe não somente as praças, como também as vias públicas”. Constatou-se, ainda, que há uma repetição dos elementos vegetais em praticamente todas as praças de Maringá. Independente de serem arbóreas, palmáceas, arbustivas ou forrações, um número pequeno de espécies forma o conjunto da vegetação nas praças da cidade, apesar da riqueza da flora nacional, ainda pouco conhecida e explorada para fins paisagísticos. ..... Em sua tese de mestrado em Geografia, defendida no mês de dezembro de 2003, Lídia Maria da Fonseca Maróstica propôs a adoção de um instrumento de Gestão Ambiental Municipal para conservar os recursos naturais e a qualidade de vida do município de Maringá. Lídia, filha de Geraldo Pinheiro da Fonseca – a quem coube a tarefa de plantar as primeiras árvores da cidade, conforme relatado anteriormente – explica que as dificuldades enfrentadas pela maioria das metrópoles brasileiras no que refere à problemática ambiental, não são diferentes em Maringá, cidade concebida de forma planejada. Uma vez que mais de 98% da população (conforme Censo 2000) reside na área urbana, tal concentração acaba pressionando o ambiente e propiciando degradação. Esse fato, de acordo com Lídia, evidencia a essencialidade da Gestão Ambiental Municipal que leve a uma organização territorial, estabelecendo um contraponto claro entre planejamento e utilização de instrumentos de gestão. “O grande desafio de uma administração municipal é promover o 84


desenvolvimento sem degradar ou alterar as boas condições ambientais do município”, expressou, enfatizando que as ações de gestão devem ser agilizadas, dada a dinâmica dos processos ecológicos e sócio-econômicos. Ela propôs o licenciamento ambiental como instrumento de suporte para minimizar impactos ambientais ou dificultar a mediação de interesses econômicos, o que ajuda na proteção de recursos naturais. O aumento da população do município tem tido sua expressão especial no crescimento da periferia urbana, com a ocupação comprometendo os recursos hídricos mais próximos e forçando a expansão do sistema de abastecimento. Por sua vez, a evolução da área construída vem provocando a impermeabilização excessiva do solo, já que somente em 1990 passou a constar na lei orgânica do município a exigência de manutenção como área permeável de 10% da superfície de todos os lotes urbanos. Os efeitos erosivos, principalmente no interior do Bosque 2, Parque do Ingá e Horto Florestal são preocupantes à medida em que ajudam a degradar um ambiente ameaçado continuamente pelas transformações próprias da expansão urbana. O aumento da área impermeabilizada e do escoamento superficial, a incapacidade de drenagem do sistema de galerias pluviais, a utilização de emissários sem dissipadores de energia e a concentração da população em áreas com forte declividade são as principais causas de degradação do solo em Maringá. Pode-se dizer que os dois parques, considerados os pulmões da cidade, agonizam em meio à selva de pedra que os envolve. Tanto nos 47,3 hectares do Parque do Ingá como nos 57,3 hectares do Parque dos Pioneiros, também chamado de Bosque 2, a água das chuvas que escorre pelas galerias pluviais é despejada dentro da floresta e está provocando longos trechos de erosão. Além disso, a água que chega pelas galerias traz grande quantidade de lixo e materiais poluentes. No caso do Parque do Ingá, o problema é ainda mais grave, já que a impermeabilização do solo na zona urbana, juntamente com a erosão, ameaça secar o lençol freático que deu origem ao lago. Segundo especialistas, a degradação do solo está alterando a estrutura geológica dos dois locais. Uma grande cratera vem consumindo parte da vegetação e, se não for contida, poderá desviar o fluxo de passagem da água subterrânea que abastece o lago. Para algumas autoridades da área ambiental, o problema foi provocado porque até hoje nenhum prefeito seguiu o plano de manejo que determina a construção de um anel de galerias para captação das águas no entorno do parque. Segundo elas, as administrações fizeram obras paliativas mas nunca cumpriram o plano de manejo em relação ao anel. As autoridades defendem que a população também precisa cobrar do poder público uma atuação mais efetiva para a preservação das unidades de conservação. ..... Lídia Maróstica teve participação como responsável técnica pela criação e denominação de cinco parques: Parque da Gurucaia, Parque do Cinqüentenário (partes I e II, criado em homenagem aos 50 anos da cidade), Parque das Palmeiras, Parque das Perobas e Parque do Sabiá. Foi também a responsável técnica pela declaração daqueles parques e também dos Parques do Ingá, Pioneiros, Recanto Borba Gato e Guaiapó como unidades de conservação e inclusão no ICMS Ecológico. Em 1993, Lídia e outros técnicos da Prefeitura propuseram um convênio com a Copel (viabilizado através da lei municipal n° 3.369/93) para converter os seis principais alimentadores do município para o sistema de rede compacta protegida. Com isso, foi reduzida a necessidade de poda na arborização urbana de médio e grande portes. Em apenas um ano, foram substituídos quase 100 quilômetros de redes. A experiência de Maringá receberia um voto de louvor da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU), conforme consta na Carta de São Luiz-MA: “Que a cidade de Maringá seja tomada como exemplo, para os municípios brasileiros, pelos esforços e realizações no sentido de melhoria da qualidade de prestação de serviços de energia em harmonia com a arborização”. À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A

