CAPÍTULO 3
OS PADRES DA COMPANHIA E O PROCURADOR DOS POVOS DO MARANHÃO E GRÃO-PARÁ
S
egundo Maria de Fátima Gouvêa e João Fragoso, a sociedade colonial pode ser compreendida como um emaranhado de estruturas e relações sociais cheias de fraturas e interesses contraditórios. Porém, entender uma organização social como um “Conjunto de regras partilhadas entre seus agentes – viabilizando com isso, as relações sociais – não implica afirmar que tais regras sejam inteiramente coerentes [...] nem que ela funcione como um maquinário rígido e insensível aos dramas do cotidiano”. Ao contrário, justamente por ser um sistema de normas, a sociedade colonial estava “Impregnada de incoerências”, principalmente por estar em contínuo movimento273. É na perspectiva de uma sociedade em movimento, de complexas relações de micropoderes, e de uma economia das mercês274, que estudaremos os posicionamentos dos diversos grupos sociais existentes na Amazônia portuguesa em relação à atuação da Companhia de Jesus e de seu opositor mais notório na primeira metade do setecentos, o procurador autoproclamado das Câmaras, Paulo da Silva Nunes. Analisaremos, assim, ao longo deste terceiro capítulo, a existência de muitas disposições controversas, mas também intrínsecas a um mesmo grupo social, como, por exemplo, o posicionamento das Câmaras de Belém e São Luís e dos principais membros da governança em relação à campanha de Paulo da Silva Nunes na Corte. 273 GOUVÊA. Maria de Fátima; FRAGOSO, João (Orgs.). Na Trama das Redes: Política e Negócios no Império Português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 15-16. 274 Com respeito a esse assunto, Fernanda Olival trabalha com o conceito de mercê remuneratória, segundo o qual, quando a monarquia não possuísse capacidade de agir, recorreria ação de particulares. Dessa forma, “Servir a Coroa, com o objetivo de pedir em troca recompensas, tornar-se quase um modo de vida, para diferentes sectores do espaço social português. Era uma estratégia de sobrevivência material, mas também honorífica e de promoção”. OLIVAL, Fernanda. As Ordens militares e o Estado Moderno: Honra, Mercê e Venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Editora Estar, 2001, p. 22.