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Estudo elaborado em 1988 apontava que apenas três espécies (sibipiruna, tipuana e alecrim) representavam 65,45% do total nas vias públicas.

Na zona 1, a mais antiga da cidade, apenas 53,11% das árvores apresentavam condições fitossanitárias satisfatórias em 2004, segundo levantamento realizado pelo Cesumar.

Avaliação prévia apontou que 46,34% das árvores da cidade encontravam-se em estado sofrível.

Apesar da riqueza da flora nacional, há uma repetição de elementos vegetais em praticamente todas as praças.

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PARTE 3 - C IDADE

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88 RogĂŠrio Recco

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Rogério Recco

A cidade do verde intenso, com inúmeras espécies em profusão

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Marly Aires

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Tipuana

Pata-de-vaca

Jacarandá

Espécies mantêm cidade florida o ano inteiro

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planejamento da arborização urbana foi feito, segundo o engenheiro agrônomo Anníbal Bianchini da Rocha, para que o período de floração das diferentes espécies fosse distribuído ao longo do ano. Dessa forma, todos os meses é possível encontrar pelas ruas da cidade pelo menos uma delas repleta de flores. Seguindo pelo calendário, o mês de janeiro é quando as tamareiras do oriente e as palmeiras das canárias atingem o auge do florescimento. Em fevereiro é a vez das sibipirunas serem tomadas de flores amarelas, seguidas no mês de março pelas acácias, que ficam igualmente carregadas daquele mesmo tom. Quando chega abril, as quaresmeiras exibem todo seu encantamento e, em maio, é o momento de as paineiras ficarem repletas de vermelho. Sob o frio de junho é que o ipê-roxo atinge a floração, acompanhado em julho do deslumbrante ipêamarelo. Agosto fica bem mais bonito com o colorido da pata-de-vaca e, em setembro, o vermelho intenso chega para embelezar ainda mais o flamboyant. Outubro não fica atrás: é o período de florescimento do jacarandá mimoso, que inunda as ruas de azul escuro. As tamareiras voltam a florescer em novembro e o ano fecha com estilo, no mês de novembro, quando as bougainvilleas atingem todo o seu esplendor.

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Praça das Grevíleas, Maringá Velho

Erradicar as essências exóticas em favor das nativas

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ioneiro em Maringá, tendo chegado à região em meados dos anos 40, vindo de Garça-SP, onde nasceu em 1942, Luiz Lourenço, presidente da Cocamar, defende que a administração pública erradique as espécies exóticas dos principais parques da cidade, em favor de essências nativas. Ao seu ver, é preciso priorizar as espécies naturais, como peroba, cedro, marfim e gurucaia, mesmo porque estas apresentam melhores condições de adaptação aos tipos de clima e solo e fazem parte da história da região. Na sua opinião, bosques formados inteiramente por árvores exóticas, como o das Grevíleas, no Maringá Velho, deveriam ser repensados. Ali, as árvores estão definhando e muitas já morreram, o que demonstra a inadaptabilidade das mesmas. A propósito, o Bosque das Grevíleas, aprazível logradouro onde muitas pessoas costumam passear ou exercitar-se, fazendo caminhadas, por pouco não foi loteado, durante os anos 70. Consta, inclusive, que pelo menos uma área chegou a ser vendida para uma igreja. À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A

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Plantando Maringá no Guiness

O O Kenji Ueta

dia 28 de julho de 1997 ficou marcado na história de Maringá. Nesse dia, a cidade entrou para o Guiness Book em função do plantio de nada menos que 26.300 árvores em logradouros públicos, através de um grande movimento que envolveu milhares de alunos da rede pública e particular, voluntários de clubes de serviço, representantes de associações, empresas, enfim. Covas foram abertas em mutirão e as mudas iam sendo plantadas em fundos de vale, praças e parques. Ao final do dia, cerca de 20 mil pessoas concentraram-se no Parque do Ingá e cantaram juntas a canção “Maringá”, de Joubert de Carvalho, sob o espocar de fogos, tão logo souberam que a meta havia sido alcançada. Apenas plantar, no entanto, não assegurou que as mudas teriam futuro. O historiador Antenor Sanches lembra que por falta de irrigação, mais de 60% das plantas se perderam.

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Cipós sufocam o Bosque dos Pioneiros

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m dos pulmões de Maringá, o Bosque dos Pioneiros corre o risco de ser destruído pela erosão, enquanto muitas de suas árvores frondosas são sufocadas por uma espécie de cipó que ali viceja intensamente. O cipó se alastra pelo Bosque e, ao envolver as árvores, estas acabam morrendo. Há algum tempo, o poder público empenhou-se para a retirada do cipozal que ficava mais à vista dos que se encontram no entorno. No entanto, sabe-se que a situação ainda é crítica em seu interior.

Daniel Aires 93


Sem água, como sobreviver?

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á foi dito que a impermeabilização das ruas e calçadas tornou-se um problema crônico para a arborização de Maringá. Não obstante o asfalto e o calçamento, que impedem a absorção da água, há os que ainda constroem pequenas muretas ao redor das árvores.

Há alguns anos, o advento das calçadas ecológicas, que passaram a ser adotadas nas novas

construções, prevendo espaço para a edificação do passeio e outro com vegetação, de modo a

Daniel Aires

facilitar a infiltração de água, recebeu muitos elogios e mereceu a simpatia das pessoas.

Calçadas ecológicas: diminuíndo a excessiva impermeabilização

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Kenji Ueta

Canteiro central da Avenida Tiradentes

A florada dos flamboyants

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m 2000, ano de inverno rigoroso, em que na região as geadas foram as mais intensas desde 1975, os flamboyants tiveram uma de suas maiores floradas. Todas as árvores dessa espécie ficaram carregadas de vermelho, mas uma, em especial, despertou a atenção das pessoas: a que fica no canteiro central da avenida Cerro Azul, na confluência desta com a rua Arion Ribeiro de Campos (esquina do Maringá Clube). O imponente espécime, cujo porte revela ter sido plantado possivelmente durante a década de 50, estende generosamente sua galhada sobre os dois lados da avenida. Situado em local de grande visibilidade, tornou-se uma atração durante a primavera daquele ano, tamanha a quantidade de flores. O deslumbramento foi tamanho que muitos dos que habitualmente passavam por aquela via fizeram questão de ser fotografados ao lado da bonita árvore.

À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A

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Uma figueira e um cedro no meio do caminho

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uem segue pela avenida Paraná em direção ao Bosque 2, avista, ao final daquela via, uma majestosa figueira que, dada a duplicação da avenida Itororó, acabou, literalmente, ficando no meio do caminho. Por causa dela, a avenida Paraná faz uma curva antes de possibilitar acesso à Itororó. Impossível passar por ali sem admirar a figueira. A grande árvore, além do encantamento que proporciona aos que passam, acompanha gerações de alunos do Colégio Marista, cuja entrada fica bem ao lado. Na Avenida Gurucaia, um cedro com mais de 50 anos foi, por algum tempo, motivo de impasse em 2004, quando a Prefeitura implementou a duplicação daquela movimentada via e precisava, para isso, abater a árvore. Desautorizado pelo Conselho do Meio Ambiente de Maringá, o poder público não teve outra alternativa senão alterar o projeto de duplicação. Com isso, a segunda pista foi redesenhada para desviar do cedro que, preservado, acabou ficando no meio do caminho.

Daniel Aires

À esquerda, o cedro, na Avenida Gurucaia; abaixo, a figueira branca mo final da Avenida Paraná

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Uma praça com árvores da antiga fazenda

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xibindo uma ampla variedade de espécies, como grevíleas, pau-ferro, café-debugre e outras, a praça Augusto Ruschi, situada no Jardim Tabaetê, região sul da cidade, é uma das poucas que não tiveram árvores plantadas quando de sua construção. As que ali habitam são remanescentes de uma antiga fazenda, daí a sua particularidade. Tal fato explica, possivelmente, o fato de ser a preferida de aves pouco comuns em outros logradouros, como o intrigante urutau, de hábito noturno e canto triste, com o qual os moradores mais próximos estão habituados. É, também, um ninhal de beija-flores.

Daniel Aires

Praça Augusto Ruschi: uma das paradas do intrigante urutau À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A

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A via dos ilustres

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Rogério Recco

avenida Constâncio Pereira Dias, que atravessa o parque industrial da Cocamar Cooperativa Agroindustrial, na saída para Campo Mourão, possui a maior coleção de árvores plantadas por pessoas ilustres de passagem por Maringá. A iniciativa partiu da própria Cocamar e começou a ser implementada em 2000, quando o primeiro exemplar, um ipê-roxo, foi plantado por Roberto Rodrigues, então presidente da Aliança Cooperativa Internacional - a principal entidade do cooperativismo mundial, sediada em Genebra, com 800 milhões de adeptos pelo planeta - e que viria a ser ministro da Agricultura. Entre muitos outros, plantaram árvores ali - ou foram representados, no ato, por familiares - vários ex-ministros da Agricultura, como Ivo Arzua Pereira, Alysson Paulinelli e Luiz Fernando Cirne Lima; alguns benfeitores da cooperativa como os ex-prefeitos João Paulino Vieira Filho e Adriano José Valente; o ex-chefe de gabinete do Ministério do Planejamento à época de Roberto Campos, Milcíades Sá Freire de Souza; o ex-presidente do Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), José Pires de Almeida; o senador Osmar Dias; os ex-governadores Álvaro Dias, Emílio Hoffman Gomes, José Richa, Ney Braga, Jayme Canet Júnior e Roberto Requião; e até mesmo o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, plantou sua árvore naquela avenida em abril de 2003, quando esteve na Cocamar para inaugurar um novo conjunto de indústrias. Como não poderia deixar de ser, o engenheiro agrônomo Anníbal Bianchini da Rocha, acompanhado da esposa Apparecida Thereza, também tem a sua árvore no local, plantada ali no mês de março do mesmo ano, quando a cooperativa comemorou seus quarenta anos de fundação.

Anníbal Bianchini da Rocha (ao lado da esposa Apparecida Thereza) planta sua árvore quando dos 40 anos da Cocamar. 98


Daniel Aires

A avenida Constâncio Pereira Dias ganhou esse nome em 2000 e fica no parque industrial da Cocamar.

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Sibipiruna poderia viver mais de 100 anos

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riginária da Mata Atlântica, a sibipiruna é uma espécie da família das leguminosas e atinge altura máxima em torno de 18 metros. Esta espécie de árvore, que costuma viver por mais de um século, é muito confundida com o pau-brasil e o pau-ferro pela semelhança da folhagem. No meio urbano, onde sofre muitas agressões, é considerada senil por volta de 50 anos.

Daniel Aires

A sibipiruna perde parcialmente suas folhas no inverno e a floração ocorre de setembro a novembro, com as flores amarelas dispostas em cachos cônicos e eretos. Os frutos, que surgem após a floração, são de cor bege-claro, achatados, medem cerca de 3 cm de comprimento e permanecem na árvore até março. A árvore é muito utilizada no paisagismo urbano em geral, sendo também indicada para projetos de reflorestamento pelo seu rápido crescimento e grande poder germinativo. A floração da espécie ocorre geralmente 8 anos após o plantio e cada exemplar, cultivado em condições adequadas, pode viver por mais de 100 anos.

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Ipê-roxo, árvore “santa” quase em extinção O ipê-roxo, espécie que ornamenta, entre inúmeras outras vias, a Avenida Brasil, é tido como um poderoso auxiliar no combate a determinados tipos de tumores cancerígenos. É usado também como analgésico e como auxiliar no tratamento de doenças estomacais e da pele. No passado, foi largamente utilizado no tratamento da sífilis. A árvore do ipê-roxo é alta e tem como característica as flores tubulares arroxeadas. Os estudos ainda não comprovaram suas propriedades anticancerígenas. A substância com propriedades terapêuticas é encontrada na casca. A extração predatória, realizada durante anos, quase levou a espécie à extinção. Representantes da Associação dos Pioneiros de Maringá defendem que o ipê-roxo seja instituído como símbolo ecológico do município.

Daniel Aires

Rogério Recco 101


O ingá tem seu reduto: o Parque do Ingá

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Ingazeiro

Kenji Ueta

ouca gente sabe: o Parque do Ingá recebeu esse nome em razão do grande número de árvores conhecidas popularmente como ingá, em seu interior. Até 1971, o então Bosque 1 era denominado Dr. Etelvino Bueno de Oliveira. Da espécie Inga uruguensis, essa árvore, da qual originou-se o próprio nome da cidade, tem muitas denominações pelo Brasil: ingá-do-brejo, ingá-de-quatro-quinas, ingazeiro, ingá-banana, angá. A espécie, no entanto, não faz parte do programa de arborização urbana. Com altura entre 5-10 m e tronco de 20 a 30 cm de diâmetro, floresce durante os meses de agosto-novembro e a maturação de seus frutos verifica-se de dezembro a fevereiro. No final da década de 60 o Parque do Ingá sofreu um incêndio de tal proporção que grande parte da vegetação foi devastada. Para sua recuperação foi efetuado replantio, utilizando-se espécies retiradas do Horto Florestal.

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Alecrim, ideal para arborizar

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entre as espécies cultivadas para a arborização da cidade, o alecrim é considerado, por alguns especialistas, como a árvore ideal, por ser “comportada”, ou seja, perder pouca quantidade de folhas e dificilmente apresentar quebra de galhada. Com tais vantagens, e também por oferecer amplo sombreamento, o alecrim está entre as principais espécies plantadas em Maringá.

Daniel Aires

A espécie é considerada “comportada”

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Kenji Ueta / Arte Marco Lago

Príncipes japoneses plantam pinheiro no Parque do Ingá

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m 1972, quando das comemorações do Jubileu de Prata de Maringá, na administração do prefeito Adriano José Valente, a cidade recebeu a ilustre visita de representantes do Imperador japonês, que vieram especialmente para a efeméride: seu filho, o príncipe Akihito, que se fez acompanhar da princesa Michiko. Na oportunidade, ambos participaram de várias solenidades. Uma delas, a inauguração do Parque do Ingá, onde instalou-se um belo jardim japonês. Segundo o empresário Shiniti Ueta, que participou da comissão de recepção ao casal imperial, Akihito e Michiko plantaram no local um pinheiro-do-japão. Durante sua estada em Maringá, o casal protagonizou uma cena que ficaria marcada na história da cidade: durante deslocamento da comitiva oficial pela Avenida Brasil, nas proximidades da Igreja São José, na Vila Operária, Akihiro e Michiko vislumbraram um magnífico exemplar de ipêroxo, repleto de flores, no canteiro central. Imediatamente, pediram que o veículo parasse e foram até bem perto da árvore. Para surpresa das demais autoridades que os acompanhavam, ambos ajoelharam diante do ipê e rezaram. O príncipe Akihito seria investido como o 125° imperador do Japão em 1989, quando faleceu seu pai, o imperador Hirohito.

A então Princesa Michiko, hoje Imperatriz do Japão, despedindo-se de Maringá

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Daniel Aires

Jacarandás inspiram a cor do prédio do BB

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uando o Banco do Brasil inaugurou no início dos anos 80 o edifício onde está localizada sua agência central em Maringá, no cruzamento da rua Santos Dumont com a Avenida Duque de Caxias, quase ninguém entendeu a razão pela qual escolheram a cor roxa para revestir, com pastilhamento, suas paredes externas. No cenário panorâmico urbano, a tonalidade pouco comum do prédio chegou a causar estranheza, por uma suposta “falta de gosto”. Mas, na verdade, conforme lembra Marilena Meyer, viúva do saudoso pioneiro Guilherme Meyer, o banco escolheu aquela cor por um motivo especial, ligado à arborização. Ao visitar Maringá para elaborar o projeto de construção do edifício, os arquitetos contratados pela instituição ficaram impressionados com a beleza dos jacarandás (jacaranda mimoso), em pleno florescimento, o que os levou a sugerir, através daquele tom arroxeado, uma homenagem à espécie, cujos exemplares eram vistos em profusão nas ruas e avenidas centrais. Dona Marilena, que dizia antes não ter apreciado a escolha, simpatizou-se com a cor escolhida para o edifício tão logo alguém do BB relatou-lhe a história. À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A 105


Leis que deveriam proteger as árvores

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Daniel Aires

ulta para o corte ou inutilização de árvores ornamentais da cidade foi prevista na Lei Municipal n° 995/73, cuja redação foi alterada pela Lei n° 2585/89. Uma outra Lei, n° 3774/95 estabelece que “As árvores situadas nos passeios públicos deverão ser erradicadas, na forma da lei, quando a sua condição geral indicar estado irrecuperável ou colocar em risco o patrimônio do município”. No entanto, a despeito disso, árvores têm sido abatidas, muitas vezes de forma injustificável, sobretudo espécies exóticas.

Grevíleas abatidas na parte externa do Horto Florestal em 2003

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O pinheirinho da Fazenda São Bonifácio deu em casamento

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ntenor Sanches, catarinense de Campos Novos que foi criado em Caçador, naquele mesmo Estado, tinha 18 anos e já estava estabelecido no comércio de jornais e revistas naquela cidade, quando Vicente Vareschini, corretor da Companhia Melhoramentos, convidou-o a conhecer a próspera região de Maringá. Era 1947 e seu pai, Pedro, foi avisando: “É um patrimônio no meio do mato, mas um lugar de muito futuro”. Curioso, o rapaz concordou com a viagem. Em Maringá, viu que comprar e vender terras era um bom negócio e associou-se a Vicente que, por obra do destino, viria a ser seu cunhado. Um dia, ao ser apresentado à jovem Lucrécia, apaixonou-se. O namoro começou mesmo quando ambos foram comprar um pinheirinho como ornamento de Natal na antiga Fazenda São Bonifácio, onde vivia padre Emílio Scherer, o pioneiro dos pioneiros de Maringá. Antenor e Lucrécia casaram-se em 1949, na capela Santa Cruz, em celebração presidida pelo próprio padre Scherer. Juntos, em feliz matrimônio, viveriam 51 anos, formando uma grande e unida prole. Escritor e historiador consagrado, Antenor Sanches exerceria vários cargos públicos a partir de 1956 e por 26 anos foi vereador. O cognome “Cidade Canção”, pela qual Maringá é mais conhecida, foi uma sugestão sua.

Lucrécia (in memoriam) e Antenor: 51 anos juntos

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Frutíferas diversas tomam conta das ruas

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Daniel Aires

falta de um planejamento para a arborização da cidade produz algumas distorções que se evidenciam em bairros e também na região central. Não raro, observa-se palmeiras imperiais dividindo espaço com mangueiras ou árvores de outras espécies frutíferas em canteiros de vias importantes, plantadas por pessoas que habitam na redondeza. Da mesma forma, é comum encontrar frutíferas sendo cultivadas em frente a residências ou estabelecimentos comerciais nos bairros, listando-se, entre elas, mangueiras, laranjeiras, romãzeiras, pessegueiras e até jaqueiras, sendo esta última considerada um perigo em razão do tamanho de seus frutos e dos riscos de acidentes que possam ocasionar.

Mangueira, a espécie frutífera mais cultivada nas ruas da cidade

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Um bairro cujas ruas ensinam sobre árvores

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Daniel Aires

ue árvore é essa?” Com toda certeza, muitas perguntas feitas por pessoas interessadas em conhecer melhor as árvores, infelizmente acabam ficando sem resposta porque só mesmo os entendidos saberiam dizer. Afinal, como não há nenhum tipo de identificação, como saber se se está diante de um alecrim, uma pata-de-vaca ou de um flamboyant? Em relação a isso, o Borba Gato, um simpático bairro de Maringá, apresenta uma característica que o difere dos demais: em vez de nomes de personalidades, como é mais comum, suas várias ruas receberam a denominação de espécies de árvores cultivadas na cidade. Passaram a existir, então, a rua das Tipuanas, dos Alecrins, dos Ipês... Detalhe interessante é que como foram arborizadas com as respectivas espécies, as ruas fizeram do Borba Gato uma síntese da bela variedade verde que tão bem identifica Maringá. Além de, é claro, servirem de referência para quem deseja conhecer melhor cada qual.

À S O M B R A D O S I P Ê S DA M I N H A T E R R A 109


Uma cidade mais humana passa também pelo maior grau de comprometimento de sua população com a arborização e as áreas verdes.

É interessante como políticos de grande talento não se apercebem do marketing que fariam se lançassem campanhas efetivas de valorização do verde.

Deus não deu aos mais aquinhoados financeiramente o privilégio de terem para si o monopólio do verde e do ar puro. No entanto, quanto mais nobre é o bairro, maior é a cobertura de verde.

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Referências - Acervo histórico de Maringá disponibilizado pela Secretaria de Cultura. - Acervos: Sindicato Rural de Maringá, Cézar Augusto de Lima, Antenor Sanches, Jorge Fregadolli, Anníbal Bianchini da Rocha e Flamma Comunicação Empresarial. - “Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná” – 2° edição 1977. - “O Tempo de Seo Celso” – Celso Garcia Cid/Domingos Pellegrini – 2° edição (Gráfica Ipê, 1990). - “Árvores Brasileiras” – Harri Lorenzi (Editora Plantarum, 1992). - “Cocamar, uma história em quatro décadas” – Rogério Recco (Gráfica Midiograf, 2003) - Projeto Árvore – engenheiro florestal César André Furlaneto Sampaio (Cesumar). - “A praça no contexto das cidades – o caso de Maringá-PR” - Bruno Luiz Domingos De Angelis – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São PauloSP, 2000. - “Gestão ambiental municipal: o Licenciamento como ferramenta de controle para o município de Maringá-PR” (Maria Lídia da Fonseca Maróstica) - Arquivos O Diário do Norte do Paraná, Jornal Hoje Maringá, Jornal do Povo e Revista Tradição e “O Pioneiro” (Associação dos Pioneiros de Maringá).

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Edgar retratou a cidade dos primeiros tempos

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Erradicar as essências exóticas em favor das nativas

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De “jardineiro” a secretário de Estado

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Esse Bianchini

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Plantando Maringá no Guiness

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Administração pública assume a arborização

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